domingo, 21 de outubro de 2012

EXPOSIÇÃO

Pe. Charles Borg Ávila é patrimônio da humanidade. A cidade é conhecida e visitada principalmente pelas magníficas muralhas, com as múltiplas torres arredondadas, que protegem o setor mais antigo. Basta, no entanto, decidir entrar por uma das principais portas, a de Alcazar, para perceber que outra atração distingue a cidade. Lá está o majestoso monumento a Santa Teresa, a mística carmelita que associou seu nome à cidade de Ávila. E a cidade ostenta evidente orgulho da filha mais ilustre. Andando pelas estreitas ruas da cidade velha, a memória de Teresa é onipresente e se impõe. De especial interesse é o convento onde Teresa viveu e iniciou sua ousada reforma da Ordem Carmelita. Insatisfeita com o estilo ameno das irmãs carmelitas da época, Teresa dedica-se a uma reforma radical da vida religiosa, insistindo principalmente na disciplina e na austeridade. A casa que abrigou Teresa e suas primeiras companheiras é, hoje, Museu, visita obrigatória para quem deseja conhecer mais de perto a vida e a proposta mística da santa. Encontram-se ali vários manuscritos dela, junto com outras obras místicas de autores seus contemporâneos, inestimável tesouro. De particular interesse é a reprodução do cubículo que Teresa ocupava e onde ela escreveu a maior parte de sua obra mística. Chama a atenção o estrado onde ficava o colchão, o genuflexório e a baixinha mesa que servia de escrivaninha. Contam os biógrafos que Teresa escrevia ajoelhada ou sentada no chão. Entendeu a mística que a alma humana cresce e amadurece na disciplina e no despojamento. Contemplando a cela compreende-se por que foi possível surgir dali uma literatura tão profunda e tão luminosa a ponto de permanecer referência mística, passados já quatro séculos. A total falta de aparelhamento levaria seus escritos, pela lógica humana, a um completo esquecimento. Emerge, então, a grande verdade. Obras valem pelo conteúdo não pela exposição. A luz sempre ilumina, mesmo quando ninguém aprecia ou valoriza seu brilho. Sendo intrinsecamente valioso, o reconhecimento do conteúdo acontece naturalmente. Nem sempre com o impacto ou a rapidez que se deseja. Mas acontece, porque obra de arte não caduca, carrega vitalidade inerente. Reconhecimento é conseqüência natural do valioso conteúdo. Lição preciosa, especialmente para a mentalidade de hoje, que valoriza mais a exposição que o conteúdo. Encontram-se figuras públicas, em todas as áreas, inclusive a religiosa, que investem tão pesado na produção de imagem, que poucas energias, tempo e recursos sobram para eles se abastecerem de um sólido conteúdo. A moldura adquire maior relevância que o quadro. O resultado desse desequilíbrio é previsível. Rapidamente a imagem se desgasta, fica então escancarada a indigência da mensagem e a superficialidade do conteúdo. Excessos de ruídos e exageros de produção geram tão somente falatórios. Teresa de Ávila é um luminoso exemplo para qualquer artista. Ao escrever sua obra, a principal preocupação da freira não foi ser manchete, mas, sim, partilhar com os outros a riqueza de inspirações que preenchia sua alma, resultado de longas reflexões e meditações. Impulsionava-a irreprimível desejo de partilhar com quem quisesse tudo que iluminava a sua alma e a levava a tão excelsa êxtase. Livre de qualquer vaidade ou ambição comercial, produzia para dar vazão a interiores exigências. Partilhar queria as riquezas de bênçãos que de Deus recebia. É a liberdade e a criatividade comunicativa que caracterizam o artista genuíno. Produz não para agradar nem para satisfazer caprichos, mas impulsionado unicamente pela vontade de partilhar a abundância de informações que povoam a sua alma e que tão bem lhe fazem, com o objetivo de proporcionar ao leitor condições para uma crítica análise e consciente adesão. Obras desse porte não se realizam por imposições ou por encomenda, mas são espontâneas expressões de realidades geradas na disciplina e na contemplação. A atual mentalidade, inclusive a cultural e artística, exalta a exposição. Teresa de Ávila, e tantos outros artistas consagrados, lembram que sem disciplina e despojamento fica quase impossível produzir obras de intrínseco valor. Exposição é conseqüência, não pré-requisito!

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