SÍMBOLO
Duas figuras foram, recentemente, aclamadas como eternas pelas multidões. Curioso, as duas figuras não possuem nada em comum, a não ser a condição humana. A Coréia do Norte expôs ao mundo a veneração ao líder político, Kim Jong Il, por ocasião de sua morte. Nas escassas imagens oficiais, o mundo acompanhou as estereotipadas homenagens ao líder político. Tudo muito padronizado, ensaiado, distante. Impressiona a uniformidade e a disciplina, mesmo com multidões de cidadãos acompanhando as cerimônias oficiais. As imagens de consternação, poucas e de ângulo sempre fechado, pareciam espúrias, forçadas, artificiais. Nenhuma entrevista, nenhuma expressão espontânea. Estranha homenagem para uma figura aclamada supostamente pela população como líder eterno.
Bem diferente da espontaneidade que a torcida do time do Palmeiras, em especial, e outras tantas figuras do mundo esportivo, demonstraram diante do anúncio da ‘aposentadoria’ do goleiro Marcos. A primeira diferença entre o ‘eterno são marcos’ e o do político norte-coreano Kim Jong Il, também oficialmente proclamado ‘eterno’, é a dimensão humana. Da vida do líder político praticamente nada se sabe. Nem seus próprios patrícios, presumivelmente, conheciam mais de perto seu líder. A vida pessoal dele, seus hábitos, seus gostos, era mantida sob rigoroso sigilo. De suas limitações, então, e prováveis enfermidades e traumas, nem menção. O que vale é a imagem de um super-homem, líder firme e seguro. Esta camuflagem, além de projetar um irreal perfil de perfeição, na verdade serve para esconder hábitos considerados burgueses pela propaganda oficial do país, proibidas e até punidas severamente quando praticadas por cidadãos comuns. Curioso, como é comum lideranças que se projetam carismáticas, camuflarem suas personalidades e identidades! Difícil, igualmente, conceber como pessoas inteligentes podem imaginar que as populações aceitem perfis artificialmente fabricados. Por mais que a propaganda oficial capriche e retoque fica difícil imaginar que cidadãos com mediana inteligência aceitem ser tão grosseiramente enganadas. Tudo o que é escondido gera suspeita e mais dias e menos dias será conhecido. A máscara um dia cairá.
O goleiro Marcos assume seus defeitos, e numa boa. Faz até piada deles. Esta postura torna o excepcional profissional próximo ao torcedor comum. A inegável qualidade profissional nunca foi pretexto para esconder ou camuflar a dimensão humana do cidadão Marcos. Ao contrário, esta dimensão humana do goleiro do Palmeiras enaltece mais a sua dedicação profissional. Um cidadão comum, com qualidades e defeitos, pode, com dedicação e responsabilidade, tornar-se um exemplar atleta. Na simplicidade e espontaneidade de sua personalidade, que ele próprio definia como caipira, Marcos deixa preciosas lições, não somente para quem aspira ser atleta, mas também para o cidadão comum. A fidelidade ao seu clube, mesmo, e em especial, nos momentos mais turbulentos e tristes da agremiação, é outro formidável exemplo. Quando todo atleta sonha em jogar no exterior, Marcos, no auge da condição atlética e da fama, recusou propostas européias e preferiu jogar pelo seu time na segunda divisão. Interpelado diante da inusitada decisão, afirmou candidamente: dinheiro não é tudo na vida. Provocador contraste, num ambiente onde o conceito de ‘valorização profissional’ é pretexto para os mais vergonhosos leilões e as mais caricatas manifestações de amor pela camisa de um clube. Mesmo no auge da fama e do reconhecimento profissional Marcos nunca foi mascarado. Falava o que pensava e cobrava de si e de colegas, da comissão técnica e de dirigentes respeito e honra à gloriosa camisa que vestiam. Incisivo foi muitas vezes, sem nunca, cair na vulgaridade. Dava a cara para bater porque amava o que fazia e respeitava a camisa que defendia.
Sugestiva é imagem com que a admiração popular decidiu perpetuar a trajetória deste singular atleta. Representa-o de joelhos e com as mãos levantadas para o céu em prece. Popularmente aclamado e profissionalmente reconhecido, inclusive por adversários, Marcos nunca deixou de ser uma pessoa humilde com claras raízes religiosas. Emerge, assim, outra essencial diferença entre o político que se autoproclama ‘eterno’ e o atleta que é reconhecido, por mérito, símbolo, e cuja memória será, naturalmente, perpetuada.
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