sábado, 30 de março de 2013

ARTIGOS VÁRIOS

CORRESPONSABILIDADE "Socorrei-me sem demora"! É a súplica diária que a Igreja eleva a Deus, compartilhando o clamor presente no mais fundo da alma humana como também na natureza! Na condição de Pai atento e misericordioso, Deus sempre atende a súplica. A história sagrada pode ser comparada a uma coleção de intervenções divinas em favor da humanidade. A mais notória e comovente é, sem dúvida, a encarnação de nosso Senhor Jesus Cristo. Assumiu a condição humana para convencer a todos dos traços compassivos do Criador. O itinerário de Jesus, quando visto da perspectiva da misericórdia, adquire um singular e comovente apelo. Facilmente se percebe que o grande vetor da ação e instrução de Jesus foi o profundo anelo de socorrer a alma humana. Todo o seu ministério foi motivado por uma sincera consideração pelo ser humano. Por uma sentida misericórdia. A conclusão lógica dessa fundamental premissa é que não existe meio melhor de anunciar Jesus Cristo senão pela prática da misericórdia. Persistem, não obstante, as censuras contra a religião como também expande a propagação do ateísmo. Estampam-se manchetes anunciando a morte de Deus e a consequente inutilidade da religião. Pessoas há que, aflitas diante da progressiva expansão do materialismo, buscam encontrar argumentos racionais, convincentes para rebater tais doutrinas. Estratégia equivocada, pois a cada argumento a favor aparecem outros contestando. A estratégia correta para reafirmar a urgência da presença de Deus na vida de cada pessoa foi proposta por Jesus Cristo. Ao formar a primeira comunidade e enviá-la ao mundo, o Senhor Jesus recomendou que agisse como testemunha. Ora, se a qualificação de Jesus se destaca pela plenitude da misericórdia, o testemunho recomendado passa a ser justamente a prática da misericórdia. Percebe-se a sagacidade dessa estratégia. Pois, se de um lado, é fácil encontrar argumentos que questionem a existência de Deus e discutam a relevância da religião, dificilmente se encontrarão argumentos contra quem socorre um irmão necessitado. Ao recomendar que seus discípulos cultivassem a misericórdia no mesmo grau e na mesma intensidade que está presente no coração do Pai, o Senhor Jesus estava, simultaneamente, qualificando seus discípulos e os adestrando a enfrentar com bravura, mas sem alarde, um mundo sempre hostil e crítico. Inúmeros são os episódios quando Jesus usou com formidável maestria essa infalível estratégia. A mais eloquente deu-se no momento mais dramático de sua vida quando, agonizante, acolheu prontamente o pedido de socorro do criminoso crucificado a seu lado. Agir com misericórdia significa agir com discernimento e aguda sensibilidade. Duas são as principais atitudes capazes de estorvar a pratica da misericórdia: a presunção e a indiferença. Ao se julgar em condições de emitir juízo sobre o semelhante, o presunçoso revela temeridade e leviandade. Inconscientemente, denuncia um profundo desconhecimento de si próprio. Pois quem já se deu ao trabalho de analisar as próprias atitudes reconhece a lamentável situação de todo ser humano: sua incapacidade de praticar o bem que deseja e a recorrente falha de cair em erros que abomina. Compenetrado das próprias limitações, o convencido passa a ser menos crítico e cínico e mais tolerante. Por outro lado, a obsessiva preocupação com o próprio bem estar favorece a pratica da indiferença. Essa é outra grave praga da cultura moderna. Absorto em seus próprios afazeres, alguns de duvidosa utilidade, o ser humano se isola. Obcecado em perseguir um conforto cada vez mais excelso e exclusivo, julga inoportuno qualquer grito por socorro. Aquieta a consciência com pontuais adjutórios, ao mesmo tempo em que se blinda em condomínios cada vez mais seletivos. A presunção e a indiferença, detectáveis, inclusive, em gente que se julga religiosa, são ingentes desafios a serem enfrentados e superados. São eles, e não as teses dos agnósticos, que se apresentam como os grandes contestadores da existência de Deus e que alimentam as censuras mais ácidas contra a religião. Compassivos, porque regidos por uma ética de corresponsabilidade, os discípulos entendem que ao atender, sem demora, aos sempre mais agudos apelos de socorro, apresentam o mais eloquente testemunho a comprovar o genuíno interesse divino de aliviar o sofrimento humano e, de quebra, a relevância da autêntica religiosidade. MÁGDALA Em Mágdala as culturas judaica e cristã convergem. E se sucedem. Para os judeus, até o primeiro século, a cidade de Mágdala representava importante mercado pesqueiro. Povoada principalmente por pescadores, a cidade desenvolveu sistemas interessantes de preservação de pescados, tanto em estado natural, via redes de dutos que desembocavam em piscinas construídas em pedra, como também em preservação artesanal, através da construção de tanques de sal. Na cultura cristã, Mágdala ficou famosa graças a uma figura feminina, provavelmente próspera, que os evangelistas apresentam próxima a Jesus. Maria de Mágdala teria sido uma mulher de má fama, que ao conhecer Jesus, decidiu mudar radicalmente de vida. Jesus livrou-a de sete demônios. Convertida e regenerada, seguiu Jesus com extrema fidelidade, colocando seu patrimônio à disposição do Mestre e seus discípulos. Presume-se tratar-se da companheira da mãe de Jesus, presente ao pé da cruz e do primeiro ser humano a encontrar-se com o Senhor ressuscitado. A cidade de Mágdala situa-se num local estratégico às margens do mar da Galileia. A poucos quilômetros de Cafarnaum, parada quase obrigatória para quem descia das cidades de Nazaré e Caná. Nos evangelhos não há nenhum registro ter Jesus passado por Mágdala. Em compensação, lê-se que, durante sua estadia na região da Galileia, Ele passou por várias cidades, pregando nas sinagogas. Dada a importância da localidade e a significativa presença da rica senhora convertida em discípula, fica bastante improvável imaginar Jesus não ter visitado a cidade. A privilegiada localização da aldeia inspirou um sacerdote americano a levantar na área um complexo que serviria de hospedagem para visitantes, como também refúgio ideal para retiros. Ao dar início aos trabalhos de fundação, os operários começaram a deparar-se com o que pareciam ruinas de antigas habitações. Sob a supervisão de arqueólogos e historiadores, uma cidade inteira começou a ser desenterrada. Diligentes escavações trouxeram à luz uma joia, as ruinas da sinagoga da cidade, o que representaria, hoje, uma das sete sinagogas conhecidas do primeiro século, um extraordinário achado arqueológico. Completando o entusiasmo e a excitação dos pesquisadores, um pequeno altar retangular foi encontrado, ricamente desenhado com símbolos religiosos judaicos. A leitura dos símbolos sugere tratar-se de uma peça a representar e eventualmente substituir o altar do Templo em Jerusalém. A relíquia, que hoje orna o retângulo interno da sinagoga, continua sendo objeto de estudo. Emerge, então, outra dedução bastante verossímil: trata-se de um dos poucos sítios efetivamente pisado por nosso Senhor Jesus Cristo. Nesse ambiente, simultaneamente místico e bíblico, surge o complexo peregrino conhecido como DUC IN ALTUM, a frase latina que reproduz a ordem de Jesus aos discípulos, dada justamente à margem do mar da Galileia, após uma noite infrutífera de labuta, para que se aventurassem novamente mar adentro. Atendendo à solicitação do Mestre, os pescadores foram presenteados com uma pesca abundante. Todo o complexo, todavia, pretende destacar e homenagear a importância feminina na transmissão da fé. Assim como a mulher é indispensável para a procriação, é, igualmente, indispensável na transmissão da fé. O adro que dá acesso à capela principal é ornado por colunas a representar várias figuras femininas bíblicas, com o destaque ao batistério, situado no centro, evocando o útero materno: a mãe que gera vida é a mesma que introduz na fé! Detalhe singelo neste espaço, é o teto cuja pintura evoca o manto da Nossa Senhora de Guadalupe! Adentrando a capela principal, chama atenção o altar mor, em forma de barca de pesca, réplica daquela usada por Jesus em suas pregações, tendo no fundo, através de uma parede de vidro, o majestoso e emblemático lago da Galileia. Arquitetura inspirador e cativante. No subsolo, encontra-se uma replica da sinagoga escavada na vizinhança, que serve como capela ecumênica, tendo como mural principal, a cura da mulher que sofria de hemorragia crônica. Ao tocar a orla da roupa de Jesus, a mulher ficou curada e elogiada por sua fé. Nas emergentes ruínas da antiga cidade de Mágdala, as tradições judaicas e cristãs se fundem e se complementam. Ecoa a ordem do Mestre para navegar mar adentro, na certeza de novas e abundantes pescarias! INFÂNCIA FELIZ Genética ou cultural? É a temática que pontua o debate entre estudiosos e observadores motivado pelos recentes episódios criminosos envolvendo crianças e adolescentes. Num breve espaço de tempo, um surto de delinquências praticadas por jovens e crianças tomou conta das manchetes na mídia. O grau de agressividade e a sucessão dos delitos assustam a sociedade, provocando análises e levantando encaminhamentos. Alarga o horizonte do debate um intrigante detalhe: entre os delinquentes encontram-se jovens vindos de famílias abastadas. Este fato já elimina um desgastado preconceito, atrelando a criminalidade a uma específica classe social, como se a condição social fosse fator determinante para a prática do ilícito. Está evidente que este preconceito largamente presumido está totalmente infundado. Serve apenas para alimentar divisões e desconfianças entre classes sociais e raças. Uma escola de pensamento associa a prática de criminalidade à fatores genéticos. Amparada em pesquisas sérias, essa tese mostra a grande probabilidade de pais criminosos gerarem filhos igualmente propensos a delinquência. Da mesma forma como pais alcoólatras e/ou viciados em entorpecentes tendem a deixar seus filhos altamente vulneráveis diante desses vícios. Embora se reconheça a importância de fatores genéticos, psicólogos, pedagogos e neurocientistas estão cada vez mais convencidos que o vetor preponderante na formação do caráter de uma criança encontra-se nas relações que ela vive. Insistem esses profissionais na dimensão de pessoa presente em cada ser humano. Um infante não é objeto, é gente. Possui consciência, inteligência, vontade. Um bebê é um ser com imprevisíveis potencialidades e infinitas capacitações. Embora carregue geneticamente algumas predisposições, no fim das contas não são essas heranças que determinam o rumo da sua vida, mas sim a intensidade e o nível de relacionamentos que experimenta. A insistência nos fatores genéticos induz, previsivelmente, a conclusões fatalistas, dificilmente reversíveis. Consequências incompatíveis com a individualidade de cada ser humano. Estudos e análises realizados em vários partes do mundo confirmam a fundamental importância da presença dos pais na formação da personalidade dos filhos. A intensidade e o nível da presença dos pais exercem considerável influência na evolução da individualidade do filho. Uma ilação emerge espontaneamente: a ausência física e condutas impróprias por parte dos pais no convívio familiar acarretam graves e perigosos desdobramentos. Está comprovado, os filhos não necessitam de pais perfeitos, apenas os querem presentes. Entende-se a presença como participação efetiva e afetiva no cotidiano do filho. Forma personalidade o nível de conversação que rola no aconchego familiar, como também o enfoque com que se lêem os acontecimentos sociais. Determina a potencialidade afetiva do filho o grau e a intensidade de relacionamentos que se cultivam em família; se a atenção e o respeito são sinceros, malgrado os inevitáveis desencontros. Filhos não esperam perfeição nos pais, eles os querem bem intencionados e dedicados. Particular importância têm as oportunidades de lazer. Pedagogos destacam a importância das brincadeiras na infância, especialmente com a participação dos pais. Pais que se dispõem e sabem brincar com os filhos aumentam sobremaneira suas potencialidades para um futuro convívio social saudável. Esta valiosa interação lúdica exerce papel inestimável na prevenção contra solidões e depressões. Sensíveis, as crianças percebem quando o brinquedo caro visa encobrir a ausência física. Inconformados, descontam a falta de atenção, tornando os pais reféns de seus caprichos e humores. Para crescer sociável, a criança necessita apenas interagir saudavelmente com os pais. É relativamente bem mais acessível, e certamente mais econômico, evitar o aparecimento de crianças infratoras: basta saber dar-lhes atenção. Basta saber amá-las, em suma! Impacta a afirmação de James Heckman, prêmio Nobel de Economia: ilusão pensar que o mundo gira em torno do dinheiro. A referência é o amor. Criança amada é garantia de infância feliz. E infância feliz é prevenção segura contra crime! RESGATE MORAL 30% dos casos de estupro são denunciados. Os dados são do Ipea. Esta estatística denuncia que a agressão sexual hedionda acontece com muito mais frequência que a sociedade civilizada imaginaria. Ou preferiria admitir. Donde se conclui que o número de agressores e de vitimas é muito maior do que o divulgado em noticiários. Esta realidade estarrecedora parece confirmar uma tese que veio a tona por ocasião do estupro coletivo sofrido recentemente por uma jovem carioca. Detectam antropólogos e sociólogos a existência de uma cultura de estupro, uma mentalidade difusa que promove e aprova a agressão infame. Estudiosos se debruçam sobre o problema e buscam encontrar explicações para essa cultura. O que mais intriga, todavia, é a passividade da sociedade em geral. Esta só se manifesta por ocasião de tragédias sensacionalistas e, mesmo assim, boa parcela da população debita a culpa na conta da mulher violentada. O debate adquire contornos polêmicos porque vive-se em um tempo quando a individualidade de cada sujeito anda sobremaneira enaltecida. A figura feminina, neste contexto, também granjeou especial e merecida valorização. Gaba-se da soberania do subjetivismo e, no entanto, a dignidade do gênero feminino sofre agressões frequentes e humilhantes. Emerge uma primeira ponderação denunciando a evidente distância entre o pensamento acadêmico e os valores reais que imperam na sociedade. Embora, em tese, exista um consenso quanto a dignidade e o respeito devidos a ambos os sexos, na realidade a mentalidade machista persiste. Basta constatar os difusos e constrangedores assédios e insinuações a que mulheres são submetidas em várias áreas da vida social e profissional. Essas ocorrências levam a ulterior consideração. Apesar dos valiosos ensaios enaltecendo a dignidade feminina, o que prevalece como substrato cultural é o conceito de mulher objeto, favorecido e vitaminado pelo frequente recurso à silhueta feminina para fins mercadológicos. Nesta estratégia, o destaque fica, óbvio, para o corpo feminino, maliciosamente exposto, passando a subliminar mensagem que o predicado mais importante na mulher seja sua silhueta. Impõe-se uma mentalidade capciosa, associando a figura feminina ao impulso consumista, com evidentes insinuações eróticas. Firma-se, pelo contumaz recurso, o conceito que reduz a mulher à condição de ferramenta, com forte e primário tempero erótico, meio atraente e apetrecho agudamente insinuante para alcançar metas e atingir objetivos. Emerge a contumaz hipocrisia que marca a conduta humana: ao mesmo tempo que a imaginação se delicia e promove fantasias eróticas, protesta-se veementemente e clama-se energicamente por punições e condenações. A humanidade, na verdade, anda doente, moralmente decaída. O ritmo frenético da vida, o constante bombardeio de informações e imagens priva o homem moderno de tempo e disposição para parar e refletir. Avaliar e filtrar. Hoje, o cidadão é induzido a acumular informações, manter-se conectado. Percebe-se um nivelamento por baixo das informações recebidas. Todas recebem a mesma atenção, idêntico destaque. Ora, as mensagens que excitam instintos primários encontram, obviamente, maior receptividade, aguçam mais o apetite. Se, portanto, não atentar que precisa parar e selecionar entre o fluxo interminável de apelos, qualquer cidadão facilmente ficará a mercê de impulsos, com os previsíveis desdobramentos agressivos e trágicos em várias áreas da vida, inclusive a sexual. Doente, a humanidade necessita urgentemente de cura. Por causa do nojento episódio do estupro coletivo tem se sugerido como estratégia para evitar futuras ocorrências, punições severas a delinquentes, coragem para denunciar. Louváveis sugestões. No entanto, o eficaz remédio reside na prevenção. A ciência médica ensina ser mais benéfico e econômico prevenir que tratar e curar enfermidades. Igualmente, no atual estágio de decadência moral é mais salutar investir num conjunto de iniciativas que ensinam, desde a infância, em família, nas escolas, nas igrejas, que todo ser humano, não importa se é homem ou mulher, é digno, é gente e merece ser, incondicionalmente, tratado com respeito. Sem esse resgate moral, efetivo, decidido e coletivo, continua-se a assistir a vã enxurrada de discursos comoventes, a apelos indignados, mas, que, na realidade, nem cheguem a afetar a tal cultura do estupro. URGE REAGIR A organização das nações Unidas acaba de publicar retrato atualizado da fome no mundo: 25.000 pessoas morrem cada dia de fome: a cada seis segundos uma criança morre desnutrida: mais de 900 milhões de pessoas vivem subnutridas, um aumento de 40 milhões desde o censo de 2007. As sobras coletadas nos Estados Unidos podem alimentar todos os famintos da África! O Brasil não fica para trás. Dados do Ministério da Agricultura asseguram que 19 milhões de pessoas podem diariamente se alimentar com as sobras de comida descartadas em residências e estabelecimentos alimentares. Esses dados estarrecem e envergonham todo cidadão com um mínimo senso de decência e de humanidade. A situação fica mais espantosa quando se conscientize, sempre segundo dados oficiais das Nações Unidas, que o mundo reúne condições de produzir alimento suficiente para o sustento de todos os habitantes. Óbvio, o numero maior de pessoas que passam fome concentra-se nos chamados países em desenvolvimento. Nações emergentes e países sujeitos a recorrentes e adversos fenômenos climáticos abrigam mais gente faminta. É triste reconhecer que em muitos desses países os governos são corruptos, ocupados mais em explorar e enriquecer-se com os escassos recursos naturais de seus territórios, que em aplicar medidas eficazes capazes de superar o flagelo da fome. Outra desconcertante constatação aponta para o grau de extrema dependência que se estabelece entre governos paternalistas e a população. Qualquer iniciativa do governo direcionada a aliviar a fome é celebrada como admirável gesto humanitário de administradores abnegados e não como atendimento a um direito básico do cidadão. Apesar dessas manipulações e poses hipócritas, persiste o dever dos chamados países desenvolvidos em acudir o desumano flagelo. Urge encontrar meios diplomáticos, supranacionais, capazes de evitar que milhões de seres humanos definhem famintos. Aparece, atrelado à questão de consciência humanitária, outro dado extremamente grave. A produção e a distribuição de alimentos persistem subordinadas a critérios econômicos. Investe-se não em alimentos básicos, mas naqueles que geram riquezas e divisas. Da mesma forma, a distribuição da produção alimentar anda sujeita a demanda de mercado. Mercados aquecidos e prósperos estão sempre fartamente abastecidos. Nesses bolsões não se sabe o que é escassez de alimentos. Ao contrário, quando o preço do mercado é considerado incompatível com o custo da produção, passa-se simplesmente a destruir a produção. Com que sentimentos uma mãe africana assiste ao despejo de caminhões de leite enquanto contempla seu filho definhando em seus braços? A doutrina que atrela a produção de alimentos à critérios exclusivamente comerciais é desumana e eticamente condenável. Igualmente nefasto é o leviano hábito do desperdício. Em todas as áreas da vida, repara-se com a irresponsável mentalidade do supérfluo. A obsessão consumista, característica do comportamento moderno, favorece a atração para o excesso e o desnecessário. Desastrosas são as consequências dessa infeliz vaidade acumuladora: além de comida, vestuários, calçados e outras mercadorias entopem armários e gavetas. Compra-se para usar uma única vez e, as vezes, nem tanto! Contas bancárias estouradas, dívidas acumuladas e orçamentos domésticos desregulados complementam o infeliz quadro do irresponsável e egoísta consumo. Lembrar-se regularmente das trágicas estatísticas da fome pode não ser uma prática agradável. Causa incomodo e envergonha, porque se reconhece negligente e indiferente diante do flagelo da fome. Esse descaso, indiretamente, causa óbitos! Urge reagir! Urge criar mentalidade solidária e adotar hábitos humanitariamente responsáveis e redentores. PROTAGONISTA Está Jesus sendo levado a sério? Soa descabida a interpelação face ao grande número de pessoas que se congregam em missas e cultos pelo mundo. Em tese, se Jesus não fosse levado a sério, essas multidões não lotariam templos. São, ironicamente, os templos cheios que motivam a angustiante indagação. Sem perceber, fiéis praticantes podem estar trocando Jesus por rituais. Apesar de tantas liturgias, louvores e pregações, está mais que evidente que o paganismo avança no mundo. Sem nenhum viés pessimista, mas olhando a realidade com objetividade, não estaria tão despropositado indagar: qual é a real influência do contingente cristão no cotidiano da sociedade? Qual tendência consegue mais influência: a cristã sobre a pagã ou a pagã sobre a crista? É conhecida a sentença de Jesus que define o amor fraterno como o real qualificativo da identidade cristã. Ele elevou este apelo ao status de mandamento, seu particular desejo. É evidente que Jesus não estava baixando um decreto. Profundo conhecedor da alma humana, sabia perfeitamente que pessoa alguma consegue amar por imposição. Quando anunciou esse seu mandamento, Jesus se encontrava em clima de profunda comunhão com seus imediatos discípulos. Participava da ceia pascal, momentos antes de seguir para a tortura da cruz. Não era, óbvio, ocasião para demagogia. O clima era tenso, de despedida, e é normal, nessas circunstâncias, as pessoas darem vazão a seus mais íntimos sentimentos. É o que fez Jesus em mais uma demonstração da sua verdadeira natureza humana. Chama seus amigos de 'filhinhos', enaltecendo o ambiente de cordial comunhão fraternidade. Nesse clima carregado de ternura, tratando seus discípulos como parceiros íntimos e não como súditos, Jesus expõe seu anseio. Com ardente desejo ansiava ver seus seguidores agirem por amor. Quando, então, se toma conta que fora do recinto onde se encontrava com os discípulos, sua morte estava sendo tramada, motivada por traição, ódio e intolerância, e Ele prevendo tudo, o apelo atinge dramaticidade aguda. Enquanto adversários planejam sua condenação, espúria articulação, Jesus convoca à prática do amor! Dramático contraste! Refletem comentaristas que se Jesus tivessem encerrado ai seu apelo, suas palavras seriam digeríveis. Afinal, todo ser humano ama alguém ou alguma coisa. Abundam relacionamentos amigáveis. Para não deixar dúvidas acerca de que amor falava, Jesus acrescenta a referência: como eu amei vocês! Não falava de amor sentimento, emotivo. Falava de amor-doação, do amor que induz o sujeito a esquecer-se de si em favor do semelhante. Estava ainda fresca na memória dos discípulos a inesperada experiência da lavagem dos pés, assumindo Jesus a tarefa do mais desqualificado escravo. Era desse amor - ágape - que Cristo falava. Justamente a generosa atenção que emoldurou a trajetória de sua vida. Ele fez somente o bem por onde andou. Agia movido sempre por tenra compaixão. Ao propor o mandamento do amor fraterno, o Mestre provocava seus seguidores a tomarem a iniciativa na prática da caridade. A serem protagonistas da compaixão. A livrarem-se de todo cálculo e de toda desculpa que pudesse justificar indiferença. Ao insistir no seu exemplo, Jesus instava seus discípulos a agirem sempre por caridade, não se importando com as circunstâncias. A crer na força do amor, em suma! Para o discípulo a caridade não é facultativa. Constitui, ao contrário, sua mais real e profunda identidade, confirmada por outra sentença impactante: o discípulo será reconhecido autêntico, se e quando demonstra amor pelo semelhante. Recorrendo à formidável estratégia retórica, Jesus qualificava a caridade que esperava ver praticada pelos seguidores, dando a ela o selo da autenticidade. Cristão é o sujeito que se dispõe agir com a caridade de Cristo, em todas as circunstâncias, com todas as pessoas. Afastar-se desse padrão representa perder o selo da autenticidade. Relegar-se à condição de cristão falsificado. Portar-se como protagonista da caridade incondicional envolve riscos. E na atual cultura, tão marcada pela ojeriza a qualquer tipo de sofrimento, não é de todo inverossímil que muitos preferem contemporizar. Acomodar-se numa religiosidade porosa. Popular e atraente, mas descomprometida. Uma religiosidade, em suma, que não leva Jesus a sério! O JARDIM Comenta-se a rejeição à religião. Não é que todo mundo nega Deus. Muitos, simplesmente, se recusam continuar na igreja. A indiferença pela religião institucionalizada representa uma censura indigesta para as religiões tradicionais. Pouco ou nada representam estas para um bom número de cidadãos. Precipitadamente, pode-se cair no equívoco de imaginar que as pessoas estão ‘perdendo a fé’, estão ficando mais pagãs. Na realidade, muitos insistem que continuam acreditando em Deus, mas não enxergam nenhuma utilidade em participar da vida de uma igreja. Reage-se a esse desinteresse religioso, embarcando em outra ambiguidade: investir em um proselitismo arcaico que avalia a vitalidade de uma comunidade religiosa pelo número de fiéis que a freqüentam. Templos cheios, todavia, não representam necessariamente autenticidade na fé. A explicação e a resposta encontram-se na secular sabedoria popular que ensina: se quiser ver borboletas, plante jardins! O discípulo autêntico, conhecedor do evangelho de Jesus Cristo, incomodado e inquieto, intui que este distanciamento deve-se fundamentalmente não à rejeição da mensagem de Jesus, mas a maneira como está sendo vivido e anunciado o evangelho pelos seguidores oficiais. Afinal, a mensagem central de Jesus Cristo é o amor fraterno. Ao colocar o amor como o eixo central da prática da religião, Jesus, na verdade, põe o ser humano como o centro de atenção e de ação. Esta verdade fica clara, quando Jesus reitera o único mandamento que veio trazer: o amor mútuo. Explicitamente Jesus recomenda: quero que se tratem mutuamente com amor. E para não deixar nenhuma dúvida a que amor se refere, coloca como modelo o amor que o Pai do céu tem para com Ele, seu Filho. Ora, o Pai tem para com o Filho Jesus um amor eterno. Isto não quer dizer apenas um amor que dura para sempre. Indica muito mais. É um amor que não sofre alterações. Não oscila. Não está sujeito a altos e baixos, influenciado por circunstâncias ou atrelado ao reconhecimento por parte da pessoa amada. O amor humano é assim, inconstante, sujeito a circunstâncias, correspondências e humores. Mesmo amores apaixonados terminam por falta de correspondência. O amor de Deus não está sujeito a circunstâncias. Nem a condições. E é este amor que Jesus quer que seja testemunhado por seus discípulos. É fato, o amor se vive. A novidade da vivência religiosa trazida por Jesus, não é a sublimidade doutrinaria, mas a purificação e a elevação do relacionamento entre as pessoas. Tratar respeitosamente a todos, com amor, indistintamente e independente de qualquer resposta, é uma revolução cultural. Válida para todos os tempos, mas particularmente para o nosso quando se observa crescente amargura no coração das pessoas. É verdade que motivos não faltam. Mas é igualmente verdade que a desconfiança no semelhante está desproporcional. Pior, está ficando contagiosa. Vive-se com medo do próximo, distanciamento doentio, ratificando tácito dogma do comportamento atual: o outro é o inferno. Neste pessimista cenário que conturba o convívio humano, Jesus anuncia um programa de amor fraterno, uma proposta que incentiva fazer o bem, sempre e a todos. Loucura? Miragem? Por quem acredita que é incondicionalmente amado por Jesus, a proposta nada tem de utópico. Ao contrário, se apresenta como fascinante desafio, abraçado por quem estima a vocação de ser discípulo do Mestre Jesus! E por quem reconhece, igualmente, a dignidade de cada ser humano. Sim, o discípulo ama porque sabe que é amado. Ama, porque acredita no amor e porque acredita, igualmente, no ser humano. Fé e amor andam juntos, inseparáveis, na vivência religiosa trazida por Jesus Cristo. A prática da religião ficou muito previsível. Reduzida a rituais e obrigações, a vivência religiosa não passa de monótona rotina. Sem apelos exigentes, sem motivações. Não sem motivo, muitos se desiludem. Falta, na verdade, o encontro pessoal com Jesus, interpelador, desestabilizador. Vibrante! Essa experiência íntima revitaliza a alma. Injeta adrenalina. Elimina o sossego. Dá cara à Igreja, pois transforma cada dia num fascinante programa, numa feliz expectativa quanto à prática da caridade. Melhor definição de Igreja não há, senão que seja uma comunidade onde se vive da caridade. O amor fraterno é o jardim capaz de atrair novamente as borboletas. SONORO SILÊNCIO Educar é a arte do possível! Particularmente em tempos modernos quando a diversidade e a rapidez de informações ultrapassam a capacitação do educador e medem sua resiliência! Todo formador sente-se desafiado pela incessante sequência de mensagens e confrontado pelos fabulosos recursos da moderna tecnologia. A tensão se transforma em angústia quando se percebe que muitas das propostas oferecidas são alienantes e carregam falsas promessas de realização. É propaganda enganosa. Além de induzir a práticas perdulárias projetam uma imagem dissimulada de felicidade. Na cultura moderna, felicidade se resume a aparências. Importa sair-se bem na foto. Como, todavia, os parâmetros mudam a toda hora, fica previsível a constante frustração. Insatisfeitas e impacientes, as pessoas tornam tenso o convívio. Não raramente, insuportável. Que o confirmem as mães, e demais educadores, que se veem limitados para satisfazer tantas e tão variadas exigências. Resignar-se por achar que não há como enfrentar essa onda consumista representa entregar a condução da vida dos filhos a agentes que na realidade pouco se importam com a genuína felicidade deles. Representa entregar ovelhas a lobos, com o previsível remorso subsequente. Pois qual a mãe que consegue se absolver e dormir despreocupada ao reparar a desorientação do filho? Entregar nas mãos de Deus é forma disfarçada de fugir da responsabilidade. O desafio persiste: educar é a arte do possível. O ponto de partida para oferecer a filhos condições sólidas para encontrar pistas para uma existência realizada, encontra-se no íntimo das convicções que regulam a vida da própria mãe. Urge realizar objetiva analise sobre quais são, na realidade, os princípios e metas que regulam a vida da mãe. Afinal, são esses valores que a mãe instintivamente passa para os filhos. Mesmo quando o discurso reproduz valores considerados tradicionais, é o testemunho que, no fim, marca a vida do filho. Percebe-se a precisão dessa afirmativa na educação religiosa. Se o filho não enxergar na mãe convicção religiosa sólida, pouco resolvem apelos para ir à igreja, imposições para frequentar o catecismo. No mundo de hoje, filhos não se sujeitam mais a decretos. Valorizam exemplos. Exigem coerências! Se acedem a orientações é porque percebem o exemplo subjacente. O segredo do aprendizado sempre se resume à estratégia do sonoro silêncio. Convence-se mais com escolhas que com discursos! Em tempos atuais essa premissa se tornou mais aguda, face ao excesso de apelos que assediam principalmente os mais jovens. Esses se veem perdidos diante de tantos ruídos e é compreensível que a escolha certa passe por diversos estágios. Muitas são as mães aflitas porque mesmo dando bons exemplos, enxergam os filhos reticentes, enfeitiçados por fúteis promessas. Vale sempre lembrar que tudo na vida tem seu tempo. O tempo das ilusões também integra o itinerário do aprendizado. É preciso experimentar a futilidade de certos prazeres para convencer-se da sua inconsequência. Dói no coração da mãe ver o filho quebrar a cara, mas é um estágio imprescindível no processo do amadurecimento. O que a mãe, e o educador em geral, nunca podem se permitir é acomodar-se, encolher-se diante de questionamentos ou fazer concessões diante de rebeldias. Tampouco se justifica afrouxar a vigilância diante das próprias limitações. Reconhecer-se imperfeito, ao contrário do que se imagina, não desautoriza o educador. O torna apenas mais compreensivo ao corrigir. Filhos não querem mães perfeitas. As querem coerentes, capazes de dizer não quando for preciso! Valores impõem limites e quando se acredita em princípios não se hesita em exigir disciplina. Decisões constroem caráter. O que faz vibrar, o que motiva seguir em frente é a serena consciência de estar proporcionando a quem se ama condições sólidas para que, na hora certa, ele tome também as decisões acertadas. Mamãe águia se afasta somente quando se certifica que a cria aprendeu a voar por conta! Educar é uma arte. E como toda arte se alicerça no sonoro silêncio. A quietude amorosa inspira miúdos detalhes que realçam a harmonia do conjunto e lhe dão vigor e consistência. Executada a obra, mamãe sorri com naturalidade. Frustrante é quando mamãe precisa fazer esforço para sorrir. FELIZ DIA DAS MÃES! APROXIMAR-SE Amizade é assunto sério! Estudiosos do comportamento humano confirmam que mais valioso que ter amigos é agir como amigo. Fazer-se presente e colocar-se ao lado do outro desinteressadamente é premissa fundamental na formação do saudável círculo de amizades. Por outro lado, é preciso estar precavido contra os oportunistas que sempre aparecem. Sim, tem pessoas que não sabem valorizar sentimentos puros e tentam aproveitar-se de quem age com generosidade. Não é tão raro pessoas se desapontarem com a amizade por causa da flagrante exploração que sofrem. Reconhecem que os tais amigos de ocasião os procuram mais pelas vantagens que recebem que pelo simples prazer de estar ao lado de gente querida. Encontram-se também aquelas figuras patológicas que, por se sentirem solitárias, se desdobram em querer ser agradáveis, imaginando que amizade se impõe. Amizade é realmente assunto sério e complexo. No estágio da evolução moderna, o assunto amizade se reveste de especial importância. Em todas as culturas o tópico amizade sempre foi tema delicado, pois envolve sentimentos muito arraigados na estrutura afetiva humana. Mexe com a segurança emocional de cada indivíduo. Sem esquecer que compartilhar amizades representa uma das mais urgentes e implícitas exigências da alma humana. Amizade afeta dois 'nervos' da vivência humana, o afetivo e o gregário. O ser humano sente necessidade de amar e ser amado e, como natural consequência, delicia-se na companhia de parceiros. Essa demanda afetiva está se tornando dramática no compasso atual da cultura urbana que tende a isolar o ser humano. Em vários aspectos da vida moderna o homem é induzido a pensar que pode sobreviver como autônomo. E independente. Consegue praticamente tudo 'on line'. O sistema 'delivery' traz até ele o que necessita. Essa tendência para o isolamento fica ainda favorecida pela evolução tecnológica dos recursos midiáticos que, ao propiciar informações em tempo real, cria a ilusão de socialização. Ao ceder à pressão para manter-se constantemente conectado, o cidadão não atina que se distancia do próximo que está ao lado. Cresce a sensação de que para ser gente e sentir-se incluído, o cidadão não pode ficar sem as ferramentas eletrônicas, mas pode, paradoxalmente, dispensar o convívio com o semelhante. A preferência pelas redes sociais afeta diretamente o aspecto gregário, pois inibe a conversação e trava o convívio. É demasiado frequente ver pessoas sentadas à mesma mesa se divertindo mais teclando aparelhos que trocando conversas. Quando, então, surge a necessidade de uma conversação pessoal, o sujeito fica perdido, com dificuldade para expressar-se. Aumenta a preferência pelo isolamento. Aumenta a timidez, que reduz drasticamente a autoestima, abrindo caminho para a depressão. Sem negar nem dispensar os benefícios da tecnologia, urge superar a robotização imposta pela cultura moderna. Urge resgatar os valores que devolvem à pessoa a real condição de gente. É gente quem sabe conviver. É gente quem toma iniciativas de aproximação para com o próximo. Quem decide ser amigo, enfim! Conhecer e entender o outro representa o primeiro passo nesta revitalização do contato pessoal. Premissa indispensável para alimentar a autoestima, tanto própria como do interlocutor. Atitude fundamental para criar ambientes descontraídos é desprender-se daquela nociva estratégia de tratar o outro conforme a atenção que dele se recebe. Nesta dinâmica não se age, mas apenas se reage. Convívio amigável começa a ser construído quando se adota postura protagonista, agir sempre com simpatia e não se deixar derrubar por eventuais desconsiderações ou preconceitos. Entende-se, claro, que tal procedimento demanda nova configuração no quesito comportamento. Deixa-se de lado vaidade e ambíguo amor próprio e persevera-se no tratamento gentil por entender sua vital importância. Adotar iniciativas simpáticas é estratégia segura para iniciar relacionamentos harmoniosos e consolidar amizades. Detecta-se, hoje, certa desconsideração pelo semelhante. Prefere-se mais o distanciamento. Ao assentir ao isolamento, o ser humano fica doente e vulnerável. Distante e depressivo. Com razão fala-se de um mundo enfermo! Amizade é assunto sério e vital! Sem atrelar-se a racionalismos, que se decida aproximar-se. Que se tome a iniciativa, enfim, de recuperar um mundo enfermo. DEUSES Por semanas não se falou em outro assunto além do impeachment. Falou-se muito, mas quem escutou? Persiste o debate, mas quem está se ouvindo? O desafio, agora, não é o parlatório. A urgência é fazer clausura, avaliar com serenidade. Formar opinião livre do clima emocional. A ponderação torna-se tão mais necessária a esta altura, quanto mais forte fica o impulso de gritar. Até mesmo na hora de votar, ficou a nítida impressão de os parlamentares estarem mais preocupados em aproveitar aqueles segundos de exposição para se exibir e defender suas causas que em demonstrar sua compenetração num momento tão grave na atual história do país. Jornalistas internacionais comentaram que o ambiente estava mais para carnaval que para a gravidade do momento. Francamente, o conteúdo de algumas declarações denunciava indigência cidadã atroz! Um desfile absurdo! E o país, além da profunda crise institucional, vive uma situação dramática. Basta conferir a quantidade de estabelecimentos comerciais fechadas. Basta conversar com famílias que começam a enfrentar as carências e os desesperos causados pelo desemprego. A hora não é de fazer demagogia. Independente de simpatias e preferencias político-partidárias, a hora é de olhar o país, compenetrar-se da situação e colocar os interesses da nação acima de qualquer outra bandeira. Comenta-se que o Senado pode arrastar a questão de impeachment até novembro, se todos os recursos forem viabilizados. Insuportável atraso. A angústia aumenta ao constatar que o debate, na eventualidade de uma mudança de governo, continua centrado no fatiamento de cargos: que vantagens e arranjos são possíveis para satisfazer o apetite de partidos e caciques! Falta faz a sensibilidade. Falta enorme faz um genuíno sentimento patriótico! A situação não é de vitória desse grupo e derrota daquele, a situação é de sobrevivência para milhões de cidadãos. E é esta sensibilidade que deve prevalecer em um momento delicado e crítico como este. Ficou patente que o desfecho da votação no Congresso foi impulsionado pelos movimentos da rua. A mobilização popular influiu fortemente na decisão dos congressistas. Ora, é esta mobilização que precisa persistir para os senhores deputados e senadores deixem de lado vantagens pessoais e picuinhas e olhem decisivamente para o bem e o futuro da nação. Pressuposto indispensável para o país respirar e crescer na paz e na ordem,é a união entre os cidadãos. O que se depara, no entanto, é uma tendência crescente para a divisão. Esquenta o clima de ‘nós’ contra ‘eles’, a polarização. O bom senso ensina, amparado na sentença bíblica, que o destino inevitável de uma casa dividida é o desmoronamento. Se persistir a polarização, alimentada por fortes impulsos emotivos, a derrocada não será desse grupo ou daquele outro, mas de todos. Ou se salva o país, ou se afunda! Diante dessa situação dramática, salta naturalmente aos olhos o papel decisivo que cabe às comunidades cristãs. Em sua condição de seguidores comprometidos do Senhor Jesus Cristo, que deixou como principal legado o mandamento do amor fraterno, cabe às comunidades cristãs trabalhar para promover a tolerância e preservar a harmonia. Unidade é diferente da uniformidade. Viver harmoniosamente não tolhe a diversidade de opiniões nem inibe preferências. Insiste apenas no convívio respeitoso e tolerante diante das diversidades. A democracia tem regras e instâncias onde opiniões podem ser formuladas e defendidas. Que se respeite o direito de divergir, sem animosidades. E acima de tudo, sem ódio! Eis a grave ameaça que desponta! Iras e ressentimentos tolhem a serenidade para ouvir e dificultam, óbvio, a capacidade para formular caminhos objetivamente restauradores. Ódios e divisões são os piores obstáculos nesse momento de crise. Apresentam, paradoxalmente, o terreno mais apropriado para uma ação cristã qualificada e restauradora. Somos milhões de cristãos. Está é a hora de mostra nossa verdadeira cara, de revelar o que é realmente prioritário em nossas vidas. Missas, cultos, pregações não passam de ocos rituais se não nos induzirem a trabalhar com afinco para construir a fraternidade, impulsionar a tolerância. Não podemos nos omitir. Nem nos apequenar. Na condição de deuses, pois afinal somos filhos do Deus-amor, reunimos totais condições para promover clima de paz, premissa básica no atual estágio de tensão. FAZ DE CONTA Noticia-se que cresce o número de ateus. Comenta-se que as Igrejas estão preocupadas com a situação que as estatísticas revelam. Pensando bem, a sociedade, como um todo, deve estar apreensiva com o fenômeno. Pois, quando se compreende que Deus é amor, é se induzido a concluir que, ao desacreditar em Deus, as pessoas declaram desacreditar no amor! Isto é deveras preocupante! Pois se eliminamos o amor como a referência ideal para relacionamentos dignos entre pessoas, o que sobra de decente para regular o convívio? A que inspiração se recorre para pautar relacionamentos humanos? É possível, por outro lado, que pessoas, ao se declararem ateus, estejam, na realidade, questionando determinados conceitos sobre a divindade. Ou dogmas. Como também, protestando contra certas formas de expressões e manifestações religiosas. Urge especificar critérios e apurar conceitos. Não é totalmente inverossímil que ateus declarados tenham conduta ética correta e pautam seus relacionamentos com sentimentos de respeito para com o semelhante. Estatisticamente, esses cidadãos incluem-se na rubrica de ateus. Na realidade, não se encontram distantes do Reino de Deus. Ao formar seu rebanho, nosso senhor Jesus Cristo indicou a qualificativa a habilitar o ingresso no redil: ouvir sua palavra. Ouvir quer dizer atender. Seguir. Objetivamente falando, não basta ser ritualmente batizado para se considerar integrante do rebanho. Além do ritual, é preciso uma tomada de posição que distingue a conduta do batizado. Ensinam os apóstolos que, ao aceitar mergulhar na água do batismo, o candidato manifesta declarado propósito de renunciar ao pecado, isto é, a toda espécie de maldade, com a firme disposição de seguir Jesus Cristo. Integra a liturgia do batismo, o ritual conhecido como exorcismo. Antes da imersão na água, o candidato renúncia ao demônio e a todas as suas obras. Sabe-se que toda obra satânica tem por inspiração e destinação a divisão e a discórdia. Ao aceitar o batismo, o candidato solenemente renuncia a toda ação que pode gerar desunião e causar discórdia. Repetindo a mesma verdade, mas em termos positivos, o batizando assume o solene compromisso de trabalhar pela união, dedicar-se a construir fraternidade. A verdadeira alegria do batismo reside no fato da adesão de mais um discípulo, agente iluminado a pautar sua conduta por valores evangélicos, novo missionário da fraterna caridade. Há batizados que não se empenham em levar uma vida coerente à sua condição de discípulos. Ao passo que ateus há que esmeram-se em agir com honestidade e consideração para com o semelhante. Esses podem estar longe das igrejas e dos rituais, mas não estão distantes do redil. Quando se trata de critérios rigorosa e objetivamente religiosos, as estatísticas podem não representar um retrato fiel da sociedade. Nada inverossímil encontrar mais ateus entre os batizados e discípulos entre os ateus! Para seguir a alegoria proposta pelo próprio Bom Pastor, há muitas ovelhas que supostamente integram o rebanho, mas que, na realidade, se deixam enfeitiçar por vozes e valores do mundo, diretamente opostos aos propostos pelo Pastor Bom! Tem muito ateu dando exemplo de retidão e integridade, ao passo que há crentes confessos que agem como se Deus morto estivesse! Como classificar essa gente? É bem provável que as estatísticas divinas apresentem tabulações diferentes e surpreendentes, discordantes e desconcertantes! Registros humanos são importantes e úteis, mas devem ser analisados com filtros adequados. Em matéria de religião, estatísticas podem ser ocasião para ambiguidades. Quantidade nem sempre representa qualidade. Nem redução de fiéis representa necessariamente descrença. Pautar a ação religiosa e avaliar iniciativas pastorais unicamente pelo critério estatístico pode induzir a graves equívocos. Popularidade favorece concessões. Nem sempre o que povo aclama e aplaude é o que precisa de verdade. Mentes criteriosas enxergam o descompasso e recusam-se fazer parte do faz de conta. Caem fora das estatísticas, mas não necessariamente da essência do Reino! Ateus há que não estão muito longe do Reino dos céus! UNGIDOS Partidas de futebol com torcida única. Situação política caótica. Crise moral grave. Panorama econômico preocupante. Cidades tradicionais europeias alvos de terrorismo! Neste contexto conturbado, pululam, compreensivelmente, propostas variadas de solução. A mais frequente, e a mais aclamada, defende uma reação enérgica contra os diversos agentes causadores de violência. Diante das estúpidas e bárbaras brigas entre torcedores, as autoridades tiraram da cartola esse encaminhamento injusto, impedindo torcedores de acompanhar os jogos de seu time favorito, como se todos fossem marginais. No front internacional, a solução imaginada, e executada, promove ataques bélicos sistemáticos contra redutos promotores de terrorismo. No cenário local, multiplicam-se propostas mirabolantes. Entende-se, que em situações delicadas, medidas urgentes precisam ser tomadas. A probabilidade, todavia, dessas medidas enérgicas surtirem duradouro efeito benéfico permanece questionável. Na verdade, soluções emergenciais respondem a necessidades prementes, como estancar o sangue em uma ferida. Sabe-se, contudo, que estancar a hemorragia não representa cura. O restabelecimento do paciente demanda outro nível de tratamento. Dependendo da gravidade da agressão à saúde do paciente, sua recuperação sugere procedimentos prolongados e articulados. Sem este tipo de cuidado, anestesia-se contra a dor, mas o paciente permanece vulnerável diante de possíveis outras agressões. Contam os historiadores que Winston Churchill, no auge do bombardeio aéreo alemão sobre Londres, convocou uma reunião do gabinete para tratar da organização da Alemanha no imediato pós-guerra. Intuindo a derrocada alemã, começou a planejar sua reconstrução quatro anos antes do fim da guerra. Soluções eficazes alicerçam-se em percepções sagazes e criterioso planejamento. O mal maior da cultura moderna é que se deixou de planejar à longo prazo. Buscam-se soluções improvisadas. E de impacto. Na maioria das vezes, para satisfazer apetites imediatos ou agradar a torcida. Quer-se apenas mostrar serviço, mas sem resolver definitivamente os conflitos. Contenta-se com o estancar da hemorragia, sem oferecer ao paciente ulteriores procedimentos capazes de encaminhar sua plena recuperação. Um renomado estudioso dos conflitos que afligem o Oriente Médio, Robert Fisk, analisou, recentemente, a situação dos países árabes, especialmente após os bárbaros atos terroristas na pacata Bruxelas. O impacto causado pelo horror dos desumanos atentados provocou uma reação enérgica por parte de governos do ocidente. Bombardeios aéreos começaram a castigar com mais intensidade supostos redutos de treinamento de terroristas. Na opinião do conceituado estudioso, o resultado dessa enérgica reação é limitado. Campos e organismos simplesmente mudarão de endereço, migrarão para outras localidades. Destroem-se instalações, mas não se acaba com a raiz verdadeira do problema, que é o ódio contra a civilização dita ocidental. Fisk faz uma sutil, mas significativa observação que anda ignorada pelas lideranças ocidentais. Os cidadãos árabes continuam migrando para o ocidente, indicação óbvia que não querem ficar sob o domínio de quem posa ser o legítimo representante do Islam. Essa constante e numerosa migração representa a maior derrota para o chamado Califado e, simultaneamente, aponta para onde está a verdadeira solução: maciço investimento na promoção social e cultural desses povos. A insensibilidade diante da exploração e a indiferença perante a indigência por que passam esses povos representam combustível cultural ideal para o recrutamento de novas levas de candidatos suicidas. Planejamento e percepção! Aplicando essas inteligentes análises à caótica situação, tanto local como internacional, apercebe-se que o caminho para recuperar um mínimo de descontração e segurança na rotina da vida passa por objetivos diagnósticos e por criteriosas e articuladas iniciativas, demandando alto grau de entendimento e corajoso desapego por parte de agentes genuinamente bem-intencionados. Iniciativas inovadoras e redentoras existem. Merecem foco e suporte. Inspiram emulação. Sobre os cristãos, em sua peculiar condição de ungidos com o Espírito da Inteligência e da Fortaleza, recai a responsabilidade de sair do anonimato e do desalento e colaborar decisivamente na urgente e redentora tarefa de humanizar instâncias e instituições! CARTILHA Jesus está solto! Foi a resposta dada por um garoto à catequista que sondava os conceitos que seus catequizandos faziam de Jesus ressuscitado! Com precisa percepção o garoto intuiu que, ressuscitado, Jesus passava a ser humanamente irrefreável! Em seu corpo glorioso, Jesus se tornara completamente livre das limitações impostas pelo corpo físico. Ressurreição é diferente de reanimação! Em corpo ressuscitado, nenhum obstáculo físico impede sua presença e sua ação! Como tudo na vida de Jesus, a ressurreição é mistério, isto é, uma verdade que ultrapassa a dimensão sensível. Seu entendimento demanda serena contemplação e o substrato da fé. Especialmente quando se verifica a ausência de testemunhas oculares a descrever a saída de Jesus do túmulo. Os guardas responsáveis pela segurança da sepultura percebem o terremoto, vêem a pedra ser rolada, atestam a presença de anjos, mas a Jesus mesmo, ninguém vê. Fato, racionalmente decepcionante, uma vez que a ressurreição representa o momento mais glorioso da vida do Mestre. Pela lógica humana, deveria acontecer de maneira espetacular, uma produção impactante. Repete-se a mesma estratégia verificada no nascimento. Na ocasião, numa obscura gruta, longe de olhares humanos, o Filho de Deus iniciava modestamente sua jornada humana a terminar, igualmente solitária, na gloriosa ressurreição. Confessa-se a ressurreição de Jesus não em bases de testemunhas oculares, mas unicamente na fé, suportada, é verdade, em evidências complementares. A fé dispensa provas, mas alimenta um lógico e coerente raciocínio. A vida de Jesus seguiu primoroso plano! Pregava Ele, transmitia sua mensagem e praticava o bem por onde passasse. Segundo o testemunho de seus discípulos, curava todas as espécies de enfermidades, libertava, em suma, as pessoas de suas tribulações. Essa trajetória deixou rastros de benemerências em inúmeras pessoas, favorecendo compreensível aceitação popular e alimentando, naturalmente, a excitação em um final apoteótico. Quando, então, se viu o Mestre morrer na cruz, confundido com criminosos, a frustração era total. Doeu! Naturalmente surgiram questionamentos pragmáticos: como explicar? Afinal, que adiantou fazer tanto bem, e terminar tão vergonhosamente rejeitado? É a frequente indagação que mais atormenta a mente humana, particularmente no esquema calculista, obcecado em avaliar iniciativas pelo crivo do custo/benefício. A morte na cruz desapontou dolorosamente os amigos mais próximos de Jesus. Os deixou confusos e desolados. Quando, contudo, ficou claro que Ele havia ressuscitado, que estava vivo em suma, a percepção mudou completamente de perspectiva. O caminho seguido por Jesus não foi um fracasso, ao contrário, foi uma experiência de estrondoso sucesso, não somente pelos inegáveis benefícios causados na caminhada, mas principalmente pela nova compreensão que oferecia sobre o sentido da vida. É sempre arriscado avaliar iniciativas pelos resultados imediatos. É preciso tempo, para certos projetos maturarem-se, confirmarem seu intrínseco valor. Lição preciosa, especialmente para gente que anda acelerada e impaciente atrás de resultados! A atual ansiedade priva as pessoas de convicções enraizadas, formando e favorecendo mentalidades superficiais que preferem êxitos imediatos, embora de objetiva eficácia duvidosa. A percepção que a ressurreição de Jesus provoca foca justamente esta verdade: é preciso saber discernir o que é objetivamente proveitoso para o ser humano e aplicar-se em sua efetivação, sem se importar com aplausos imediatos. No contexto conflagrado por que passa o mundo atualmente, e nosso país em particular, está se dando preferência a encaminhamentos provisórios, resoluções de impacto, mas de eficácia duradoura duvidosa. Festejam-se mortes de terroristas, mas não se investe em melhorar as condições de vida de seus países de origem. Articula-se a remoção de governantes, mas não se aplica em erradicar o rasteiro oportunismo! Essa percepção profundamente libertadora que emerge da realidade da ressurreição de Jesus, convence os cristãos da sua responsabilidade perante o mundo. Reconhecem-se moralmente comprometidos a mostrar que o caminho que atende aos anseios mais profundos da alma humana é o da prática da caridade generosa e gratuita, a caridade sem cálculos. De Cristo revestidos, dispõem-se a seguir a mesma cartilha, na certeza de ressuscitar com Ele, igualmente soltos, na glória eterna! PÁSCOA DO CORAÇÃO Provocam modelos. Priorizam atenções. Polarizam reações. Normalmente, associam-se os predicados dos modelos a atributos externos que por seu excelência inspiram emulação. Esse processo denuncia e, simultaneamente, alimenta uma tendência sempre presente no ser humano, o culto da personalidade. O ser humano concebe o sucesso como um processo subjetivo ascendente, galgando degraus até alcançar o topo da fama. O substrato natural embutido nesta dinâmica é a ambição, o desejo saudável de aperfeiçoar-se mais e melhor. Quando, todavia, esse impulso motivador fica demasiadamente sujeito ao culto da personalidade, concentrado num subjetivismo exacerbado, a probabilidade de deixar rastros de abusos, explorações de pessoas e manipulações de situações cresce enormemente. A obsessão pelo próprio sucesso passa a ser a única regra ética a pautar condutas e medir iniciativas. Ignoram-se valores coletivos e desprezam-se princípios básicos de decência e honestidade, promovendo um egocentrismo sem remorsos. Íntima e ansiosamente, a alma humana procura por outros possíveis caminhos que garantam sucesso, sem necessariamente deixar rastros de sofrimento e de desolação. O mundo cristão celebra a vitória de um protótipo alternativo, Jesus Cristo! É preciso destacar com ênfase que Cristo não derrotou adversários religiosos ou políticos. Enfrentou, na verdade, o grande vilão da humanidade que é a ambição desmedida que distorce valores, vicia análises e atrapalha entendimentos. Na linguagem teológica, esse adversário recebe o nome de pecado, personificado por Satanás. Sim, a raiz do mal que desfigura o ser humano chama-se soberba, com seus naturais afluentes da pretensão e da arrogância. Foi justamente a presunção de querer se igualar a Deus que rompeu a comunhão original entre o divino e humano, quebrou a harmonia com a natureza e transtornou o convívio pacífico entre a família humana. À medida que essa ambição persiste, inebriando a alma humana, tragédias se sucedem ininterruptamente. Repara-se como o personalismo excessivo perturba os relacionamentos inclusive nos microcosmos da família, do trabalho, do convívio social. Na sociedade moderna, a regra básica é garantir o próprio conforto, satisfazer necessidades pessoais imediatos, assegurar vantagens enfim, pouco se importando com o desconforto que possa ser provocado na vida de terceiros. É o tal substrato do egoísmo sem remorsos! Para desqualificar a perversão dessa excessiva concentração personalista, o Senhor Jesus, em sua condição de redentor, adota e propõe o caminho do esvaziamento. Deve-se aos cristãos da primeira hora a elaboração de um dos mais completos hinos e densos ensinamentos sobre o perfil de Jesus Cristo. Marcados certamente pelo impacto vital da ressurreição, os primeiros seguidores foram se compenetrando da profunda e libertadora estratégia divina. Jesus adota o caminho inverso de Adão, que sendo homem ambicionou ser deus! Cristo, sendo Deus, esvazia-se de sua condição divina e assume a condição humana. Buscando reforçar a lição de humildade, rebaixa-se ainda à condição do mais desprestigiado entre os seres humanos, o escravo. Literalmente, Cristo ocupa o último lugar, e desce ainda um degrau de desprestígio ao oferecer sua vida à morrer na cruz. Em sintonia com a vontade do Pai, Jesus refaz, na contramão e pedagogicamente, o caminho do Adão. A presunção escraviza, degrada o ser humano, causando inevitáveis conflitos e desilusões. O Homem quer ser livre, Deus também assim o quer. O caminho é o esvaziamento de si em favor do semelhante, desapego que reduz drasticamente áreas de conflito e favorece sobremaneira o convívio pacífico duradouro. O desfecho natural desse progressivo esquecimento é a ressurreição que devolve a Cristo sua original excelência e lhe assegura reverência universal e perpétua! Explica-se o júbilo que reveste a celebração da ressurreição do redentor! Jesus Cristo é o modelo a ser contemplado e imitado! A humanidade, e não somente o crente, possui, enfim, a receita infalível para uma plena e universal realização, o caminho da humildade. Celebrar a ressurreição de Cristo representa, em última instância, rejubilar-se por reencontrar e reassumir o caminho da despretensiosa e generosa caridade. É a Páscoa do coração! CRUCIFICADO "Não me conformo"! O lamento saiu da boca de um garotinho ao contemplar a enorme imagem de Jesus na cruz exposta na igreja! Coração terno de criança não entende tamanho suplício. Nós católicos, inclusive, somos regularmente censurados por darmos grande visibilidade à imagem de Jesus Cristo pendurado na cruz. Quem olhar a imagem de Jesus na cruz com lentes meramente humanas, julga procedentes as censuras e fará coro ao lamento do garoto inconformado. Estará em plena sintonia com a perplexidade dos discípulos de Jesus. Eles também não conseguiam compreender como a pessoa a quem Deus declarou solenemente ser seu Filho amado podia terminar sua vida de maneira tão humilhante. A crucifixão é a tortura mais cruel inventada pelo sadismo humano. A cruz, o mais infame instrumento de tortura, apropriadamente reservado na época romana aos mais abomináveis criminosos. Reverenciar a cruz, humanamente falando, corresponde a gesto tresloucado comentado pelos filósofos helenistas na época do apóstolo Paulo. Para os judeus, um escândalo; uma pedra de tropeço para tantos outros que pretendem explicar racionalmente a vida e a missão do Libertador. Para quem crê, todavia, a cruz é motivo de glória. Em sua liturgia oficial, a Igreja exalta o poder radiante da cruz! Em sua jornada missionária, Jesus explicava a seus seguidores que atrairia todos a si quando for levantado da terra. Na comovente oração, registrada pelo evangelista João, antes de sair para seu martírio, Jesus abre seu coração diante dos discípulos. Ciente do que está por acontecer, ele se refere a todo episódio como a hora da glória."Glorifica teu Filho, para que teu Filho glorifique a Ti"! É como se Jesus estivesse convidando seus amigos a enxergarem além das aparências. Ao ser abordado pelos soldados, logo em seguida, e assumir sua identidade, os capangas caem no chão, dando a Jesus a oportunidade para evadir-se. No entanto, permanece ali. Deixa-se ser preso e carregado. No interrogatório diante do arrogante Pilatos, assumindo sua condição de rei, Jesus afirma claramente que se quisesse invocaria legiões de anjos que o libertariam. Expõe ao prepotente Pilatos que estava sendo sentenciado não porque seus adversários eram mais ardilosos que ele, mas porque aquele drama fazia parte do projeto divino de redenção. Ninguém me tira a vida, eu a dou por mim mesmo, declara solenemente. Ao anunciar previamente o desfecho trágico da sua jornada em Jerusalém, Jesus já provocava seus amigos a olharem além dos acontecimentos. O fato de prosseguir decidido em seu caminho, mesmo sabendo o que esperava por ele, insinua que havia ensinamentos por detrás daqueles tristes acontecimentos. Tentar compreendê-los com o frio raciocínio é causa perdida, levanta sérias dúvidas de ordem religiosa. Jesus compreendia a urgência do entendimento e empenhou-se em explicar. Recorreu à analogia do grão de trigo. Se não cair na terra e não morrer, ele fica só. Mas ao morrer gera muitos frutos. Revelador exemplo de vida que nasce da morte! Emerge a sublime verdade: ninguém estava tirando a vida de Jesus, ele é a estava oferecendo para a vida do mundo! Não há amor maior que dar a vida pelos outros! A morte na cruz representa a mais descomunal declaração de amor da Trindade Santa em favor da humanidade. Deus ama com tanta seriedade o Homem a ponto de entregar seu amado Filho! A razão humana, sempre calculista, indaga: precisava tanto? A resposta se encontra na trágica história da humanidade, soma de sucessivos abusos de egoísmos, arrogâncias e dominações injustas. Ao dispor-se obedecer à vontade divina, Jesus indica que o caminho da regeneração, e consequentemente libertação, da raça humana passa necessariamente pela prática da caridade que inspira as pessoas a se tratarem com respeito e dignidade, sem exclusões e sem preconceitos. Amou até o fim para que se acredite na caridade! Tentaram, e ainda tentam, matar e desqualificar o amor-doação. A caridade interpela! Desaloja! No silêncio da terra, qual semente que cai e morre, o Crucificado passou da páscoa da cruz para a Páscoa da Vida! A exposição do Crucificado é convite constante a contemplar, reverenciar e reagir diante da mais sublime e comprometedora declaração de amor feita em favor da humanidade! INDULGÊNCIAS As portas estão abertas. Sempre estariam, pelo menos no conceito de Jesus! Dele, repetidas vezes atestam os evangelhos que veio abrir as portas do céu! Ao entregar a Pedro as chaves, o Mestre insinua que a comunidade dos discípulos as usaria para manter abertas as portas que conduzem à vida. Afinal, chaves são para abrir portas. É verdade que um dos maiores equívocos cometido por hierarquias, cristãs inclusive, foi elaborar tantas normas como preliminares que ficou difícil ate mesmo o acesso às portas. A ênfase dada a essas condições acabou por distanciar significativamente a prática religiosa do ideal querido por Deus e confirmado pelo Senhor Jesus. Explicitamente afirmou Cristo que veio trazer vida plena para todos. Lembrou ainda que, se por ventura houvesse outras ovelhas vagueando pelos desertos campos da vida, a disposição era de ir atrás, mesmo que para isso fosse necessário deixar aos cuidados de terceiros as que já se encontravam no redil. Profundo conhecedor da alma humana, advertia repetidamente a seu grupo de seguidores para não colocarem hábitos humanos a frente dos ordenamentos divinos. Um dos mais destacados traços da ação divina é a prática da misericórdia. Deus se esmera na compaixão. E Jesus é a face humana dessa prática misericordiosa. Coerentemente, seus discípulos devem igualmente esmerar-se na prática da compaixão! A misericórdia sublima o relacionamento entre pessoas. Como o próprio nome insinua, trata-se de um impulso que mexe com o coração, favorece a aproximação entre pessoas. O sujeito educado na misericórdia pauta a própria conduta pelo tratamento digno e respeitoso devido ao próximo. Acontece que, ao se institucionalizar, a comunidade religiosa estabelece normas direcionadas a garantir um convívio harmonioso e equilibrado entre os membros. Com frequência se apega tanto a essas diretrizes que se olvida da inspiração original. As normas e doutrinas adquirem valor absoluto. Isso se verifica de modo particular quando as lideranças religiosas intencionam manipular a religião e tratar os membros como súditos. Nesta infeliz inversão aparece com toda força o terrível equivoco: dá-se às elaborações humanas valor transcendental. Resoluções pontuais viram dogmas e a face divina adquire traços marcados por manhas e humores humanos. Tornando ‘eternas’ encaminhamentos pontuais, a eminência religiosa passa a ser medida por práticas exteriores, por formalidades. Essa redução do divino ao legalismo humano favorece sobremaneira a impressão que as portas da religião encontram-se mais fechadas que abertas. Emerge outro elemento complicador neste contexto. Sendo preferencialmente exteriores as normas éticas, quem age fora do padrão estabelecido se torna transgressor, impedido de ter acesso à porta da bem-aventurança! Ao fazer questão de acolher pecadores e tomar refeições com gente de conduta duvidosa, um deles escolhido, inclusive, a fazer parte do grupo mais próximo dele, Jesus desmonta a mentalidade legalista, desqualifica os critérios exteriores de idoneidade e restabelece a misericórdia como a estratégia ideal para tornar mais ágil o acesso ao divino. Sim, este é o projeto de Jesus, cativar pela misericórdia. Ninguém está aprioristicamente excluído. O acesso universal, óbvio, não eliminou comprometimentos, nem afrouxou exigências. Persistem a admonição quanto à necessidade de carregar a própria cruz e a chamada a renúncias. Ao comparar o reino a uma festa de casamento, Jesus indica que os convidados precisam estar trajados com a roupa adequada. Na chamada parábola do filho pródigo, fica subentendido que o filho mais velho ficou fora da festa, não porque o pai o excluiu, mas porque ele não se dispôs a comungar o gesto generoso e misericordioso de acolher o irmão arrependido. Não basta ser filho, é preciso estar em plena e perfeita comunhão com o pai! As portas estão abertas, a festa está posta, mas é preciso estar em sintonia com o pensamento do anfitrião para dela participar. Ao anunciar as indulgências divinas e determinar santas as portas das catedrais, o Papa Francisco coloca novamente em evidência a característica principal da vida e da ação de Jesus Cristo: a misericórdia, que facilita o acesso aos favores divinos. Lembra, contudo, não basta passar fisicamente pelas portas. É preciso querer amar como Deus ama, testemunhar a mesma compaixão com que se reconhece agraciado por Ele! ANTÍDOTO Fé é política! Se não interferisse na promoção do bem comum, a fé ficaria desencarnada. Adorno alienante. Afinal, quem acredita em Deus acredita igualmente no ser humano. Com idêntica coerência com que acredita Jesus Cristo, a ponto de dar a vida pela humanidade. Demonstração maior de fé em Deus e no Homem, impossível! Essa é a razão, compreensível, porque Jesus insiste com seus seguidores que zelassem pelo bem-estar do semelhante. Um zelo completamente diferente do que demonstrado por um bom número de políticos ao redor do mundo. Curioso como os políticos de carreira se viciam rapidamente em demagogia. Fazem discursos comoventes e promessas solenes, e uma vez eleitos mudam os discursos, engavetam promessas e repetem os mesmos erros que veementemente condenavam. É conhecida a dura censura que Jesus aplicava às autoridades do seu tempo, tanto religiosas como civis. Uma bandeira que lhe custou caro, alias. A crítica de Jesus, denuncia a manipulação costumeira praticada por políticos de carreira. Há um episódio nitidamente político no itinerário de Jesus a Jerusalém. Nesse caminho, que segundo os estudiosos é mais teológico que geográfico, o Mestre repetidas vezes se referia ao destino que o esperava em Jerusalém. Ao anunciar claramente esse destino, Jesus insinua nas entrelinhas que a sua condenação e subsequente imolação faziam parte do plano divino da redenção. É como se Jesus estivesse conclamando as pessoas a enxergarem alem das aparências. Ao entregar livremente, e por amor, sua vida Cristo convence que a redenção da humanidade passa pelo esquecimento de si em favor do outro. Este é o sentido sublime da morte na cruz. A cruz deixou de ser instrumento de infame tortura e passou a representar o sinal mais eloquente de amor-doação. Convenhamos, é difícil para o Homem, contumaz egoísta, assimilar esta logística. Mudanças radicais de conceitos se assemelham a um itinerário. Parte-se de um ponto avançando em direção ao destino desejado. Jesus via em seus discípulos a dificuldade em compreender e assimilar sua receita redentora. Paciente e repetidamente explicava a verdade oculta. Escolados nos ensinamentos dos rabinos, os discípulos teimavam interpretar as assertivas de Jesus relacionadas à vitória final no sentido estritamente político. Nada de estranho, humanamente falando, que os discípulos vislumbrassem dias de glória e de ascendência política ao lado do Mestre. Afinal, se ele for o líder máximo neste tal reino, eles seriam, pela lógica, os primeiros integrantes da corte. Os futuros privilégios atiçavam o apetite ambicioso daquele humilde grupo. Ao perceber o equívoco, Jesus trata logo de colocar seus amigos na raia certa. Chama-lhes a atenção acerca da maneira que se faz política no mundo. Lembra-lhes que os políticos de carreira buscam sempre evidência a custa da dominação e da exploração. Denuncia com conhecimento de causa a categoria de políticos, e de outras lideranças, que usam autoridade e cargos para promover seus interesses mais que o bem-estar dos cidadãos. O pensamento desses políticos, segundo Jesus, não é promover a polis, o bem comum, mas, sim, acumular vantagens e privilégios embutidos no exercício do cargo. É comum, essas lideranças buscar perpetuar-se no poder. Recorrem para esse fim à corrupção, à manipulação dos fatos e ao domínio da informação, ao assistencialismo paternalista e ao medo. Jesus conhecia a nefasta cartilha da política rasteira e a condenava veementemente. Corrupção e autoritarismo são incompatíveis com a conduta cristã. Seu engajamento, no entanto, não se restringia à censuras. Na condição de Redentor, veio mudar mentalidades. Contra os abusos dos maus políticos, e de outras lideranças oportunistas, Jesus propõe o antídoto da livre e generosa doação. Enfaticamente exige de seus seguidores que se apresentem de forma diferente, seguindo, afinal, seu exemplo. O mais qualificado entre os irmãos deve agir como servidor, atento às necessidades dos outros, independente de remunerações, gratificações e reconhecimentos. Quando os cidadãos, independente de posições e títulos, cumprirem seus deveres e tarefas com responsabilidade, abnegação e denodo, a humanidade experimentará um libertador salto de qualidade na condição de vida. A fé e o seguimento de Jesus carregam a real potencialidade de fazer emergir uma nova e digna sociedade. Fé é também política. O JEJUM QUE EU QUERO Tempo de renovação na santidade! A formulação é uma das tantas sínteses programáticas que a liturgia oficial da Igreja usa para definir o tempo da Quaresma e para indicar, simultaneamente, o escopo dos exercícios típicos desse tempo de graça e salvação. Uma das mais educativas tarefas nesse tempo quaresmal é deter-se nos textos litúrgicos oficiais, haurindo deles valiosos elementos de catequese e pontuais sugestões de piedade peculiar. Na oração do primeiro domingo da Quaresma, o domingo que abre a jornada dos 40 dias a encerrar-se na quinta-feira da semana santa, a Igreja suplica para que 'ao longo da Quaresma possamos progredir no conhecimento de Jesus Cristo e corresponder a seu amor por uma vida santa'. Nessa densa prece encontra-se o fundamental programa a orientar a vida do cristão nesse tempo favorável. Ao procurar progredir no conhecimento de Jesus Cristo, o foco não está no conhecimento acadêmico. Conhecer Jesus, na linguagem bíblica e litúrgica, significa crescer em intimidade com ele. Há, de fato, um conhecimento oriundo do estudo, intelectual e cultural. Amealham-se sobre o Cristo conhecimentos antropológicos, sociológicos, biográficos etc. Sem que toda essa bagagem contribua necessariamente para transformar o estudioso em discípulo. Nesse contexto, Jesus é apenas objeto de estudo. Há, porém, outro tipo de conhecimento, o contemplativo, entendido e aplicado como meio para estabelecer comunhão afetiva e efetiva com o Mestre. Esse tipo de conhecimento, que não dispensa o acadêmico, usa todas as informações para aproximar-se da alma do Senhor. É um olhar que vai além do biográfico a procura do invisível, perceptível somente por quem medita com reverência. O olhar contemplativo se alimenta no amor. O objetivo primordial, portanto, do tempo da quaresma é estimular os fiéis a progredirem nesse conhecimento contemplativo de Jesus Cristo. Ao sugerir esse programa, a liturgia oficial explicita o desdobramento lógico dessa atividade: ajustar a própria conduta aos ideais por Jesus abraçados. Estabelece-se comunhão verdadeira quando há convergência em objetivos e propósitos. Busca-se ser, segundo a precisa expressão do apóstolo Paulo, imitador de Jesus Cristo. Imitar Jesus significa aprender 'amar como eu amei vocês'. Ora, ao procurar o vetor que animava a ação de Jesus Cristo chega-se facilmente a seu espírito misericordioso. Jesus agia, em tudo e sempre, com misericórdia - cheio de misericórdia, o definem os evangelistas. Alcançar uma vida santa representa, então, pautar a própria conduta pela compaixão. Os textos oficiais da Igreja apontam como exercícios preferenciais nesta direção: a oração, o jejum e a esmola. Essas práticas adquirem sentido quando motivados e orientados pelo critério da misericórdia, ou seja, pelo critério do genuíno interesse pelo bem estar do semelhante. Emerge indigesta alerta, sinalizada pela recorrente mania do ser humano de alterar o foco até dos mais sagrados exercícios. Em sua condição de profeta, Jesus acompanha a pregação dos profetas do Antigo Testamento e chama a atenção contra o perigo da exteriorização da religião. Já no tempo dos profetas tanto a oração, como o jejum e a esmola, haviam se tornado práticas formais, observâncias culturais. Desprovidas do seu sentido renovador. Orava-se por preceito. Jejuava-se por obrigação. Socorria-se por formalismo. Em sintonia com os profetas, Jesus alerta que esse tipo de prática religiosa não somente não agrada a Deus, como também resulta em esterilidade espiritual. Insiste Jesus, Deus quer misericórdia e não rituais. O jejum que eu quero, diz Deus pela voz do profeta Isaias, endossada posteriormente por Cristo, é não se fechar à sua própria gente. Em linguagem de hoje, o jejum que agrada a Deus é superar a indiferença. Na atual conjuntura, converter-se representa importar-se sinceramente diante de tantos abusos que afligem tanta gente e depreciam o ambiente. A proposta da Igreja para a quaresma está claramente explicitada em um dos Prefácios da época: pela penitência se pretende corrigir os vícios, purificar os sentimentos e progredir no espírito fraterno. Encarnados no atual contexto cultural, os exercícios da quaresma encontram seu pleno sentido ao adestrar o fiel a cultivar a compaixão, elemento inerente à condição de filho autêntico do Deus misericordioso. CASA COMUM O planeta terra é o habitat da humanidade. Graças à globalização, a humanidade toma consciência da interdependência entre raças e países. Essa mútua dependência não é obra da globalização, apenas ficou mais evidente a partir do vertiginoso progresso alcançado pelas redes virtuais. A humanidade está, hoje, convencida que não existe bem-estar pontual, exclusivo e circunscrito. O novo esquema de condomínios que garante espaços privilegiados a seletos setores das comunidades, na verdade assegura questionável conforto. Restrito é o consolo de quem mora em um bolsão de tranquilidade, quando tudo em volta está imerso no caos e na degradação. Mais cedo ou mais tarde a situação de desordem invadirá o sossego desses pseudo-refúgios. Não haverá paz constante nem tranquilidade segura se não forem universais. Urge, portanto, despertar e ampliar a visão e entender que ou a humanidade toda se salva ou integralmente afunda. Inspiradas nesta elementar verdade, e cientes de sua responsabilidade pastoral, várias igrejas cristãs estão juntando forças na realização da Campanha da Fraternidade Ecumênica 2016. Somente pelo fato dessas igrejas cristãs se unirem para, juntas, colaborar na realização de um objetivo comum a favorecer toda a sociedade a iniciativa já merece respeito, atenção e apoio. Quando, então, se toma consciência da urgência do objetivo abraçado, o estímulo para aderir se consolida consideravelmente. Nesse ano de 2016, aproveitando-se do tempo litúrgico da Quaresma, considerado no calendário cristão como especialmente favorável a uma profunda renovação e restauração na condição de discípulos, essas igrejas estão conclamando seus fiéis a olhar o planeta terra com responsabilidade e, a partir daí, colaborar para que a casa comum da humanidade ofereça dignas condições de vida a todos os cidadãos. Pode-se estranhar o fato de igrejas tratarem de assuntos ecológicos, aparentemente estranhos a propósitos religiosos. Habitou-se a restringir atividades religiosas a temas espirituais. No entanto, quando se toma conta da grave deterioração porque passa o mundo e dos sérios reflexos na saúde das pessoas que provoca, se entende com facilidade que pouco resolve cuidar somente da alma e ignorar o corpo e as graves agressões ao ambiente em torno. Há de se lembrar que no seguimento de Jesus Cristo duas virtudes transparecem com destaque: a justiça e a caridade. Uma completa a outra. Com justiça compreende-se o tratamento digno devido a cada ser humano, em sua condição essencial de imagem e semelhança de Deus. Por caridade, entende-se o interesse sincero com o semelhante, qualidade definida pelo próprio Mestre Jesus como qualificativa de seus discípulos. Esses somente serão reconhecidos como tais se tiverem amor uns pelos outros, não um amor platônico, vago e neutro, mas uma caridade comprometida, disposta a carregar o fardo do semelhante. Pois bem, alguns dados estatísticos revelam a calamitosa situação de muitos irmãos vitimas de um saneamento básico deficiente ou inexistente. Sim, dentre o vasto conjunto de assuntos relacionados com a Casa Comum, as igrejas escolheram o saneamento básico e o uso responsável da água como foco principal de reflexão e de ação. Em nosso país, mais de 4000 crianças morrem por ano por falta de acesso à água potável e ao saneamento básico! A CEBDS estima em R$1.112 bilhão as horas pagas, mas não trabalhadas em função de afastamento de trabalho por licenças associadas a insalubridades oriundas da falta de saneamento básico. Estima-se ainda que 19 milhões de pessoas podem ser alimentadas diariamente com as sobras de comida desperdiçadas! Em compensação, está estatisticamente comprovado que na AL é mais fácil ter acesso a telefone celular que a banheiros! Esses poucos dados são suficientes para despertar a consciência e avivar a responsabilidade, não somente do cristão, mas, igualmente, de todo cidadão bem intencionado. Permanecer indiferente diante dessa calamitosa situação significa agir em favor da decomposição do ambiente. Por mais bem protegidos e aparelhados, nações prósperas e condomínios fechados não escaparão das tristes consequências de um mundo enfermo e insalubre. A justificada apreensão provocada pelo mosquito Aedes confirma a vulnerabilidade coletiva e comprova a urgência de iniciativas solidárias. Somos todos responsáveis pela preservação e promoção da Casa Comum. DESPLUGAR-SE "Cinzas e nada mais"! Recorriam a esse estribilho os pregadores para enfatizar o clima a prevalecer na vida da comunidade cristã a partir da quarta-feira de Cinzas. Nas teologias onde predomina a visão dualista da vida, classificando tudo que é prazeroso como mal e merecedor de censura, a quarta-feira de Cinzas e o subsequente tempo de Quaresma, revestem-se de ambiente sombrio, quase melancólico. Essa visão maniqueísta continua fazendo a cabeça de muita gente que confunde santidade com um rígido moralismo, desembocando numa religiosidade que privilegia demônios, castigos e infernos! Não é de se admirar que diante de pregação tão sinistra, muita gente acaba se afastando da igreja por não conciliar as belezas e os prazeres inatos à vida a situações pecaminosas. Cinzas é eloquente símbolo. Multifacetado! Pode ser usado num sentido acentuadamente negativo, lamuriando a transitoriedade de tudo o que é material. De fato, tudo passa na vida. Perdem-se vigor e formosura. Perde-se saúde. Perdem-se amores. Perdem-se amados! A existência é uma cruel vaidade! Os prazeres, armadilha do astuto demônio! Consequência lógica desta visão fatalista é o desencanto com a existência e a abominação de tudo o que é material. “Cinzas e nada mais”! Os pregadores adeptos a essa escola de pensamento, aproveitam para carregar o discurso moralista com ameaças de castigos e fogos eternos! Cinzas, nessa escola, é símbolo de expiação, e o tempo da quaresma, período de punitivas abstinências para reparar antigos excessos e purificar a alma. Urge pagar pelos pecados antes que seja tarde demais. Embora inegavelmente transitória e falha, a existência humana, como a vida, está em constante evolução e renovação. Emerge outra leitura na fecunda simbologia das cinzas. Em regiões onde com frequência sucedem incêndios florestais, engenheiros florestais e botânicos ensinam que as cinzas atestam a presença anterior de vida. Vira cinzas o que antes era espécie viva! E muitas vezes essas mesmas cinzas se prestam para favorecer o surgimento de novas formas de vida. Nesta leitura, a cerimônia das cinzas adquire dimensão altamente pedagógica e especialmente programática. Pois associa a quaresma, e, logicamente a quarta-feira de cinzas que demarca seu início, como tempo especialmente favorável à preparação da grande festa da Páscoa, quando se renova a identidade cristã. Adere-se à imposição das cinzas não por causa de possíveis passados excessos, mas porque se mira a renovação da identidade cristã, solenemente celebrada na Vigília Pascal! Ao celebrar a ressurreição de Cristo renova-se a identidade cristã! Ressurge-se com Ele para uma existência ainda mais plena e fecunda! Nesta visão, a cerimônia das cinzas se despe daquele ar de fingida pieguice. Ao contrário, aproxima-se das cinzas com a clara consciência de quem deseja colocar as coisas em seu devido lugar. O que dá prazer, permanece bom, afinal é dom de Deus, mas usado com sabedoria, no tempo certo e com a devida moderação. Repara-se que o conceito predominante na liturgia da quarta-feira de cinzas insiste na necessidade de fechar-se no segredo do próprio quarto, claro convite para arrumar tempo, isolar-se e assim dedicar-se a um real balanço da própria condição cristã, sempre em vista de uma libertadora renovação. Esse convite para o recolhimento torna-se urgente nos dias atuais, marcados por tantos ruídos, distrações e fictícias urgências. Constantemente assediado por diversificados apelos, o homem moderno precisa desplugar-se regularmente para encontrar-se consigo próprio, avaliar sua vida e suas preferências em vista de um ideal a ser alcançado. Nessa análise, é possível que se descubra que na vida foram se instalando hábitos e posturas incompatíveis com a condição de discípulo e, por isso, merecem, sim, ser transformados em cinzas para dar lugar a outros geradores de vidas. No início da vida cristã, a testa do batizado é marcada com o óleo do crisma, o selo da pertença à família divina. Na quarta-feira de cinzas, o cristão humildemente se curva e aceita novamente que fique marcado, desta vez com cinzas, em sinal do real compromisso de reassumir, com renovado vigor, sua identidade cristã. DESERTO Rende a diligência. Tudo que é cuidadosamente preparado geralmente dá certo e gera difuso deleite. Por outro lado, a improvisação frustra e deixa uma sensação de desprestígio e insatisfação. Mesmo em miúdas ocasiões, quando há diligência na preparação e empenho na execução, palavras ganham profundidade e gestos se revestem de dignidade, causando deleite e, principalmente, produzindo resultados almejados. A dispersão é apontada, justificadamente, como um dos grandes fatores para a superficialidade que contamina a moderna cultura. A comunicação móvel configura de tal maneira o comportamento moderno que os cidadãos, por considerarem imprescindível manter-se permanentemente conectados, estão, ironicamente, se desconectando não somente da realidade que os envolve, mas, pior, de si próprios. A permanente e subconsciente possibilidade de intromissões tira das pessoas a capacidade de concentrar-se. Esse constante estado volúvel afasta as pessoas de suas próprias identidades. Vive-se em banal superficialidade e angustiante alienação. É preciso gesto heróico para o cidadão se desvencilhar, momentaneamente que seja, da sua móvel aparelhagem. De usuário ele está se transformando em súdito servil da tirania eletrônica. Com o agravante corolário da banalização das informações. Qualquer inoportuno e trivial comunicado possui a potencialidade de dispersar a atenção até do mais sagrado dos deveres. Essa triste realidade levanta relevante questão existencial. Na urgente busca de ajudar o indivíduo a definir a própria identidade, costuma-se sugerir que ele externe em palavras a imagem que faz de si. Face à multiplicidade de informações a que cada indivíduo está sujeito, pode-se preferir modificar o teor da investigação, induzindo o indivíduo a apontar quem, na realidade, faz a sua cabeça. Indo mais fundo, pode-se preferir instigá-lo a destacar suas fidelidades: a quem ou com quem se sente realmente comprometido. Não seria nenhuma surpresa se transparecesse a total ausência de comprometimentos. Ou incertezas acerca da própria identidade. A dispersão é tão generalizada que provoca naturalmente uma confusão de valores. Na mesma medida que tudo passou a ser importante, nada, na realidade, é relevante. Nivela-se tudo por baixo. Essa caótica situação existencial invade, obviamente, o espaço religioso. Ao reconhecer a múltipla e agressiva invasão profana, emerge espontaneamente urgente alerta: se o fiel não optar isolar-se do estridente ruído materialista e do constante apelo consumista correrá sério perigo de reduzir a dimensão religiosa à condição de inconseqüente ritual, com data para começar e hora para terminar. Urge conscientizar-se que a religião não é efeméride. Nem se esgota em ritos pomposos. É, na linguagem teológica, mistério. Há algo nela que ultrapassa o simples registro. Uma realidade que transcende a percepção sensorial. A consciência dessa dimensão sobrenatural instiga o fiel a querer mergulhar sempre mais fundo no mistério. Grave equívoco comete a pessoa que imagina já conhecer tudo do mistério! Compenetrado, o fiel entende como imprescindível pressuposto aproximar-se com respeito e reverência dos mistérios sagrados. Ora, essa contemplação só será possível se, de fato, optar por desligar-se dos agressivos ruídos a marcar o compasso moderno. Isolando-se, encontrará condições para meditar com diligência os mistérios sagrados. Tal exercício demanda silêncio, tanto interior como exterior. Não basta silenciar ruídos externos. É preciso exercitar-se na concentração da mente e da imaginação. Aplicando-se com diligência nessa tarefa, palavras e símbolos adquirem novos contornos, peso e impacto. Deixam de ser elaborados formulários para se transformar em fontes inspiradoras, alimento do espírito. Esse descanso da alma fortalece a convicção que há mais a ser conhecido e descoberto. Motiva-se, então, a querer mergulhar-se com ainda maior diligência na busca de ampliar a compreensão dos mistérios sagrados. Plena razão têm os místicos ao instigarem os fiéis a buscarem regularmente espaço e ambiente de deserto. No voluntário isolamento, a mente enxerga o essencial, dispensa o supérfluo e acomoda o assessório. Deserto e diligência são preliminares indispensáveis para a alma humana reencontrar-se consigo mesma, reafirmar sua identidade e reconquistar sua legitima dignidade. RECICLAGEM Leia atentamente o manual de instruções. É a recomendação que acompanha a aquisição de qualquer eletrodoméstico. Ignorar essa orientação pode causar danos irreparáveis ao aparelho, privando seu dono dele usufruir-se. A mesma recomendação vale para toda atividade. Antes de exercer qualquer função é preciso adestrar-se adequadamente. A consciência da própria limitação sugere ainda que se procure sempre orientação de pessoas capacitadas. Por sua vez, toda instituição séria cuida de disponibilizar monitores capacitados para orientar programas de aprimoramentos. No campo da ação pastoral não é diferente. Ao querer que uma iniciativa pastoral seja fecunda, o agente precisa reconhecer a necessidade de capacitar-se regularmente para poder exercer sua missão de maneira eficaz e fecunda. Jesus, o bom pastor, é o monitor ideal para todo agente missionário. Profundo conhecedor da alma humana, o Mestre costumava dispensar extensas aulas teóricas e concentrar-se em exercícios mais práticos, sem nenhum prejuízo para o conteúdo. Deixava claro para o grupo que o acompanhava que a condição de discípulos não se resumia ao ambiente de auditório. Na condição de discípulos estavam sendo chamados a participar ativamente da sua missão. Assim, após um estágio de íntimo convívio, o Mestre enviou o grupo em missão. Cuidou de lhes convencer que sua ferramenta mais poderosa era a inerente potencialidade da mensagem que carregavam. Bastava a disposição de querer anunciar acoplada à inabalada confiança na intrínseca luminosidade da sua mensagem. Saíram, pois, e o êxito da primeira experiência fez o grupo retornar exultante ao convívio do Mestre. Solícito, Jesus reconhece o mérito do trabalho e elogia o empenho, mas aproveita para passar ulterior e fundamental treinamento. Surpreende o grupo ao insistir que todos se retirassem a um lugar deserto. Compreende-se o espanto do grupo. Afinal, o sucesso era evidente e as multidões estavam empolgadas. O Mestre, no entanto, estava irredutível. O próximo estágio seria de retiro, de silêncio, de oração. Mister era vacinar o grupo contra o perigo da empolgação. Ele mesmo já tinha dado exemplo. Quanto mais aclamado, mais fazia questão de encontrar tempo para esconder-se. Na tranquilidade e no despojamento, o discípulo permanece focado na essência da mensagem, preservando-a de qualquer acréscimo postiço. Bombardeado por ruídos e envaidecido por aplausos, o ministro corre o risco de cair no artificialismo, contentando-se com retóricas comoventes e convencionais, desprovidas, contudo, de apelos genuinamente interpeladores. O recolhimento é que dá ao discurso foco, intensidade e credibilidade. Certamente, é essa falta de recolhimento que torna o ser humano tão disperso e tão volúvel. A visível urgência com que o povo procurava por Jesus para ouvir sua orientação, ofereceu ao Mestre ocasião propícia para ulterior instrução indispensável. O povo andava carente. Necessitava de luz. Buscava caminhos. Para oportunistas, essa ostensiva carência sempre é ocasião providencial para explorações e manipulações. Bastam alguns truques sensacionalistas, e, pronto, o povo está na mão, formidável massa de manobras. Sem escrúpulos, muitos são os aproveitadores que exploram as carências das pessoas. Ao contrário, ao perceber tamanha necessidade, Jesus reage com compaixão. Sensibilizado, sofre com o povo e se desdobra não para dar o que povo quer, não para vender ilusões, mas para dar o que realmente a multidão necessita! É o que diferencia o autêntico dirigente do agente aproveitador. Este acomoda a mensagem para servir a seus interesses. O autêntico missionário mantém-se fiel, mesmo que cause impopularidade. Despreocupado com a própria promoção, prossegue inabalado e correto, confiante na inerente potencialidade da sua mensagem, proporcionado o que julga objetivamente necessário para as pessoas. Aprendeu, afinal, com seu tutor divino que é a compaixão que legitima e sustenta seu trabalho pastoral. A mesma caridade alimenta sua energia, tornando-a inesgotável, confiante e inovadora. Pautado pela caridade e disciplinado no silêncio, o discípulo fiel vence a mediocridade da rotina, sem apelar ao popular sensacionalismo. No trabalho pastoral, o missionário encontra nos evangelhos o manual de instruções e, em Jesus, o agente qualificado para mantê-lo reciclado em seu ministério. Aplicado aprendiz, mantém vigoroso o ardor missionário e fiel a mensagem libertadora. VENCE A INDIFERENÇA É praxe, todo primeiro dia do ano, o Papa encaminhar ao mundo uma mensagem para celebrar o dia universal da Paz. Para este ano, o Papa Francisco escolheu como tema: Vence a indiferença e conquista a paz. Apresento trechos selecionados com o objetivo de tornar a mensagem conhecida pelo maior número de pessoas. A mensagem, na íntegra, está acessível em vários sites, entre eles o do vaticano: www.vaticano.vt/ mensagem para o dia mundial da paz, 2016. - Deus não é indiferente; importa-lhe a humanidade. A paz é dom de Deus, mas confiado a todos os homens e a todas as mulheres, que são chamados a realiza-lo. - Alguns acontecimentos dos últimos anos e também do ano passado incitam-me, com o novo ano em vista, a renovar a exortação a não perder a esperança na capacidade que o homem tem, com a graça de Deus, de superar o mal, não se rendendo à resignação nem à indiferença. Tais acontecimentos representam a capacidade de a humanidade reagir solidariamente, perante as situações críticas, superando os interesses individualistas, a apatia e a indiferença. - Nesta mesma perspectiva, quero, com o Jubileu da Misericórdia, convidar a Igreja a rezar e trabalhar para que cada cristão possa maturar um coração humilde e compassivo, capaz de anunciar e testemunhar a misericórdia, de ‘perdoar e dar’, de abrir-se ‘àqueles que vivem nas mais variadas periferias existenciais, que muitas vezes o mundo contemporâneo cria de forma dramática’, sem cair ‘na indiferença que humilha, na habituação que anestesia o espírito e impede de descobrir a novidade, no cinismo que destrói’ (O rosto da misericórdia, 14.15). - A dignidade e as relações interpessoais constituem-nos como seres humanos, queridos por Deus à sua imagem e semelhança. Como criaturas dotadas de inalienável dignidade, existimos relacionando-nos com os nossos irmãos e irmãs, pelos quais somos responsáveis e com os quais agimos solidariamente. Fora desta relação, passaríamos a ser menos humanos. É por isso mesmo que a indiferença constitui uma ameaça para a família humana. - A primeira forma de indiferença na sociedade humana é a indiferença para com Deus, da qual deriva a indiferença para com o próximo e a criação. O homem pensa que é o autor de si mesmo, da sua vida e da sociedade; sente-se autossuficiente e visa não só ocupar o lugar de Deus, mas prescindir completamente d’Ele; consequentemente, pensa que não deve nada a ninguém, exceto a si mesmo, e pretende ter apenas direitos. - A indiferença para com o próximo assume diferentes fisionomias. Há quem esteja bem informado, mas reage de maneira entorpecida, quase numa condição de rendição: essas pessoas conhecem vagamente os dramas que afligem a humanidade, mas não se envolvem, não vivem a compaixão. Este é o comportamento de quem sabe, mas mantém o olhar, o pensamento e a ação voltados para si mesmo. Noutros casos, a indiferença manifesta-se como falta de atenção à realidade circundante, especialmente a mais distante. Quase sem nos dar conta, tornamo-nos incapazes de sentir compaixão pelos outros, pelos seus dramas; não nos interessa ocupar-nos deles, como se aquilo que lhes sucede fosse responsabilidade alheia, que não nos compete. Vivendo nós numa casa comum, não podemos deixar de nos interrogar sobre o seu estado de saúde. A poluição das águas e do ar, a exploração indiscriminada das florestas, a destruição do meio ambiente são, muitas vezes, resultado da indiferença do homem pelos outros, porque tudo está relacionado. Nestes e noutros casos, a indiferença provoca, sobretudo, fechamento e desinteresse, acabando por contribuir para a falta de paz com Deus, como próximo e com a criação. continua VENCE A INDIFERENÇA II Prossegue a apresentação de trechos selecionados da mensagem do papa Francisco para o Dia Mundial da Paz! A mensagem, na íntegra, está acessível no site do vaticano: www.vaticano.vt/ . - O esquecimento e a negação de Deus que induzem o homem a não reconhecer qualquer norma acima de si próprio e a tomar como norma apenas a si mesmo, produziram crueldade e violência sem medida. Quando investe o nível institucional, a indiferença pelo outro, pela sua dignidade, pelos seus direitos fundamentais e pela sua liberdade, de braço dado com uma cultura orientada para o lucro e o hedonismo, favorece, e às vezes justifica, ações e políticas que acabam por constituir ameaças à paz. Com efeito, não é raro que os projetos econômicos e políticos dos homens tenham por finalidade a conquista ou a manutenção do poder e das riquezas, mesmo à custa de espezinhar os direitos e as exigências fundamentais dos outros. Quando as populações vêem negados os seus direitos fundamentais, como o alimento, a água, os cuidados de saúde ou o trabalho, sentem-se tentados a obtê-los pela força. Quantas guerras foram movidas e quantas ainda serão travadas por causa da falta de recursos ou para responder à demanda insaciável de recursos naturais? - Deus não é indiferente. Ele observa, ouve, conhece, desce, liberta. Deus não é indiferente. Está atento e age. No seu filho Jesus, Deus desceu ao meio dos homens, encarnou e mostrou-se solidário com a humanidade em tudo, exceto no pecado. Jesus ensina-nos a ser misericordiosos como o Pai: convida seus ouvintes, e particularmente seus discípulos, a aprenderem a parar junto dos sofrimentos deste mundo para os aliviar, junto das feridas dos outros para as tratar com os recursos de que disponham, a começar pelo próprio tempo apesar das muitas ocupações. Na realidade, muitas vezes a indiferença procura pretextos: na observância dos preceitos rituais, na quantidade de coisas que é preciso fazer, nos antagonismos que nos mantêm longe uns dos outros, nos preconceitos de todo gênero que impedem de nos fazermos próximos. Nós também somos chamados a fazer do amor, da compaixão, da misericórdia e da solidariedade um verdadeiro programa de vida, um estilo de comportamento nas relações de uns com os outros. - A solidariedade como virtude moral e comportamento social, fruto da conversão pessoal, requer empenho por parte duma multiplicidade de sujeitos que detêm responsabilidade de caráter educativo e formativo. Penso, em primeiro lugar, nas famílias. Constituem o primeiro lugar onde se vivem e transmitem os valores do amor e da fraternidade, da convivência e da partilha, da atenção e do cuidado pelo outro. Quanto aos educadores e formadores que têm a difícil tarefa de educar as crianças e os jovens, na escola ou nos vários centros de agregação infantil e juvenil, devem estar cientes de que a sua responsabilidade envolve as dimensões moral, espiritual e social da pessoa. Também os agentes culturais e dos meios de comunicação social têm responsabilidade no campo da educação e da formação, especialmente na sociedade atual onde se vai difundindo cada vez mais o acesso a instrumentos de informação e comunicação. Os agentes culturais e dos meios de comunicação social deveriam vigiar por que seja sempre lícito, jurídica e moralmente, o modo como se obtêm e divulgam as informações. - No espírito do Jubileu da Misericórdia, cada um é chamado a reconhecer como se manifesta a indiferença na sua vida e a adotar um compromisso concreto que contribua para melhorar a realidade onde vive, a começar pela própria família, a vizinhança ou o ambiente de trabalho. Desejo ainda, neste Ano Jubilar, formular um premente apelo aos líderes dos Estados para que realizem gestos concretos a favor dos nossos irmãos e irmãs que sofrem pela falta de trabalho, terra e teto. Quero convidar à realização de ações concretas para melhorar as condições de vida dos doentes, garantindo a todos o acesso aos cuidados e aos medicamentos indispensáveis para a vida. - Confio estas reflexões à intercessão de Maria Santíssima, para que obtenha de seu Filho Jesus, Príncipe da Paz, a satisfação das nossas súplicas e a bênção do nosso compromisso diário por um mundo fraterno e solidário. MIL ANOS Reza-se no salmo 89 que para Deus um dia é como mil anos e mil anos como um dia! Os místicos ensinam enxergar cada dia como a mais completa alegoria sobre a vida. Vive-se mil anos no mesmo compasso que se vive um dia! Há muita sabedoria nesta abordagem que merece especial reflexão, particularmente nesses dias quando se vive a passagem de um ano para outro. Costuma-se fazer projetos e propósitos para o ano todo, minimizando a importância de cada dia. CARPE DIEM, diziam os romanos. Ao cuidar de cada dia passa-se a construir a felicidade e a prosperidade do ano inteiro. A primeira atitude nesta direção positiva é iniciar cada dia com sentimentos de gratidão. A tendência comum é agradecer somente quando algo de extraordinário acontece. Passa-se batido dos benefícios corriqueiros, como, por exemplo, a capacidade de, como você, estar lendo essas linhas. Ao tomar consciência que são milhões as pessoas que gostariam de saber ler, e outros tantos milhões que mesmo sabendo, não têm o que ler, já é motivo mais que suficiente para ser agradecido. Infinitas são as capacitações que cada ser humano possui, mas que simplesmente as ignora porque são corriqueiras. Como se o fato de serem corriqueiras subtrai delas a vital importância. Ao aprender iniciar cada dia com este sincero e humilde sentimento de gratidão, aguça-se a percepção para reconhecer outros benefícios e vantagens e adestra-se positivamente para enfrentar o dia com humor e disposição! Ao reconhecer essas vantagens emerge naturalmente o sentimento de responsabilidade para com as mesmas. Deve-se zelar por aquilo que graciosamente se recebe. A consciência do bom funcionamento de qualquer órgão do corpo induzir a zelar pela preservação do correto funcionamento do mesmo. Esse estado de valorização e reverência alimenta o zelo para, se possível, melhorar ainda mais o desempenho das subjetivas faculdades. É triste constatar que, frequentemente, o ser humano não somente não valoriza adequadamente as tantas e sublimes capacitações que possui, como as agride, com sérios prejuízos para si e para a sociedade. Repara-se, a título de referência, nas multiplicas agressões ao aparelho respiratório. Compara-se o ar que se respira nessa parte do mundo com o ar que se respira na China. Desponta a óbvia conclusão, se o cidadão persistir na agressão e no pouco caso a seus diversos órgãos vitais, em breve chegará ao absurdo de provocar sua própria mutilação. Sem razão para lamentar da sorte depois! Acordar é uma bênção. Emerge outra preciosa instrução legada pelos místicos e repetida, em nossos dias, por tantos orientadores da escola de autoajuda: a necessidade de equilíbrio emocional. É comum o sujeito pular da cama preocupado com as várias tarefas a realizar. O tempo é pouco para tantas metas. Acorda-se já cansado! Agitado, atabalhoado, apressado, aborrecido, infernal sequência do atual ativismo, sem espaço para a alegria e a amabilidade! Sugere-se parar e dedicar-se, por alguns instantes, a exercícios de concentração, como respiração, por exemplo, seguidos por serena análise e definição de prioridades. As pessoas religiosas dedicam-se à prática da oração, que não se esgota apenas em fórmulas recitativas, mas que inclua exercício de contemplação, repetindo e aprofundando mental e espiritualmente textos bíblicos e/ou literatura espiritual. Essa parada diária matinal é tão salutar quanto o café da manhã, que, segundo os nutricionistas, representa a mais importante refeição do dia. Nenhuma agenda justifica a dispensa dessa matinal parada ou oração, salutar e indispensável exercício para enfrentar as lidas do dia no comando das ações e não a mercê dos inevitáveis imprevistos e indesejados contratempos. Emocionalmente equilibrado, o sujeito não ignora os desafios nem minimiza as dificuldades, apenas reafirma a potencialidade inerente que lhe dá condições de alcançar metas. Vencer as ansiedades, em suma e entender que nem tudo é prioritário no mesmo patamar. Ensinam os místicos que Deus reserva boas surpresas diárias para seus filhos. Pessoas não religiosas falam em boas energias! Seja como for, importa começar o dia no compasso de responsável e humilde gratidão. Ficará, então, fácil individualizar essas diárias dádivas, reconhecendo o progresso e contabilizando a produtividade de cada dia, essenciais pressupostos no conceito de autoestima. Equilibrado emocionalmente e em harmonia consigo próprio, o sujeito faz cada dia valer por mil anos! FELIZ ANO NOVO! IMPACTO Deus gosta de festas! No Livro Sagrado, inúmeras são as referências a banquetes de ricas e saborosas iguarias, regadas a vinho de melhor qualidade. Jesus confirmou com suas atitudes a aprovação divina por encontros festivos. Pelos comentários que dele se faziam, infere-se ter seguido o Mestre o hábito de frequentar boas e fartas mesas. Foi chamado, inclusive, de beberrão e comilão! Coroou as bênçãos inerentes a banquetes, estabelecendo como ritual maior da nova família de seguidores, a refeição eucarística. Fazer festa é bom. Celebrar o Natal com festas tem a tudo a ver! Em perfeita sintonia estão, portanto, as descontraídas confraternizações habituais nessa época. Na condição de bom Pai, Deus ama ver seus filhos alegres. O que se repara, todavia, é que as festas natalinas estão se concentrando quase exclusivamente no prazer consumista. É inegável a satisfação de poder acolher bem os amigos e comprar o que agrada. Não deixa de ser sinal da benevolência divina, inclusive, poder usufruir da riqueza material conseguida com trabalho e esforço. Quando, no entanto, se praticam excessos é fácil detectar a influência de valores desordenados, como a vaidade exacerbada, o consumismo exibicionista. Patrocinar extravagâncias é indicativo de estrelado desequilibrado. Existe clara distância entre fartura e desperdício. O prazer atrelado a excessos não proporciona genuína e duradoura alegria. É imperativo, nesses ambientes, a alegria ser ruidosa, como se houvesse uma tácita obrigação de convencer os outros que se é feliz. Os adeptos dessa religião consumista cultuam a exibição, precisam aparecer. É demasiadamente pobre a alegria que precisa de holofote para ser reconhecida. É felicidade ambígua, a alegria que exige ser manchete. Sendo demasiadamente passageira e artificial não muda em nada a trajetória da história, não acrescenta luz às densas brumas do cotidiano. Mesmo a benemérita troca de presentes fica sujeita a padrões exibicionistas. Nesse compasso hedonista, presente bom é presente que impressiona, mesmo sendo de duvidosa utilidade ... quantos presentes sobram, diligentemente guardados para serem repassados mais para frente. Cortês fingimento! Totalmente diferente é a grande alegria que acompanha o anúncio do nascimento do Filho de Deus, e que justifica as confraternizações festivas. Para começar, a narrativa evangélica do nascimento chama a atenção pelo extremo despojamento. Nada há de suntuoso no singular nascimento. A alegria repousa no invisível. Encontra-se no profundo sentido da entrada de Jesus no mundo. O Emanuel, Deus-conosco, nasce para fazer acontecer a paz na vida de todos os homens de boa vontade. A estrela conduz os magos não a um palácio, mas a uma gruta. Na simplicidade daquele casebre, no entanto, os astrólogos rejubilam porque reconhecem o novo rei e o adoram. Simeão, o velho servidor do Templo se alegra porque seus olhos veem finalmente a salvação, o surgimento de novos tempos. Todo contexto é dominado pela alegria, mas é um júbilo que, antes de ser externo, deleita a alma. Reside neste detalhe a diferença entre o prazer hedonista e a alegria verdadeira. Aquele depende das aparências, este é um bem-estar da alma que se expressa naturalmente sem a necessidade de extravagâncias. O prazer profano depende exclusivamente de condições exteriores, ambiente, ruídos, farturas. É um estado de ficar alegre. Aproveitar o máximo! A felicidade da alma segue dinâmica diversa. A satisfação não é porque se é alegre, mas por ser ocasião de felicidade para os outros. No mundo importa estar alegre. Na fé urge promover alegria. Pelos padrões do mundo a alegria é passiva. Pelos critérios divinos, a alegria é ativa, servidora. Esta sutil abordagem representa toda diferença entre a descontração profana e a alegria genuinamente evangélica. Ao extravasar sua alegria, pastores, magos e sacerdotes tornaram-se fontes de esperança perene para sucessivas gerações. Agraciados, agraciaram! Deixaram de ser meros espectadores para se transformar em arautos de boas notícias. Faz todo sentido organizar confraternizações para celebrar o Natal de Jesus. Nas festas profanas, o impacto fica por conta das aparências e ruídos. Nas festas temperadas pela fé, o foco fica no impacto alvissareiro que o evangelho do nascimento de Jesus provoca no cotidiano das pessoas. Façam-se festas! Afinal, merece todo júbilo a fascinante entrada do Filho de Deus na história da humanidade! FELIZ NATAL! O ROSTO DA MISERICÓRDIA No dia 08 de dezembro o Papa Francisco proclamou aberto o Jubileu Extraordinário da Misericórdia. Como de praxe, o Papa divulga um documento oficial, conhecido como Bula, justificando a inciativa pastoral e motivando os fiéis a dela participarem intensamente. Selecionei trechos do documento oficial com o objetivo de explicitar melhor o sentido do Jubileu e incitar o leitor a procurar lê-lo na íntegra. Almeja-se, em suma, motivar a todos a abraçarem a auspiciosa proposta deste Jubileu. - Jesus Cristo é o rosto da misericórdia do Pai. O mistério da fé cristã parece encontrar nestas palavras a sua síntese. Com a sua palavra, os seus gestos e toda a sua pessoa, Jesus de Nazaré revela a misericórdia de Deus. - Precisamos sempre contemplar o mistério da misericórdia. É fonte de alegria, serenidade e paz. É condição da nossa salvação. Misericórdia: é a palavra que revela o mistério da Santíssima Trindade. Misericórdia: é o ato último e supremo pelo qual Deus vem ao nosso encontro. Misericórdia: é a lei fundamental que mora no coração de cada pessoa, quando vê com olhos sinceros o irmão que encontra no caminho da vida. Misericórdia: é o caminho que une Deus e o homem, porque nos abre o coração à esperança de sermos amados para sempre, apesar da limitação do nosso pecado. - Perante a gravidade do pecado, Deus responde com a plenitude do perdão. A misericórdia será sempre maior do que qualquer pecado, e ninguém pode colocar um limite ao amor de Deus que perdoa. A todos, crentes e afastados, possa chegar o bálsamo da misericórdia como sinal do Reino de Deus já presente no meio de nós. “É próprio de Deus usar de misericórdia e nisto se manifesta de modo especial a sua onipotência”. (Santo Tomás de Aquino) - A misericórdia de Deus não é uma ideia abstrata, mas uma realidade concreta, pela qual ele revela o seu amor como o de um pai e de uma mãe que se comovem pelo próprio filho até o mais íntimo de suas vísceras. Em todas as circunstâncias o que movia Jesus era apenas a misericórdia, com a qual lia no coração dos seus interlocutores e dava resposta às necessidades mais autênticas que tinham. - Nas parábolas dedicadas à misericórdia (Lc 15), encontramos o núcleo do Evangelho e da nossa fé, porque a misericórdia é apresentada como a força que tudo vence, enche o coração de amor e consola com o perdão. Somos chamados a viver de misericórdia, porque primeiro, foi usada misericórdia para conosco. Deixar de lado o ressentimento, a raiva, a violência e a vingança são condições necessárias para se viver feliz. - É triste ver como a experiência do perdão na nossa cultura vai rareando cada vez mais. Em certos momentos, até a própria palavra desaparece. Chegou de novo, para a Igreja, o tempo de assumir o anúncio jubiloso do perdão. É o tempo de regresso ao essencial, para cuidar das fraquezas e dificuldades dos nossos irmãos. O perdão é uma força que ressuscita para nova vida e infunde coragem para olhar o futuro com esperança. - É determinante para a Igreja e para a credibilidade do seu anúncio que viva e testemunhe, ela mesma, a misericórdia. A primeira verdade da Igreja é o amor de Cristo. Por isso, onde a Igreja estiver presente, aí deve ser evidente a misericórdia do Pai. Para ser capazes de misericórdia, devemos primeiro pôr-nos à escuta da Palavra de Deus. Isso significa recuperar o valor do silêncio, para meditar a Palavra que nos é dirigida. Deste modo, é possível contemplar a misericórdia de Deus e assumi-la como próprio estilo de vida. - É meu vivo desejo que o povo cristão reflita durante o Jubileu sobre as obras da misericórdia corporal e espiritual. Redescubramos as obras de misericórdia corporal: dar de comer aos famintos, dar de beber aos sedentos, vestir os nus, acolher os peregrinos, dar assistência aos enfermos, visitar os presos, enterrar os mortos. E não esqueçamos as obras de misericórdia espiritual: aconselhar os indecisos, ensinar os ignorantes, admoestar os pecadores, consolar os aflitos, perdoar as ofensas, suportar com paciência as pessoas molestas, rezar a Deus pelos vivos e defuntos. - Neste Jubileu, deixemo-nos surpreender por Deus! Papa Francisco CONFIANÇA Guernica inspira esperança! Picasso recebeu uma encomenda do governo da Espanha para criar um mural a ser exposto no pavilhão nacional na Feira Mundial em Paris em 1937. Enquanto estudava um possível tema para sua obra, chegaram às mãos do pintor registros fotográficos do massacre cometido pela milícia fascista do General Franco na pequena cidade de Guernica. O horror causado pelas imagens retratando corpos destroçados e a cidadezinha queimando em chamas inspirou o pintor a criar Guernica. O imponente quadro reproduz com impressionante dramaticidade a insensatez da guerra, a absurda barbárie de corpos mutilados de cidadãos e de animais, rastro infame deixado pelas milícias fascistas. Não é sem razão que Guernica é considerado um dos mais eloquentes ícones modernos contra toda forma de agressão brutal. Contra a estupidez das guerras, enfim! O mural, porém, não representa somente um potente protesto contra a guerra. O atento observador nota, no centro do quadro, perdida em meio a corpos destroçados, uma mão estendida que segura uma lanterna acesa. Quase na mesma linha, no piso do quadro, no chão encharcado de sangue, vê um frágil broto verde. Picasso, por ser o gênio que é, consegue enxergar além dos acontecimentos. Denuncia com veemência a infâmia da crueldade humana, mas intui um feixe de esperança no frágil broto que teima despontar. Um faixo de luz que teima brilhar na densa escuridão causada pela maldade humana! Os gênios se destacam pelo profundo conhecimento da alma humana. Neste sutil predicado se aproximam dos grandes místicos. Involuntariamente talvez, revelam, cada um a seu modo, uma curiosa comunhão com as básicos princípios da fé cristã. A certeza inabalável, presente na Guernica, de que a humanidade, apesar da sua contumaz perversidade, tem salvação converge com o feliz anúncio cristão da redenção. Picasso se apresentava como ateu, mas foi também gênio. Bastante sintomática, pois, a preferência pela luz e pela frágil planta, escolhidas pelo genial pintor para externar sua esperança de que, no fim, a vida prevalecerá. Ao anunciar a vinda do futuro Messias, o profeta Isaias, séculos antes, recorre aos mesmos símbolos para exaltar sua missão e infundir esperança num povo humilhado. Compara o redentor prometido a uma luz que brilha nas trevas, a um rebento que nascerá do tronco estéril de Jessé. A história da humanidade é uma sequência de sofrimentos e abusos, mais sentidos evidentemente pelas classes mais desprotegidas. Diante da prepotência de inúmeros tiranos, mergulhados em angústias sem fim, essa gente levanta súplicas de misericórdia e clamores por libertação. Diante da inesgotável maldade humana, persiste a asfixiante dúvida: tem a humanidade salvação? A fé bíblica inspira positiva resposta, em sintonia com o mais recôndito anseio da alma. Sim, a humanidade acredita na salvação! Quer a salvação! E Jesus veio ao mundo satisfazer este profundo anseio da alma. Ao encarnar-se, o Filho de Deus se faz a prova mais convincente que Deus está seriamente empenhado no resgate da dignidade humana. Ao celebrar seu nascimento, os fiéis reavivam esta esperança. Com toda razão, a celebração do Natal é reconhecida como a festa da esperança da humanidade. Mais que uma festa sentimental, a celebração do nascimento do Senhor Jesus é um vigoroso apelo para que a humanidade fique de pé e levante a cabeça. É de se reparar como todos os personagens envolvidos diretamente no mistério da encarnação, exaltam a esperança que acompanha o nascimento do Menino Jesus. Significativamente, esta esperança está ligada a contextos humanamente frágeis, gente simples, sem nenhum destaque social, manjedoura, pastores, astrólogos anônimos, idosos piedosos! Na dramática tela de Picasso, a frágil planta e a lamparina talvez passem desapercebidas pelo olhar superficial, mais focado nas tristes e sombrias imagens. Ao se captar, todavia, a vigorosa presença desses símbolos, a leitura do quadro muda radicalmente. Apesar da crueldade humana, a confiança persiste. A esperança não está vencida! Ao manifestar tão genialmente sua esperança, Picasso involuntariamente evoca o mistério da encarnação e sutilmente instiga os que nele acreditam a testemunhar com igual vigor a inabalável confiança no resgate da alma humana. Esta auspiciosa convicção constitui ingrediente primordial na celebração do nascimento do Senhor Jesus. IMAGINE Religião melhora condutas. Lembro comentário repetido ainda por muitos pais aconselhando seus filhos/filhas a dar preferência a namoradas/namorados que têm religião. Quem tem religião tem valores, ou freios, como se dizia antigamente. A propósito, vários articulistas publicaram recentemente artigos em diversos jornais, inclusive neste matutino (vide, CIÊNCIA, RELIGIÃO E MORAL, professor Roelf C Rizzolo,24.XI.2015) divulgando um estudo que teve por finalidade definir a influência da religião na vida de crianças entre 5 e 12 anos de idade. Pelo resultado da pesquisa, os organizadores concluíram que a influência da religião nas escolhas comportamentais de crianças é mínima. Na pesquisa, realizada com crianças de vários países e com identidades religiosas diversas, os entrevistados sem religião mostraram disposições mais éticas que seus pares, criados e educados em contexto religioso. Religião é supérflua, concluíram os cientistas! O resultado da pesquisa é, de fato, revelador e merece sérias reflexões. Passo ao largo do critério usado para definir o grau do envolvimento religioso das crianças submetida ao teste. Certidão de batismo não representa nenhuma garantia de maturidade religiosa. Tomando por base a experiência local, é, lamentavelmente, comum famílias e indivíduos abraçarem formalmente uma confissão religiosa sem, contudo, identificar-se radicalmente com seus propósitos. Leitura paralela do resultado da pesquisa acima referida enxerga, não tanto a inutilidade da religião, mas, sim, a forma superficial e abordagem convencional com que se abraça a identidade religiosa. Não é de hoje que se chama a atenção para a real e preocupante distância que se nota entre a fé que se professa e a vida que se vive. Desde tempos antigos, os profetas advertem contra a incongruência de fiéis que se deleitam em louvar a Deus com os lábios, mas cujos corações andam distantes dos mandamentos divinos. Para o criterioso crente, a pesquisa acima revela quanto é urgente e indispensável o testemunho de uma conduta pautada pelos reais padrões evangélicos. E quanto é prejudicial a imagem da religião o comportamento que não corresponde às propostas básicas do Mestre Jesus. Outra leitura interessante a ser feita a partir do resultado da pesquisa referida acima foca o tipo de conteúdo que se está administrando na formação religiosa. Durante anos a catequese, católica e protestante, centrou suas energias sobre a chamada ortodoxia da fé. O enfoque privilegiava a doutrina e a consequente disciplina que dela emanava. O fiel católico, de forma geral – foco o catolicismo apenas como referência - acostumou-se a centrar sua religiosidade na prática sacramental: ao nascer precisa-se do batismo, depois, fazer primeira comunhão, crismar, casar na igreja. O prontuário religioso está completo! Ao estacionar nos sacramentos considera-se satisfeita a identidade religiosa. Pouca consideração se dá ao sentido de passagem - páscoa - embutido em cada celebração sacramental, sua real influência na conduta cotidiana. O ritual é um fim, como se fosse mercadoria que se compra. Reconhece-se, bastante difusa é a ignorância religiosa. Inúmeras são as ambiguidades, costumes e superstições que, ao se infiltrar, acabam distorcendo a essência da religião, projetando imagem caricata. Corrigir esses nocivos equívocos representa prioritário desafio na ação pastoral das igrejas cristãs. Fiéis desinformados e mal preparados retardam sobremaneira a vinda do que Jesus chama de reino de Deus, a vida nova inspirada e pautada por valores evangélicos. Investir na e estimular a formação catequética, não somente de crianças, mas principalmente de adultos, é missão urgentíssima para quem se sente empenhado em fazer o Reino de Deus acontecer. Se não se está conseguindo mostrar na prática a positiva potencialidade dos valores evangélicos, a culpa não é da religião, mas de quem ainda não a compreende adequadamente ou não a abraça radicalmente. Graves equívocos na identidade cristã induzem pessoas a declarar irrelevante a religião. Quando não atrapalha, a religião em nada ajuda! Vive-se muito bem sem ela! Na antológica canção, IMAGINE, John Lennon sonha com um mundo fraterno e pacífico, dispensando, entre outras coisas, a ajuda da religião. Como Lennon, muitos almejam este mundo solidário. Recai sobre nós, cristãos, mostrar, não com argumentos, mas com a coerência da vida, que a religião contribui decisivamente na construção desta nova sociedade. VERDADE ÚNICA Terror resolve? Os estrategistas do EI parecem acreditar na potencialidade do medo, embora a história universal demonstre com clareza que todos os impérios ou tiranos que apostaram no terror e no medo para consolidar seu domínio sobre os outros tiveram sobrevivência relativamente curta. A insistência nessa estratégia intriga e obriga fazer ulteriores considerações. A sucessão de barbáries aponta para os alvos considerados inimigos preferidos desse grupo, cristãos e civis de países considerados infiéis. Enquanto brutalidades eram praticadas – e exibidos - contra indivíduos aleatórios, a reação foi de uma indignação civilizada. Bastaram, contudo, duas ousadas e hediondas ações terroristas - a derrubada do avião russo e o ataque em Paris - para o ocidente despertar e decidir reagir com o devido rigor. Ações terroristas são corretamente definidas como atos contra a humanidade. Não é apenas um país que é atacado, mas toda uma cultura e uma história. No caso dos terroristas islâmicos está ficando claro que o ódio é contra tudo o que não cabe na ideologia radical desses grupos. O que explica a injustificável destruição de vidas, como também o igualmente absurdo assalto à patrimônios históricos, detonando monumentos milenares. Doutrinados e obcecados por este projeto, dispõem-se ir ao extremo de sacrificar suas próprias vidas, arrastando junto centenas de inocentes indefesos. Com um perigoso agravante, esse povo está se tornando hábil ao andar no escuro. Esta premissa serve como importante referência no combate a este tipo de terror. Ao mesmo tempo que se espera das principais lideranças políticas do chamado mundo desenvolvido uma ação enérgica e coordenada focada não somente em dissuadir e prevenir, mediante uso de aparato bélico, futuras ações terroristas como também prender e punir delinquentes, urge relevar, neste caso particular, o limitado alcance dessa estratégia. Numa guerra, o pior inimigo é o medo de morrer. Para destacar o horror das guerras, os romanos diziam que mães não gostam de batalhas. Emerge a nefasta inversão que esses terroristas islâmicos introduzem: eles querem morrer! E suas mães se orgulham de seu martírio! Para eles a morte é troféu! Ora, matar a quem debocha da morte representa paradoxalmente, fazer o jogo que o inimigo quer. Alimenta-se mais a perversa e fanática ideologia! Importa, sim, atacar a logística bélica desse grupo, suas bases de treinamento entendendo, porém, tratar-se de um recurso emergencial. Pois o verdadeiro inimigo não se define tanto por territórios geográficos, mas ideológicos. Ressalva-se, enfaticamente, nessas carnificinas a religião é um mero pretexto, biombo oportunista para justificar ambições pseudomísticas. Reproduzindo a precisa frase do papa Francisco: invocar Deus para justificar mortes de pessoas inocentes é uma verdadeira blasfêmia! Não é o Islã que é errado, mas a leitura radical e manipulada que dele se faz, como apressam-se a atestar várias lideranças muçulmanas. Nem todos os muçulmanos são terroristas! Esta guerra não é convencional. Seu real campo de batalha situa-se na área da doutrina e da cultura. Considerando gasta e insípida a atual cultura ocidental consumista e julgando ultrapassada a doutrina cristã, a propaganda jihadista proclama sua leitura fundamentalista do Alcorão como a verdade única capaz de redimir e reerguer o mundo! Esta proposta unilateral e intransigente passa a constituir o dogma maior que motiva e justifica todo tipo de iniciativa, inclusive ataques covardes contra inocentes. Combater este fanatismo ideológico representa o maior desafio. Parte-se de uma vantagem relevante: o fato dos extremistas recorrerem ao pânico aponta claramente para a fragilidade da sua proposta. Insistem no terror porque reconhecem intimamente que sua causa é perdida! Responder com astúcia a esta ameaças representa, em primeiro lugar, consolidar a preciosa bandeira da tolerância. Ato contínuo, combater, com todas as energias e em todas as áreas de moral e de ciências, a pretensão da verdade única. A verdade não precisa de carnificinas para se impor! Tampouco da loucura suicida de fanáticos. Respeito, liberdade e tolerância representam contraponto imbatível à covardia do terror. FOLCLORE Época de festas religiosas é esta. Em muitas comunidades católicas realizam-se nesta época as celebrações da Primeira Eucaristia. Compreensivelmente, as comunidades vivem dias de expectativas, de excitação e de alegria, envolvidos em preparativos variados. Esta euforia contagia também as famílias dos catequizandos que se desdobram para deixar marcado o dia mor! Parentes vem de longe, residências são preparadas, comemorações encomendadas. Tudo bonito e legítimo, afinal celebrar a distinção de ser comensal com Jesus merece devido destaque. Ao envolver diretamente crianças, as celebrações da Primeira Eucaristia adquirem dimensões de singular singeleza e puro prodígio. Não há quem não se comove nessas celebrações. Participar da Eucaristia é distinção singular. Afinal, ser convidado a sentar-se à mesa com Jesus e repartir com Ele o pão da vida, que é seu próprio Corpo e Sangue, é manifestação sublime de especial consideração. Costuma-se convidar a partilhar refeições pessoas por quem se cultiva especial estima. Ao celebrar e comungar na Missa, o fiel experimenta a alegria de estar incluído no rol de amigos privilegiados de Jesus e, coerente e simultaneamente, expressa e renova sua íntima sintonia com o divino Amigo. Reconhece, inclusive, que sua presença na celebração deve-se à livre iniciativa do próprio Anfitrião. Somente Ele pode escolher e convidar seus comensais. Esta consciência preliminar induz o participante a entender que só celebra dignamente a Eucaristia quem dela se aproxima com sinceros sentimentos de humildade e gratidão, de reverência e compromisso. Este clima de júbilo, mas também de reverente respeito, fica especialmente evidente nas celebrações da Primeira Eucaristia. Ele justifica amplamente a excitação e a euforia que as acompanham. Nem sempre, todavia, a dimensão religiosa encontra nas famílias o devido destaque e respaldo. Focados mais no aspecto festivo, pais se deixam envolver com a repercussão social em prejuízo da dimensão religiosa. Quando este clima profano é ainda repassado para as crianças, enormes são a alienação e a confusão que se provoca em sua tenra consciência. Distorção lamentável e, não raramente, irremediável. Legítimo, sim, é fazer festa pela ocasião. Há motivos de sobra para isso. Sua organização e preparação, contudo, devem ficar distantes das crianças, justamente para não desviar sua atenção do principal. Em famílias onde realmente se preza a dimensão religiosa da celebração, esta estratégia é facilmente entendida e executada. Os pais, quando conscientes da sua missão, fazem questão de manter o foco no clima espiritual, encontrando tempo para orar junto com seus filhos, ajudando-os a tomar consciência da dignidade e da sublimidade da ocasião! A comemoração social é preparada na surdina, surpresa a coroar um grande dia! Onde, contudo, está ausente a reta consciência do significado do ritual, a probabilidade da celebração da Primeira Comunhão se reduzir a folclore religioso é enorme. Estaciona-se, neste caso, na cerimônia, na data, e não no sentido profundo e perpétuo da celebração. É a festa que importa, com suas manifestações profanas de roupas especiais, de penteados elaborados, de fotografias. De desfile. De registro social. A distinção de sentar-se à mesa com Jesus, a dignidade de partilhar com ele o pão da vida, viram apenas detalhes, formalidades que servem de pretexto para recepções sociais. Dilui-se por completo o mistério. Perde-se a reverência. É lamentável constatar que muitos pais, ao não compreender a dimensão sacra da celebração, sua profunda repercussão na vida, encaram a Primeira Comunhão como formatura religiosa. Julgam-se quites com suas obrigações religiosas, desincumbidos de mais uma tarefa. Ufa! Motivo outro, quiçá, para comemorar! A celebração, tão diligentemente preparada porque representa a passagem para um estágio novo de vivência religiosa, manifestação emocionante de gratidão e pura expressão de sintonia com os valores de Jesus Cristo, fica reduzida à vaidades profanas e distorcida por estéril exibicionismo. Sublime momento na vida de uma família é a celebração da Primeira Comunhão de um filho, merecedora de todo júbilo, motivo de grande satisfação. Sobressaia, pois, o clima de reverência e gratidão. De comunhão com Jesus e com seus valores. Caso contrário, tudo não passará de inconsequente folclore religioso! REBELDE Essencialmente contestador é o cristão! Inspirado na atividade de Jesus Cristo e tocado pelo seu exemplo de vida, o discípulo contesta os ambíguos valores do mundo! Analisando com objetividade a atuação de Jesus percebe-se a radicalidade de sua inconformidade. Jesus questionava vaidades sociais e criticava ambições políticas. Investia com duras censuras contra práticas religiosas, algumas de caráter eminentemente sagrado. Conhecidos são os frequentes embates acerca do verdadeiro sentido da santificação do sábado. Contestava com veemência o ambíguo moralismo ensinado e cobrado pelos fariseus, ao mesmo tempo em que convidava seus ouvintes a entenderem e captarem os legítimos apelos divinos. Inovadora a sua leitura do Torá, texto fundamental da religiosidade judaica. Fazendo contraponto à observância externa da Lei, Jesus explicitava o real desígnio de Deus, destacando a genuína alma da religião. Citando o adultério como referência, Cristo mostra que adúltero não é somente quem mantém relacionamentos extraconjugais, mas também quem olhar o próximo com cobiça licenciosa! Aplicado na mesma coerência, o Mestre mostra a pouca relevância da liturgia do Templo, se não for acompanhada por uma genuína conversão de conduta. Não é sem motivo que o Nazareno se tornou indigesto para as autoridades religiosas da época. Idêntica postura e semelhante coragem Jesus exige de seus seguidores. Com admirável coerência, Cristo não quer constituir uma comunidade separada do mundo. Ao contrário, quer que os discípulos formem no mundo um grupo tão coeso e inserido a ponto de transformar os valores que regem a sociedade. Com formidável sabedoria recorre a símbolos que magnificamente ilustram seu pensamento. Provoca seus seguidores a agirem como sal na comida ou como fermento na massa. Impossível distinguir esses elementos quando misturados na comida, porém facilmente perceptíveis onde atuam. Orígenes, escritor cristão dos primeiros séculos, captou esta catequese do Senhor Jesus ao descrever o discípulo como um cidadão igual aos demais, sujeito ao mesmo calendário e disciplinado pelos mesmos regulamentos civis, no entanto, com uma proposta de valores diferentes. Salta aos olhos a grande verdade evangélica: o espaço sagrado do cristão não é o templo, mas a rua! O espaço privilegiado da atuação do discípulo não é a igreja, mas o cotidiano da vida. Revolucionária verdade a sacudir os fundamentos da religiosidade tradicional. Durante séculos acostumou-se e acomodou-se a reduzir as obrigações religiosas a sacramentos e cultos. Sem dar-se conta, o discípulo foi cultivando uma dupla identidade: havia a identidade religiosa, a postura dentro da igreja, e a identidade civil, os valores a reger o cotidiano. Como se o rito religioso nada tivesse a ver com as obrigações civis. Na igreja reza-se o Pai Nosso e dá-se o abraço da paz, enquanto na rua contemporiza-se com a desigualdade e a mentira, minimiza-se a exploração e promove-se rivalidade. Contaminados e influenciados pelos valores do mundo, os cristãos deixam de agir como potenciais transformadores. Pior, ao resignar-se diante de tamanha inversão, deixam de testemunhar sua real identidade. Em sua catequese, o evangelista Mateus elabora uma estratégia iluminadora. Como primeiro pronunciamento de Jesus, o evangelista apresenta a proposta das bem-aventuranças, posturas radicais a orientar e purificar o relacionamento entre as pessoas. Como último pronunciamento de Jesus, Mateus reproduz a descrição do Juízo Final, cujo comprometedor destaque é a identificação de Jesus com o mais desqualificado dos irmãos. Os dois discursos admiravelmente convergem no enunciado da revolucionária boa nova: o espaço privilegiado da ação cristã é a rua, no contato e trato direto com o irmão. Lido com a lupa das bem-aventuranças, o discurso sobre o Juízo Final destaca a caridade, o tratamento reverente devido a todo ser humano, como o qualificativo de todo homem de bem, em especial e obviamente, do seguidor de Jesus. Contagiado pelo zelo solidário de Jesus Cristo, longe de qualquer ideologia ou doutrinação, o discípulo assimila e assume sua real identidade: portar-se como rebelde convicto, sem violência, num mundo que patrocina esquemas geradores de desigualdade, miséria, sofrimento e morte. HOSPITALIDADE Saber acolher é precioso predicado! É verdade que existem escolas de etiqueta que ensinam a maneira certa de acolher pessoas. Em recepções oficiais ou formais é preciso obedecer fixos rituais. Seguir o protocolo, todavia, não assegura calorosa acolhida! Todos os requisitos formais podem ser irrepreensivelmente observados, sem que se crie clima de descontração e de confiança. A descontração reflete a espontaneidade e a alegria com que o hóspede é recebido. Quanto mais natural a acolhida, maior a espontaneidade. Saber receber denota generosidade de coração e é claro indicativo da desafetada estima que o hóspede merece. Na verdade, quando a atenção se foca no hóspede, costuma-se dispensar formalidades periféricas. Afinal, é um amigo a quem se está acolhendo! Por outro lado, quando a visita é formal, e o visitante não integra o círculo íntimo do anfitrião, todo cuidado se despende para que o protocolo de boas maneiras seja cumprido. Esse cuidado é sinal de consideração, no entanto, nessas ocasiões, os encontros geralmente ficam sem cor e sem calor. E os anfitriões, exaustos, oprimidos por tanta tensão. São visitas que se acolhe em casa, mas que não cabem no coração! Bem diferente, quando a porta aberta da casa sinaliza trânsito livre até o coração! A Bíblia exalta a virtude da hospitalidade e explicita as benéficas consequências de acolhidas espontâneas e sinceras. Abraão apresenta-se como exímio anfitrião. Ao receber a visita de três estrangeiros, não hesita em oferecer-lhes sua própria tenda. Os serve ainda com o que de melhor possui em sua dispensa. Como recompensa recebe o maior presente com que sonhava, o nascimento de um filho, Isaac. Outro encontro formidável aconteceu na pequena cidade de Jericó. Habitava ali um sujeito baixinho, ansioso para conhecer Jesus. Como a estatura não ajudava, o sujeito decidiu subir em uma árvore para ver Jesus passar. Presume-se que sequer passava pela cabeça desse homem que Jesus fosse dar-lhe atenção. Afinal, seus conterrâneos o abominavam porque traíra sua identidade nacional ao decidir servir ao império romano, na condição de cobrador de impostos. Pela narrativa, deduz-se ainda que este funcionário público aproveitava-se bem da sua condição de coletor de tributos. Tudo indica que amealhou grande fortuna roubando e explorando seus conterrâneos. Estava convicto intimamente que a chance de receber de Jesus a mínima atenção que fosse era zero. Qual não deve ter sido a surpresa, ao reparar que Jesus, não somente enxergou-o e dirigiu-lhe a palavra, como também se convidou para hospedar-se em sua casa! Que o interesse de Zaqueu, assim chamava-se o nosso personagem, era mesmo ver Jesus confirma-se pela reação que teve diante do inesperado convite. Diz o evangelista Lucas que o homem pulou da arvore onde estava acomodado e recebeu Jesus com alegria em sua casa. Pouco se importou, pelo jeito, com formalidades. Nem sentiu-se constrangido com os objetos caros amealhados pela impenitente corrupção, que de certo, decoravam sua residência. Acolheu Jesus do jeito que era, sem máscaras, mas com alegria e reconhecimento sincero. Acolheu Jesus no coração, mais que em sua residência! E o Mestre percebeu! E recompensou! O evangelista não entra em detalhes acerca da conversação que rolou entre os dois, e presumivelmente, entre os outros convidados da mesma estofa de Zaqueu. Tudo leva a crer que o encontro foi dos mais descontraídos. Zaqueu deve ter percebido a satisfação de Jesus em ser seu hóspede. Cuidou o evangelista de registrar a profunda transformação que se operou no íntimo daquele corrupto funcionário público. A espontânea e sincera acolhida lhe abriu a porta da salvação! Saber ser genuinamente hospitaleiro, sem afetação e sem formalidades excessivas, é certamente uma das maneiras mais eficazes de aproximar pessoas e superar barreiras. Nesse nosso mundo tão marcado por carências e por isolamentos, tão sujeito a desconfianças e a depressões, saber acolher com alegria e sem afetação contribui decisivamente para encurtar distâncias e consolidar autoestimas. A hospitalidade, quando genuína, sempre recompensa! PURO OLHAR Há mais cerimônias que celebrações de casamento! Curioso como a instituição do matrimônio foi instrumentalizada ao longo da história e manipulada segundo as várias culturas. O matrimônio já foi usado para selar armistícios! Para favorecer comércios! Para retribuir favores! Para fortalecer reinados e governos. Atualmente, o evento casamento se distingue pelo glamour. Em consonância com os valores modernos que privilegiam a aparência e a apresentação, o evento matrimônio foca muito a repercussão que provoca. Floresce uma indústria sofisticada e cara a transformar o casamento numa produção de novela, na qual noivos e familiares submetem-se alegremente à condição de atores e figurantes a serviço da imagem que se pretende projetar. Neste esquema fashion, procura-se enquadrar também a dimensão religiosa, num flagrante desrespeito tanto ao mistério celebrado como ao espaço sagrado, confirmando a tendência que importa mais a apresentação que o cerne da jubilosa união. Lamenta-se profundamente a conivência de ministros religiosos com esta indústria cuja finalidade, além de lucrar, é reduzir o matrimônio a um pomposo desfile de vaidades. Quando no matrimônio se dá excessiva importância à valores periféricos ou quando a união é levianamente abraçada fica evidente que sua consistência corre sérios riscos. A análise serena do contexto histórico induz a concluir que a propalada crise matrimonial deve ser debitada na conta de como se entende e se abraça o casamento. Em tempos não muito remotos, quando a mulher não tinha ainda conseguido seu legítimo espaço, havia muitos casamentos de fachada. Arranjados. A prepotência da cultura machista, amparada pelo dogmatismo canônico, induziu muitas mulheres a viver numa espécie de escravidão branca. A total dependência no patriarca, aliada a instintiva necessidade de prover e assegurar a criação e a educação dos filhos fez muitas mulheres aceitar a situação. Por amor aos filhos, muitas mães se conformavam com a submissão. Esta acomodação passava a impressão de casamentos estáveis, de uma instituição fortalecida. Em casamentos arranjados ou marcados por preconceitos e manipulações vivia-se uma simulação de felicidade e de estabilidade. Com a emancipação, a mulher começou a recusar permanecer submissa. Cessando a dependência, aumentou naturalmente a procura por separações. A grande incidência de casamentos desfeitos induz a sociedade a imaginar que a instituição do matrimônio está em crise. Não faltam sociólogos e antropólogos que provam com A mais B que realmente a instituição tradicional do matrimônio está superada. É preciso abrir espaço para novas formas de famílias. Apesar de todo este bombardeio a busca pelo matrimônio, dito tradicional, não estagna. Realidade que só pode ser explicada por um simples detalhe: a união homem/mulher de uma forma estável e duradoura integra o processo natural humano de amadurecimento e realização. Para o crente, esta constatação confirma e externa a verdade bíblica que o casamento faz parte do plano de Deus para o Homem e a Mulher! Se Deus assim projetou, então a união estável entre marido e mulher é objetivamente favorável à realização humana. O processo natural de atração e de complementação atende aos mais profundos anseios da alma humana e contribui decisivamente para a realização dos gêneros. Esta premissa exige que o matrimônio fique livre de toda instrumentalização e purificado de toda ambição egocêntrica. O casamento ganha consistência e maturidade quando o relacionamento entre as partes se fundamenta numa saudável atração, alimentada por afeto gratuito, disciplinada pelo respeito à individualidade e dignidade do outro. É um lento processo de amadurecimento e ajuste, podado por renúncias conscientes e oxigenado por iniciativas contínuas de afeto gratuito, quando se busca agradar o outro motivado apenas pela ternura. Livres de qualquer ideologia de dominação e competição, as partes entendem e aceitam com alegria a dependência mútua e em plena sintonia edificam seus lares. Em linguagem técnica, define-se este processo como 'purificação do olhar'. Olhares turvos e rotina esgarçam a união e arruínam lares. Purificado o olhar, o amor e a união evoluem em uma perene celebração! VISIBILIDADE A sociedade convive com seres invisíveis! Infelizmente, esta experiência é recorrente entre as comunidades humanas. Na cultura ocidental são tratadas como invisíveis pessoas de classes sociais mais humildes ou gente que não gera riqueza, idosos, doentes e similares. Em certas culturas africanas mulheres e crianças andam ignoradas, recebendo tratamento humilhante e atenção periférica. Em tempos bíblicos, mulheres e crianças também permaneciam ignoradas. Esta mentalidade originou a classe de cidadãos invisíveis. Profeticamente, Jesus rompe barreiras neste contexto dominado pela discriminação. Chama mulheres a integrarem sua comitiva e, ousadia maior, apresenta uma criança como modelo do discipulado. Se os pretensos seguidores não se transformarem em crianças permanecerão excluídos do convívio do Reino. Chega o Mestre a pronunciar sentença contundente: o tratamento dado a uma criança corresponde com precisão ao conceito que se faz de Deus e o tipo de reverência a Ele prestada (Mc 9, 37)! Ao se prestar a devida atenção a esta assertiva é se induzido, espontaneamente, a examinar o tipo de conduta que se segue no trato de uma criança. E isto, claro, tanto no âmbito individual como social. Para o crente, Deus se identifica com a criança! Emerge, como primeiro ponto de reflexão, o direito à vida! É elementar garantir a toda criança a oportunidade para uma vida digna. Assegurar-lhe não apenas uma sobrevida, mas um futuro promissor e seguro, protegido contra todas as ameaças. Aparece, neste contexto, com dramática pertinência, a questão do aborto. Do ponto de vista biológico e psicológico sabe-se que desde o primeiro instante da concepção já se tem um ser humano com todas as características e especificações de sua personalidade. O que sucede após a fecundação é uma natural evolução daquele ser! Ao permitir transcorrer o curso natural da evolução, não se verifica nenhuma mudança radical no feto, sucede apenas o desenvolvimento de órgãos e potencialidades já existentes. Tenta-se justificar o aborto, alegando o direito da mãe de dispor-se de seu próprio corpo. Mesmo a mais elementar inteligência percebe a ambiguidade nessa argumentação. A criança no ventre da mãe é um ser diferente, com individualidade e identidade próprias. É outro. Para sua infelicidade, este bebê encontra-se no ventre de uma mãe que o trata como invisível. Tragicamente, nesta circunstância, o ventre, preparado pela natureza como o espaço ideal para um ser humano crescer e desenvolver-se saudavelmente, é transformado numa zona criticamente perigosa e o bebê, totalmente indefeso. Absurda deformação! Acolher uma criança é assegurar-lhe também segurança afetiva. Os pais e as sociedades em geral costumam ocupar-se, com diligência, em garantir-lhe uma sobrevida material. Nem sempre, contudo, esta justa preocupação com o material é acompanhada por um empenho, igualmente imprescindível, com a segurança afetiva. Além do pão, uma criança precisa também de afeto. Precisa de um ambiente que ela reconhece como lar, onde se abriga, se refugia, onde pode brincar, descontrair-se. Em suma, se curar. Claro, lar não se faz com tijolos, mas com a presença amorosa, provedora e educadora dos pais. A estabilidade familiar é requisito indispensável para a formação e o amadurecimento afetivo dos filhos. Não são raros os comentários que minimizam a importância da estabilidade familiar. Comenta-se que separações dos pais são assimiladas e administradas com naturalidade pelos filhos. Multiplicam-se comentários nesta ordem para justificar separações, algumas demasiadamente apressadas e irresponsáveis. Basta consultar, contudo, professores, em especial do ensino fundamental, catequistas, funcionários e assistentes sociais que trabalham em creches, para conhecer a dimensão correta dos traumas e bloqueios na saúde afetiva que separações provocam no inconsciente de uma criança. Na mesma línea de raciocínio, consequências graves, algumas de difícil conserto, são causadas em crianças que presenciam regularmente agressões e brigas entre pais. Instintivamente, criança exige lar estável e feliz! Biologicamente, é fácil fazer filho. Exigente é reconhecer sua identidade e respeitar sua dignidade. Ele é ‘outro’ desde o momento da concepção. Prover, criar, educar e preparar para a vida é assegurar-lhe visibilidade. FELIZ DIA DA CRIANÇA! AGREGAR E ALEGRAR Metáfora de fortíssimo apelo é a luz! A ela se recorre para destacar aquela contribuição significativa que beneficia a humanidade. Iluminado é o sujeito inteligente que com discernimento ajuda a encaminhar situações conflitivas, que encontra soluções objetivas nas dificuldades ou propõe rumos e atitudes que contribuem efetivamente para o progresso da civilização. Neste sentido as religiões se apresentam como caminhos de luz, programas de vida a elevar o espírito e assegurar realização plena, beatitude perfeita. Na doutrina hindu, o fim último do ser humano, sua plena realização se dá quando o espírito mergulha-se na luz divina. No judaísmo, e posteriormente no cristianismo, o simbolismo da luz preserva seu forte apelo. As teofanias registradas no Antigo Testamento incluem invariavelmente a presença do fogo. Significativamente a primeira criatura a sair das mãos do Criador é a luz! Os profetas, ao anunciar a futura vinda do Messias, a comparam à luz que haveria de brilhar na escuridão do mundo, superando de vez suas sombras. E quando se realizam as promessas divinas na encarnação do Filho de Deus, o Filho de Maria é saudado como a luz que veio ao mundo. Durante seu ministério, Jesus se apresenta como a luz do mundo e insiste com seus ouvintes a caminharem na sua luz e assim vencer as trevas do erro. Coerente, Cristo provoca seus seguidores e os lança num desafio. Quer que sejam luzes para o mundo! Afinal, quem segue a Luz só pode ser portador da luz! Compenetrados da profunda dimensão desta proposta, os primeiros cristãos não hesitavam em se definir como iluminados. Para os desavisados, tal qualificação sugere arrogância, pretensão descabida. Vista, todavia, em seu contexto evangélico, representa momentoso desafio. Ao reconhecer-se eleitos a partilhar da luminosidade de seu fundador, os discípulos se vêem envolvidos numa desafiadora e fascinante missão: convencer seus contemporâneos quanto ao verdadeiro caminho para a plena realização. Compenetrar-se desta distinta tarefa constitui primordial entendimento da básica dimensão da vocação cristão. Entendendo que nenhuma luz, por mais tênue ou frágil, passe desapercebida, particularmente em situações de sombra, o discípulo, igualmente, compreende que em sua condição de discípulo da Luz deve marcar presença qualquer que seja o ambiente onde se encontra. Na mesma linha de pensamento, uma vez que as variadas situações humanas sempre ostentam nuanças de sombra e de caos, urge estimular a presença do discípulo em todos os ambientes. Observação que se faz oportuna, uma vez que se percebe que muita gente de bem recusa participar de organizações políticas, de conselhos municipais ou de trabalho voluntário por achar tais ambientes contaminados por corrupções ou por ideologias. Posicionamento ambíguo, distante da vocação evangélica e alheio ao compromisso cidadão. Nenhuma organização prescinde da presença cristã. Ousa-se afirmar que, pela lógica do evangelho, quanto mais contaminado o ambiente mais premente se faça a presença do evangelizador. Onde predomina escuridão é que mais precisa-se de luz! A luz, mesmo quando intensa, sempre se porta de maneira discreta. Raramente chama atenção sobre si. É peculiar à luz clarear, indispensável sua ação. Sua presença, contudo, costuma passar desapercebida. Ignorada, não deixa de brilhar. Cabe-lhe clarear, não ser reconhecida. Curioso, quando uma luminária passa a chamar atenção, qualquer que seja o motivo, pouca relevância se dá á claridade que irradia. Lustres e costumam ser admirados mais pela sua visibilidade que pela intensidade de luz que espalham. Embora não deixem de iluminar, se destacam pelos adornos. Emerge a grande verdade, o fascinante desafio: na condição de filho da luz, o discípulo marca presença pelo espontâneo brilho que emana de uma conduta harmoniosa, serena, coerente, porque regida por propostas intransigentes de respeito ao semelhante, pelo consciente e responsável cumprimento de obrigações e tarefas e, como óbvia consequência, pela natural potencialidade de congregar. Basta, sim, uma única luz para agregar, alegrar e indicar caminhos! CZESTOCHOWA A sequência parecia interminável. Peregrinos se sucediam em grupos compactos, alguns bastante numerosos, outros trajando costumes típicos, em alegres procissões, embalados por hinos religiosos, e seguiam pela vasta avenida até alcançar o enorme pátio que dá acesso ao santuário de nossa Senhora de Czestochowa, ou de Jasna Gora. Chama atenção a grande presença de jovens. Ao alcançar o pátio, os peregrinos se prostram em total reverência à imagem. Os de idade avançada apenas ajoelham. Após alguns instantes, os peregrinos se levantam, entoam hinos e se dirigem à pequena igreja que abriga o ícone bizantino de nossa Senhora. Na realidade, o conjunto arquitetônico, emoldurado por muralhas, compreende dois templos, um maior, a basílica, e outro menor, numa espécie de subsolo, que abriga a imagem milagrosa. Ao alcançar a capela, os peregrinos são acolhidos por voluntários, que abrem caminho entre curiosos e turistas, facilitando aos romeiros acesso ao ícone. Fixo no alto, num fundo escuro, o quadro ostenta a imagem de Maria com o Menino no braço esquerdo. Seu braço direito aponta o Menino, sugerindo claramente que é Ele quem deve ser reverenciado. O gesto reforça o texto bíblico que inspira a devoção: Façam tudo o que ele disser. Por sua vez, o Menino, com a mão direita levantada, abençoa o visitante, enquanto segura cópia dos evangelhos na outra mão. Apesar da constante movimentação, reina respeitoso silêncio na capela, quebrado pelas preces coletivas dos peregrinos e por hinos religiosos. Alguns romeiros cumprem promessas. Seguem ajoelhados por um estreito caminho que circunda o alta mor, passando por detrás da parede onde está alojado o quadro, e saindo pelo outro lado. No lado direito do altar, uma pequena relíquia lembra o Papa João Paulo II, fervoroso devoto de nossa Senhora. A frente do altar mor, os romeiros depositam flores num grande cesto, no que parece ser costume local de reverência e de carinho. Casais de recém-casados, em trajes matrimoniais, recebem tratamento ainda mais privilegiado: são admitidos ao presbitério onde recebem bênçãos especiais dos monges. O clima testemunha a profunda devoção e a satisfação dos romeiros ao sentirem-se acolhidos na casa da Mãe. O santuário de Czestochova está hoje intimamente ligado à religiosidade popular polonesa, como também expressa sua identidade nacional. Basta recordar a visita que o papa João Paulo II, polonês de origem, fez ao santuário meses após sua eleição para a cátedra de Pedro, em pleno regime comunista. Outro fato que ilustra o forte apelo que o santuário exerce sobre a cultura polonesa é o botão com o ícone de nossa Senhora que Lech Walesa portava em sua lapela quando liderava o movimento sindical SOLIDARIEDADE em oposição à dominação soviética. A história do quadro, previsivelmente, se apresenta misturada com lendas e tradições nem sempre historicamente comprovadas. Uma dessas tradições atribui a autoria do quadro ao evangelista Lucas que, comenta-se, ao pintá-lo teria recebido de Maria detalhes da infância do Menino Jesus. De fato, o pouco que se conhece da infância de Jesus deve-se ao evangelho de Lucas. Estudos mais apurados indicam que o quadro é originário do séc.XIII, embora sua trajetória permaneça incerta. No começa da Idade Média, por volta do ano 1382, o quadro é doado ao mosteiro de Jasna Gora, sob o cuidado de monges paulinos. Jasna Gora quer dizer monte luminoso, o que reforça o forte apelo religioso. A devoção ao ícone aumenta quando se atribui à intercessão da Virgem a defesa e a vitória dos poloneses contra a invasão sueca. O rei Casimir então declara Maria rainha da Polônia. A devoção cresce e se fortalece especialmente nos períodos da dura dominação nazista e na subseqüente opressão comunista. Apesar de todo esforço do aparato soviético, as romarias ao santuário representavam não somente a fé, como também a luta contra o invasor ateu na busca de reconquistar a identidade nacional, fortemente marcada pela religião. Curiosidade intrigante: por que uma nação de gente de pele clara reverencia uma imagem de Nossa Senhora negra? A explicação é simples: na origem, as feições eram claras. A queima sucessiva de velas fez com que a imagem, aos poucos, foi se escurecendo. È fato, todavia, que a imagem de Jasna Gora representa, hoje, o forte caráter religioso do povo polonês. Os feriados nacionais são praticamente todos de inspiração religiosa e as missas, aos domingos, são muito bem freqüentadas nas inúmeras igrejas espalhadas pelas cidades.
PRIMEIRO  LUGAR
Na longa estrada da vida corre-se para conseguir o primeiro lugar! A inspiração vem de uma das pérolas do canto sertanejo ESTRADA DA VIDA, autoria e interpretação da dupla Milionário e José Rico. Na despojada letra sertaneja, a canção resume formidavelmente o projeto de vida de todo ser humano. Ao querer alcançar o primeiro lugar, ser campeão, é preciso correr sempre. Não se admite parar. Diante de contratempos e imprevistos, uns são tentados a largar a corrida. Outros teimam continuar. Reclamam apenas a falta de uma comissão técnica capaz de orientá-los com segurança na busca do topo. Para ser campeão, na estrada da vida, é imprescindível orientação qualificada.
Jesus Cristo se apresenta como o mais bem preparado orientador para quem almeja alcançar o topo da carreira humana. A aplicada lição de coaching está contida no formidável capítulo 6 do Evangelho de João. Na visão de conjunto percebe-se magnífica armação pedagógica. O texto apresenta o Mestre no comando de toda sequência. Cuida, primeiro, de alimentar uma multidão com poucos recursos. Na realidade, o objetivo do milagre é convencer as pessoas que a falta do bem estar social deve-se à patóligica teimosia do acúmulo. Quando o ser humano entende que todos os bens da terra possuem dimensão coletiva e se dispõe a repartir, não somente haverá saciedade, mas, ainda, recolherão sobras para quem está longe. Previsivelmente, a maioria dos presentes estaciona no formidável gesto de Jesus de dar pão de graça. E procura transformá-lo em líder político. Contrariado, Cristo se queixa do doentio interesse em querer sempre o fácil e o imediato. Usando o pão como alegoria, Jesus exorta os presentes a procurarem o verdadeiro alimento, o pão que realmente nutre e não uma comida que satisfaz provisoriamente. Obstinado em seu comodismo, o povo clama por este alimento. Ter pão de graça e ainda sem a necessidade de precisar trabalhar por ele é a ilusão de qualquer ser humano.
O diálogo chega ao ponto desejado por Jesus. Em sua condição de habilitado orientador, fugindo do perfil demagógico, que promete muito, mas oferece pouco, Jesus se apresenta como este alimento. E o motivo: porque veio do céu! Possui credenciais sobrenaturais. A origem de Jesus não é apenas humana. É também divina, como amplamente demonstram os sinais que opera. Sinais estes cujo objetivo não é realizar obras espetaculares, embora muitos persistam reduzir a evangelização à espetáculos, à teatros de impacto ou à shows de comoções coletivas. O objetivo é libertar a alma humana dos múltiplos entraves e equívocos que a impedem de ser verdadeiramente campeã. Quando se consegue enxergar Jesus nesta perspectiva de despojado educador e orientador, espontaneamente se sente por ele atraído e, sem ulteriores exigências, passa-se a aceitá-lo como mentor. Alcança-se desta forma a essência da fé. Pois a fé, em sua mais profunda realidade, é uma conversão em direção a alguém que se julga merecedor de total e incondicional confiança. Neste estágio, experimenta-se profunda e vital transformação: procede-se, de forma livre e consciente, a uma adequação de conceitos e de objetivos. Estabelece-se real sincronia e vital comunhão entre orientador e orientado! Sem imposição ou doutrinação, os anseios humanos adquirem nova profundidade, nova configuração!  
Bom orientador, conhecedor das necessidades humanas, Jesus sabe que a realização de um programa tão exigente necessita de alimentação correspondente. Doutrinas instruem e inspiram, mas a alma necessita também de dietas condizentes. É assim em todo regime de vida! Se faltar o pão correspondente, o projeto não se sustenta! Sem dieta adequada não se chega a ser campeão! O debate chega ao ápice: o mesmo Jesus que instrui também alimenta. EU SOU O PÃO VIVO DESCIDO DO CÉU! Jesus é a instrução que clareia e define conceitos e o pão que vivifica e sustenta o espírito. A mente se ilumina com sua palavra e a alma se vivifica com seu próprio corpo! Comunhão total e real, sintonia perfeita! Cristianismo sem eucaristia é cristianismo deficiente! Incompleto!

Na longa estrada da vida, almeja-se ser campeão. Porque árdua é a caminhada o perigo de querer parar é sempre real. À firmeza da decisão é preciso aliar alimentação adequada! Jesus é a verdade e o alimento, o pão completo que, na corrida da vida, sustenta e dá total condições para se chegar em primeiro lugar. 


KIT MISSIONÁRIO
A fé muda! Uma fé muda, por outro lado, é fé morta! Esta duas verdades convergentes transparecem de uma maneira clara nos escritos evangélicos e apostólicos. A fé muda, no sentido de transformar vidas e alterar destinos. Inúmeros são os exemplos desta lapidar realidade. A Pedro, Jesus disse que ia transformá-lo em pescador de homens. Quanto a Paulo, Jesus o transformou de perseguidor em evangelizador. A fé em Jesus Cristo opera necessariamente radical transformação na vida de quem a abraça e professa. Introduz novos valores e exigências. Dos primeiros chamados registra-se que deixaram tudo para seguir Jesus. Mudaram, na verdade, de referência, embora continuassem em suas profissões.
A adesão pela fé é um processo contínuo e crescente. É o que se deduz pelas narrativas evangélicas. Aquele primeiro grupo que andava com Jesus imaginava que bastava estar na companhia do Mestre. É legitimo, inclusive, supor a euforia - ou será mais apropriado dizer a vaidade - daquela gente por usufruir da intimidade do Nazareno. Afinal, Jesus era o assunto do dia. Atraia multidões e provocava enormes esperanças. Ora, ser amigo de celebridades é sempre motivo de vanglória. Jesus, consciente da sua missão e profundo conhecedor da alma humana esperou a hora certa para colocar os discípulos no verdadeiro trilho. No auge de sua popularidade, chamou o primeiro grupo e incumbiu-o com a tarefa de sair pelas aldeias e realizar o que ele fazia! Claramente propôs: mando vocês expulsar demônios e curar doentes!
Imagina-se o espanto daquela primeira turma! Quem somos nós, diriam, para realizar missão tão desafiadora! Maior ficou o espanto quando Jesus passou-lhes suas recomendações: não era para levar nada pelo caminho, nem dinheiro, nem pão nem roupa de reserva. Apenas cajado e sandálias! Ferramenta apropriada para enfrentar estrada! O perfil estava desenhado. A lição estava dada. Para ser seguidor de verdade, o discípulo precisa conscientizar-se que deve ser também evangelizador. Missionário. Uma fé que permanece muda, encolhida, inoperante, ilude. A fé que muda condutas não pode permanecer muda. Ela é essencialmente dinâmica, comunicativa. Construtiva. Emerge aí outro dado, pedagogicamente sutil. O primeiro conceito que se forma ao pensar em evangelizar foca a pregação, girando predominantemente em torno da retórica, do anúncio verbal! Com seu peculiar jeito de ensinar, Jesus retoca o foco ao exigir que os missionários trabalhassem em pares. Sem dispensar o anúncio verbal, Jesus põe em destaque o exemplo da vida, em particular da vida em comunidade. Adverte, com esta exigência, que o anuncio do reino, da vida nova, só será eficaz, consequetemente aceito e assimilado, quando o discurso se fundamenta no exemplo de vida. Pregação bonita impressiona, chama atenção até. Mas somente o testemunho convence. Ao exigir que se formem comunidades, o Mestre confirma que o anúncio mais eloquente não é dado por palavras, mas sim pelo testemunho de uma fraternidade autêntica. Afinal só se pode viver o mandamento de amor fraterno quando se tem irmãos para amar. Esta pétrea recomendação carrega, para os tempos modernos, urgentíssimo apelo. Percebe-se, no ritmo atual de vida, um crescente individualismo, um destacado isolamento social. Esta mentalidade infiltra-se também na prática religiosa. É perceptível a privatização da fé. Pessoas há que se consideram cristãos porque rezam em casa. Outros frequentam missas e cultos, mas resistem criar vínculos com a comunidade. Viver a fé cristã de maneira isolada contraria o projeto do Senhor Jesus. O evangelho só pode ser vivido, entendido e ensinado em comunidade.
A última ferramenta a completar o kit missionário é a capacitação para levar avante tão ambicioso, embora vital, projeto. Jesus não se contenta em enviar, habilita seus mensageiros com seu próprio poder. Os missionários não devem colocar a eficácia do seu ministério em ascendências econômicas ou conluios políticos. O poder de convencimento reside na intrínseca vitalidade da verdade evangélica. Aquele primeiro grupo acreditou. Revestiu-se do kit missionário. Partiu e viu maravilhas acontecerem.
A fé muda. Mas é incompreensível que fique muda. O apelo do Mestre permanece pertinente. É crer e pôr-se a caminho!    


APOLOGIA Família passou a ser realidade indefinida! Ao abordar o assunto família, os interlocutores precisam especificar o conceito de família que focam. A sociedade moderna aplica o conceito a todos os arranjos domésticos imaginados. E vividos. Acadêmicos e religiosos questionam a justeza dessa equiparação. Segmentos mais liberais defendem e aplicam o conceito para uniões homoafetivas, pois, segundo eles, o fator gênero é apenas um detalhe. Aplicam o conceito, igualmente, para uniões de conveniência, aquelas sem compromissos e sem projetos. Previsivelmente, essas novas situações geram calorosos debates. Os que defendem a família tradicional se apoiam em argumentos bíblicos e de ordem natural, ao passo que aqueles outros a favor de novas formas de uniões rebatem com argumentos biológicos e antropológicos que questionam, principalmente, a tese da natureza. Urge estabelecer como premissa, o reconhecimento do direito dos cidadãos definirem a forma de convívio doméstico que pretendem adotar. Persiste, todavia, a fundamental questão: é humana e socialmente saudável equiparar todos os modelos de uniões de convívio doméstico ao conceito tradicional de família? O AURÉLIO define família como 'pessoas aparentadas, que vivem, em geral, na mesma casa, particularmente o pai, a mãe e os filhos. Esta definição semântica encontra precioso respaldo num registro do célebre antropólogo Levi-Strauss: "a família, entendida como união razoavelmente estável entre homem, mulher e filhos é um fenômeno universal, encontrado em todas e em cada forma de sociedade". Segundo a mentalidade tradicional, entende-se por 'família' o convívio doméstico formado pela interação estável dos gêneros, do qual resulta a geração de filhos. O núcleo 'família' compreende o convívio entre pai, mãe e filhos. Nenhuma outra forma de convívio doméstico reúne, segundo as disposições da natureza, condições de gerar filhos. Por outro lado, o fato da prole só pode ser gerada pela interação dos gêneros, numa união razoavelmente estável, acena para a necessidade dos gêneros participarem na formação e educação da mesma. Pai e mãe são indispensáveis não somente para a geração, mas também, e principalmente, para a criação dos filhos. Pela via inversa, o saudável crescimento dos filhos exige a presença e a interação dos gêneros. Esta realidade introduz no debate outro elemento a ser seriamente considerado ao defender o conceito tradicional de família: o desafio da estabilidade. Entre a tese e a realidade a distância é enorme. Presume-se, ao assumirem o matrimônio tradicional, que marido e esposa tenham noção clara da vida, das alegrias, dos contratempos e das renúncias que deles se esperam. Optar unir-se, de forma permanente, a uma pessoa de outro sexo, se, de um lado, sinaliza a feliz e fecunda complementação dos gêneros, demanda, por outro lado, constantes reajustes numa jornada de permanente amadurecimento. Em outros tempos, a manutenção desta união era favorecida pelo estilo de vida rural e colonial prevalecente. Hoje, o estilo de vida urbanizada isola as famílias, separa-as de suas raízes culturais e de parentesco, exigindo dos cônjuges consciência, preparo e maturidade mais apurados. Não há dúvida, o ritmo moderno de vida torna mais desafiador manter a estabilidade da união matrimonial. A moral permissiva, as exigências de trabalho, a situação econômica instável, os apelos consumistas são realidades que exigem do casal equilíbrio e discernimento para preservar a transparência, a comunhão e a estabilidade. A consciência clara e convicta da inegociável fidelidade matrimonial, indispensável alicerce para a saúde emotiva, psicológica e humana, tanto do casal como, e principalmente, dos filhos, orientará as partes a administrar e superar os inevitáveis contratempos. Os convencerá da necessidade de um afeto sempre gratuito e renovado, que encontra sua máxima expressão na prática do perdão generoso e restaurador. A família tradicional responde aos anseios espontâneos dos gêneros! Atende às exigências formativas dos filhos. Sólido alicerce na construção da sociedade! Fascinante programa. Exigente igualmente! Abraçada e vivida como vocação, a união estável entre homem, mulher e filhos é a mais contundente apologia que o conceito da família tradicional é o modelo que mais bem atende às exigências e aos anseios da humanidade. Do ponto de vista de fé, se Deus assim ordenou, porque assim é melhor! MY WAY Nunca fácil foi ser pai! Nos dias de hoje, particularmente, a missão parece se agravar diante de vários desafios correntes. Destaca-se a dificuldade em definir o que é certo e o que é errado. A cultura moderna insiste em convencer os cidadãos a reconhecer que não existem mais escalas de valores. Não existem mais regras. Nem códigos de comportamento. Falar em limites é careta e ainda, segundo alguns supostos educadores, inibe a autoestima dos mais jovens. Tudo passou a ser lícito e legitimo, dependendo da perspectiva do agente. Em contraste com o padrão antigo, quando havia solidas referências que davam aos pais suporte e balizas para se orientar, e encaminhar seus filhos, o atual estilo de vida passou a ser comparado ao liquido que se ajusta conforme o recipiente. O sólido evaporou-se. Tudo passou a ser líquido. Relativo. Evidente, este contexto aflige em particular aqueles pais que não se contentam apenas em legar aos filhos uma sobrevida material. Querem formá-los em caráter, em personalidade, em valores. Almejam vê-los honrados cidadãos. Esta incumbência, inerente àqueles pais que pretendem desempenhar com responsabilidade sua paternidade, estimula-os a procurar, encontrar e ensinar princípios e ideais que sejam válidos, não importa a cultura e o contexto. Pesquisam bases e referências para um agir digno e construtivo. Desponta, nesta busca, uma elementar premissa: reconhecer que nem tudo que é feito segundo as próprias convicções é objetivamente correto e benéfico. O fato de uma ação ou iniciativa ser vantajosa para alguém, não é garantia que seja intrinsecamente correta. Nem sempre significa que será, igualmente, proveitosa para todos. A regra primeira da cultura atual instiga o cidadão a ocupar-se com o que é vantajoso para si, sem se incomodar com os demais. Um exacerbado egocentrismo marca a conduta do cidadão. Contudo, nunca se pode esquecer que se vive em sociedade onde, queira-se ou não, os cidadãos dependem uns dos outros. A conclusão lógica de mais esta elementar verdade é que vantajoso mesmo é quando todos alcancem um mínimo de bem estar. Quando falta o bem estar coletivo a felicidade particular sempre corre risco. O débito atrelado a este descuido sempre aparece, e costuma vir com salgados juros! Emerge a primeira pista na busca de um valor que não seja relativo nem circunstancial: aprender a lidar com os outros da mesma maneira que se deseja que eles lidem consigo. Em outras palavras, deixar de pensar e de agir como se fosse o centro do mundo! Este princípio básico de convívio social atribuído a Confúcio recebeu aval e reconhecimento transcendental quando foi assumido e reproposto pelo Senhor Jesus no sermão da montanha (Mt7,12). Com uma adicional observação que o torna ainda mais válido. Ao confirmar a chamada regra de ouro, o Mestre declara ser ela o resumo de toda a Bíblia. Segundo Jesus, ao pautar-se por esta norma, a pessoa cumpre todas as orientações que a Bíblia propõe! Religião e discernimento humano se convergem! A harmonia que segue à observação desta regra de ouro repousa na elementar e respeitosa consideração pela individualidade do outro. Ignorar este básico elemento é ocasião para tensões e previsíveis discórdias. A falta de sensibilidade e de respeito gera óbvios inconvenientes, em alguns casos, é até causa de hostilidades. Uma referência de conduta que, em tese, devia ser espontaneamente assumida por todos - reconhecer que o outro possui os mesmos direitos que se tem e, consequentemente, deve-se aprender a respeitá-los - passou a ser, hoje, tarefa hercúlea. Está difícil convencer as pessoas que, ao se ocuparem exclusivamente com seu próprio bem estar, estão, na realidade, caminhando na contramão de um convívio harmonioso. Consequentemente, na contramão do duradouro sucesso e da tranquila realização. A regra primeira que pauta, atualmente, a conduta de muita gente lembra o teor da popular canção, My Way! Frank Sinatra, que tornou célebre a canção, enfatiza e enfeitiça quando entoa: fiz tudo segundo a minha cabeça! Bonito, sem dúvida, e recomendável, é agir com personalidade! Contemplar filhos de temperamento decidido é aspiração legítima de todo pai. Vale insistir, contudo, que agir com soberania, significa pautar a conduta por valores que levam em conta a dimensão coletiva. Em coro, pai e filhos, cantarolam, então, programaticamente: I DID IT MY WAY! FELIZ DIA DOS PAIS! ASPIRAÇÕES "Há algo de profundamente errado no atual estágio da humanidade". Precisa observação do escritor Tony Judt. Dispensam-se extensas pesquisas para confirmar a objetividade da afirmativa. De um lado, a inteligência humana realiza espetaculares avanços tecnológicos em praticamente todas as áreas da ciência. Do outro, a mesma inteligência humana não consegue resolver decentemente desafios como a fome, a situação de migrantes e refugiados. Custa entender esses descompassos no atual contexto da evolução humana. Dinheiro e matéria prima há de sobra. Basta conferir as ingentes somas desviadas em corrupção e o descarte de montanhas de alimentos, de remédios vencidos e de obras inacabadas. Desperdício que envergonha e afronta a mais elementar sensibilidade. Salta aos olhos indigesta constatação: falta decisão para resolver os graves problemas sociais. Protocolarmente, a população condena a fome. Governantes fazem discursos emocionados defendendo a causa da solidariedade. No entanto, quer a população como os governos estão com a cabeça em outras prioridades. O sofrimento de milhões de pessoas é trampolim demagógico e oportunista, não raramente usado como tapete para esconder sujeira. Está mais do que evidente que não é por caminhos oficiais que os dramas sociais serão resolvidos. As ambições das autoridades conflitam com as aspirações mais urgentes das populações. As carências sociais permanecem graves e demandam urgentes e objetivas soluções. Quanto mais se atrasa nesses encaminhamentos, mais dramática fica a situação. E mais dispendiosa a solução sob todos os aspectos. Premissa indispensável é conscientizar-se que nenhuma tensão social é limitada a classes ou regiões. Especialmente no atual mundo globalizado. A crise na Grécia, para citar apenas um exemplo da hora, está afetando as economias do mundo inteiro. Ninguém pode permanecer indiferente diante das atuais infames desigualdades e injustiças. Chega-se, então, ao âmago da questão: o que está dolorosamente errado na humanidade são as aspirações que motivam os cidadãos em direção ao progresso. Por natural instinto o Homem quer viver bem, mas está reduzindo esse legítimo ideal ao acumulo individual de bens materiais. É o grande equívoco no qual a atual cultura consumista e hedonista está caindo. Não existe felicidade exclusivamente individual. Nenhuma fronteira garante por muito tempo o bem estar de uma nação. Repara-se na tensão que diariamente desafia quem está bem de vida, tanto no campo individual como nacional. É constante a vigilância para defender o próprio patrimônio. Consegue-se conforto material, mas sem a liberdade, sem a feliz descontração de poder usufruí-lo. A conclusão óbvia: acúmulo individual de bens não garante felicidade. O bem estar, se não for coletivo e justo, não assegura a paz! O progresso só é consistente quando é partilhado! Ilusão imaginar poder enriquecer-se somente no vertical sem incluir o horizontal! Urge ajustar as legitimas aspirações de progresso e bem estar. Atitude primeira é corrigir o conceito de posse absoluta sobre qualquer bem. Nenhum bem é absoluta e exclusivamente pessoal, mesmo se adquirido com legítimo esforço. É preciso reconhecer que todo lucro deve ter desdobramentos coletivos. São conhecidos os abusos e as injustiças que se cometem a partir da ideologia da posse absoluta. Quanta destruição e quanto desperdício são causados quando alguém ou alguma instituição se porta como dona absoluta de algum bem! Danos irreparáveis e prejuízos incontáveis para inteiras populações são causados quando, por arrogância ou prepotência, alguém se autoproclama dono do pedaço. Há uma hipoteca social sobre todo e qualquer bem da terra. É a verdade social pétrea que nenhuma legislação precisa confirmar nem está capacitada a anular. Sendo fundamental, esta verdade atinge a todos os segmentos da sociedade. Anula-se, assim, outra difusa ambiguidade. Pensa-se que a hipoteca social atinge somente a classe abastada. Oportunista engano. Sobre todas as classes sociais e profissionais, inclusive as menos favorecidas, recai a mesma responsabilidade coletiva com idêntico peso moral e ético. Pobre também pode assumir ares de dono absoluto. Gente há que resiste dividir por considerar que o que tem é insignificante diante das necessidades do mundo! Responsabilidade social não é questão de quantidade, mas de mentalidade. De conscientização! O que está ficando ambíguo no atual estágio da evolução humana é que as aspirações particulares estão se sobrepondo aos anseios e direitos coletivos! A humanidade está ficando obcecadamente egoísta! REEDUCAR O Brasil é a segunda nação negra do mundo! Contudo, agressões racistas continuam acontecendo, humilhando os negros e envergonhando civilizados cidadãos. A discriminação contra o negro é um triste componente social, dissimulado muitas vezes, mas real. Agrava-se a situação quando se dê conta que o negro é discriminado inclusive entre seus próprios pares. Séculos de dominação e exploração acabaram por associar a cor da pele à condição de inferioridade social. Este fenômeno de raça, aliado a outras condições de vida igualmente humilhantes, originou na sociologia o conceito de 'classe invisível'. Os 'socialmente invisíveis' são aquelas pessoas que, ou por causa da cor da pele ou por causa da atividade social que exercem, passam desapercebidas. Ao fazer questão de as separar por uniformes - garis, lixeiros, babás - a sociedade justifica o tratamento negligente que a elas dispensa. Vergonhoso, para quem está do lado de cá. Humilhante para quem está do lado de lá! Esta mentalidade classista é fator preponderante a motivar violências raciais. Óbvio, se o negro não é enxergado como gente, qualquer tipo de tratamento passa a ser tolerado. Inclusive, agressão contra a vida. Por outro lado, reconhecer-se tratado como cidadão de segunda categoria, humilha demais a pessoa. A tensão emerge naturalmente. Ao querer se afirmar como gente, o negro apela ou para a ostentação, usando, por exemplo, colares extravagantes, ou para a delinquencia. É relativamente recente a conscientização entre os próprios negros de reivindicar direitos. Acostumados ao anonimato, resignavam-se diante de humilhações e explorações. Um dos grandes líderes da consciência negra nos Estados Unidos, o abolicionista Harriet Tubman, afirmou que teria libertado muito mais negros, se eles admitissem que fossem escravos. A conscientização da intrínseca dignidade da raça negra contribui muito para tirar os negros da condição invisível e garantir-lhes o merecido lugar na sociedade. Ofensas e agressões racistas são violências grosseiras que precisam ser combatidas com a mesma determinação com que se enfrentam outras graves ameaças contra a paz e a segurança da sociedade. No campo institucional louvem-se iniciativas que despertam a população para a seriedade do problema. Faixas e luminosos, em arenas esportivas particularmente, consolidam o repúdio coletivo contra a discriminação. A legislação local tornou inafiançável qualquer agressão de cunho racista, com o óbvio intuito de coibir insultos desonrosos. Sabe-se, no entanto, que punições repressoras isoladas não mudam mentalidades. É intrigante a reincidência. Não estaria a linguagem ficando fossilizada? Doutrina bonita, mas incapaz de mudar condutas! Não estaria a sociedade se acomodando, contentando-se apenas com restrições de liberdade? A urgência de atingir a consciência, de mexer com a alma está levando alguns países a introduzir uma experiência diferente ao aplicar punições restritivas de liberdade. Feitas as devidas triagens, promovem encontros diretos entre o agressor e sua vitima. O conceito por detrás da iniciativa ataca uma ambiguidade corrente na sociedade. A população se dá por satisfeita quando vê aplicadas sentenças que punem o agressor. Esquece-se, porém, das vitimas e das consequências negativas causadas em sua vida. Ao introduzir a chamada justiça reparatória, o sistema prisional pretende induzir o agressor a perceber a dimensão da sua ofensa, o sofrimento, a humilhação e outros danos provocados por sua hostil atitude. O contato direto com a vítima provoca esta tomada de consciência, não raramente levando o agressor a escusar-se e a assumir ressarcir os prejuízos causados. Não basta punir, é preciso reeducar. É premissa educativa e sociológica que a prevenção é estratégia mais eficaz e mais econômica que a repressão. O sentimento de desrespeito está, infelizmente, difusamente misturado com a mentalidade cultural. Pontuais e objetivas iniciativas curriculares são necessárias, mas insuficientes. É preciso reeducar a consciência popular. Famílias principalmente, igrejas e associações devem se articular para derrubar de vez os muros racistas. Urge reeducar também o cidadão para enxergar não a cor da pele, mas a condição humana e digna de cada pessoa. IDEOLOGIA DO GÊNERO Menina ou menino? A Conferência Nacional da Educação está encarregando as Câmaras Municipais a debater e definir se nos respectivos municípios deve ser incluída no Plano Municipal de Educação a chamada 'ideologia do gênero'. Em linhas gerais, esta teoria defende que a definição do Gênero - se o cidadão é masculino e feminino - não deve ficar atrelada a dados biológicos ou psíquicos. O cidadão nasce neutro, nem menina nem menino! É a decisão pessoal, aliada ao ambiente cultural, que define a sexualidade do cidadão. O fator biológico é apenas um detalhe! É esta matéria que a Conferência Nacional da Educação quer que os vereadores decidam se deva ser ensinada nas escolas públicas nos próximos dez anos. O espanto é compreensível. Em especial, quando se registra que o Congresso Nacional, após debater exaustivamente o assunto, decidiu na Lei 13.005/14 retirar do Plano Nacional de Educação toda referência à teoria do Gênero. Lei sancionada posteriormente pela Presidente da República. Não obstante esta determinação legal, a Conae decidiu reintroduzir e propor que a matéria fosse incluída nos planos de educação municipal. A justificativa para esta insistência na teoria do gênero é respeitar a pluralidade e a diversidade que marca a cultura atual. Questiona-se, com legitimidade e bom senso, se esta seria a abordagem mais adequada para preservar direitos e garantir liberdades. É previsível a confusão existencial que este ensinamento provocará no entendimento das crianças, ao eliminar o dado biológico, fator dos mais evidentes, na definição do gênero. Certamente, haveria abordagens menos traumáticas para ensinar tolerância e respeito. Em todas as culturas conhecidas, desde as mais primitivas, a definição do gênero é baseada espontaneamente em dados biológicos. Discute-se, corretamente, a influência cultural nas atribuições para cada gênero. Culturas e costumes determinam, convencionalmente, tarefas e modos que distinguem o masculino do feminino. No entanto, não se pode negar que muitas das reações e posturas não são convencionais. Além de facilmente perceptíveis, estão em plena consonância com o fator biológico. Não é a cultura que determina que os meninos desenvolvam massa muscular mais evidente enquanto que as meninas se distinguem pela graça e pela delicadeza dos gestos. Ao desconsiderar o dado biológico na definição do gênero perde-se a referência mais evidente para compor a sociedade. Masculino e feminino não são antagônicos, mas admiravelmente complementares. É espontânea e saudável a atração pelo sexo oposto. É bom reconhecer-se menino ou menina, crescer e brincar de acordo. Milenar e universalmente esta atração constitui o fator principal da propagação da espécie. Reside aí mais um desafio que a teoria do gênero provoca. Pela evidente constituição biológica, a procriação resulta da interação entre o masculino e o feminino. Uma interação que não se esgota no ato sexual. Dado este que nenhuma doutrina pode suprimir. A saúde integral da prole se constrói a partir da presença do pai e da mãe. Quanto mais consciente e responsável esta presença mais eficaz a educação e mais equilibrada a saúde emocional. Este dado elementar e evidente não anula, em tese, a possibilidade que outras formas de convívio familiar possam criar e educar responsável e moralmente uma criança. O intercâmbio sexual, contudo, permanece indispensável na geração de um novo ser humano! Este é o processo obedecido largamente por toda cadeia reprodutora da vida. Usar a razão para questionar e desqualificar este processo em vista da legitimação de outras possibilidades de convívio é uma flagrante manipulação de dados. Reconhecer o direito de determinadas categorias de pessoas escolherem seu jeito particular de convívio não equipara unilateralmente essas novas formas com a realidade do convívio tradicional. Não é tarefa do Estado promover códigos de moralidade. Tampouco é papel do Estado inverter ou impor novas referências de comportamento sob o pretexto de defesa da pluralidade. Ao forçar a inclusão nos currículos escolares da ideologia do gênero o Conae usurpa de suas atribuições. Não satisfeito em desrespeitar as deliberações do Congresso, o Conselho finge ignorar a difusa mentalidade da população. Em síntese, o cerne da questão é: a educação na rede pública deve estar a serviço de ideologias ou atender e complementar a formação desejada pelos pais? Com os senhores vereadores a resposta. Infeliz, arbitrária e inoportuna incumbência! NAUFRÁGIOS Atônito está o mundo! As constantes notícias relatando o drama de centenas de migrantes africanos que tentam chegar à Europa afligem. As imagens que retratam a exaustão dessa gente, aliadas à informação de que já se perdeu a conta de quantos não conseguem vencer a travessia, tendo o mar como sepultura, causam consternação e compreensível clamor. Num primeiro momento, a frieza com que os governos dos chamados países desenvolvidos lidam com a questão mexe com os sentimentos humanitários. Não se consegue entender porque esses países do Mediterrâneo, ricos e prósperos, colocam tantos obstáculos para acolher os refugiados. Uma análise criteriosa revela, todavia, que a situação é bem complexa. Essa gente está fugindo da miséria, dos conflitos e das perseguições que pautam o cotidiano dos países do Norte da África. É de se registrar, igualmente, a infame e oportunista exploração adotada por agentes sem escrúpulo que aliciam nativos, prometendo prosperidade e fartura, ao mesmo tempo que os espoliam de seus míseros pertences. Em mais este caso, verdadeiras máfias se enriquecem a custa da miséria alheia. A mesquinharia desconhece limites de decência e de moral. Por questão de justiça e respeito histórico é preciso que se lembre que, durante séculos, os europeus exploraram e saquearam até onde puderam riquezas naturais e humanas do continente africano. A infame história da escravidão representa apenas o dado mais sensível do arrogante e articulado regime colonialista, tornado ainda mais imoral por causa da cultura cristã que supostamente pautava a conduta desses impérios. O colonialismo levou, sem dúvida, benefícios, mas deixou, igualmente, rastros sangrentos de exploração e dominação. Que os africanos recorram à Europa em busca da redenção é perfeitamente compreensível. Justo, inclusive! Acolher e acudir refugiados representaria um gesto de reparação por anos de sofrimentos e de humilhações. Os colonizadores devem reconhecer sua responsabilidade pela situação de miséria que arrasa certos países africanos. A questão passa a focar então a logística desta reparação. Se se concentra a atenção somente na aventura dos barquinhos é grande a probabilidade de se dar soluções ambíguas para uma situação que precisa urgentemente de encaminhamentos justos e duradouras. Provocados pelos constantes apelos do Papa Francisco, pensadores europeus passam a exigir dos governos uma abordagem mais pontual da situação. A começar pela identificação e punição dos inescrupulosos criminosos que se enriquecem a custa da miséria alheia. Suspeita-se inclusive, que graduados funcionários públicos nesses países miseráveis estejam envolvidos nas traficâncias. Urge, então, considerar a situação social e política dos países de onde saem as levas de migrantes. Elementar raciocínio induz a concluir que, promovendo condições decentes de vida, os nativos não teriam motivos para abandonar parentes, terras e culturas, arriscando-se perder a vida, em busca de uma hipotética fartura. Bastava, portanto, os países ditos desenvolvidos optarem investir com consciência e responsabilidade, gerando nessas terras miseráveis reais condições para uma sobrevida digna. Ao inverter o processo de colonização, os países ricos reparam as humilhações e saques praticados com tanto despudor e prepotência. Estudos sérios apontam ainda que mesmo do ponto de vista econômico, esta seria a solução mais vantajosa. Migrantes afetam seriamente as economias dos países acolhedores. Outro complicador nefasto neste conturbado cenário é a lucrativa comercialização de armas bélicas. Os governos desses países pobres gastam fortunas em arsenais bélicos. As populações passam fome, mas os exércitos e as milícias desfilam fartamente armados, protegendo déspotas e caçando confusões. Ora, são os países ricos que fabricam armamentos! A indústria bélica escancara a hipocrisia de tantos governos que, nos discursos juram querer a paz, enquanto, nos bastidores, se locupletam ao alimentar rivalidades e intrigas. Gente humilde está sendo manipulada e explorada. Usada, em suma! Não se pode ignorar a dramática situação de migrantes e refugiados. A questão, pois, é fundamentalmente humanitária. Outros tantos naufrágios podem suceder se a humanidade não despertar e não se articular para assegurar que todos os povos tenham uma sobrevivência que seja justa, decente e digna! CUME Curiosa coincidência. Ouvi, quase que simultaneamente, dois comentários sobre o ser humano. Comentários convergentes, embora advindos de fontes completamente distintas. Um renomado jornalista esportivo, ao comentar a difusa epidemia de corrupção, sentenciou que o ser humano é um projeto que não deu certo. O outro comentário emergiu de uma conversa informal com um artista plástico que descreveu o ser humano como obra de arte, mas que anda borrada. Consequentemente irreconhecível. Ambas as colocações externam sentimentos de desalento e de frustração. Tem salvação?- perguntou-me o artista. Inquietação que atormenta o sentimento e a consciência de muita gente. A humanidade tem conserto? As circunstâncias parecem conspirar contra qualquer esperança de melhora. Não bastasse a vasta e difusa epidemia de corrupção, esses atentados terroristas estúpidos e a interminável sucessão de violências parecem decretar a condenação definitiva do ser humano à infelicidade. A perda da esperança é evidente. Muita gente já chegou a conclusão que o recomendável é mesmo cuidar da própria vida e deixar a banda passar! Esta postura, embora pareça a mais conveniente deixa, todavia, a mente humana inconformada. É derrota muito indigesta. Talvez seja por isso mesmo que provoca tanta amargura, em especial em mentes mais críticas. A alma humana sente intimamente que não foi feita para a derrota, para o fracasso. Reconhece em si valores transcendentes, nobres, apesar das perversões. O quadro borrado é passível de restauração. O projeto original pode, sim, ser recuperado. É exatamente esta a missão do cristão. Restaurar e manter viva a esperança na redenção do ser humano. Quem em Jesus Cristo acredita, crê, igualmente, no ser humano. Assim como Jesus, o discípulo autêntico é visceralmente esperançoso. Otimista! Esta fé no ser humano é a razão principal da encarnação de Jesus Cristo. O Filho de Deus tornou-se gente para demonstrar com seus atos, em primeiro lugar, e, depois, com seus ensinamentos, o caminho seguro para a redenção do ser humano. Em resumo denso, mas preciso, toda a vida de Jesus pode ser sintetizada nesta verdade: o ser humano recupera sua real estatura quando aprende a esquecer de si em favor do outro. É o que Jesus chama de caridade, o amor-doação. Pressentindo a difusa resistência a este apelo - afinal por que devo pensar nos outros se ninguém pensa em mim? - Jesus proclama a verdade maior a sustentar e motivar esta redentora postura: Deus amou primeiro! Entendendo este ‘primeiro’ não somente no sentido cronológico, mas ontológico, essencial: somos incondicionalmente amados por Deus! O ser humano sai da mediocridade da vida quando acredita que é amado por Deus! Esta é a verdade sublime a fundamentar a crença na restauração do ser humano: é amado por Deus com um amor eterno, isto é, com um amor que não oscila. Que não padece de humores. Nem está atrelado à méritos. A convicção neste amor, produto da fé, opera profunda transformação no Homem. Reconhecendo-se amado, torna-se capaz de amar! Convicto da gratuidade e da universalidade do amor de Deus, o Homem se dispõe com mais facilidade a aproximar-se e a respeitar o semelhante. A esquecer-se de si para ir ao encontro do outro. O comodismo humano, sempre muito presente, desviou-se desta primordial conclusão, propondo o culto como manifestação preferencial de reconhecimento do amor de Deus! O culto é necessário, sem dúvida, desde que precedido e amparado pela consideração ao semelhante. O próprio Mestre, profundo conhecedor da alma humana, confirmou esta verdade ao exigir que antes do culto se pratique a reconciliação. O verdadeiro culto a Deus se dá quando se pratica a justiça e a misericórdia! Ao experimentar a certeza de que se é por Deus graciosamente amado, o Homem sente-se impulsionado a doar-se com mais generosidade. A fazer mais! É próprio ao amor ser generoso. O borrão que estragou o quadro é o egoísmo. O desvio que estragou o projeto original é o exacerbado individualismo. Ao empenhar-se em fazer o Homem acreditar no fiel amor de Deus, Jesus Cristo o convoca a abandonar o vale da mediocridade e entregar-se à escalada rumo ao cume da realização. O Homem anda, de fato, moralmente pervertido, mas permanece passível de consertos e restaurações. LEME Em pauta prosseguem as perseguições. Particularmente contra cristãos. Chocantes são os relatos de agressões contra cristãos. Não bastassem as atrocidades patrocinadas pelo Estado Islâmico, outros países, até então defensores da liberdade religiosa, como a Índia, registram absurdas violências praticadas por fundamentalistas hindus. O cristianismo padece, contudo, de outros tipos de perseguição, igualmente agressivos embora não sangrentos. Afinal, a tortura psicológica por que cristãos no primeiro mundo passam diante da crítica sistemática proveniente do racionalismo não é menos angustiante. Muitos são os cristãos, especialmente jovens, que se sentem acuados e arbitrariamente agredidos por colegas ou professores que fazem leituras ambíguas e tendenciosas da história e dos dogmas cristãos. Apuro semelhante passam cristãos no chamado terceiro mundo por causa da opção pelos mais excluídos, censurados como subversivos da fé, demagogos místicos a serviço de causas políticas e ideológicas! Para completar o quadro constrangedor, o consumismo e o hedonismo materialistas caçoam dos fiéis, expondo-os como irrecuperáveis carolas, desconectados da realidade da vida! Perseguições prosseguem em pauta! A comunidade de fiéis sente-se frágil, exposta demais diante de tantas ondas ameaçadoras. O quadro desalentador induz os hesitantes a duvidar seriamente da racionalidade e da conveniência da fé. Emerge, espontaneamente, o questionamento: se Jesus está presente, como prometeu estar, como se explica tanta agressão? Por que permite Ele que a comunidade passe por tanta provação? Crer soa obsoleto! Deixou registrado Jesus, em várias ocasiões e de diversas maneiras, que a travessia pelo mundo da comunidade dos fiéis nunca seria tranquila. Várias vezes alertou a respeito de perseguições e de violentas turbulências por que a comunidade devia passar. Aplicado mestre que foi, Jesus reservou uma singular experiência para o grupo que o acompanhava com o objetivo não somente de adestrá-lo para os inevitáveis turbulências que deviam enfrentar como também para ajudá-lo a entender a dimensão da verdadeira fé. Convidou-se Jesus certa vez para acompanhar o grupo na travessia pelo mar da Galiléia. Segundo os geólogos, o fato do lago da Galileia encontrar-se abaixo do nível do mar o torna sujeito a repentinas mudanças climáticas. Foi o que aconteceu na ocasião. Uma súbita tempestade de descomunal violência pôs em pânico aqueles experimentados pescadores. O mais angustiante, todavia, foi o aparente descaso de Jesus. O evangelista Marcos carrega no drama ao descrever o Mestre dormindo placidamente sobre um travesseiro. Mesmo uma leitura superficial induz a concluir que Jesus armava uma situação com vistas à lição que pretendia administrar. Em sua hora, ele desperta e com uma única ordem doma a tempestade. Turbulências são inevitáveis na travessia da Igreja, algumas excepcional e inexplicavelmente violentas, mas nenhuma superior à presença divina de Cristo. Bastou uma única ordem! Transparece outra provocação oportuna: como reagir diante do 'sono', do 'silêncio' do Mestre? O mar furioso deixa a impressão de ser capaz de engolir a frágil embarcação, não fosse a presença discreta do Mestre. Mesmo dormindo, está não somente presente, como permanece senhor da situação. Crer nesta verdade é não deixar-se dominar pelo pânico. Medo e pânico costumam provocar irracionais reações, desastradas consequências. É o que acontece com quem se foca apenas no furor da tempestade, olvidando-se da presença discreta, mas eficaz, do Senhor da história. Na hora certa, ele se levanta e acalma a tempestade. A história da Igreja está repleta de exemplos semelhantes! A embarcação é frágil, de verdade, mas as forças adversárias não prevalecerão sobre ela. É a promessa do Mestre! É igualmente a certeza a acompanhar e sustentar as comunidades de discípulos, onde quer que se encontrem! Perseguições, violentas algumas outras inexplicavelmente arbitrárias, são inevitáveis durante a travessia. A presença de Jesus não é para ser entendida como blindagem contra turbulências, mas, sim, como inspiração para manter-se firme ao leme e não perder o rumo. Perseguições não são obstáculos, mas singulares oportunidades para um evangelizador testemunho! QUMRAN Austera vida levava João Batista. O registro de sua vida retirada no deserto, combinada com a frugal alimentação, a sua vestimenta rupestre e a sua pregação de moralismo fundamentalista induz estudiosos a associá-lo à seita de essênios, em particular ao grupo conhecido como comunidade Yahad que vivia na região de Qumran! A região, situada na proximidade do Mar Morto, é marcada por uma topografia típica do deserto, com cavernas e vales espalhados pelo acidentado terreno. Embora já se soubesse da existência dessa comunidade, por várias fontes literárias do primeiro século, o interesse em aprofundar mais o conhecimento acerca dos hábitos de seus integrantes floresceu na segunda metade do século passado quando em uma de suas cavernas foram acidentalmente encontrados pergaminhos e papiros com longas trechos da Bíblia como também com informações acerca de seu modo de viver. Esses escritos ficaram conhecidos como os Manuscritos do Mar Morto. Pelos relatos encontrados, confirmou-se tratar-se de uma comunidade que havia se instalado na região no século anterior à vinda de Jesus Cristo, provavelmente formada por um grupo de sacerdotes que discordava da vida opulenta e decadência de costumes dos ministros do Templo em Jerusalém, como também de seus rituais estereotipados. Inspirados num ascetismo fundamentalista, o grupo se refugiou ao deserto, onde fundou uma comunidade, provavelmente de celibatários, cuja característica era a austeridade de costumes, centrada em uma obsessão pela purificação. Baseados em documentos encontrados nas diversas cavernas, mais de 900 fragmentos, arqueólogos e historiadores foram pacientemente reconstruindo os objetivos e o estilo de vida seguido por esta comunidade. Inferiu-se tratar-se de uma comunidade composta por homens que levavam vida reclusa, trabalhavam a terra, mas que abrigava um grupo que se dedicava a transcrever livros sagrados e outras literaturas, prevendo a restauração da santidade do Templo em Jerusalém, a realizar-se por um especial enviado de Deus, cuja vinda ardentemente aguardavam. A obsessão com abluções e banhos reflete a insistência mística da purificação. Pelas escavações realizadas, chegou-se a contar sete cisternas usadas para esses rituais de purificação. Isto para uma comunidade que dificilmente ultrapassava o número de 150 integrantes. Pelos regimentos encontrados, sabe-se que as purificações eram obrigatórias três vezes ao dia, ao amanhecer, antes da refeição principal no almoço e antes de deitar. Este regimento purificatório fez a comunidade desenvolver um genial sistema de aquedutos a abastecer as várias cisternas, em uma região, lembra-se, marcada pela aridez! O ponto alto da vida comunitária era a refeição principal, no almoço, onde geralmente era servido um prato quente acompanhado por um pequeno pedaço de pão e um cálice de vinho. Interessante registrar que a refeição transcorria no mais absoluto silêncio. O refeitório era considerado como se santuário fosse. Esta vida de duras renúncias tinha como finalidade principal preparar a comunidade para a vinda de um profeta de Deus, que purificaria costumes e restauraria a santidade do Templo. Este traço apocalíptico encontra-se na pregação de João Batista, argumento outro a alimentar a tese que liga o precursor à comunidade. Seja como for, num determinado momento de sua vida, o Batista parece ter se desligado da comunidade para seguir missão individual. O conjunto Qumran, todavia, ficou célebre pelos chamados Manuscritos do Mar Morto. Esses rolos contêm as transcrições mais antigas em aramaico e grego dos livros sagrados. Ao deparar-se com a importância dos documentos, estudiosos hebreus e acadêmicos da renomada escola bíblica de Jerusalém, debruçaram-se sobre os pergaminhos para conferir sua autenticidade. Análises científicas confirmam tratar-se de material do primeiro século antes de Cristo. Um dos textos chaves é um longo trecho do profeta Isaias que corresponde plenamente à versões posteriores. O alívio entre acadêmicos e religiosos é compreensível. Alguns dos originais desses documentos se encontram no Museu do Vaticano, outros no Museu de Jerusalém, e outros muitos ainda guardados a espera de análise. O complexo Qumran proporciona interessante complemento para a compreensão da situação política e religiosa que envolve e marca a época de Jesus Cristo. JOGAR O JOGO Desumanizadas estão se tornando as instituições. E a sociedade, em geral! É a opinião corrente entre sociólogos, economistas e estudiosos do comportamento humano. Basicamente, em grande número de instituições, repara-se uma distância considerável entre o que se propõem os estatutos e o que se faz na prática. Pelos estatutos, o compromisso declarado é promover o ideal da instituição, propostas nobres, irretocáveis, sempre à serviço do ser humano. Na prática, contudo, o referencial que move as peças são interesses particulares, geralmente atrelados ao lucro. Esta é a explicação que está por detrás do triste e vergonhoso caso da corrupção na FIFA. Na condição de instituição, a organização mundial de futebol tem a obrigação estatutária de zelar pela promoção e divulgação do esporte. Na realidade, porém, as informações que estão vindo a tona revelam que outros interesses movem as peças. Quando se descobriu a mina de dinheiro potencialmente disponível nas transmissões esportivas, chutaram-se todos os valores esportivos e humanitários e passou-se a buscar avidamente o lucro. Comenta-se que a inclusão de Ronaldo Fenômeno na fatídica final da copa da França deu-se por exigência de uma marca esportiva que exigia a presença do jogador. Às favas a reputação do futebol brasileiro. Às favas a condição física do jogador! Às favas o brio da torcida brasileira. Importava faturar! Era preciso jogar o jogo! E o jogo não era a final da copa do mundo, mas o faturamento da marca esportiva. O Brasil lamentou o revés, mas, pelos indícios, teve gente que faturou, e ainda fatura alto, as custas daquele jogo! O ser humano fica, simplesmente, instrumentalizado. A desumanização no esporte, particularmente, no futebol ficou mais do que evidente. Espontaneamente brota a indagação: por que não se denunciam sujeiras desse porte? As possíveis razões são várias, evidente. A obsessão pelo lucro inebria o ser humano. A sensação de poder tudo porque se possui muito dinheiro incha a vaidade e induz a chutar todo e qualquer referencial moral e ético. Emerge, então, o fator arbitrariedade. Firmas e diretorias se apossam do poder de decisão de uma maneira tal que, quem recusa aderir ao esquema - jogar o jogo - fica excluído aprioristicamente de toda concorrência, amargurando previsível falência. Favorece muito este esquema o regime de perpetuação no poder, mesmo quando a sucessão fica legitimada por supostas eleições democráticas. Quando a ficha cai, gente com um pouco de decência fica inconformada, mas como já é refém do esquema, mantém-se calada por covardia ou por medo. O lucro e o dinheiro são patrões despóticos. O ser humano é o que menos vale! A corrupção, em qualquer setor da vida, enoja. Revolta pelo principal fato de ignorar por completo o ser humano, reduzindo-o a mero instrumento. Clama a alma humana por redenção. Estudiosos no assunto apontam princípios capazes de enquadrar toda esta cultura de corrupção. Sugerem uma legislação que elimina o monopólio, reduz poderes de decisão arbitrária, e favorece claramente a transparência da administração em todas as instâncias. Sem esquecer evidentemente a severa punição de corruptores e corruptos. Claro, todo este arcabouço legal é recomendável e deve-se exigir que seja implantado e vigiado. Mas, sabe-se, o ser humano é esperto demais. Legislação é imprescindível, mas não resolve tudo. Pois a inteligência humana é sempre capaz de achar brechas para justificar transgressões e acobertar desvios. Para não falar das blindagens que organizações criminosas costumam costurar para garantir suas nefastas transações. Em última análise, o referencial confiável para a lisura de toda administração passa a ser a integridade de cada agente. Parece irônica a afirmação, tamanha a desconfiança que envolve o ser humano. A impressão que se tem é que parece impossível encontrar um ser humano genuinamente honesto. Que feio para a humanidade! Que vergonha para os mais de dois bilhões de cristãos espalhados pelo mundo! A hora não é de lamentar, todavia. A hora é de investir conscientemente na formação moral e ética do cidadão. A hora é de virar o jogo. Deixar de render-se ao jogo da podridão que desumaniza e passar a jogar o jogo da retidão, da justiça e da valorização do ser humano! A corrupção não pode ter a última palavra! YAD VASHEM “Dar-lhes-ei em minha casa e dentro das minhas muralhas um memorial e um nome (YAD VASHEM), nome que perdurará para sempre, para jamais ser esquecido” Is56,5. Esta profecia de Isaias dá o nome ao segundo logradouro mais visitado em Israel. Após o Muro Ocidental, mais conhecido como o Muro das Lamentações, que ostenta as fundações do segundo Templo de Jerusalém, o memorial YAD VASHEM é que mais atraí turistas em Israel. Numa área de 4.200 m2 o complexo apresenta várias salas temáticas, todas referentes à perseguição contra os judeus na Segunda Guerra mundial, conhecida como Holocausto. Ao adentrar o complexo, acesso gratuito, o visitante é induzido a acompanhar a história do holocausto, a trajetória da vida para a morte que termina na glória, sugestivamente representada por uma arquitetura em declive, cujo nível mais baixo retrata justamente os horrores dos campos de extermínio retomando o aclive até a libertação com a derrota da Alemanha. Esta vergonhosa pagina da história recente termina na sala dos Justos entre as Nações, comovente homenagem a exaltar a memória dos heróis, cidadãos não-judeus que solidarizaram-se com a causa judia e puseram em risco suas próprias vidas para livrar judeus da infame perseguição. O profundo sentido de gratidão para com esses cidadãos fica enaltecido ainda pela Avenida dos Heróis, onde, para cada justo encontra-se plantada uma árvore, nominalmente dedicada. Ao sair da sala dos Justos, o visitante passa pela Sala de Nomes, imponente cone com nomes e fotografias de 2.5 milhões de judeus até agora catalogados. No pensamento dos idealizadores do memorial, a Sala de Nomes substitui a ausência de cemitérios e lápides que marcariam e lembrariam as vitimas da cruel perseguição. Desde 1950, os curadores do memorial vêm trabalhando intensamente na coleção de informações referentes às vitimas do genocídio. Essas informações, agrupadas sob a rubrica ‘testemunhos’ encontram-se guardadas em pastas pretas nas vastas prateleiras que circundam e abraçam o cone central, com espaço reservado para as seis milhões de vítimas. Na realidade, esses testemunhos são obtidos a partir do preenchimento de um formulário de uma única página diligentemente elaborado para incluir breve resumo da biografia da cada vitima. Quando possível, fotografias são anexadas. Obviamente, todos esses dados encontram-se hoje microfilmados, à disposição de pesquisadores como também acessíveis pela internet. Significativamente, o visitante deixa a seção sombria do memorial e sai ao ar livre, onde topa com uma estupenda vista panorâmica de Jerusalém, a cidade santa, o solo sagrado. Encaminha-se, então, para a Sala da Memória, edifício quadrado escuro, iluminado apenas com o fogo da Chama Eterna. Neste salão de piso escuro, que impõe reverência religiosa, recordam-se os milhões de judeus exterminados nos vários campos de concentração. Cada campo é nominalmente sinalizado por uma lápide em destaque. Imponente mausoléu! Neste salão nobre acontecem as cerimônias protocolares com autoridades estrangeiras, que expressam sua solidariedade revigorando a Chama Eterna e depositando coroas de flores. Caminha-se, então, em direção ao Memorial das Crianças, compreensivelmente uma das salas mais comoventes de todo complexo. Esta sala escura, cavada na rocha, ostenta uma única vela refletida em milhares de espelhos que homenageia um milhão e meio de crianças mortas no Holocausto. Guiado pelo corrimão, o visitante caminha pela sala acompanhado pela declamação contínua em hebraico e em inglês do nome, da idade e do local de origem de cada criança vitimada pelos nazistas. Um monumento de comovente impacto. Este magnífico memorial, inexplicavelmente excluído dos roteiros turísticos populares, representa eloquente alerta e igualmente oportuna chamada de atenção acerca da crueldade que o ser humano, ideologicamente manipulado, é capaz de causar ao semelhante. Alerta a inscrição na entrada ao Memorial: Recorda-se a tragédia do passado para evitar que volte a acontecer no futuro! BENFEITO Oportuna missão! Toda pessoa inteligente reflete e aprende muito com o exemplo dado por astronautas americanos, empenhados numa missão de operar consertos no telescópio espacial Hubble. Esta viagem não recebeu muito destaque na mídia, embora os reparos que precisavam ser feitos envolvessem sérios riscos para os astronautas. Óbvio, a agência espacial norte-americana tomou todas as providências para garantir a segurança de seus homens. A missão, avaliada como positiva pelos técnicos, deixa preciosa lição. Para aqueles astronautas, envolvidos em delicados reparos a mais de 500 km da Terra, o importante era executar corretamente cada movimento previsto. A concentração da equipe tinha que ser total. Nos dias que ficaram no espaço relegaram à segundo plano as crises econômicas e de saúde que afligem o mundo, possivelmente também suas particulares angústias e conflitos pessoais. Aplicados e concentrados tiveram êxito, com vantagens para toda a humanidade. A lição, obvia, é que todo progresso, em qualquer campo da vida, depende da disposição, e do preparo, de fazer bem o que se propõe realizar. Não é raro o ser humano cair num grave equívoco. Se concentra apenas e tão somente em tarefas que reputa importantes. Tarefas são consideradas importantes quando dão visibilidade ou quando prometem substanciosas remunerações. Para estas tarefas o Homem costuma se preparar. Faz questão de sair-se bem. Quando, contudo, a tarefa agendada não oferece tanta visibilidade, ou faz parte da rotina, a tendência é executá-la de maneira dispersa, sem concentração. Displicente mesmo. A conseqüência previsível desta falta de aplicação é a mediocridade, tão em evidência ultimamente. O segredo para um sustentável progresso, tanto no campo individual como no campo coletivo, é aprender a aplicar-se em executar bem cada tarefa. Sem se importar com a visibilidade do esforço. Martin Luther King, em um de seus discursos, comentou que um varredor de rua deve aplicar-se tão bem em sua tarefa que quando morrer os anjos o apresentarão ao Pai Eterno como um gari que fazia seu trabalho com muito capricho. Repara-se que toda tarefa, quando feita com denodo, beneficia não somente o individuo, mas a coletividade na qual se insere. Impossível avaliar os desdobramentos positivos de um trabalho executado com capricho. Além do resultado final, fica o exemplo que sempre marca, sem que você saiba a quem e de que maneira. Vale registrar ainda, quem se aplica em executar bem uma tarefa, trabalha, normalmente, com alegria. Uma disposição capaz de transformar ambientes, iluminando e tornando leves os locais de trabalho. Em clima descontraído,o trabalho rende. Pois quem trabalha com alegria é, naturalmente, criativo e otimista. Está sempre em busca de aperfeiçoar seu rendimento, motivado pela satisfação de sair-se bem. De crescer, sem a doentia ambição que atrela todo empenho ao reconhecimento ou à remuneração. Consciente e compenetrado, o agente se porta como constante aprendiz. Não se ofende quando é corrigido e nem sente-se desprestigiado quando orientado. Por outro lado, quando faltar este tipo de disposição, a mediocridade se instala. Fica explicado porque muitos andam se arrastando pela vida. Apáticos sempre. Insatisfeitos com o trabalho, queixosos dos colegas e, obviamente, desgostosos com a vida. Culpam tudo e todos pela situação. Reclamam melhoras, sem atentar que o começo do progresso está em aplicar-se a fazer bem as encomendas recebidas. O caminho para o sucesso é, sempre, lento e exigente. É preciso subir degrau por degrau. Inúmeros são os exemplos de pessoas que chegaram ao topo da carreira começando de baixo, tendo o cuidado de realizar com capricho as encomendas recebidas, inclusive as mais insignificantes. Nem sempre é possível estar onde se gosta, mas é sempre possível fazer com gosto o que se tem por realizar. Realizações não acontecem por acaso. Constroem-se degrau por degrau. Enorme ilusão imaginar que o sucesso se faz de forma instantânea. Ou porque se tem sorte! Na agitação do ritmo moderno, na falta de paciência que caracteriza a geração mais nova, na difusa obsessão para selecionar tarefas, fica o recado dos astronautas: o que importa não é fazer muito, nem fazer com estardalhaço,mas, sim, aplicar-se em realizar bem cada tarefa, toda tarefa. FELIZ DIA DA MÃE! TROMBETAS Causa náuseas o noticiário sobre a corrupção. O absurdo volume de delitos impressiona pelas cifras e pela desenvoltura. Um notório líder político deu, recentemente, uma declaração carregada de cinismo. Ao referir-se ao grau de atrevimento praticado, afirmou: roubaram demais! Declaração que insinua que corrupção modesta o país tolera! Triste realidade, confirmada por um dos acusados de desviar milhões de dólares. Confessou candidamente o indiciado que comissões e superfaturamentos são regras implícitas no jogo das licitações. O que desalenta, na verdade, é o aparente estado de impotência que o cidadão sente diante de tanto acinte. Afinal, o governo não produz um único centavo. O caixa do país, qualquer país, é resultado da soma da arrecadação de impostos, ou seja, do dinheiro de cada cidadão. Recorrendo ao jargão jornalístico, é o seu e o meu rico dinheirinho que está sendo roubado. O que justifica plenamente a indignação. Enganamo-nos todos, porém, se continuamos a pensar que nada podemos fazer diante de tanta safadeza. Resignar-se é admitir irrecuperável derrota. Conformar-se equivale ao consentir com que a rapinagem continue. Na base da corrupção está o amor idolatrado pelo dinheiro e pelas evidentes vantagens que acompanham abastadas contas bancárias. O ex-presidente paraguaio Mujica comentou recentemente que quem gosta de dinheiro não pode ser político! A frase é de um impacto contundente, em especial, porque dita por quem conhece muito bem os bastidores da política. Como, todavia, o ser humano acalenta incurável sedução pelo dinheiro, induzindo-se a delirar que nunca cairá escravo do 'vil metal', entende-se porque a praga da corrupção se dissemina pelo mundo. A facilidade com que este difuso pecado se alastra motiva economistas e sociólogos a tentar explicar o fenômeno e, simultaneamente, propor mecanismos capazes de, pelo menos, reduzir os consideráveis prejuízos causados na vida e na cultura de tantos países pelo nefasto delito. Merece atenção a tese do professor Robert Klitgaard, notório estudioso do assunto. Ele explica a corrupção recorrendo à fórmula MPFE. Segundo o acadêmico a corrupção ocorre e cresce quando há Monopólio, aliado ao Poder discricionário. Monopólio e Poder discricionário, isto é, a dependência excessiva em uma autoridade/funcionário para conseguir liberação para o exercício de qualquer atividade, é situação propícia para gerar corrupção. A tentação de exigir suborno ou de fazer agrados para liberar ou conseguir determinadas autorizações é enorme. Como também enorme é o poder de sedução da estratégia. Segundo o economista, a presença desses dois fatores representa ideais condições para a prática de desvios. Quando junto ao Monopólio e ao Poder discricionário faltarem mecanismos confiáveis de Fiscalização eficiente e independente, o caminho para a efetivação da corrupção fica plaino e livre. Governos decentes e dirigentes responsáveis e bem intencionados cuidam em garantir a independência e a lisura dos mecanismos fiscalizadores. Quando, pois, os governantes insistem em interferir no trabalho dos órgãos fiscalizadores ou reservam para si a nomeação dos integrantes desses serviços, a probabilidade de acontecer negócios suspeitos e licitações fraudulentas aumenta enormemente. A concentração do poder sempre é suspeita e abusiva. Quem receia fiscalização sempre levanta desconfianças. Gente honesta prioriza transparência. É onde entre o E, de ética, na fórmula do Klitgaard. Quando se descartam princípios básicos de respeito pelo semelhante, quando se minimiza a responsabilidade cívica no cumprimento do dever, toda forma de gestão se torna lícita. Quando o referencial de conduta deixa de ser o respeito pela inviolável dignidade do outro e passa a ser a ambição, seja pelo dinheiro seja pelo poder, abdica-se de qualquer regra de controle, de qualquer conceito de justiça. Sem ética, o ser humano se transforma em prepotente déspota, em arrogante e inescrupuloso parasita. Sem ética as trombetas da catástrofe soarão. Ética se aprende em casa, na igreja. Sobre pais e líderes religiosos recai a grave responsabilidade de formar cidadãos decentes, de caráter, honestos! Honrados, enfim! A atual situação do país insinua reincidentes omissões e graves negligências. A hora não é de resignação covarde. Nem de estéril indignação. A hora é de reassumir responsabilidades e evitar que as trombetas soem! FILIAÇÃO Próprio é ao ser humano fazer parte de uma família. Usa-se o termo família em sentido abrangente de comunidade, agrupamento de pessoas com predicados afins. Reconhece-se um denominador comum presente em toda concepção de família: o elemento 'pertencer', 'identificar-se', destacando aquela qualidade peculiar capaz de associar pessoas sob uma única bandeira! O denominador comum pode ser de natureza consanguínea, profissional, artística, religiosa, terapêutica, lúdica e etc. Fato é que o ser humano, naturalmente gregário, sempre se identifica com algum grupo. Fazer parte de uma família é constitutivo do ser humano. Dá segurança. Confere identidade! Consequentemente, é sempre motivo de sério e perigoso distúrbio quando um sujeito se isola, recusando-se a fazer parte de uma família. Incorre-se em uma mutilação agressiva, traumática, com graves consequências pessoais e sociais. Ao isolar-se, o sujeito fica especialmente vulnerável e priva a agremiação à qual deveria pertencer da sua peculiar contribuição. Em algumas situações, pertencer a uma família garante evidência. Chama atenção. Dá status. Repara-se nos modismos que costumam marcar estilos de conduta entre cidadãos. Hoje, tatuar o corpo representa um desses modismos, uma febre cultural. O sujeito que não exibe nenhuma tatuagem se considera, ou é tachado, fora de moda. Por outro lado, o exagero de tatuagens, como também a discutível falta de gosto nos desenhos, acenam para uma acentuada carência de autoestima. O sujeito parece querer se impor no grupo pela agressividade da linguagem. Claro, fica sempre reservado o direito de alguém achar bonito tatuar-se, independente da moda! O ponto em destaque permanece a necessidade instintiva de identificar-se com um determinado grupo. Ilustrativo e interessante é observar a aplicação dessa realidade ao quesito religião. De um lado, repara-se a tendência do sujeito fazer questão de alardear estar filiado a esta ou àquela denominação religiosa, particularmente quando a tal família está mais em evidência.Empolgado, nosso amigo se esforça, não raramente de forma inoportuna ou inconveniente, para impor sobre os outros suas novas opções. Confissão religiosa também padece de modismos. Por outro lado, dissemina-se a mentalidade de considerar a religião assunto estritamente privado. O que se foca nesta observação não é a decisão de crer ou não numa divindade ou de pertencer a um grupo religioso. É evidente que este é assunto de estrito foro íntimo. O que se destaca é a crescente tendência de desvincular-se do convívio comunitário. Afirma-se pertencer a uma determinada confissão, mas decide-se levar a vida e a prática religiosa segundo critérios pessoais, ignorando e dispensando a dimensão comunitária. Uma filiação pro forma, convencional. Na prática, o individuo vive um isolamento religioso sério e perigoso. Imagina poder seguir, isolado, o caminho da fé! A família religiosa que, em tese, está para servir de apoio e proteção, passa a ser considerada estorvo. Suas orientações e recomendações que pretendem preservar a saúde do grupo e garantir a identidade e a unidade dos filiados são classificadas como indevidas imposições e arbitrárias intromissões. Todo convívio comunitário promove, mas também enquadra. Sem regras qualquer associação se desmantela. Ignorar esta elementar premissa ou desqualificar esta verdade representa temerária obsessão ou acena arrogante presunção. Pretensão descabida é querer que, para não melindrar, a comunidade religiosa abdique de seus princípios, quando o lógico seria o sujeito adequar-se ás normas da família. Reflexo outro desta mentalidade ambígua e individualista é a migração de uma comunidade para a outra. Inclusive dentro de uma mesma confissão religiosa, como se o que está errado em uma passa a ser permitido em outra! Participar de uma comunidade é sinal de amadurecimento e claro discernimento. De seriedade de propósito. Distanciar-se do convívio comunitário resulta normalmente numa filiação superficial e descomprometida. Sem uma comunidade fixa não há identificação nem a prazerosa e satisfatória sensação de pertença. Ao considerar-se integrante de uma família e por ela sentir-se responsável, o filiado percebe que os benefícios e vantagens do convívio são bem mais compensatórios que as pontuais limitações e transitórios desconfortos. PASSOS FIRMES Conselheiro temerário é o medo! O medo bloqueia o raciocínio, privando a pessoa de uma analise serena das circunstâncias. E, consequentemente, limita drasticamente a adoção de medidas e estratégias objetivamente saneadoras. Foi esta a situação vivida pelo primeiro grupo de discípulos logo após a morte do Mestre Jesus. Dominados pelo medo, escolheram trancar-se e esconder-se. A nota do evangelista destacando as portas fechadas é de uma pedagogia inspiradora. Impossível não fazer um paralelo com as primeiras páginas da Bíblia. Os primeiros pais, cientes de seu pecado e tomados de medo, também tentaram, inutilmente, esconder-se. Ensinam os teólogos que o medo é o sentimento que torna mais evidente a desordem provocada pela rebeldia contra Deus. A narrativa do evangelista João a respeito da experiência vivida por aquele pequeno grupo, do qual ele mesmo fez parte, é de uma preciosidade catequética formidável. O detalhe de portas fechadas é de inspiradora provocação. Como também de um perene e fecundo anúncio profético. Trancas e ferrolhos não foram suficientes para impedir a visita de Jesus na tarde daquele memorável primeiro dia da semana. A reação primeira do grupo, compreensível, foi de espanto, imaginando estarem vendo um fantasma, embora pela manhã já tivessem recebido a notícia de que o Mestre havia ressuscitado. Mas eles ainda não haviam entendido o que significava a ressurreição. Quem entenderia, de resto? Real e perturbadora foi a imagem de Jesus morrendo na cruz, feito malfeitor. Quando, então, Cristo se fez presente no meio deles, o espanto aumentou ainda mais. Pela aparição inesperada, certamente, e também pelo sentimento de culpa. Afinal, o grupo abandonou o amigo. Jesus, todavia, domina a cena e marca o compasso do encontro. Sua primeira manifestação é uma saudação recheada de otimismo: SHALOM! Jesus trazia as bênçãos de vida plena para seus amigos. E para certificá-los ainda mais da sua real presença, expõe-lhes as feridas da cruz. Sim, o mesmo Jesus que viram morrer, estava agora vivo e vitorioso entre eles. Um novo capítulo estava sendo escrito! Confirmada a autenticidade da visita, o ambiente se transforma. Onde antes dominava o receio e a desconfiança, reina agora a alegria e a segurança. Jesus está vivo e com eles novamente. Mas isso não era tudo. Faltava um detalhe fundamental. Para a alegria ser genuína as portas precisavam ser abertas. A alvissareira esperança precisava chegar aos confins do universo. Os amigos precisavam compenetrar-se que a missão de Jesus agora passava a ser deles. A vida plena que Jesus conseguiu com sua vida e com o exemplo extremo da sua total doação não era para ficar restrita a um grupo seleto. Assim como Ele havia deixado a casa do Pai e se encarnado para facilitar a comunicação com as pessoas, agora cabia a eles destravar as portas e sair levando este evangelho a todas as pessoas. Para Jesus, a comunidade dos discípulos jamais podia se imaginar recolhida, com medo, atrás de portas fechadas. Uma Igreja medrosa é um contrassenso. A fé no Senhor ressuscitado, acompanhada da vigorosa presença do Espírito, enche a comunidade de potencialidade, de vitalidade, de luz e de vida, bênçãos que precisam ser partilhadas com todos. Ao tomar consciência da dimensão do bem que podem oferecer às pessoas, impulsionados por uma caridade desinteressada e generosa, garantida pela presença do Espírito Santo, cientes ainda da real necessidade que essas mesmas pessoas tem de receber a mensagem redentora, os seguidores de Jesus abraçam alegres e destemidos a nobre missão. Convencem-se da fundamental verdade: a Igreja de Jesus Cristo não pode confinar-se atrás de portas fechadas. Como pode a Igreja dialogar com quem está de lado de fora, justamente os destinatários que mais precisam ouvir-lhe a voz, se permanecer recolhida atrás de portas fechadas? Portas fechadas, imagem eloquente e provocadora! Tem muito cristão de cabeça baixa, julgando-se arcaico, cidadão obsoleto. A experiência do Senhor ressuscitado, ultrapassando portas fechadas, pretende sacudir os resignados! Mexer com os pessimistas! O encontro com o Senhor ressuscitado reaviva a fé. E consolida nos crentes a certeza que, na condição de protagonistas, cabe-lhes ultrapassar fronteiras e sair, com passos firmes, a semear esperança. A fé no ressuscitado vence o mundo! DOCES Amarga Páscoa reduzida à chocolate! Lamentavelmente, a cultura comercial profanou por completo o sentido original e restaurador da festa da Páscoa! Foca-se demais a descontração exterior em prejuízo da alegria mais consistente e mais duradoura. Pois a Páscoa, no seu contexto religioso e litúrgico, é eminentemente uma celebração transformadora e renovadora. O seu foco permanece a restauração da alma humana, corrompida pela ambição e deteriorada pela arrogância. Na páscoa judaica, precursora da Páscoa cristã, a travessia pelo Mar Vermelho representava o repúdio e o abandono definitivo de todas as formas cruéis de escravidão, inspirando uma percepção nova de respeito profundo pelo semelhante. O Livro Sagrado registra, contudo, o drama: a chegada à Terra Prometida de forma alguma representava mudanças de posturas. Livre estava o povo de uma escravidão exterior, mas não emancipado de vícios que corrompiam relacionamentos e favoreciam abusos. Era preciso convencer o Homem que os demônios, na realidade, habitavam sua mente e seu coração. Significativamente, em seu curto ministério Jesus expulsou muitos espíritos maus. Fazer desses exorcismos uma leitura fundamentalista, imaginando tratar-se de seres espirituais a atormentar gente infeliz, é errar o foco do ministério e das subsequentes curas operadas pelo Mestre Jesus. Ao calar demônios que, por sinal, reconheciam sua origem divina e sua obra redentora, Cristo libertava as pessoas dos vícios que desfiguram por completo a alma humana. O mal maior, deformador, não se encontrava no exterior das pessoas, mas no íntimo da alma. Era a alma que precisava ser restaurada. Curiosamente, a origem etimológica do termo 'curar' é 'dar atenção'. Jesus curava porque dava atenção às pessoas. Ao olhar, a partir desta perspectiva, os episódios de cura registrados nos evangelhos, fica fácil perceber que a libertação que Jesus operava era consequência direta da atenção que dava às pessoas. No insuperável momento de lavar os pés dos discípulos, Jesus leva ao extremo este ensinamento. Diante da compreensível resistência de Pedro ao ver o Mestre rebaixar-se tanto, Cristo, ajoelhado e sem manto, adverte seu discípulo que caso persistisse em sua recusa ficaria impedido de fazer parte do Reino! Ao encerrar o ritual, Jesus insiste na necessidade da atenção desinteressada que se deve ao outro, condição indispensável para ingressar no Reino e, consequentemente, para viver realizado! Na realidade, para se tornar um ser humano recuperado e digno! Entende-se a razão porque ao referir-se à sua paixão e morte, Jesus, em várias ocasiões, agrupou esses acontecimentos sob a rubrica de julgamento. A sequência dos fatos, aparentemente, apresenta Jesus sendo vencido e condenado pelas autoridades da época. Na realidade, no processo de Jesus, a humanidade é que estava passando por um julgamento. Ao posicionar-se diante de Jesus, todo ser humano passa por um julgamento sobre sua própria pessoa. E o crente, em particular, confere a autenticidade de sua fé! Pois crer em Jesus significa, basicamente, partilhar sua visão do Homem e da existência. Ora, na visão de Jesus, o ser humano necessita ficar curado, liberto, em particular, da soberba e do excessivo egocentrismo, vícios que corroem toda forma de relacionamento, causas primeiras de dor e desigualdades. Posicionar-se favoravelmente diante de Jesus significa, então, aderir ao projeto de recuperar o ser humano pelo caminho inverso do despojamento e do serviço, da atenção dada desinteressadamente ao semelhante. Ingressar no Reino é iniciar-se neste processo de esvaziamento, nesta transformação que se opera na alma e se estende, por natural impulso, para a sociedade. Está cientificamente comprovado que gestos de carinho e iniciativas de atenção têm o poder de transformar vidas. Quantas vezes, nas circunstâncias desoladoras da vida, quando o mundo parecia desabar sobre a cabeça, quando se imaginava não haver mais esperança, um gesto de carinho inesperado operou milagres em vidas desoladas, restaurou ânimo, reacendeu a fé! Crer na ressurreição de Jesus Cristo é crer, fundamentalmente, na força transformadora de gestos de atenção e de expressões simples, mas genuínas, de carinho, disposições que o cristão, principalmente, deve possuir em grande reserva. São esses os doces que tornam a Páscoa genuinamente saborosa e permanentemente restauradora! TRUQUE Percepção faz falta! Sem uma reta visão de conjunto a vida se transforma numa sucessão de acontecimentos sem nexo. Quando esses acontecimentos ainda são de cunho predominantemente negativo, levam à exasperação. Ao querer explicar o que induz o ser humano ao suicido, o escritor russo Gorki afirma que falta um pequeno truque na vida daquela pessoa. Na verdade, o que falta nestas circunstâncias extremas é o correto entendimento sobre o propósito da vida. É o que distingue o mártir do suicida. Este atenta contra sua existência porque não enxerga escopo na sobrevivência. Aquele se sacrifica justamente porque intui que sua existência possui uma dimensão que ultrapassa o alcance temporal. Curiosamente, no compasso atual da vida, ostensivamente marcado pelo sucesso imediato e pelo alto grau de consumismo, pelo egoísmo em suma, a simples referência ao altruísmo representa séria ameaça a uma digna sobrevivência. Depressão, sentimento de derrota, falta de sentido da vida são as consequências previsíveis em uma existência centrada no individualismo. O mistério de Jesus Cristo, sua encarnação e vida, é precioso ensinamento para o drama da existência humana. Sem a fé em Jesus Cristo viver, como escreveu Guimarães Rosa, passa a ser perigoso! O ser humano padece de uma grave inclinação para o egocentrismo. O egoísmo é um distúrbio que denuncia a ausência de Deus na vida de uma pessoa. Ao assumir a condição humana em toda plenitude, menos o pecado, Jesus traz importante luz para dissipar as sombras que ameaçam a realização humana. Todo ser humano tem muito a aprender com ele acerca da correta percepção sobre a vida. A passagem de Jesus pelo mundo foi marcada por graves contratempos. Desde seu nascimento foi perseguido. Uma rejeição que foi se avolumando a medida que intensificava sua pregação, insistindo numa religiosidade e numa conduta fundada no respeito pelo semelhante. Um respeito tão radical a ponto de levar ao esquecimento de si em favor do outro. Um estilo de vida claramente na contramão da inclinação humana. Ao falar do Reino dos céus, as pessoas, inclusive os discípulos, teimavam entender o discurso de Jesus a moda humana, com privilégios, mordomias e poderes. Atônitos ficavam ao ouvir o Mestre falar da caducidade desta mentalidade. Legítima ascensão, ensinava, se consegue mediante o serviço e a renúncia. Os evangelhos registram com precisão didática o inevitável drama: a medida que intensificava seus ensinamentos sobre o esquecimento de si em favor do amor-doação, Jesus começava a ficar cada vez mais sozinho. As pessoas, em especial quem desfrutava de privilégios, não gostavam daquele tipo de conversa. Preferiam vistoso poder e vaidosa exposição. Compreende-se porque Jesus refugiava-se em oração a medida que o fim previsto se aproximava. Em sua condição humana necessitava muito da força divina! Por três vezes previu o desfecho dramático que esperava por Ele em Jerusalém. Para surpresa de seus amigos íntimos, prosseguiu resoluto em direção à cidade santa. E a medida que o fim se aproximava, Jesus intensificou seus gestos de serviço e de doação. Numa mesma ceia, na véspera de seu julgamento, rebaixou-se, assumindo a tarefa do mais desqualificado serviçal, para lavar os pés de seus amigos, repetindo a lição máxima de toda sua existência: líder autêntico é aquele que se abnega. Não bastasse esse gesto, ainda serviu seus amigos com uma refeição especial, seu Corpo e seu Sangue em forma de alimento, doado para ser completamente consumado! Faltava a doação final para coroar e confirmar a instrução. Ao oferecer a vida livremente para ser sacrificada, Jesus selava seu ensinamento. Claro, num primeiro momento, a morte humilhante parecia ratificar que no mundo prevalece mesmo quem manda. Mas a cruz não é o fim. O fim foi o que sucedeu na madrugada do primeiro dia da semana. Junto com o despontar da aurora, emerge o brilho da vitória do esvaziamento e do amor-doação. Nova percepção, nova luz invade a vida dos discípulos. A partir da ressurreição tudo se encaixa e adquire sentido. Iluminados, os discípulos começam a ter respostas para o drama da vida e saem partilhando esta alvissareira notícia! Mesmo enfrentando incompreensões e resistências, o ser humano encontra genuína realização, autêntico prazer em viver quando se esvazia em favor do semelhante. É o truque que falta! SILÊNCIO As narrativas da paixão e morte do Senhor Jesus representam o ponto central dos evangelhos. Segundo estudiosos, essas narrativas se inspiram em um primitivo documento conhecido das comunidades cristãs, comprovando a centralidade do mistério. Nos quatro evangelhos as últimas horas da vida do Mestre ganham evidente destaque. O evangelista João classifica a paixão e morte do Nazareno sob a rubrica da Hora de Jesus! Deixando a clara impressão que a passagem de Cristo no mundo perderia sentido sem este desfecho singular. As narrativas contêm mais que simples relatos de um processo e condenação motivados por implicâncias e intrigas. Isolar a paixão e a morte de Jesus dos anteriores acontecimentos é cair num grave e sério equívoco. O próprio Mestre, ao prenunciar o desfecho humano da sua história, deixava implícito que tudo fazia parte de um plano salvador divino. Atento, cuidou de preparar a mente e o coração dos discípulos para que não se perturbassem diante da aparente humilhação. Desconfiava Jesus que os discípulos ficariam negativamente impressionados com o aparente êxito de seus adversários. Afinal, imperava neles o conceito de um Messias triunfal, implacável soberano a esmagar os inimigos do povo. Jesus anuncia novo conceito de vitória, fundamentado não na prepotência, mas no esvaziamento! E, segundo seu estilo pedagógico, recorre a exemplos tirados do cotidiano agrícola para ilustrar sua mensagem. Fala do grão de trigo que ao ser enterrado, morre, e produz abundantes frutos! É uma morte geradora de vida! É lição corrente, a natureza não conhece a morte definitiva. É comum na natureza esvaziamentos resultarem em abundantes colheitas. Jesus ensina a seus conterrâneos, e a quem se dispuser a ouvir, que sua vida se assemelha ao grão de trigo que morre para produzir abundantes espigas. Com uma profunda e substancial diferença: sendo gente, Jesus caminha livremente para a entrega, como expressão de amor incondicional para o seu humano. Ao humilhar-se conscientemente Cristo aniquila a humilhação associada à morte de cruz. Ao morrer Jesus não estava sendo derrotado, ao contrário, alcançava a glorificação. Na cruz Jesus seduz! Isto explica porque sempre que falava da sua morte futura Jesus emendava a necessidade da renúncia como essencial condição para segui-lo. Pois segui-lo, significa entender a, e aderir à, redentora logística: vitórias consistentes só se conseguem mediante o esvaziamento de toda arrogância e a renúncia de toda pretensão de altiva superioridade. Há uma escola cristã que não se conforma com tamanha exposição do crucifixo. Considera os católicos, inclusive, discípulos sádicos do Mestre, pois prezam ver e exaltar seu melhor amigo em seu momento mais doloroso. Faria sentido esta crítica se não fosse o próprio Jesus a repetir enfaticamente que quisesse ser conhecido como o grão de trigo que, ao cair na terra e morre, produz muito fruto. A morte de Jesus na cruz não aconteceu porque seus adversários finalmente conseguiram arranjar um meio para dominá-lo. Cristo Jesus passou pela paixão e morte porque esta foi a estratégia escolhida para convencer a humanidade do singular amor que a Trindade Santa tem por ela. Assegurou Jesus a seus amigos próximos que ninguém tirava dele a vida, mas Ele a doava livremente. Porque, afinal, não existe amor maior do que quem dá a vida pelos outros. E Jesus deu a vida por todos. A fé habilita a enxergar o invisível! Ao contemplar Jesus na cruz, iluminado pela fé, o fiel enxerga a inigualável demonstração de consideração pelo ser humano. Ninguém quer tão bem ao Homem quanto Jesus Cristo. Especialmente significativo é um detalhe que os evangelistas registram ao descrever o comportamento de Jesus em todo processo de julgamento, condenação e execução. Ele fica em silêncio. Um silêncio que incomodou sobremaneira acusadores e juízes, pois deixava claro quem, afinal, estava sendo julgado! O silêncio de Jesus é particularmente prenhe! Em todo processo Jesus não é vítima, é dono da situação. Culturalmente, a Sexta Feira da Paixão costuma ser um dia de respeito e de silêncio. Ambiente favorável para deter-se em contemplação sobre um gesto de inigualável esvaziamento. Clima favorável que ajuda a captar a mais apaixonada declaração de amor. Um silêncio, em suma, a gerar na alma respostas e reações. Ninguém fica neutro diante da cruz de nosso Senhor Jesus Cristo! CÚMPLICE E COMPANHEIRO Deus não escolhe os capacitados. Capacita os escolhidos! Devemos esta inspiradora e programática reflexão a São Bernardino de Sena, teólogo do séc.XV. Escrevia ele sobre a figura de São José, esposo da Virgem Maria e pai adotivo de Jesus! José, o carpinteiro de Nazaré, integra a lista dos personagens bíblicos tidos como exemplo de fé. Com suas atitudes, o esposo de Maria ensina o que é a verdadeira fé. Um dado que chama logo a atenção é que as Escrituras Sagradas não registram uma única palavra dita por São José. Curiosidade esta que sugere que discursos não integram necessariamente a essência da fé. É comum a mentalidade que associa a fé a eloquentes e sábios discursos. Deve-se, portanto, investigar outros aspectos na vida deste tácito esposo e pai para compreender a natureza da autêntica fé. A narrativa bíblica nos apresenta José confrontado por situações surpreendentes. A primeira e a mais notória foi, evidente, a descoberta da gravidez de Maria. José fica compreensivelmente perplexo diante da incômoda situação. Divide-se entre seguir os ordenamentos da tradição, denunciando a infidelidade de Maria e ganhando pontos na cultura machista da época, ou sair quietinho de cena, ferido em sua autoestima, por entender, possivelmente, não ser ele um partido a altura daquela distinta moça. Pelo relato evangélico é coerente presumir que naqueles angustiantes dias José procurou luz e orientação na oração. Buscou em Deus o correto discernimento. E foi atendido. O anjo que, em sonho, visitou e explicou a José o acontecido representa a resposta de Deus em atenção ao seu clamor. José compreende a intervenção divina naquela singular gravidez e atende prontamente ao apelo: NÃO TEMAS RECEBER MARIA EM TUA CASA! E José faz o que compreende ser a vontade divina. Dá o seu sim! Começa a emergir o correto conceito acerca da autêntica fé. Crer é conhecer a vontade de Deus e colocar-se sem reservas a serviço dela. Há pessoas que acham que têm fé porque conseguem tudo o que pedem a Deus. Quando, na realidade, a demonstração da 'muita fé' se dá ao dispor-se a realizar tudo o que Deus pede. José, certamente, se considerou limitado para uma missão tão nobre. Afinal, não passava de um humilde e pobre carpinteiro! Ao ouvir, no entanto, o apelo para receber Maria em sua casa, intuiu que Deus iria lhe capacitar para uma missão tão singela. Não era ele que estava programando aquele enredo, Deus o estava escolhendo. Conhecedor do jeito de Deus agir, confiava na sua ajuda. Outras situações inusitadas e intrigantes enfrentou José, na companhia de Maria. A inoportuna viagem a Belém, por causa do recenseamento, a dificuldade para encontrar abrigo onde Maria pudesse dar à luz seu divino Filho, a insana perseguição de Herodes obrigando-o a levar mãe e Filho ao Egito, a profecia de Simeão, a aflição na permanência do adolescente Jesus em Jerusalém. Em todas essas situações, o texto bíblico parece insinuar idêntica postura de José, buscar em Deus, através da oração, luz e direção. E ao entender o desígnio divino, com serena confiança o executa. Entende-se porque mereceu o apelido de HOMEM JUSTO, distinção reservada a seletíssimo grupo de figuras bíblicas. Na vida de qualquer cidadão surgem situações inesperadas. Algumas, como na vida de José, não somente alteram o trajeto programado, apresentam, ainda, situações angustiantes. Inevitável o pânico, a frustração, a decepção. O medo até! Programa-se o dia,elabora-se um projeto, com esmera meticulosidade e eis que, sem aviso e sem culpa, um fato novo obriga a mudar todo esquema. É a hora do teste da fé. O esposo de Maria, o pai adotivo de Jesus ensina, sem pronunciar uma única frase, a atitude correta nessas circunstâncias. Nada de exasperação, nada de lamentos autocomplacentes, nada de derrotismo. O rumo é buscar luz e direção em Deus. Um casal alcança a plenitude da realização quando, além de amantes, os esposos aprendem a ser também cumplices e companheiros. Se Maria representa o SIM feminino, José encarna o SIM masculino ao projeto divino de salvação. Realmente, Deus sempre capacita os escolhidos! DECÊNCIA Apreensão. Indignação. Decepção. A ordem pode ser diversa, mas esses e outros sentimentos negativos tomam conta da população diante da atual situação social, política e econômica pelo que passa o país. A gravidade do contexto tira a população da proverbial acomodação, inspira e estimula variadas iniciativas de reação. A indiscutível premissa que, em última análise, o poder está realmente nas mãos do povo sugere agir com discernimento e autêntico espírito cívico. Se de um lado a situação exige que o povo se mobilize e se manifeste, do outro essas reuniões precisam ser bem articuladas e genuinamente patrióticas. Em situações semelhantes costumam ganhar destaque aventureiros e aproveitadores. O bom senso e o filtro da população saberão separar as bem intencionadas iniciativas das que buscam apenas tumultuar, as que enxergam o caos como ambiente propício para semear pânico e justificar golpes. Relevante papel exercem os católicos. Particularmente neste ano, quando a Campanha da Fraternidade, com providencial inspiração, conclama os católicos a marcar presença evangélica na sociedade. Na condição de seguidores de Jesus, inspirados em seu programa redentor de assegurar vida plena a todas as pessoas, os batizados sentem-se conclamados a tomar posição. Esta marcante presença, como bem aponta o objetivo geral da Campanha, deve ser assumida em compasso de diálogo e de serviço. Ao se propor a dialogar, a Igreja se despe de todo viés dogmático e se apoia única e exclusivamente na verdade do evangelho, da qual é, simultaneamente, depositária e transmissora. Mister se faz ressalvar que ao falar em Igreja, não se entende hierarquia, mas, sim, o povo de Deus em seu conjunto, todos e cada um dos batizados. Assim, ao engajar-se nos movimentos populares e patrióticos, o batizado deve ter claro diante de si os postulados evangélicos e os meios, igualmente, evangélicos para consegui-los. Na prática, isto significa que, se de um lado, não pode ficar neutro ou indiferente, recluso no templo, por outro, recusa decididamente protestar como mero integrante de uma massa de manobras tutelada e manipulada. Na condição de cristão protesta, grita, exige mudanças, mas sem compactuar com ideologias oportunistas nem endossar estratégias que justificam abusos e provocam danos. Os protestos de 2013 estão ainda vivos na memória e sabe-se que foi por causa de infiltrações ideológicas que o clamor enfraqueceu e a população encolheu. Ao marcar presença pelo diálogo, o católico alia-se a todas as organizações cívicas, ciente que oferece contribuição peculiar para que, dentro da lei, se proteste contra as mentiras oficiais, se condenem todas as formas vergonhosas de corrupção, se exijam exemplares punições e se clame por reais ajustes na governança do país. Protestar, porém, representa apenas uma das iniciativas de marcar presença. Análise objetiva da situação e discernimento perspicaz apontam para outra grave omissão ou acomodação por parte dos seguidores de Jesus. Há pouco cristão atuante nas administrações públicas. Explica-se. Há muito funcionário público batizado, como também muito político que se apresenta como religioso, mas que, infelizmente, não pautam sua ação política e administrativa pelos princípios morais e éticas do evangelho. Caso contrário, o país não chegaria a este estágio deplorável de decadência e de corrupção. O apelo à conversão próprio do tempo da Quaresma e alimentado pela Campanha da Fraternidade não poderia chegar em hora mais apropriada. Urge estimular os batizados a marcar presença nas esferas públicas e políticas. A situação atual da política tem gerado justificado nojo em grande parte da sociedade. Gente honesta quer manter-se distante da política. Estratégia equivocada e civicamente desastrosa. Primeiro, pela obvia indução: se os bons se afastam, os aproveitadores tomam conta. Depois, pela secular constatação, as coisas mudam somente de dentro para fora. Não basta alterar o enredo, é preciso trocar os atores. Não basta mexer nos esquemas, é preciso substituir os agentes políticos. Não basta descupinizar ambientes, é preciso erradicar criadouros! Ao conclamar os católicos a mostrar a cara, a Igreja age como servidora da sociedade. O clamor que estimula não tem cores partidárias nem preferências ideológicas. Carrega, contudo, forte apelo pela decência, pela probidade e pelo respeito aos genuínos e urgentes anseios da população. MONTANHAS Fascinante é subir montanhas! A expressão pode ser usada como metáfora para a vida, indicando o sucesso de uma carreira. Alcançar o topo é anseio de muito profissional. A expressão também denuncia vaidade, pretensão ou a obsessão de quem persegue o poder, seja político ou econômico. Existe, igualmente, o sentido místico para a expressão. Subir montanhas, na dimensão espiritual, tem a ver com o desejo de aproximar-se da divindade. Em praticamente todas as culturas antigas, a montanha era considerada moradia dos deuses. Quem quisesse sentir mais de perto a energia divina, subia montanhas. Esta concepção encontra ressonância na Bíblia. Todas as grandes teofanias aconteceram nas montanhas. Foi no topo da montanha que Deus entregou a Moisés as tábuas dos mandamentos. O local era tão sagrado que as pessoas sequer podiam tocar a base da montanha. Foi no topo de uma montanha que os discípulos Pedro, João e Tiago conheceram o verdadeiro perfil de Jesus Messias. Esta mentalidade inspirou também a arquitetura religiosa. Muitos templos católicos e mosteiros encontram-se construídos no alto de colinas, alguns inclusive de difícil acesso, indicativo mais do que claro do esforço necessário para se chegar perto da divindade. O sacrifício exercido na subida purifica a alma, dando lhe condições de achegar-se à divindade. Subir a montanha continua sendo recomendável programa místico. Não no sentido de aproximar-se fisicamente da divindade. Deus é espírito, e Jesus enfatizou que os legítimos adoradores cultuam em espírito e verdade. Por outro lado, ao falar da oração, insistia o Mestre sobre a necessidade de isolar-se, de orar em segredo. Subir montanhas, portanto, em sentido místico, pode ser entendido como orientação para retirar-se e ficar a sós com Deus! Isolada, a pessoa encontra maior facilidade para concentrar-se. Particularmente, em tempos atuais, quando apelos intermitentes invadem silêncios e dispersam atenções. O ruído constante que acompanha a agitada vida moderna desvia atenções e fragmenta interesses. As pessoas, hoje, nem percebem que agem e oram de forma distraída. Enquanto ocupada em uma tarefa, a mente divaga para os próximos compromissos, atrapalhando a concentração e reduzindo o aproveitamento. O avanço tecnológico representado pelos modernos aparelhos de comunicação atribula ainda mais a concentração. A consequência primeira de toda esta agitação é o distanciamento de si próprio. As pessoas são estranhas para si mesmas. A falta de consciência da própria identidade está por detrás tanto da superficialidade com que se executam tarefas como também da formalidade com que se ora.. Um dos traços mais em evidência na cultura atual é o frio cumprimento de obrigações, faz-se apenas o que se pede sem o ideal de querer fazê-las bem feitas! O que gera natural artificialidade e compreensível insatisfação. O Homem moderno se distingue pela evidente falta de interesse naquilo que faz. É tudo muito monótono, previsível, sem entusiasmo e sem alegria! Sinal de maturidade é reconhecer a necessidade de retirar-se periodicamente para estar a só consigo mesmo e, se o sujeito for religioso, para estar a sós com Deus! Sinal de disciplina e discernimento é reservar tempo e encontrar o espaço ideal para realizar este tipo de retiro. Na véspera de seu assassinato, Martin Luther King comentava numa conferência que estava muito tranquilo porque havia compreendido o valor e encontrado tempo para subir montanhas. Explicava como o silêncio e o recolhimento da montanha foram sobremaneira preciosos em sua vida, pois o ajudaram a adquirir noção clara sobre sua identidade e a prepara-lo para encarar o futuro com serena confiança. Aprendeu a não se importar com o que podia lhe acontecer, conquanto fizesse bem o que julgava justo e correto. O tempo da Quaresma é especialmente propício para atender ao convite de subir a montanha. Se for religiosa, a pessoa viverá experiência singela de encontro pessoal com Deus, não porque ele reside fisicamente em montanhas, mas porque habita no silêncio. Se não for religiosa, a pessoa viverá a salutar experiência de encontrar-se consigo mesma, reconhecer quem é de verdade e arrumará coragem para operar os ajustes que entende necessários para viver como pessoa de bem! SIRENE Jesus interpelou. Apresentou a mesma indagação em duas ocasiões distintas e recebeu, compreensivelmente, respostas diversas. A dois de seus discípulos, João e Tiago e a um cego que tinha forçado seu caminho para a ele apresentar-se, Jesus perguntou: o que querem? João e Tiago responderam que almejavam ocupar os postos mais importantes no Reino. Buscavam ascendência, notoriedade. O cego Bartimeu, por sua vez, candidamente implorou: quero enxergar! Sair da dependência, recuperar o mínimo da dignidade. Parece oportuno e instigador colocar o tempo da Quaresma neste contexto da indagação de Jesus, imaginando estivesse ele inquirindo de cada um de seus seguidores o que, na realidade, representa este tempo de graça. Pergunta de impacto e que, provavelmente, provocará pausas desconfortáveis na consciência dos discípulos. Ao se prestar atenção à resposta que brota espontaneamente do coração, o fiel terá clareza do seu real envolvimento com Jesus e sua causa. O cego Bartimeu assumiu e reconheceu sua condição de cego. Sem rodeios manifestou a Jesus o desesperado desejo de livrar-se daquela situação humilhante e dependente. E foi atendido. João e Tiago também foram honestos, mas estavam preocupados apenas com vantagens materiais, queriam fama e destaque, favores que não faziam parte da bagagem do Mestre, pelo menos não no sentido do mundo. Foram atendidos, mas de maneira bem diversa do que pensavam. Quaresma representa ocasião privilegiada para o fiel reconhecer-se interpelado por Jesus acerca da sua identidade, do significado e valor que dá à condição de discípulo. Com a clara consciência que pouco valem respostas academicamente corretas ou teologicamente precisas se não correspondessem ao que se guarda no coração. A Quaresma é tempo precioso para o sujeito que assume conscientemente a condição de discípulo. Adotando a linguagem figurada do apóstolo Paulo, Quaresma é tempo especialmente favorável para quem deseja vestir-se de Cristo. É com a dimensão do discipulado que o ciclo da Quaresma se ocupa. Habitou-se a associar este tempo litúrgico a determinadas práticas penitenciais, como jejum e abstinência de carne. Valorosos, sem dúvida, mas estéreis se forem considerados como fim em si mesmos. Na espiritualidade litúrgica, essas práticas piedosas são consideradas como meios, instrumentos para se chegar a um objetivo. É este objetivo que deve canalizar todas as energias. E, logicamente, aprimorar jejuns e ajustar abstinências. A Quaresma prepara o fiel para celebrar a ressurreição de Jesus. Nota-se, a preparação não visa comemorar, mas celebrar a Páscoa do Senhor! Páscoa não é recorrente data no calendário. Representa para o crente o mistério chave que dá rumo e sentido à história da humanidade. Ao celebrar a Páscoa, o crente não recorda apenas a vitória de Jesus sobre a morte, mas nela se insere, por ela deixa-se configurar. Recorrendo novamente a linguagem precisa do apóstolo, ao celebrar a ressurreição de Cristo, o crente renasce com Ele para uma vida nova, uma vida com propósito, independente das contingências da vida. As prementes necessidades materiais, o ritmo acelerado da vida, o maciço e articulado assédio do consumismo absorvem a atividade humana e, imperceptivelmente, modificam hábitos e alteram preferências. Quando dá conta, o cristão se percebe distante do ideal do evangelho. Quando muito, participa do culto, mas, ao analisar detidamente sua conduta e suas preferências e reações, reconhece que a fé e a liturgia exercem limitada influência em sua vida. Sua identidade cristã perdeu vigor, seu testemunho ficou pífio. Sua presença não provoca surpresas entre conhecidos nem questionamentos entre colegas. Se enxerga como mais um que acompanha conformado o confuso caminho coletivo. O ciclo quaresmal é pedagogicamente despertador. Quaresma é tempo de acordar. É a sirene que desperta da modorra. Preciosa ocasião para analisar que resposta se daria à interpelação do Mestre: o que você busca? Reconhecendo-se falho e inconstante, o crente se penitencia. Aceita as cinzas como sinal de arrependimento, como sirene que desperta. À semelhança do cego Bartimeu reconhece que necessita enxergar. Renovar a identidade do discípulo. Passar das sombras para a luz! Ressurgir das cinzas para nova vida! DESCONTRAÍDOS TORCEDORES Imponentes são os novos estádios de futebol! Pena que há uma minoria de supostos torcedores que está totalmente despreparada para deles se usufruir. As lamentáveis cenas de guerra registradas por ocasião do mais recente clássico do futebol paulista comprovam esta leitura. Fica-se com a impressão que os arruaceiros que provocaram tanto vandalismo nem torcedores são. Usam o futebol para extravasar sua ira contra 'tribos' consideradas inimigas. E, pelo que foi publicado, nem precisam ser 'tribos' que torcem por times adversários. Confrontos aconteceram entre torcidas do mesmo time. Total absurdo. Grave e preocupante é este contexto violento, com previsíveis consequencias igualmente sérias. Que não afetam somente o mundo do esporte. Repercutem no cotidiano da sociedade. Futebol é uma das modalidades esportivas que mais mexem com emoções. Times têm torcedores apaixonados que curtem desfilar com os uniformes do time favorito. Apoiam seu time e, com alegria, exibem sua preferência. Sem que isso signifique necessariamente provocar ou insultar torcidas adversárias! É tão bonito e saudável quando torcedores de agremiações diferentes se encontram, brincam e sacaneiam-se mutuamente, sem animosidades. Atestado de torcedores maduros que sabem respeitar limites e preferências. Pelo jeito que as coisas andam, daqui a pouco a satisfação de sair na rua com determinado uniforme passará a representar risco de vida. Aconteceu mais uma vez neste último final de semana. Torcedores são-paulinos foram agredidos aparentemente sem motivo, a não ser por estarem com camisetas do seu time! O medo não pode prevalecer sobre o alegre prazer de torcer abertamente pelo time de coração! Desponta um dos tópicos nevrálgicos neste trágico contexto. A violência está ganhando da civilidade. A sociedade está perdendo a batalha do civismo. É grave. Esta situação reflete um contexto mais macro na civilização moderna. Não é somente no esporte que a violência sobressai. Estende-se ao trânsito, ao relacionamento entre cidadãos. À família! Atinge a segurança dos indivíduos, do patrimônio, das fronteiras entre nações! Dos credos religiosos! Perplexo e apavorado, o cidadão do bem pergunta: onde é que isso tudo vai acabar? Se nem no futebol, um esporte que deve ser motivo de diversão, o cidadão sente-se seguro! Indigesta situação dos tempos modernos: nem para se divertir o cidadão sente-se tranquilo! Pelo barulho que fazem, pela extensão dos danos que causam, pela exposição que alcançam, fica-se com a impressão que os vândalos são maioria entre os cidadãos. Revoltante constatação: são minoria esses arruaceiros. A grande maioria da população é de paz e repudia veementemente qualquer tipo de desordem. Pela lógica é a maioria que deve prevalecer. O que se vê, contudo, é que esta maioria prefere se encolher, deixar caminho livre para uma minoria que quer se impor via barbárie e selvageria. A maioria dos cidadãos, imperceptivelmente, está entrando no jogo dos desordeiros, deixando-se amedrontar. Privando-se de um direito cidadão de divertir-se, de torcer para o time de preferência. É preciso que a maioria acorde, recupere seu brio e encontre meios eficazes para reverter este processo. A violência não pode imperar! Os governos, evidente, e os responsáveis pela ordem pública têm a sua parcela de responsabilidade, que não é pequena. O cidadão tem direito à segurança, à liberdade de ir e vir, à diversão saudável e paga impostos caros para assegurar esses direitos. Sobre as administrações, portanto, recai a responsabilidade de garantir a ordem, recorrendo a logísticas que deixam a população tranquila, e não mais assustada e amedrontada, como está acontecendo. Outra parcela da responsabilidade recai sobre os demais organismos sociais, os clubes, principalmente. Diretorias de clubes e de torcidas organizadas devem ser criminalmente responsabilizadas por omissão, por negligência ou por cumplice acobertamento de integrantes desordeiros. A alegria e a tranquilidade no esporte, e nas outras áreas de convívio civil, se reconquistam somente quando houver articuladas iniciativas de prevenção e enérgicas táticas de repressão. Não é o cidadão do bem que deve sentir medo. É o arruaceiro que deve sentir-se vigiado e patrulhado. Repudiáveis são essas situações de guerra. Urge que cidadãos do bem reajam, levantem a voz e exijam das autoridades e das diretorias de clubes medidas eficazes a fazer prevalecer a ordem e a tranquilidade de poder assistir a um jogo de futebol sem medo e sem sobressaltos. Estádios modernos, torcedores descontraídos! SUAVE BRISA Desesperadamente, procurava-se pelo cubo mágico! Ao longo do último mês de dezembro, centenas de pessoas vasculharam regiões e logradouros da cidade em busca frenética por tal cubo. A paróquia Santo Antônio foi um dos destinos preferidos dos caçadores, face às pistas sugeridas. Dezenas de pessoas andaram pelo adro da igreja, remexendo em folhas, vasculhando os jardins. Foi divertido acompanhar a ansiedade de muitos, jovens em particular, não fosse por um pequeno grupo de meninas que, na ânsia de encontrar o ‘tesouro’, remexeram com tamanha fúria nos enfeites natalinos que ornavam a área externa da igreja, a ponto de destruir a decoração, espalhar musgos pelo chão, deixando vasos completamente revirados. As câmeras de segurança registraram a irresponsável investida. O que era para ser uma divertida e louvável atividade cívica e cultural, em alguns casos, se transformou em lamentável exposição de despreparo e desrespeito. Na lógica da brincadeira, camuflar bem o cubo atiçava a curiosidade e provocava diligente procura. Para muitos, Deus também se esconde, como se mágico cubo fosse, demandando intenso trabalho para ser encontrado. Por causa dessas supostas dificuldades, muitos desistem de procurar por Ele. Julgam trabalhoso demais encontrá-lo e largam frustrados. A realidade é justamente o oposto. Ciente da grande necessidade que dele o Homem tem, Deus quer ser conhecido e da maneira mais simples. Exímio conhecedor do processo de entendimento do ser humano, cujo conhecimento depende dos sentidos e por eles passa, o Criador faz questão de apresentar-se para os sentidos humanos. Desta forma pode ser conhecido e admirado. É a estratégia assimilada e seguida pelos profissionais de propaganda: apareça e cresça! O Criador adota esta dinâmica, com uma sutil diferença, a estratégia a que Ele recorre difere daquela seguida pelos padrões humanos. Uma diferença que, quando bem entendida, revela a consideração pelos mais profundos requisitos da alma humana. Houve épocas quando a mente humana precisava que Deus se manifestasse através de fenômenos naturais espetaculares, como trovões, relâmpagos, terremotos. Feitos extraordinários, enfim! O Antigo Testamento está repleto dessas manifestações divinas, conhecidas como teofanias. A imponência dessas manifestações provocava compreensível medo da presença do divino. A majestade impunha distância. A santidade divina escancarava a total indignidade humana, marcada pelo pecado. Quem ousaria dele se aproximar? Embora prevalecesse este contexto de assombro, Deus dá indícios que prefere apresentar-se de maneiras diferentes. Registra-se, então, um episódio de singular beleza e impacto: a visita de Deus ao profeta Elias. Refugiado numa gruta, o profeta, abatido e desiludido, reconhece a presença divina na passagem de suave brisa. Inspirado e fortalecido por tão serena visita, o profeta deixa sublime recado: está bem mais em sintonia com as exigências da alma humana, é bem mais agradável reconhecer a presença de Deus na brisa suave que na violência de um terremoto! Deixando-se surpreender por esta mansa estratégia, Elias retoma, revigorado, sua jornada profética. Outros relatos semelhantes acenam que Deus prefere manifestar-se de maneiras mais simples e humildes, que em circunstâncias espetaculares. A evolução do conhecimento humano dispensa apresentações sensacionalistas e desconfia de teofanias nitidamente apelativas. Deus não explora a emoção. Tampouco se deixa enquadrar por esquemas preestabelecidos de rituais e cultos. Rotinas são tediosas e costumam ser estéreis. Ao contrário, Ele segue o paciente caminho da sedução pela verdade e do convencimento pela amorosa criatividade. A semelhança do amante apaixonado, Deus recusa ser previsível. Habilmente surpreende. Sem ferir derruba barreiras e cativa almas! Os idealizadores da brincadeira estudaram esconder o cubo num lugar inusitado e que desse trabalho para ser encontrado. Deus, ao contrário, adota estratégia diferente, basicamente, porque sabe o quanto é bom para o Homem encontra-lo. Ele, então, se apresenta sem aviso, de surpresa, a moda da suave brisa, tão refrescante e restauradora que fica impossível a ela resistir. Sem alarde, pois, Deus entra e na alma fixa morada! GLÓRIA A DEUS! Ao blasfemo a morte! As mais recentes e notórias vítimas foram os chargistas do satírico Charlie Hebdo e outros cidadãos inocentes que acidentalmente se encontravam em sua órbita e nem blasfemos eram, pelo menos publicamente! Em outras épocas, ofensas contra a divindade ou mesmo a recusa de crer no sobrenatural era considerado, pelos cristãos, crime capital. Para preservar a honra de Deus, pasme-se, clérigos cristãos mandaram queimar e enforcar muita gente. Esta desautorizada defesa do sagrado mancha indelevelmente a benemérita história do cristianismo. Como mancha também a não menos bela história do islamismo. Segundo os catecismos, a blasfêmia representa uma ofensa contra a divindade. O segundo mandamento da lei de Deus orienta honrar o nome de Deus e veta pronunciá-lo em vão. Desrespeitar este mandamento constitui falha grave, rompe a comunhão com o sobrenatural. Ora, quando se olha a Bíblia - e o Alcorão - na totalidade da sua mensagem, isto é, sem pinçar frases e os interpretar fora de contexto, há de se reparar como todo pecado é passível de perdão. A postura de Deus diante da rebeldia humana é de perdão e não de condenação. A prova maior da imensa compaixão divina é a própria pessoa de Jesus Cristo, que carregou sobre si os pecados da humanidade. Na forte e feliz expressão do apóstolo, havia uma conta a ser paga e Jesus a pagou na cruz! A mesma linha de pensamento é seguida pelo Alcorão. O sagrado livro muçulmano, ao referir-se a pessoas que ultrajam o nome de Deus, orienta o fiel a manter-se distante deles. Não pede que as mate. Nem o Deus da Bíblia nem o Allah do Alcorão mandam matar infiéis. Eliminar pecadores em nome de Deus (ou de Allah) representa não somente um absurdo abuso como também uma flagrante afronta à explícita vontade divina. Matar para vingar a santidade divina representa a mais descabida distorção da religião. Tanto no cristianismo medieval como no islamismo, a aplicação da pena capital aos hereges e blasfemadores encontra sua origem em critérios puramente políticos. Os regentes necessitavam de motivos para justificar a eliminação de adversários. Obviamente, quem enfrentava os governantes, criticava as práticas religiosas por eles patrocinadas. Elaborou-se, então, uma jurisprudência, com a conivência dos clérigos, que tornava toda ofensa contra a religião um crime de lesa pátria. Abriu-se uma avenida para os mais ultrajantes abusos. Felizmente, o cristianismo, tanto católico, como ortodoxo e protestante, acordou e se afastou da nefasta leitura. Com toda propriedade reconhece, hoje, seu grave erro e pede perdão. Infelizmente, alguns setores do Islamismo, ao persistirem nesta leitura fundamentalista, continuam provocando e justificando carnificinas. Ao recorrer ao terror exploram com perversão o sentimento do medo. Ao usar o terror para semear pânico, fazer chantagens e angariar dinheiro, fazem um tremendo desserviço à causa religiosa. Importa insistir que religiosos islâmicos, zelosos na defesa da pureza da religião, não somente condenam esta leitura, como aplicam-se em desautorizá-la. Muitas dessas injunções disciplinares resultam de interpretações humanas, feitas para justificar a imposição de um código de comportamento atrelado a uma visão oportunista da religião. De todo modo, fica-se comprovado o gravíssimo perigo que existe quando se manipula a religião para fins particulares, especialmente para fins políticos. Decreta-se a morte de uma religião, quando se decide manipulá-la para conseguir poder, seja político seja mesmo religioso e dele se apropriar. Resquícios desta infeliz mania de instrumentalizar a religião para fins ideológicos podem ser observados na obsessão de taxar como pecado qualquer banal diversão. A maior blasfêmia que se pode cometer contra o Deus da vida é justamente por vidas em perigo. A leitura abrangente da Bíblia revela que Deus nunca se preocupou exclusivamente consigo. Nenhuma afronta, por mais atrevida ou escandalosa, O atinge ou diminui sua santidade! A preocupação maior do Criador é com o ser humano, a quem deseja ver vivendo em plenitude, plenitude de paz, plenitude de prosperidade. Se se quiser poupar Deus de blasfêmias e afrontas, portanto, basta respeitar a dignidade de todo ser humano. Deus é glorificado quando, por amor a Ele, se empenhe para resgatar e preservar vidas! PROFÉTICA RESPOSTA Absurda estratégia! O bárbaro ataque contra os chargistas do hebdomadário satírico francês reacendeu o alerta acerca da permanente ameaça do terrorismo e desencadeou uma série de comentários analisando a assassina estratégia sob as mais variadas perspectivas. O motivo religioso-politico supostamente por trás do insano ataque concentrou compreensivelmente os comentários sobre o grave perigo do fundamentalismo religioso. Muitos autores, ao denunciar o grave e real perigo presente na pretensão de impor sobre a sociedade uma visão dogmática e unilateral, voltaram a enaltecer os méritos do laicismo. Nesta visão filosófica, a religião fica completamente desqualificada e hostiliza-se com veemência qualquer tentativa de orientar a vida social a partir de princípios religiosos. Como se a religião fosse estorvo, com nada de positivo a contribuir para uma vida social digna e decente. Distingue-se laicismo de laicidade. Esta é outra linha de pensamento político que defende a independência do Estado da religião. Na teoria laica, o Estado gere sua vida sem a tutela de qualquer confissão religiosa. Esta tese, hoje abraçada pela maioria dos países, garante a independência tanto do Estado como das religiões. Garante, inclusive, a liberdade religiosa, facultando a cada segmento social a possibilidade de seguir e manifestar de forma pública e ordeira suas convicções. No regime teocrático, o Estado fica tutelado por dogmas religiosos. É o que pretendem alguns movimentos de origem islâmica. Querem impor sobre os cidadãos, recorrendo geralmente à força bruta e ao terrorismo psicológico, dogmas e costumes próprios à religião. Insiste-se em afirmar que não é o islamismo que é assim, mas apenas os adeptos de uma leitura fundamentalista. Na realidade, este tipo de regime nada tem de novo. O cristianismo o praticou durante a idade média. E, numa versão mais recente, o comunismo pretendeu implantá-lo na Rússia e em países satélites. Ambas as experiências fracassaram ruidosamente, pelo simples e bom motivo que a liberdade é predicado transcendental, muito prezado pelo ser humano. Nenhum regime de força é capaz de anular o anseio profundo de liberdade. É justamente este apreço pela liberdade que sacudiu o mundo diante do bárbaro ataque. Ao protestar contra a estúpida violência, as pessoas não estavam necessariamente endossando o que é publicado no semanário, mas o espaço para fazê-lo. A possibilidade de ver-se cerceado em sua liberdade impulsiona o Homem a reagir com veemência. Não aceita imposições despóticas e unilaterais. Este foi, basicamente, o motivo que reuniu milhões de pessoas em Paris e em outras cidades pelo mundo. Cidadãos do mundo inteiro fizeram questão de manifestar repúdio não contra uma religião, mas contra a intolerância que poda liberdades. A manifestação em Paris representa um formidável gesto de maturidade. A bem pensar, foi a mais contundente condenação à barbárie e à intolerância. Ao não clamar por vingança. Ao não esconjurar o islamismo, o mundo civilizado testemunhou que a receita para um convívio pacífico e harmonioso entre diferentes não pode se apoiar no terror e nem na eliminação de adversários, mas no respeito e na tolerância. É dar ao outro o direito de pensar diferente sem sentir-se ameaçado. Claro, tolerância não significa deixar impune agressões e transgressões. Convívio civilizado exige respeito às leis e cabe ao Estado vigiar para que normas fossem observadas por todos, indistintamente. A mesma tolerância impõe prudência e discernimento ao externar opiniões. Respeitar alheios sentimentos, não extrapolar na dosagem da zombaria também integram o conjunto da legítima liberdade. Possuir a capacidade de autocensurar-se é sinal inegável de centrada maturidade. Responsável liberdade recomenda que, embora tudo fosse permitido, nem tudo é aconselhável! Mesmo fazendo piada, é preciso saber respeitar sentimentos e suscetibilidades! Insano e bárbaro foi o ataque contra os editores do jornal francês. Injustificável! Formidável e profética foi a resposta do mundo civilizado. Contra absurda selvageria a melhor estratégia é sempre a decidida e serena reafirmação de valores. É pelo bem que se derrota o mal! Respeito é bom e educativo. Que a lição seja seguida e aplicada em quaisquer situações de conflito! RÉVEILLON Todo Homem nasce bom! Sendo intrinsecamente bom o ser humano conserva esta condição. A bondade é indelével! Nenhuma circunstância é capaz de apagar por completo a semente de bondade. Afirmativa intrigante e compreensivelmente contestada, especialmente diante das constantes barbaridades praticadas. Onde encontrar bondade no sujeito que mata friamente e em série? Onde está a bondade no terrorista que faz da decapitação fria do refém um espetáculo macabro com o intuito de chamar atenção para sua causa política ou religiosa? A lista de atrocidades e abusos, infelizmente, não para de crescer e o ser humano parece fazer questão de mostrar-se cada vez mais cruel e irracional! Diante deste desfile de horrores fica, aparentemente, difícil defender a tese da intrínseca bondade de cada ser humano. A reação impulsiva induz a classificar certos cidadãos como piores que bichos. Bichos não torturam companheiros de espécie. Nem matam por prazer! A compreensível repulsa tende a justificar o descaso com que são tratados certos criminosos. É alegada também para justificar linchamentos e a formação de grupos de extermínio. Tudo fica permitido quando um ser humano é visto como bicho! A pessoa de fé apóia-se na revelação bíblica ao propagar que todo ser humano é intrinsecamente bom e nenhum pecado o faz perder esta preciosa qualidade. Atesta a revelação que o Homem é criado à imagem e semelhança de Deus. Pela fé, reconhece-se que cada ser humano carrega em si a imagem e semelhança da bondade infinita de Deus. Esta marca é indelével. O ser humano pode aprontar o que quiser, pode cair nos mais abjetos desvios. Jamais, porém, deixará de ser imagem e semelhança divina. Pela fé se reconhece que por mais deteriorada que esta imagem seja, sempre será possível recuperá-la! Esta é uma das mais alentadoras mensagens que o mistério da Encarnação transmite. Jesus encarnou-se porque acredita no ser humano! Esta abordagem otimista torna ainda mais aguda a triste realidade: o que leva o ser humano a corromper esta bondade original, a deturpá-la com tamanha intensidade a ponto de assemelhar-se mais a um ser irracional que a um ser intrinsecamente bom? Envolver-se em explicações pode ser acadêmica e terapeuticamente interessante. E certamente são muitos os estudos que analisam e explicam os graves desvios de comportamento. O foco, todavia, permanece na defesa da bondade intrínseca do ser humano. Se mesmo quem aceita a revelação divina encontra dificuldades para digerir e pautar-se por esta verdade, que dirá quem desconsidere a intervenção sobrenatural? A experiência humana comprova que a maldade sempre gera mais maldades, crueldade mais crueldades. Partindo, pois, do pragmático interesse de reduzir o número e o grau de brutalidades, conclui-se que a flexão para baixo na curva da maldade só vai se verificar a partir da decisão de tratar o ser humano reconhecendo e respeitando sua intrínseca bondade, independentemente da situação em que se encontra. Embora coerente, a decisão de incondicionalmente tratar bem o semelhante esbarra, claro, na dificuldade prática de executá-la. Como tratar bem um facínora? São inúmeras as objeções que justificam a resistência. A mais eloquente é o fato de a recuperação ser sempre lenta, quase imperceptível. Prefere-se, então, a agressividade da extirpação ao cuidado com a correção. É a mentalidade que precisa ser mudada. Repressão e punição isoladas não diminuem o índice de criminalidade. Se a aspiração para um mundo sem maldade for sincera, é preciso que se mude de estratégia! E mudança de estratégia pressupõe mudança de princípios. Avanços duradouros exigem paciência, convicção e persistência. Entendimento o ser humano possui. O que lhe falta é a legitima paciência, fruto de discernimento profundo. Está comprovado, o bem nasce de outro bem! Confirma-se uma das mais antigas e universais regras de comportamento, conhecida justamente como a regra de ouro: dar aos outros o mesmo tratamento que se espera deles receber. Regra esta que o próprio Jesus Cristo não somente solenemente chancelou no Sermão de Montanha, como também ousou dizer que no seu cumprimento se resume toda a revelação divina. Réveillon lembra o despertar. Auspicioso será o ano que começa se cada cidadão despertasse para a magnifica realidade da inerente bondade presente no semelhante. E agisse de acordo! FELIZ ANO NOVO! INOCENTES A criança estava somente correndo! Foi a reação de uma mãe contrariada ao ser solicitada educadamente para segurar sua filhinha que corria pela nave da igreja durante uma celebração religiosa. Pergunta-se: é correto criança correr na igreja durante a liturgia? É a platéia que está errada ao se aborrecer com uma criança inquieta durante a exibição de um filme? Em ambas as situações não é a criança que está errada, não é o celebrante que é exigente demais, não é a congregação que se vê prejudicada pela agitação da criança, mas seus responsáveis por se omitirem em educá-la. Obviamente, a orientação não pode ficar restrita somente ao tempo que a criança está na igreja ou em qualquer outro logradouro público. Deve ser feita em casa, com paciência, carinho e sistematicamente! A impressão que sobressai hoje, falando de uma forma geral, é que os pais, por algum motivo, estão deixando de lado uma das principais responsabilidades que lhes é própria e intransferível: educar os filhos. Educar não é somente mandar à escola. A escola alfabetiza. Como comportar-se a criança aprende em casa. Tarefa exigente, mas indispensável. Alertam os educadores que a instrução dos pais é insubstituível. A escola e a igreja representam suporte compensatório. A estes cabe complementar e, possivelmente, aperfeiçoar o que se aprende em casa. Professores e catequistas jamais conseguirão substituir a lacuna provocada pelo básico aprendizado familiar. O comportamento das crianças, em várias situações de convívio social, e sempre falando de forma genérica, parece confirmar o distanciamento entre pais e filhos em matéria de educação comportamental. Tenta-se explicar esta lacuna pelas exigências impostas sobre os pais pelo ritmo moderno de vida. Pai e mãe são obrigados a trabalhar para poder oferecer sobrevida decente à família. Escasso é o tempo, e, às vezes, até a disposição, para dedicar-se aos filhos. Embora real e grave esta situação, não se pode esquecer que a omissão dos pais na educação de filhos pequenos é irreparável. É próprio da criança querer aprender. Ora, se não aprende com os pais, vai se informar com outros agentes, nem sempre corretos, nem sempre bem intencionados e interessados em sua genuína formação. O ônus final, portanto, desta omissão, além de previsivelmente caro, recairá inevitavelmente sobre os ombros dos genitores. O tempo e a atenção que não foram dedicados na tenra infância terão que ser recompensados, e com juros, mais na frente. Criança mal educada certamente causará dissabores para a família. Entre as muitas violências cometidas contra as crianças, as mais graves são certamente a falta de orientação e o desinteresse para acompanhar o progresso. A criança tem direito a aprender o que é certo. E ninguém melhor que os pais para ensinar e dar exemplo. Vale, novamente, destacar a alerta dos educadores, as crianças são naturalmente curiosas, voyeurs, como se diz tecnicamente. Querem aprender e, geralmente, aprendem com o que vêem. Criança aprende imitando! Este detalhe deve despertar nos pais uma atenção sobre sua própria conduta, sobre as reais preferências que adotam na vida. A criança pode até cumprir o que os pais mandam, enquanto estiver sob a sua tutela. Basta, porém, os pais virarem o rosto, a criança segue o caminho que quer. Discurso não faltou, faltaram convicção e exemplo. Percebe-se este detalhe com clareza no campo religioso. Os pais obrigam os filhos a fazer catequese, mas eles mesmos dão pouca importância à vivencia religiosa. Ou, no máximo, suportam participar, preocupados apenas em fazer os filhos cumprir etapas. Passada a festa da Primeira Comunhão, filhos e pais somem da igreja. Julgam-se quites com as obrigações religiosas. Educar é tarefa árdua, exigente que repousa fundamentalmente em convicções. Não é raro verificar, quem instrui se aflige mais que o instruído, porque sabe que vai contrariar interesses e causar dissabores. No entanto, prefere ser temporariamente abominado que deixar na ignorância. Omitir-se é, sem dúvida, uma das falhas mais sérias de um educador e indubitavelmente uma das mais graves faltas de amor e de consideração. Não é autêntico o amor que recusa corrigir! As crianças são inocentes. São receptivas. É fascinante, embora exigente, a missão de ensinar valores às crianças e acompanhar para que sejam assimilados e praticados. E os pais devem ser os primeiros a reconhecer que esta tarefa lhes é própria, por direito e por afeto. Zelosos e corretamente ciumentos, não a delegam. Imensa é a satisfação ao acompanhar um filho crescer em sabedoria e amadurecer em responsabilidades! DUAS PEÇAS Manjedoura e cruz! Peças intimamente ligadas e consequentes na vida de Jesus Cristo. Não se compreende corretamente a manjedoura sem a sua estreita relação com a cruz! Não se assimila plenamente o nascimento de Jesus sem relacioná-lo com a oferta de sua vida. Jesus não veio ao mundo para fazer turismo. Assumiu a condição humana para poder doar-se por completo e, dessa forma, resgatar a humanidade. E ensinar, de maneira contundente, que a regeneração da humanidade passa necessariamente pela disposição de aproximar-se do outro e de amá-lo generosamente. Vazia e desfocada fica a celebração de Natal se permanecer alheia a esta íntima e profunda lição de vida que o Filho de Deus traz. Neste sublime exemplo de aproximação e doação repousa o hábito de trocar presentes no Natal. Alcança sentido verdadeiro o hábito de intercambiar presentes quando carrega embutida a disposição de aproximar-se e de doar-se ao semelhante. Pena que a maciça comercialização da época tende a desvirtuar o sentido, induzindo as pessoas a pensar mais no presente que na abertura para o semelhante. Todo mimo se torna realmente valioso quando acompanhado por sincero desejo de caminhar sempre ao lado do amigo presenteado. Um Filho nos foi dado, exalta a liturgia natalina. A encarnação do Filho de Deus expõe a seriedade e o compromisso divinos para com sua criatura privilegiada. "Amou tanto Deus a humanidade a ponto de doar seu próprio Filho"! Ao nascer, Jesus encarna o amor divino. Um amor que não se esgota em discursos e promessas, mas que se manifesta em gestos concretos de serviço e de misericórdia. Por onde passa, Jesus faz o bem, não de forma paternalista nem de maneira demagógica. Não procura seus próprios interesses. Recusa tirar vantagem da popularidade. E comprova a genuína dedicação quando livremente oferta sua vida para regenerar a humanidade corrompida! "Não há maior amor que dar a vida pelos outros ... e EU dei a vida por vocês!" Jesus assumiu corpo humano para, literalmente, doar-se por inteiro tanto a quem o reconhece como Salvador como a quem o ignora. Por meio deste inusitado gesto, ensina que o caminho para a restauração da humanidade passa pela incondicional doação e pela sincera aproximação ao outro. Alcança o ser humano sua verdadeira nobreza quando aprende a enxergar o semelhante e amá-lo pelo intrínseco valor da caridade. Significativamente, na véspera da sua voluntária imolação o Senhor Jesus instituiu a Eucaristia como memorial da sua vida e da sua obra redentora. Com profundo significado, o Mestre transforma pão e vinho em seu Corpo e Sangue com o explícito objetivo de serem consumidos. Em forma de pão, seu Corpo é doado e consumado! Na missa, pela obra do Espírito Santo, assim como aconteceu na Galiléia quando uma virgem concebeu e deu carne ao Filho de Deus, pão e vinho são transformados no Corpo de Cristo para serem consumados. Aproximação e doação mais plena impossível! Literalmente, a Segunda Pessoa da Trindade Santa, veste a carne humana para mostrar às pessoas que o remédio para reerguer a humanidade decaída passa necessariamente pelo amor-doação. Não captar esta sublime verdade equivale a não entender quem é Jesus e que missão veio realizar na terra. É celebrar o Natal de uma maneira completamente desfocada e totalmente estéril! Explica-se por que passam tantos natais, com tão efusivos abraços, sem que a fraternidade realmente aconteça. A vida cristã é configurada pelo convívio e pela prática do amor doação, pela caridade para usar um vocábulo preciso! Ao crer em Jesus, o discípulo adota a caridade como regra de vida, com a mesma convicção, talvez fosse mais preciso dizer, com a mesma obstinação, do Mestre de Nazaré. No Natal não se celebra uma data. Celebra-se um mistério: o Filho de Deus se aproxima da humanidade de uma maneira singular com o único objetivo de doar-se para regenerá-la. Celebra o Natal quem entende e adota a lição do presépio: aproximar-se para doar-se. Manjedoura e cruz! Duas peças correlatas na revelação do único e sublime mistério: o transbordante amor divino pelo ser humano! FELIZ NATAL! LUTA POR ESPAÇOS Fala-se muito em direitos. Particularmente, em tempos recentes, a sociedade contemplou uma espécie de surto de iniciativas por parte de vários grupos ditos minoritários reivindicando reconhecimento. Acompanhou a população, entre outras, a luta pelo direito da união civil entre homossexuais e, como corolário inevitável, o pleito pelo direito dos mesmos adotar ou mesmo gerar filhos, usando modernos recursos de fertilização. Mais recentemente, debate-se sobre o direito de escolher a hora da morte. O impacto que essas iniciativas inovadores exercem sobre a sociedade contemporânea é compreensível. A população, tradicionalmente conservadora, se vê assustada e confusa, incerta e receosa quanto aos desdobramentos possíveis de todos esses movimentos reivindicadores. A introdução desses reconhecimentos mexe, evidente, com o compasso da sociedade e provoca um sem número de questionamentos. A história pelos direitos humanos é antiga. Já na época do império romano, os estóicos tratavam do assunto. Formularam a doutrina que defende a existência de um código de conduta e tratamento humano, baseada no simples fato das pessoas serem gente. Partindo da premissa da universalidade da raça, os estóicos defendiam que todo ser humano, pelo fato de ser humano, possui direitos inalienáveis. No começo da Idade Média, o parlamento inglês também elaborou decretos que pretendiam defender o cidadão contra os caprichos da monarquia. Durante os anos sombrios da Idade Média, pouca importância foi dada a esses direitos, tanto pelo poder civil como religioso. O desrespeito e a prepotência das autoridades culminaram na erupção da revolução francesa que pretendeu entronizar o ser humano e assegurar como base de qualquer direito o tripé, liberdade, fraternidade, igualdade. Embora a doutrina fosse reconhecida como válida, sua aplicação foi manipulada segundo o gosto da autoridade em exercício. Arbitrariedades não faltaram. Finalmente, a Assembleia Geral das Nações Unidas, recuperando-se das feridas da Segunda Guerra, em 1948, conseguiu formular uma Declaração de Direitos Universais do ser Humano. Repara-se que o conjunto de propostas ficou definido como declaração, perdendo o peso de um estatuto que obrigasse os signatários a observar suas disposições. Nesta condição de Declaração, o conjunto é propositalmente poroso, admitindo dúbias aplicações. Significativo também lembrar que o único país a não assinar a Declaração foi a então União Soviética. Este pequeno histórico ajuda a entender que a luta por direitos sempre esteve inerente à marcha da humanidade. A liberdade, na verdade, é um dos mais nobres e inalienáveis predicados da condição humana. E o direito de garantir o próprio espaço é consequência óbvia da liberdade. É justamente aí que começam os conflitos e emerge a imperiosa necessidade de formular códigos de comportamento capazes de assegurar digno espaço para as várias tendências. A questão básica e intricada sempre é: a que fundamentos recorrer para estabelecer esse código? Que valores podem ser considerados verdadeiramente universais a ponto de garantir digno espaço para todos os vertentes e, simultaneamente, os obrigar a respeitar o espaço alheio? Na evidente dificuldade de conseguir consenso a respeito dessas básicas premissas, alguns sugerem o recurso à consulta majoritária para estabelecer espaços. O que a maioria decidir ficará estabelecido. A estratégia é evidentemente inconsistente, dada a flexibilidade e a suscetibilidade da opinião coletiva. Situações pontuais e de caráter predominantemente emotivo exercem influências consideráveis. Não é pelo fato de a maioria da população mostrar-se favorável a determinadas propostas que as mesmas passam a ter status de direito. O desafio persiste: encontrar princípios universalmente aceitos e que sirvam de base sólida para estabelecer direitos de indivíduos e de grupos. Fundamentos, aliás, que valem não somente para a esfera acadêmica, mas que prestam, igualmente, para moderar comportamentos. Que todos os segmentos tenham garantido seu espaço é salutar tendência na cultura moderna. O que não se tolera é um segmento impor como verdade absoluta suas preferências e, presunçosamente, achincalhar quem pensa diferente. Afinal, a liberdade de um termina onde começa a liberdade do outro. Direitos e espaços é questão de equilíbrio e respeito. LÂMPADAS ACESAS Costume antigo. Forças-tarefas preparam a chegada de dignitários! Este hábito remonta ao tempo do império romano. Toda vez que o imperador estava por passar por alguma região, um pelotão de oficiais era designado para preparar a passagem do ilustre comandante. Como os imperadores romanos se consideravam divindades, a acolhida - o advento - tinha que ser digna de um deus! O cristianismo, ainda na clandestinidade, suportava esses ritos pagãos. Ao sair da clandestinidade e reconhecendo a incompatibilidade de conviver com hábitos profanos, o cristianismo tratou de adaptar os costumes do império aos ritos da fé. Dessa forma, transformou os festejos do solstício do inverno na celebração do nascimento de Jesus! Os pagãos celebravam o nascimento do deus sol que, terminado o outono, iniciava sua jornada luminosa. Para os cristãos, a luz verdadeira que sempre brilha é Jesus Cristo. Assim, aproveitavam os feriados do solstício para celebrar o nascimento de Jesus. Ora, se os romanos preparavam a chegada de seus imperadores, deuses fajutos na concepção cristã, por que não preparar também a chegada do verdadeiro Deus, Jesus Cristo, feito homem? Nasce, assim, o tempo litúrgico do Advento, cujo foco é preparar a vinda do Salvador. Enquanto os romanos se preocupavam apenas em destacar e bajular o imperador e suas espetaculares conquistas, a mística do Advento cristão se ocupa com a preparação espiritual do fiel. Afinal, a passagem do Redentor só encontra sentido se Ele for acolhido na vida do discípulo. Pouco resolve destacar a excelência do Príncipe da Paz se, na realidade, Ele não encontra abrigo no coração do crente. O clima místico do Advento é, compreensivelmente, pontuado com o apelo à vigilância. Ao motivar o cristão a permanecer de olhos abertos ante a chegada do Messias, a liturgia pretende induzir o fiel a reconhecer a natural incapacidade de compreender suficientemente os atos divinos. Inadmissível é a pretensão de quem imagina absorver os atos divinos. As iniciativas divinas são sempre muito superiores à capacidade cognitiva do ser humano. Diante deles cabe à mente humana a disposição humilde de contemplar. Ao reconhecer que nunca será capaz de assimilar plenamente as iniciativas divinas, a mente humana permanece alerta a novas intuições. Muitos, infelizmente, se satisfazem apenas com o enredo, estacionam na narrativa do nascimento. Ao imaginar que já conhecem tudo, se desinteressam em celebrá-lo com a devida propriedade. Perdem a reverência e a admiração. Deixam de contemplar. O nascimento de Jesus sai do contexto de mistério e passa a efeméride, simples data do calendário. Emerge, então, a dimensão prática do apelo para vigilância. Se o vigilante cochilar, o risco da invasão aumenta consideravelmente. O próprio Jesus recorre a analogia, ao alertar sob o risco de ter a casa invadida por ladrões, caso o vigilante se entregue ao sono. A advertência vale igualmente para o campo espiritual. Se o fiel afrouxa a reverência e a contemplação começa a passar por sérios riscos de ver enfraquecida sua vivência religiosa. Outros valores, à semelhança de um ladrão esperto que se aproveita do descuido, invadem silenciosamente a alma e a limpam de suas espirituais riquezas. A advertência não é meramente retórica. Nem ritualmente rotineira. É real. E pode ser conferida pelo atual clima do Natal. As imagens religiosas do presépio, de menino Jesus, estão sendo substituídos por outros 'idolos', tipo Papai Noel, duendes, ceias fartas. A celebração religiosa perdeu espaço para a ceia natalina, descaracterizando por completo a sua singularidade. Cochila a família cristã ao aceitar resignadamente a invasão de valores profanos. Dorme a comunidade cristã ao resignar-se perante as imposições da laica sociedade moderna. O ladrão está sorrateiramente levando embora riquezas espirituais e a comunidade de fé nem está se dando conta! Ao contrário, justifica o cochilo! Jesus Cristo, o único e verdadeiro Salvador da humanidade, está chegando. Ele vem para salvar! E como a humanidade precisa deste Salvador! Está na hora de despertar do sono. Está na hora de abrir os olhos, fazer detida varredura, expulsar as nocivas intromissões e recuperar as verdadeiras riquezas. À semelhança do diligente vigilante, enorme será a satisfação e gratificante a recompensa quando, ao passar, o Redentor encontra seus discípulos acordados, com lâmpadas acesas! COMPARTILHAR Ato exclusivamente humano é celebrar! Atitude intrinsecamente positiva e bonita é querer partilhar sentimentos e emoções. É inerente à condição humana comunicar-se. O instintivo hábito de compartilhar experiências e sentimentos explica essa peculiar prerrogativa do ser humano, o gosto, a satisfação, a necessidade de celebrar. Somente o ser humano celebra suas efemérides. Animais não celebram. Compartilhar, portanto, é qualidade distintiva da identidade humana. Com o advento da tecnologia digital ficou mais fácil as pessoas compartilharem entre si sentimentos e emoções. As modernas ferramentas disponíveis favorecem sobremaneira esta vocação comunicativa, reduzindo drasticamente tempo e distância. Este formidável avanço, universalmente acessível, agilizou, sem dúvida, a comunicação entre as pessoas. Paradoxalmente, a facilidade e a praticidade no uso dessa tecnologia começam a criar situações embaraçosas e preocupantes. É comum ver pessoas tão absortas em seus aparelhinhos portáteis que, mesmo estando em lugares públicos, ignoram completamente vizinhos mais próximos, desinteressados que estão pelo que acontece em volta. A ferramenta que, em tese, foi pensada para aproximar pessoas começa a levantar barreiras entre vizinhos! Esta fissura na digitalização instantânea está levando as pessoas a perderem noção da realidade. Prioridade absoluta passou a ser manter-se conectado em tempo real! E por conta desta obsessão o cidadão está perdendo a noção de espaço e de civilidade. Não há, convenhamos, nada mais desagradável que estar na companhia de amigos que, no entanto, se entretêm mais com seus aparelhinhos que com a conversa dos presentes. Fala-se, passam-se mensagens e fotos em qualquer situação, a qualquer hora, em qualquer ambiente. Se vê gente digitando ao volante enquanto dirigem. Durante celebrações religiosas, inclusive! O cúmulo do desrespeito! E na maioria das vezes, trata-se de assuntos fúteis. Francamente, nenhuma urgência justifica tamanha irresponsabilidade. Este tipo de descontrole é claro indício que algo vai mal com o ser humano. Ilusão pensar que a tecnologia de comunicação está contribuindo para socializar o cidadão. Curiosa realidade emerge ao se observar com atenção a conduta das pessoas; uma ferramenta cujo prudente uso se prestaria sobremaneira para aproximar cidadãos, não importa onde se encontram, está denunciando um crescente isolamento. A autoestima em baixa, que aponta para uma aguda carência afetiva, aliada à ausência de um consistente projeto de vida levam as pessoas a sentirem-se seguras somente entre suas ‘tribos’. Temores e receios, desconfianças e preconceitos estão induzindo as pessoas a encolherem-se, criando barreiras a impedir novos convívios e alargar fronteiras reais de amizades. Ao isolar-se em seu particular aparelho, o cidadão ostensivamente se blinda. Esta restrita afinidade apresenta como consequência palpável o descaso para com o vizinho ocasional e o pouco caso por ambientes e horários. E como consequência latente, denuncia uma desmedida superficialidade. Não é a ferramenta que não presta, é o seu uso irracional. Na suposta necessidade de manter-se conectado está se perdendo a noção da individualidade e da privacidade, tanto própria quanto do outro. A falta de critério no uso desses aparelhos, favorecida evidente pela sua popular disseminação, acentua a insana agitação que toma conta do ritmo moderno e, ao mesmo tempo, incrementa a vulgarização de assuntos. Não é toda informação que merece ser comentada instantaneamente. Nem, em tese, o destinatário estaria sempre disponível para atender os caprichos do comunicador. Nada disso é relevante, diante da obsessão de manter-se conectado. Comunicar-se é preciso. Compartilhar sentimentos e emoções, impulso inerente à condição enobrece amizades e estimula convívios. A moderna tecnologia proporciona meios formidáveis para agilizar e facilitar compartilhamentos. Para fomentar convívios, portanto! E avivar celebrações em contexto real! Deixar de usar esses novos recursos é evidente sinal de descompasso com a realidade. Deixar-se enfeitiçar e ser dominado por elas representa, por outro lado, inadmissível escravidão, deplorável desumanização. Festejemos os avanços tecnológicos, usemos as ferramentas disponíveis para compartilhar emoções e sentimentos em vista de uma celebração real da vida e do convívio amigo! EQUILÍBRIOS Apareceu um profeta! E não foi em nenhuma igreja. Nem focou assuntos estritamente religiosos! Suas colocações, todavia, possuem conteúdo suficientemente capaz de provocar sérias reflexões e orientar comportamentos. Todo profeta, afinal, é instigante provocador! Fiquei sabendo desse profeta por meio de uma reportagem de jornal que cobria um acidente grave acontecido recentemente no Rio de Janeiro. Um caminhão do Corpo de Bombeiros ficou desgovernado, tombou e avançou numa lanchonete popular. Felizmente ninguém se machucou com gravidade. O que chamou mesmo a atenção, estranhamente, foi a destreza do responsável pelo serviço de garçom no estabelecimento. Registrava a reportagem que mesmo diante do pânico e tumulto causados pelo sinistro, o dito garçom teve a serenidade e o equilíbrio necessários para não derrubar o copo de suco que carregava na bandeja! O que no contexto apareceria um detalhe insignificante, ou até mesmo sarcástico, se revelaria, em seguida, como uma atitude de fina responsabilidade e admirável profissionalismo. Entrevistado, o garçom candidamente explicou que se, na hora, deixasse cair o copo os fregueses, em correria, poderiam pisar em cacos e, ao se ferirem, agravar o pânico! Emerge das subsequentes conversas a figura de um profeta para o nosso tempo. O garçom não fala de Deus nem de religião, mas o seu depoimento é uma bela lição de vida. Fica-se sabendo tratar-se de um imigrante nordestino, radicado no Rio de Janeiro, em busca de melhores condições de vida. Ainda jovem começou a trabalhar como empacotador num supermercado, onde descobriu um traço peculiar de sua personalidade: o gosto de lidar com pessoas. Percebeu possuir uma inata facilidade para comunicar-se. Profeta é um comunicador por excelência! E sem selecionar auditório. Positiva, sua mensagem envolve a todos! Revela o garçom, na conversa, que enquanto os colegas privilegiavam clientes de posse, ele dava preferência à fidelidade da clientela. Saber tratar bem cliente fiel é sábia e rentável estratégia, pondera. Buscando melhorar de vida, ingressou num curso para garçom, onde aprendeu com um instrutor exigente não somente a habilidade de equilibrar a bandeja, mas também as consequências na vida real de um eventual escorregão. Além de prejudicar o cliente, garçom que derruba copo perde a autoestima! Repetia o instrutor: se caiu uma vez, vai cair de novo! Atenção e foco são pressupostos necessários para evitar escorregões! Pontual advertência! Naturalmente, a conversa avança para o aspecto profissional da vida. Com simplicidade eloquente, o garçom pondera que progride na profissão, qualquer profissão, quem se identifica com o que faz! Observa que, atualmente, bom numero de trabalhadores procura aqueles empregos que melhor remuneram. Por causa disso, raramente se fixam num emprego. Vão trocando de ramo, permanecendo superficiais no que fazem, sem jamais profissionalizar-se, no sentido correto do termo. A melhora no salário, ensina, não deve ser o primeiro objetivo, mas a consequência de um trabalho dedicado bem feito. Tudo o que se faz com carinho e dedicação dá certo, enfatiza o garçom! Oportuna profecia! Este discurso ganha peso e valor a partir do que se observa na conduta do garçom em pauta. O turno do rapaz termina as 19h, mas ele nunca sai do estabelecimento antes das 21h, porque quer deixar tudo no lugar para os companheiros que entram no turno seguinte. À noite, o serviço é bem mais agitado e exigente. Intui a necessidade de colaborar com os companheiros e, espontaneamente, presta-lhes este auxílio! Fantástica profecia, num mundo onde se fala tanto de direitos e tão pouco de solidariedade! Este jeito espontâneo e comunicativo granjeou-lhe a simpatia dos clientes e dos próprios colegas. Quando aparece freguês 'gringo' ou algum cliente com dificuldade de expressar o que realmente deseja, os colegas o chamam para ele 'desenrolar'. E nosso garçom revela o segredo da empatia: gosto de ouvir, de dar atenção, de ajudar o cliente a encontrar o que procura! Cliente gosta de ser bem tratado, simples assim! Todo ser humano gosta de receber atenção e a merece! Oportuna profecia numa sociedade tão marcada por uma insana pressa e por uma obsessão doentia por produtividade, agudos desvios que induzem a selecionar clientes, de uma formar arbitrária e não raramente frustrante. Firme na condução da bandeja, equilibrado na visão de vida, nosso garçom profeta provoca e premune! ADEUS, MUNDO Brittany Maynard escolheu a hora para morrer! A divulgação e a publicidade dadas a essa decisão desencadearam, compreensivelmente, um acalorado debate focando os vários aspectos que envolvem o caso. Com destaque evidente à questão moral. Como se sabe, a Sra. Maynard, jovem esposa de 29 anos foi diagnosticada no começo do ano, logo após o seu casamento, com um agressivo tumor cerebral. O diagnóstico foi cruel: o tumor era incurável e, em sua forma agressiva, provocaria fortes dores que demandariam medicação igualmente forte, de efeito, porém, paliativo. Diante do sinistro diagnóstico a jovem decidiu antecipar a hora da morte. Mudou-se para o Estado de Oregon, onde este tipo de opção é permitido e no último dia 1º de novembro, lúcida e na companhia de seus entes queridos, tomou um coquetel de barbitúricos e despediu-se do mundo! A repercussão do episódio, patrocinada pela própria Maynard com seu depoimento no FaceBook, com mais de 9 milhões de visitas, estimulou mais ainda o debate. É impossível ficar neutro diante de um acontecimento dessa envergadura. Por outro lado, devem ser evitados palpites precipitados e julgamentos categóricos. O delicado caso exige ponderação e uma abordagem respeitosa, deixando espaço para ulteriores amadurecimentos. É preciso afirmar, como ponto de partida, que a decisão pela morte assistida é estritamente pessoal, e condicionada, nos Estados Unidos, a uma série de rigorosas disposições prévias. O diagnóstico fatal precisa ser confirmado por uma junta médica. O paciente recebe assistência psicológica. O pedido precisa ser feito três vezes pelo paciente, observando intervalos de trinta dias entre cada solicitação. E quando chega o fatídico dia, é o próprio paciente, sem ajuda de ninguém, que toma o remédio. Há casos em que todas as disposições legais são observadas, mas quando chega o momento de ingerir o coquetel, o paciente refuga! Reserva-se ao paciente a possibilidade de mudar de opção até o último momento! Todo este procedimento acurado visa garantir plena consciência e total liberdade ao paciente. Entre tomar a decisão e cumpri-la vai uma distância considerável! Fortíssimo permanece o instinto de preservar a vida! Na teologia moral, a responsabilidade por atos genuinamente humanos é da própria pessoa. Ele responde perante Deus por seus atos e a ninguém é dada a faculdade para julgar! Somente a Deus cabe o julgamento! No entanto, o citado episódio provoca compulsoriamente análises e reflexões oportunas, capazes de iluminar o entendimento e ordenar raciocínios. É consenso entre os estudiosos da bioética, amparados pela orientação da Igreja, que quando a doença atinge fase terminal e irreversível, respeitando sempre a decisão do paciente e de familiares, fica-se permitido dispensar tratamentos paliativos que somente prolongam artificialmente a vida. A este procedimento dá-se o nome de ortotanásia, procedimento médico considerado ético e legal. No caso em pauta, a paciente decidiu por conta própria antecipar este procedimento! Queria poupar a si e a seus queridos inútil sofrimento. Questiona-se, sob o ponto de vista moral, se o indivíduo possui o direito de pôr fim à própria vida. Nas religiões monoteístas é firme a crença que a vida é dom de Deus e somente Ele tem o poder de dar e de a tirar! Em reverência a esta verdade, e em casos semelhantes à que está em pauta, seria presunçoso afirmar que o diagnóstico comprovado de uma doença incurável já não indicaria a vontade divina? Diferente do suicídio, não é o paciente que decide morrer! Complexo e delicado é o assunto e demanda reflexão serena e corajosa. E abordagem responsável. A vida é dom de Deus e a morte não a destrói. A fé cristã professa que o ser humano é imortal e encontra sua perfeita realização na plena comunhão com Deus na eternidade. Conscientizar-se de que se está no mundo de passagem é vital para valorizar cada momento da existência e, simultaneamente, para não cair no equívoco denunciado por João Paulo II de quem se apega obstinadamente à vida, a ponto de recorrer a terapias que não melhoram o estado de saúde do doente nem preservam sua dignidade. Muita gente morre triste, porque morre contrariada. Preparar-se para morrer é sinal claro de apreço pela vida e da convicção de sua dimensão eterna. Adeus mundo, escreveu Brittany Maynard. A Deus o julgamento! FIM QUE É COMEÇO Finados foca vida! Pelo menos do ponto de vista cristão. A dura e indigesta realidade da morte intriga a alma humana. Um olhar, mesmo superficial, sobre as várias culturas, inclusive as primitivas, revela quanto esta realidade está presente na vida das pessoas e ocupa seu pensamento. O ser humano sempre procurou descobrir se há algum significado nesta sinistra realidade. Em resumo, o Homem não se conforma com a realidade da morte. O contato constante com a natureza induziu as primitivas culturas a compreender que a morte das espécies sempre resulta em vida posterior mais abundante. O consumo de uma fruta favorece a multiplicação das sementes. A caça entre os animais assegurava a sobrevivência das espécies mais robustas. Se em todas as espécies a morte é geradora de uma existência mais abundante, pela lógica, fica legítimo inferir que assim também deve acontecer com a raça humana. Elaboravam-se teses e doutrinas variadas expondo o que se imaginava ser a continuação da vida após a morte. De uma forma progressiva, firma-se o conceito da prolongação da vida após a morte física. Ao distanciar-se da terra, o raciocínio humano ficou mais abstrato e, curiosamente, intensificaram-se as dúvidas a cerca da vida após a morte. Hoje, cientistas de destaque, em especial na área da neurociência, descrêem enfaticamente na possibilidade da vida após a morte. Baseados em suas experiências científicas rechaçam categoricamente qualquer possibilidade da imortalidade da alma humana. Essas teses provocam, compreensivelmente, desdobramentos no pensamento e na conduta das pessoas. Se finda com a morte, a vida tem que ser aproveitada ao máximo, sem nenhuma preocupação com a ética e a justiça. Progride quem é mais forte. Ou mais esperto. Atraente e amplamente seguida, esta maneira de pensar e de viver tem sido a causa de notórias confusões e sérios conflitos entre cidadãos. Não obstante, persiste o inato impulso em direção à vida. Somente de uma forma excepcional, o ser humano opta por encurtar deliberadamente a vida. A inclinação natural é querer preservar e esticar o mais que se pode a existência. A inevitabilidade da morte persiste, teimosa! Resultam desta certeza as dúvidas existenciais que tanto atormentam a alma humana. Pois por mais qualificados que sejam seus argumentos e suas experiências, os neurocientistas não conseguem aniquilar o anelo pela vida. Indicação clara que a alma exige uma resposta alternativa. A fé religiosa oferece esta outra perspectiva, complementar, inclusive, à experiência da natureza, tão familiar às culturas primitivas. Pela fé crê-se que não existe morte definitiva, especialmente com relação ao ser humano. Constituído de elementos materiais e espirituais, o ser humano corporalmente morre e se decompõe, mas o seu lado espiritual subsiste. A alma é imortal. A liturgia cristã, numa fórmula precisa, bela e poética, externa esta realidade quando reza que desfeita a habitação terrena nos é dada no céu uma morada eterna. Para quem acredita, o argumento maior que sustenta esta prece é a ressurreição de nosso Senhor Jesus Cristo. Plenamente humano, Jesus, como os demais mortais, passa pela experiência da morte, mas ressuscita! E ao comprovar para seus conterrâneos que não se tratava de um fantasma, mas de uma realidade, Jesus complementa o fato com insistentes referências à vida eterna. Aliás, sua própria vida e missão, sua morte na cruz, não teriam mínimo sentido, caso a vida humana terminasse em pó. Que sentido tem a redenção se, no fim, tudo vira cinzas? Ao fatalismo da ciência, a fé contrapõe a esperança! A dimensão imortal responde ao anseio da redenção plena da existência humana! O dia de Finados tem por objetivo primeiro lembrar a dimensão eterna da vida humana. Ao insistir na imortalidade da alma, a crença religiosa não afronta a ciência. Muito menos pretende anestesiar a consciência! É preciso superar o infundado antagonismo entre fé religiosa e avanço científico. Ao confirmar a aspiração pela imortalidade, a fé reitera a dignidade do ser humano. O homem existe para viver eternamente. O fim da espécie humana não é a decomposição, mas a glória. Dietrich Bonhoeffer, eminente teólogo alemão, na iminência de ser morto pelos nazis, escreve: é o fim ... para mim é o começo da vida verdadeira! INTEGRAÇÃO Vitória política tem consequências! Confirma-se o sensato adágio: voto não tem preço, tem consequências. O Brasil sai de uma eleição definida como uma das mais apertadas, aguerridas e controversas. Principalmente, pelas estratégias adotadas de desconstruir adversários e explorar preconceitos. Ao longo da campanha, os candidatos deixaram-se catequizar pelas orientações de marqueteiros e foram contundentes em ataques a adversários, extrapolando, não raramente, os limites da boa educação. Cabe um comentário sobre marqueteiros, profissionais que se destacam principalmente em campanhas eleitorais. Comenta-se que, em política, os marqueteiros se pautam por um princípio inquestionável: dividir para conquistar. Adeptos desta estratégia, se blindam contra escrúpulos e códigos éticos e apelam para fofocas, mentiras e insinuações a alimentar os mais baixos instintos do eleitorado. Reconhecem estar sendo pagos para assegurar vitórias e não para promover princípios morais! É a mais cabal confirmação do axioma dos fins justificando os meios! O que importa é ganhar! A curto prazo, a doutrina funciona, pois garante êxito. Mas, como administrar estragos e mágoas que inevitavelmente seguem a infame estratégia? São as consequências mais indigestas da vitória! Acalmado o sentimento de euforia pela vitória, superada a decepção com a derrota, despontam a razão e o bom senso. Começa-se a avaliar como, na verdade, meios impróprios têm validade curta. Ajudam a conseguir a vitória, mas, e o depois? No nosso caso particular, finda a eleição, emerge, segundo comentaristas e analistas políticos, um país dividido. As porcentagens das votações e abstenções reforçam a tese do fraccionamento. Apontam-se os vários aspectos da divisão. A mais evidente é a fragmentação política, consequência das várias alianças celebradas, arranjadas ou desfeitas ao longo dos dois turnos, em apoio a um e a outro candidato. Comenta-se que o ocupante da cadeira presidencial pode muita coisa, mas não pode tudo. Sem o apoio do Congresso, o Executivo pouco pode realizar de efetivamente benéfico e duradouro. É preciso reaproximar-se de desafetos ou desprestigiados. É preciso superar ressentimentos e rixas! É preciso 'converter' deputados e senadores para as causas da nação. Em tese, o diálogo é bonito e recomendável, mas, na prática, é difícil e o custo pode ser alto. Torce-se para que não se engavetem a ética e a decência. Torce-se para que o diálogo não descambe em balcão de negócios e de arranjos. Torce-se para que deputados e senadores compenetrem-se que são delegados do povo e honrem mandatos e juramentos! Ajuda sobremaneira neste processo de resgate ético e patriótico a vigilância cidadã e a atuação de uma imprensa livre e independente! Divisão outra, mais grave ainda, é a do sectarismo, tão triste e descaradamente explorado na recente campanha política. A divisão de classe existe e é resultado de séculos de exploração e de prepotência. São profundos os ressentimentos entre cidadãos que durante séculos se enxergaram explorados, injustiçados e relegados ao mais degradante esquecimento. Esta é uma mácula triste a manchar a história de um povo, famoso e admirado pela hospitalidade, simpatia e descontração. Mais deprimente, evidente, foi explorar esse ressentimento para fins eleitoreiros. A eleição, em boa parte, representou uma disputa entre regiões geográficas, marcadas por desigualdades de oportunidades, de renda, de gênero. Na grade de marketing político não existem as matérias de ética e de decência. Se existam, os marqueteiros fazem questão de faltar nessas aulas! Cutucar perversamente a ferida da desigualdade foi profundamente lamentável. E desastroso. Atraso inevitável no salutar trabalho de integração nacional. Já aparecem nas redes sociais provocações estúpidas, a fomentar ainda mais antagonismos obtusos. Essa sinistra consequência precisa ser logo superada. A ninguém beneficiam animosidades. Desigualdades não se superam com hostilidades, ressentimentos e preconceitos. Desigualdades se superam com atitudes concretas e dignas de respeito e de autêntica solidariedade. A hora agora é de mudar para melhor. O povo votou porque quer melhorias. Diferenças político-partidárias e traços regionais só devem ficar em evidência quando postos a serviço da construção e da divulgação de um Brasil integrado. Só interessa agora caminhar em direção do progresso, da prosperidade e da paz! CLIMA DE ORAÇÃO Ora a pessoa de fé!Quem em Deus acredita, naturalmente põe-se em oração. Por outro lado, nem todo jeito de orar é manifestação de fé autêntica. Isto explica a sensação de angústia e de incerteza que pessoas que rezam frequentemente experimentam. Atormenta-as a dúvida se estão rezando direito! Se sua prece está sendo atendida. Seriamente aflitas e sinceramente desejosas de serem atendidas em suas necessidades, querem saber o que precisam fazer para rezar direito. Esta situação de compreensível angústia cresce em dramaticidade, especialmente quando o objeto da oração é urgente ou de especial relevância na vida da pessoa ou de sua família. Inquieta e impaciente, a pessoa busca aquela oração ‘poderosa’ que, em seu entendimento, será capaz de garantir a graça solicitada. Espalham-se por aí muitas dessas rezas e novenas supostamente infalíveis! Ora, ninguém melhor que o Senhor Jesus para orientar a respeito da oração. Os evangelistas registram que Ele costumava recolher-se com frequência para orar, em especial em momentos de particular relevância. Pelos registros é possível perceber que, ao orar, mesmo em situações de extrema angústia, Jesus se revestia de confiança e de coragem. Na oração o Mestre encontrava inspiração e vigor! A sensação de segura confiança que Jesus transmitia após seus retiros de oração, impulsionou os discípulos a solicitarem ao Mestre que os ensinasse a orar. Eles também deviam ter tido suas dúvidas e questionamentos a respeito da oração. Ao responder, Jesus coloca a oração em sua fundamental dimensão de comunhão com Deus. Este clima de amor confiante é pressuposto preliminar e indispensável na oração. Ensinando, pela palavra e pelo exemplo, a, no ato da oração, tratar Deus de Pai, Jesus põe em evidência esta atmosfera de comunhão e intimidade. Ao destacar o relacionamento Pai/filho, Jesus orienta e estabelece que na oração o clima a prevalecer é de filial e irrestrita confiança. É na condição de filho amado por um Pai incondicionalmente envolvido com seu destino que o fiel coloca-se ao orar. Repara-se como este clima configura, transforma e eleva o compasso da oração. Ao mergulhar-se neste ambiente de filial comunhão, o fiel descansa, confiante e seguro que pousa sobre ele o olhar tenro do Pai. É na condição de filho que se ora. Ao deixar-se infiltrar, no ato da oração, pela angústia ou por outros temores, o fiel deixa transparecer que, em sua vida, o conceito de órfão prevalece sobre o conceito de filho. É com semblante de órfãos que muitos oram, como comprova a coleção de assessórios - velas, fitas,correntes ... - a que se apela para reforçar a prece e chamar a atenção de Deus! Ao insistir em invocar Deus de Pai, Jesus estabelece que o clima a prevalecer na oração seja de extrema ternura e repouso. Já ouvi depoimentos de pais e mães a descrever a reação impulsiva que toma conta de suas entranhas ao ouvir ou pressentir o clamor de um filho. A química é tão profunda que a aproximação se dá por instintiva intuição! Tudo perde sentido e importância diante do apelo por socorro de um filho. Conhecedor profundo da alma humana, Jesus recorda esta química para enfatizar a condição paterna de Deus. Se os humanos, tão inconstantes em seus sentimentos, fazem de tudo para atender os apelos dos filhos, quanto mais o Pai que está nos céus não dará o que é necessário a seus escolhidos e amados. Emerge, então, outra fundamental condição para uma oração proveitosa: a absoluta confiança em Deus. Neste clima de íntima confiança, palavras e fórmulas perdem relevância. Quem se importa com retórica em clima de profunda comunhão. Vale, consola e fortalece a certeza de se estar na presença de Deus-Pai! Que por amar tão generosamente sempre dá mais do que dele se solicita! Orar com fé é mergulhar-se nesta atmosfera de comunhão e confiança. Neste clima de íntimo abandono em Deus a oração descansa e revigora. Livre daqueles penduricalhos artificiais que, de um lado, reduzem Deus à condição de robô programado a responder somente a partir da inserção de determinadas senhas, e, do outro, mantêm o fiel tenso e temeroso, o ato de orar se transforma num prazeroso, descontraído e fecundo encontro entre um Pai irremediavelmente apaixonado e filhos em constante necessidade de socorro! DIÁLOGOS CONSEQUENTES Está difícil dialogar! E se entender! Que o confirme toda pessoa que, por ofício, atende outros cidadãos. As razões evidentemente são variadas. Ocupa a primazia o conflito de interesses. Ao buscar determinada informação, orientação ou serviço, o postulante nem sempre leva em conta a especificidade do interlocutor ou da empresa em questão. Raramente cogita analisar previamente se o que busca se enquadra nas atribuições da empresa. Centrado apenas em seus interesses imediatos, nem sempre atenta ao que a instituição propõe. Ouve, mas não acolhe. Emerge o primeiro sério entrave para um diálogo consequente, a disponibilidade e a capacidade para entender as razões do outro. Focado em seus 'direitos', fica chateado ao não ser atendido. Inconformado, sai falando mal do funcionário ou da instituição porque não quis atender suas solicitações. É a situação recorrente que se enfrenta na Igreja Católica, especialmente com relação à celebração de alguns sacramentos, com destaque ao matrimônio. O leitor ficará abismado ao conhecer algumas das solicitações surrealistas apresentadas por noivos ou por cerimonialistas. São pedidos que expõem o total desconhecimento do caráter religioso e da dimensão sacramental da celebração. O primeiro passo em direção a um diálogo consequente e respeitoso entre pessoas é criar consciência acerca da individualidade de cada parte. Os orientadores profissionais chamam este estágio preliminar de domínio da individualidade. Trata-se da capacidade e da necessidade do indivíduo se propor a elementar questão: Quem sou e que quero? Sem este conhecimento básico da própria individualidade e, subentende-se, da individualidade do outro é impossível estabelecer diálogo proveitoso. Sem perceber, o sujeito fica distante de si mesmo! É a razão porque muitos jovens se frustram com a escolha de cursos profissionalizantes. Formam-se em determinadas áreas para descobrir em seguida que não era bem aquilo que almejavam. Faltou, evidente, o preliminar conhecimento da própria individualidade. Nem sempre é fácil chegar a este discernimento, concede-se. Nem, por isso, deve-se fugir do processo. Encontram-se agentes, em todas as áreas, com formação profissional para orientar e ajudar. Esta consciência da própria identidade é básica e necessária para todas as situações da vida. Se faltar, a probabilidade das pessoas se envolverem precipitadamente em conflitantes situações é enorme. E quando se dão conta da extensão da realidade, balançam. Ou agridem, recorrendo a todas as manhas para impor seus supostos direitos. Ligado intimamente à questão do conhecimento da própria individualidade é o conhecimento da individualidade do outro. Seja este outro, pessoa ou instituição. Importa conhecer as especificações do outro e quais as suas competências. Não é raro perceber que as conversas e as combinações acontecem em frequências diferentes. Usam-se os mesmos termos, mas como as sintonias são diversas o que um lado propõe o outro lado não capta. Estabelece-se a confusão porque as partes ou não se explicam com clareza ou porque um interlocutor deixa de pedir melhores esclarecimentos. Terminologias técnicas ou teológicas nem sempre são as mais indicadas. Como também nem sempre é consolo saber que o interlocutor seja possuidor de diploma universitário. Tampouco resolve passar orientações por escrito. Bom número de pessoas sabe ler, mas não é certeza que entende o que lê. Quando finalmente se consegue chegar a algum entendimento, costuma aparecer outro empecilho agravante. O solicitante entende, acha lógicos os argumentos, mas reluta mudar de opinião ou de exigência. Normalmente por razões sentimentais: fez-se uma promessa, precisa-se agradar uma tia ... Diz que entende, mas insiste no que quer! Volta-se à estaca zero, desfecho lamentável e desgastante! Persistirá o desafio de manter diálogos consequentes caso as pessoas continuem a negligenciar a fundamental tarefa de conhecer, primeiro, a si próprios e, depois, a individualidade do outro. Definir e ajustar essas preliminares respostas corroborará enormemente na qualidade e na eficácia da comunicação e, consequentemente, no respeitoso convívio entre cidadãos. CADEIRA VAZIA Deus não sai de pauta! Artigos, entrevistas e livros questionam a existência de Deus. Filósofos e cientistas renomados, ateus declarados ou agnósticos, apresentam argumentos insistindo em mostrar a inutilidade de um ser divino. Se a discussão ficasse limitada ao campo acadêmico não haveria tanto desgaste. Universidades constituem, afinal, propício espaço para pesquisas e debates. As teses, todavia, costumam extrapolar as fronteiras acadêmicas e chegam à rua. E às salas de ensino médio! Instalam-se, assim, a confusão e a dúvida, em especial em cabeças jovens. Neste campo, os propagadores da inexistência de Deus costumam ser mais ruidosos que seus colegas crentes. Professores de história e de biologia, em particular, enchem a cabeça de alunos com argumentos e demonstrações, algumas flagrantemente incompletas e parciais, a confirmar sua tese. Os motivos para tal agressiva, e subjetiva, investida contra a divindade podem, evidente, ser vários. Não excluo traumas pessoais não adequadamente resolvidos. Sabe-se, quando alguma questão existencial incomoda, uma das posturas mais frequentemente adotadas, é tentar convencer a si mesmo da verdade contrária. Ao questionar ruidosamente a existência de Deus, filósofo, acadêmico ou professor, pode, na verdade, estar querendo abafar a própria consciência. Reconheço, por outro lado, que escritores e cientistas há genuinamente preocupados com a evolução da consciência humana. Julgam que a crença em um ser superior cerceia e poda a autonomia da razão. O ser humano, na opinião desses, alcança dignidade e produção elevadas quando se livra da tutela da divindade. Reconhece-se-lhes o direito de pensar assim e de assim se expressar. É de se reafirmar, por outro lado, que a fé religiosa é questão estritamente pessoal. Não pode ser imposta nem tolhida à força. Por mais consistentes que se apresentem os argumentos contrários, o sujeito reserva para si a decisão de aceitar ou não a divindade. Pode não possuir argumentos para rebater teses científicas, sente-se, porém, mais seguro, mais gente, ao agarrar-se a fé em Deus! Querer cercear esta liberdade é conduta arbitrária, que fere a íntima natureza da ciência e beira patrulhamento ideológico. Alguns docentes insistem, movidos por preconceitos ou por má fé, em deixar constrangidos alunos crentes. Em salas de ensino médio o debate fica desigual ou mesmo antiético, especialmente quando apoiado em informações incompletas ou flagrantemente parciais. Equivocam-se os docentes ao reduzir a opção religiosa à condição de matéria escolar. A crença em Deus é decisão estritamente pessoal, de foro íntimo, e merece ser respeitada. Por mais balizada e progressista que seja a safra de argumentos contrários à existência de Deus, milhões de pessoas, incluindo renomados cientistas e distintos pensadores, mantêm inabalada a fé nele! Ao induzir a sociedade a eliminar Deus, fica subentendido que Ele seja substituído por outro valor transcendente. Que passa a ser, naturalmente, o referencial na existência. Emerge a crucial questão: as alternativas que são postas como substitutivas ao Deus-Amor são satisfatórias? Colocada a questão de outra maneira: os valores indicados como aspirações maiores para a existência humana têm contribuído para deixar as pessoas mais realizadas e felizes? Elevam o relacionamento entre os cidadãos? Garantem a dignidade do ser humano, a ponto dele não ter medo do futuro? As respostas ficam, evidente, a critério de cada pensador. Ao excluir Deus, a mente humana exige colocar um substituto, para servir como referência e motivador da existência. Neste jogo não se admite cadeira vazia! Volta-se à questão chave: o que se tem proposto como valor supremo justifica a troca? Melhora a vida? Curiosamente, o debate entre acadêmicos mudou de foco. Diante do progressivo e difuso esfarelamento de várias instituições, situação a gerar obviamente apreensões e depressões, o pensador questiona até que ponto foi valido enaltecer tanto o materialismo e a secularização! Detonou-se a fé religiosa, decretou-se a inutilidade de Deus, mas o que se propôs como substitutivo ficou muito aquém das reais aspirações humanas! É bom demais Deus não sair de pauta! Ao ser questionada sua existência, o crente sente-se impelido a responder e a demonstrar, pelo testemunho sereno de vida mais que por argumentos doutrinários, quanto salutar e benéfico seja para o Homem crer em e deixar-se moldar pelos valores transcendentes do Deus-Amor! MODOS O futebol ocasionou, num recente final de semana, duas preciosas e ilustrativas situações. Enquanto no Brasil, com a intenção de prevenir atos de vandalismo e agressão entre torcidas rivais num clássico tradicional, a administração de um novo estádio de futebol decidiu retirar as cadeiras das arquibancadas, na Inglaterra no jogo entre Manchester City e Chelsea, dois times igualmente rivais, a torcida do Chelsea aplaudiu de pé, no final do jogo, o jogador Lampard. Para quem não está familiarizado com o futebol inglês, Lampard, hoje, é jogador do Manchester City, mas durante anos foi um dos principais atletas do Chelsea. Neste jogo particular, Lampard marcou o gol que tirou a vitória do Chelsea. A torcida londrina, reconhecendo as excelentes atuações do jogador enquanto profissional do Chelsea, ao final do jogo, não somente poupou o jogador de ofensas e insultos, mas o aplaudiu de pé. Lampard reconheceu o belo gesto esportivo e, visivelmente emocionado, foi também cumprimentar sua antiga torcida! Que contraste! O Brasil é um país tecnologicamente avançado, mas atrasado no quesito comportamento! O descompasso entre as conquistas tecnológicas ao alcance de um bom número de cidadãos e a educação em boa conduta é abissal. O cidadão sabe manusear intricada parafernália tecnológica, mas não sabe se comportar civilizadamente. E não somente no esporte, não. Em outros ambientes sociais, a falta de postura, de respeito, de educação em suma, é, igualmente, evidente. Em ambientes religiosos, inclusive. É comum observar em cerimônias de casamento, madrinhas em trajes flagrantemente incompatíveis com o ambiente religioso. É comum ver crianças se comportando de maneira imprópria durante celebrações religiosas. Chega-se até a levar lanches para igreja, supostamente para manter os pequenos distraídos ou comportados! Espanta-se como o código de boas maneiras anda esquecido. Ou seria mais apropriado dizer, aposentado? Os ambientes estão nivelados por baixo. O que vale para um ambiente, serve igualmente para os demais lugares. O traje de baile que vale também para o ato religioso. A descontração da sala de estar da casa vale para o banco da igreja! Falta, evidente, sensibilidade. Desconfiómetro, como se diz no popular. Falta instrução! Faltam pais que ensinam! O fenômeno de omissão ou de descaso neste quesito é generalizado. Em parte, devido ao despreparo dos agentes de instrução, particularmente da família. Geram-se filhos, mas não se tem noção do alcance e das exigências da educação. Tanto é verdade que é comum delegar sua formação e educação a terceiros. É verdade que as exigências modernas impõem sobre os pais duras jornadas de trabalho, estresse constante, mas isso não é justificativa para tanta complacência e tanta incúria. Espalha-se a doutrina que é preferível calar-se, deixar as crianças à vontade, pois ao corrigir pode-se causar nelas traumas ou reprimir suscetibilidades. Esclareça-se, corrigir e orientar não significa berrar e insultar. Significa mostrar e estabelecer valores. E, ato contínuo, enfatizar que se vive em sociedade, onde pessoas outras merecem ser respeitadas em sua dignidade e liberdade. Viver em sociedade exige aceitar limites. Aprender a renunciar integra o processo formador. Não se deve ter nenhum receio em dizer 'não' quando assim a situação exige. Agir com firmeza não é o mesmo que agir com estupidez ou com brutalidade. É ser coerente e estar preparado a não dobrar-se diante de manhas e chantagens. É preciso aprender a discernir o que é certo e compatível com as diversas situações em que se vive. Ensinar valores e respeito não inibe, ao contrário, faz desabrochar a intrínseca distinção de cada pessoa. Educar é um trabalho árduo, exigente, constante. Requer repetidas revisões e ajustes, afinal a vida é dinâmica. Requer, acima de tudo, disciplina e respeito. Os torcedores do Chelsea não estavam nada satisfeitos com o gol marcado por Lampard. No entanto, souberam sobrepor ao contragosto o respeito pelo profissional e a gratidão pelas inúmeras alegrias que o atleta já lhes havia proporcionado em anos anteriores. Formidável exemplo, que apenas comprova os imensos benefícios de uma educação fundada em valores e respeito, uma formação que ao moldar comportamentos e disciplinar hábitos distende o convívio social! VOTO$$ Informação que vem do Tribunal Superior Eleitoral. Trinta e nove milhões de reais (R$39.000.000,00) é a soma que duas empreiteiras estão 'doando' para campanhas políticas. A legislação atual obriga candidatos e partidos a identificarem os doadores de suas campanhas políticas. Este respeitável volume de dinheiro representa o 'investimento patriótico' de apenas duas empreiteiras. Fica-se livre a imaginar a astronômica quantia de dinheiro que se repassa para financiar partidos e candidatos. Essa promiscuidade, que em tempos anteriores permanecia oculta, justifica amplamente o desabafo de um notório magistrado, Marlon Reis: dinheiro compra poder e poder é ferramenta poderosa para se obter dinheiro. No contexto atual, nas eleições vence quem paga mais. As conclusões do ilustre juiz confirmam, muitos dos eleitos estão atrelados a grandes empresas, cujos interesses e lucros defendem e promovem. Compromissos de campanha são demagogia pura. No fim das contas, o que vale não é a ideologia, mas o lucro puro e simples. O cidadão consciente já há tempo desconfia da perversa promiscuidade que pauta a política. Escândalos denunciados e comprovados apenas confirmam a notória realidade dos esquemas. Ingentes somas são desviadas em forma de propinas, pilhagens, licitações fraudulentas, descaradas comissões. Este quadro desalentador que atualmente contextualiza o exercício da política e, que aparentemente remédio não tem, vem fortalecendo perigosa doutrina, a de abster-se de votar ou de anular o voto. É a forma contundente de protesto e de repúdio com que o cidadão cogita externar a forte aversão pela classe política e pelo jeito de fazer política. Mesmo concedendo que amplas são as justificativas para uma tal radical postura, é de se destacar que as consequências negativas ao não votar ou ao anular o voto não são nada desprezíveis. A primeira obvia conclusão é que ao abster-se de votar o cidadão em nada contribui para alavancar o nível ético da política. Incorre-se ainda em uma injustiça, pois equipara todos os políticos como corruptos. Se os exemplos de alguns dos mais notórios homens/mulheres públicos nada são edificantes, é de se conceder que existem, sim, políticos e candidatos honestos, genuinamente bem intencionados. Claro, é preciso realizar diligente pesquisa para identificar esses diferentes políticos, mas o exercício da cidadania não pode reduzir-se apenas ao ato de votar, à época da eleição. Envolve obrigatoriamente o empenho para conhecer, com detalhes, o perfil de candidatos a quem se pretende delegar a representatividade. Como também acompanhar a sua atuação. Neste contexto, emergem os significativos avanços realizados com vistas a moralizar a atividade política. A informática tem sido valiosa ferramenta de auxílio de pesquisa. O próprio TER oferece dados sobre os candidatos. O site do Congresso facilita acompanhar e avaliar a atuação de quem exerce mandato. Registra-se ainda a Lei da Ficha Limpa que começa a barrar candidatos ímprobos de contestar eleições. Outro significativo avanço realizado graças a mobilizações populares é a lei que obriga a publicação do dinheiro doado por empresas e associações em favor de partidos ou políticos. Ainda há uma ação a ser julgada pelo Supremo que impedirá doações em dinheiro para campanhas políticas. Costuma-se comentar que essas legislações, além de demorada execução, são flagrantemente porosas. No entanto, são avanços que a sociedade, consciente e mobilizada, tem conquistado para aprimorar sua ação cidadã e para impor mais decência e responsabilidade no exercício do mandato representativo. Sobressai preciosa conclusão: é pela participação ativa dos cidadãos que se moraliza a política. O caminho ainda é longo. Os obstáculos são muitos, até porque quem legisla são os próprios interessados. Nem por isso deve-se desistir ou desanimar! Recorda-se o impacto positivo que os protestos de junho do ano passado provocaram. Pena que acabaram infiltrados por anarquistas. Mas o saldo foi positivo e encorajador. Sacudiu e mexeu! O poder continua nas mãos do povo. Isso não é demagogia. É realidade! Ao omitir-se, o cidadão deixa livre o caminho para os donos do dinheiro e os tradicionalmente apadrinhados. Torna-se conivente com o jeito promíscuo de fazer política. Os donos do dinheiro nunca se omitem. Nem tiram férias! Ao cidadão cabe reagir, rejeitar, reformular. É com persistência, discernimento e destemidas posturas que se moraliza a política. Atitudes promovem mudanças! LOURDES “Não sei o que você pensa, mas tenho certeza que é impossível ficar indiferente”. Foi com esta declaração que o médico Dozous, um cético chamado a observar os acontecimentos em Lourdes, resumiu sua experiência. Uma adolescente, Marie-Bernarde, conhecida como Bernadette, a mais velha entre quatro irmãos da família Soubirous, ao sair para coletar gravetos e assim poder vendê-los para ajudar no orçamento da sua família reduzida à miséria, dizia que uma linda senhora, vestida de branco, com um véu, igualmente branco, a cobrir-lhe a cabeça e usando na cintura uma faixa azul, lhe apareceu. Era o dia 11 de fevereiro,1858. As primeiras reações da jovem são de medo e desconfiança, até porque a mulher nada fala. Apenas sorri. Em sua simplicidade busca água benta na fonte da igreja pensando que, caso a mulher voltasse a aparecer, jogaria nela água benta. Se a visão não fosse por Deus, a mulher certamente sumiria ao ser aspergida. A bela mulher volta a aparecer no seguinte dia 14 e Bernadette a asperge. E a senhora fica, mas mantém-se muda. Somente na terceira visita a mulher fala. Solicita que a jovem lhe fizesse o favor de retornar à gruta para a encontrar por mais quinze vezes. A esta altura, o povo da pequena e pacata Lourdes já está em alvoroço. Curiosos e desconfiados, os moradores acorrem para ver a bela Senhora. Em uma das subseqüentes visitas, a bela dama sugere a Bernadette que fosse beber e lavar-se na fonte que estava ali por perto. Não havia fonte alguma, a não ser o rio Pau que corta a cidade. A jovem, então, começa a cavar com as mãos e um filete de água emerge, fonte que não para de jorrar. Poucos dias depois, no começo do mês de março, uma senhora Catherine Latapie, que sofria de paralisia no braço, arrisca enfiar o braço doente na fonte e fica curada! Espanto, medo, admiração e curiosidade se avolumam a ponto das autoridades locais julgarem oportuno fechar a entrada da gruta. Nem Bernadette a ela tinha acesso. O delegado do local interroga por horas a jovem. Seu depoimento impressiona pela simplicidade e coerência. O pároco local, Pe. Peyremale, a quem Bernadette leva o pedido da mulher para construir uma capela, próximo à gruta onde as pessoas pudessem orar, começa a perder a paciência com a jovem e a insta a pedir à mulher seu nome. A jovem, então, cria coragem e pede que a mulher se identificasse. Era o dia 25 de março. A Senhora de branco com a faixa azul revela sua identidade no dialeto local, o único conhecido por Bernadette, que não sabia ler nem escrever: Sou a Imaculada Conceição. A jovem corre e revela o anunciado ao pároco que assustado interroga a jovem se compreendia o que aquilo significava. Trêmula, a jovem responde que não. Poucos anos antes, em 1854, o Papa Pio IX tinha proclamado como dogma de Fé católica a concepção sem pecado original da Virgem Maria. O severo pároco se rende e reconhece; o que o povo estava afirmando é verdade: a Virgem Maria, mãe de Jesus, estava aparecendo em Lourdes, sua paróquia, a uma jovem simples e analfabeta. Assombrado recorre ao Bispo da região, Mons Laurence, que acompanhado de outros clérigos, interroga longamente a jovem. Convencido da coerência do depoimento da jovem, o Bispo declara autênticas as aparições e aprova o culto à Virgem na gruta. Neste ínterim, o Dr.Dozous é requisitado a avaliar a situação. Acompanha atentamente o comportamento da jovem. Numa ocasião, repara como ela segurava uma vela acesa. Absorta em oração, nem se dá conta que a chama está para queimar-lhe os dedos. Terminada a oração, o médico examina a mão da jovem e não constata nenhum ferimento. Para certificar-se solicita outra vela, a acende e a aproxima da mão da menina. Ela se recolhe acusando a queimadura. Seu depoimento, registrado e autenticado, encontra-se exposto no museu de Bernadette. Explicar não sabia, mas não podia negar que algo além do normal estava acontecendo naquela gruta e com aquela menina. Centenas de milhares de peregrinos visitam anualmente a gruta de Lourdes. Com variadas aspirações, evidente. Ao observar o constante vai e vem de doentes, voluntários, peregrinos e curiosos o testemunho do Dr. Dozous naturalmente se impõe: não há explicação racional, mas o semblante das pessoas demonstra confiança e irradia alegria e gratidão pelo simples fato de estarem ali e poderem tocar a rocha onde a Senhora vestida de branco com a faixa azul pousou seus pés! POTENCIALIDADE  HUMANA
Pedro quase se afogou! Entusiasmado pela vista de Jesus caminhando sobre o mar agitado, Pedro solicitou ao Mestre para que fosse ao seu encontro caminhando, ele também, sobre as ondas. Jesus atendeu, chamou o apóstolo a arriscar-se. E este, de fato, caminhou sobre mar furioso. Domar adversidade, profundo anseio humano! Ao incitar seu apóstolo a enfrentar o mar bravio, Jesus insinua que o Homem reúne condições a vencer turbulências.  Enquanto permanece com seu olhar fito em Jesus, Pedro avança. Quando, porém, desvia o olhar e passa a dar mais atenção à agitação das ondas, Pedro perde a confiança e começa a afundar. E se não fosse a pronta ajuda do Mestre, atendendo ao desesperado apelo por socorro de seu apóstolo, as ondas, muito provavelmente, o engoliriam!
Costuma-se afirmar que faltou fé a Pedro. E é verdade, mas é preciso entender bem de que fé se trata, uma vez que o seu conceito está sujeito a várias leituras. É preciso entender o alcance da verdadeira fé. Ao proporcionar clareza de visão quanto aos objetivos que se pretende alcançar, a fé proporciona firmeza no caminhar. Clareza de visão significa noção exata de identidade. Consequentemente, de tarefas e de potencialidades. Um conhecimento que provoca naturalmente confiança e alegria. Clareia, assim, o correto conceito sobre Fé, que é obediência, no sentido literal e nobre do termo, que é escutar de coração aberto. Embora pareça paradoxal, a obediência, no sentido de acolhimento consciente, eleva e purifica a liberdade. Insistem os místicos, e hoje os analistas, que obediência sem liberdade é escravidão. A obediência agride a liberdade quando cerceia ideais e patrulha consciências.  Emerge o DNA da fé – escuta – consciência – liberdade – confiança. Na ausência de um desses elementos, a fé balança, começa-se a afundar, como no episódio de Pedro. Ao deixar de confiar em Jesus, Pedro perdeu a confiança em si e deixou-se perturbar pelo furor das ondas.
 Teoricamente, incontável é o número de pessoas que dizem sim ao chamado de Jesus para segui-lo. Não são necessárias, contudo, demoradas analises para concluir que muitas dessas adesões são bastante porosas. Crê-se em Jesus, mas de uma maneira vaga, light, como se diz na linguagem de hoje. Crê-se em Jesus, mas sem dar-se conta que isso implica ouvir, acolher e seguir sem hesitação sua palavra. Acreditar na própria potencialidade, em suma. Pedro foi considerado homem de pouca fé porque ouviu, acolheu, mas vacilou! Deu espaço ao medo. Os seguidores de Jesus são constantemente instados a enfrentar mares bravios. O que não quer dizer necessariamente oposição, mas os desafios inerentes à fidelidade do discipulado. Pois crer em Jesus, em última análise, significa caminhar na contramão do mundo. Significa aderir de uma forma consciente e livre ao projeto do amor generoso e incondicional. O mundo, que sempre seguiu o compasso da produção e do sucesso, propostas com fortes tendências egocêntricas, bate de frente com o Evangelho com o furor de uma violenta tempestade. No começo, o discípulo arrisca-se enfrentar os desafios, mas ao prosseguir na caminhada realiza a dificuldade e o risco de medir forças com ventos contrários e com ondas impetuosas e começa a duvidar na própria capacidade de sobreviver às provações. Hesita. Duvida. E começa a afundar-se.
Este particular episódio com Pedro ensina que ao crer em Jesus, o discípulo restaura a fé em sua potencialidade como ser humano. Ao confiar na Palavra do Mestre, o Homem reconhece-se capaz de enfrentar mesmo as mais violentas turbulências. Jamais, porém, de uma maneira autônoma. A potencialidade humana, quando gerida de uma forma soberana e independente, facilmente se transforma em arrogância e prepotência. Ao incitar Pedro a imitá-lo e pisar sobre mar agitado, o Mestre solicitava ao discípulo que confiasse em sua Palavra e descobrisse a força interior que possuía. Quando, porém, este se deixou vencer por cálculos e considerações, rapidamente perdeu confiança. Emerge, então, outra confortadora lição. A experiência de Pedro parece insinuar que existe tolerância para a hesitação. Ao perceber-se vacilante na fé, o discípulo reconheceu que precisava de socorro. Clamou e foi atendido. Autônoma e soberba, a potencialidade humana leva ao afogamento!


LENTES
A trágica e inesperada morte do Governador Eduardo Campos comoveu o país. Candidato à presidência da República o governador ficou conhecido graças aos generosos espaços na mídia. A população estava se habituando ao perfil de um político jovem, dinâmico e com propostas interessantes para o país. De repente, o homem público, cheio de entusiasmo, com prospecto de futuro promissor, sai de cena. Em questão de segundos, o enredo muda radicalmente, com drásticas consequências para muita gente. Primeiro, evidente, a família, que fica privada da presença do marido e do pai, meses após o nascimento do último filho. A morte prematura afetará severamente o cotidiano dessa família. Depois, vem o processo político que diante do imprevisto, compreensivelmente, trava. Incertezas e perguntas pipocam. O calendário, curto, exige providências rápidas. No entanto, é preciso tempo para assimilar o baque, reorganizar quadros e reavaliar propostas e estratégias, não somente de correligionários, mas também de candidatos e partidos concorrentes. A reviravolta é total.
A abrangência do acontecido, como também a absoluta imprevisibilidade, obrigam as pessoas a refletir sobre a suprema fragilidade da condição humana. Por mais bem estruturada, a vida pode acabar repentinamente. O sujeito prepara tudo, toma todas as precauções, mas um súbito imprevisto altera todo programa. A realidade, indigesta, é uma: não somos donos do nosso destino. Duro golpe nas pretensões humanas! A inteligência não se conforma e busca explicações racionais para poder entender. No caso, a perícia apresentará seus laudos e as explicações técnicas que servem apenas para satisfazer a curiosidade. Mas as perguntas existenciais persistem. Por falta de explicações convincentes refugia-se em paliativos, tipo o acaso. Foi uma fatalidade. A mente humana, porém, não se resigna. A vida do ser humano não pode estar sujeita ao acaso. Tem que ter um sentido nos acontecimentos. A morte não pode, caprichosamente, deter a última palavra! Aceitar a fatalidade como explicação pode, inclusive, induzir pessoas a abrirem mão de projetos e propostas. Afinal, quem garante que tudo não pode virar pó por causa de contingências externas!
A mente humana procura uma luz capaz de lhe ajudar a entender e administrar o mistério da vida. Se o instinto humano empurra para viver, para sempre avançar, não se pode conformar-se com a intromissão da morte. Especialmente quando acontece fora de qualquer lógica, como foi a morte do governador. Ciência e filosofia não conseguem responder satisfatoriamente. A mente humana quer entender o mistério da vida, justamente para não ficar refém de fatalidades. Tem que ter algo além do material e do imediato. A fé no Deus da vida vem em socorro da razão. Este impagável impulso para viver acena para a semente da imortalidade plantada na alma humana. Sob a luz da fé, a vida do ser humano não é avaliada pela importância das conquistas ou pelo volume das realizações. Além do material tem que haver o transcendente. O ser humano não é só matéria, possui alma, elemento espiritual e imortal. Em sua condição humana trabalha, se esforça, empenha-se para progredir, mas com a consciência que tudo o que é material, mesmo o mais valioso, é passageiro. Amparado na fé, o ser humano aprende a equilibrar-se entre a incerteza do futuro imediato e a certeza do futuro eterno. Aprenderá ainda a submeter àquele a este. A contingência do imediato induz a fixar-se com mais discernimento no eterno e certo!

Filósofos e cientistas questionam a tese. Enxergam lacunas que a razão recusa aceitar. A lógica da fé é racionalmente porosa. É verdade. Porque a lógica da fé segue um padrão diferente da da lógica racional. A fé não ofende a inteligência, apenas exige que ela aceite e se adapte à sua luz. È preciso mudar de lentes para enxergar com clareza. O foco é diferente. O campo de visão é outro. A profundidade é diversa. Tragédias continuarão acontecendo. Enredos subitamente mudarão. Mas quando se tem claro o destino eterno, persiste-se no rumo dos objetivos maiores. Mudam-se as peças. Redefinem-se as estratégias. Mas o ideal final permanece inalterado, acima dos abalos, acima das tragédias! 

EMBALAGEM Altamente lucrativa é a industria do casamento. Núpcias viraram eventos a envolver variados serviços que, por estarem se tornando sofisticados e caros, transformam o período preparatório em uma tensão aflitiva. Ao ficar reféns dessa exigente indústria, os noivos desperdiçam o melhor da festa, o encanto próprio que antecede um grande evento. Analisando com objetividade, as exigências impostas desviam os noivos do que deve ser a real e essencial preparação para o casamento. São tantos e tão variados os detalhes a serem providenciados que, não raramente, os noivos chegam esgotados ao casamento. Falta tempo e disposição para curtir o clima. É o típico caso da moldura que recebe mais cuidados que o próprio quadro. Diante dessa realidade, fica mais apropriado dizer que as núpcias não passam de cerimônias de casamento. Eventos sociais, marcados por protocolos de discutível serventia. Há uma diferença substancial entre cerimônias e celebrações. Cerimônia é um evento com começo e fim, sem implicar necessariamente em desdobramentos substanciais posteriores. O cerimonial cuida de realizar formalmente o ritual estabelecido para a ocasião. É o que se vê, por exemplo, em inaugurações oficiais. Importa cumprir um protocolo estabelecido. Passando para a realidade das núpcias, é de reparar como muitos casamentos se encaixam perfeitamente neste modelo. Estabelece-se um pacote protocolar que pode, pasme-se, incluir ato religioso. Quando inserido no pomposo conjunto da festa o ato religioso perde, compreensivelmente, a relevância. Em especial quando a exigência é realizá-lo fora do espaço apropriado para a liturgia. Nesses casos, fica evidente que não é a dimensão religiosa que importa, mas, sim, o impacto estético, a emoção romântica. A moldura é mais importante que o quadro. A bênção é detalhe! Pena que encontram-se religiosos que aceitam ser coadjuvantes nesta montagem equivocada! Ao se contentar com cerimônias, muitos noivos perdem a preciosa oportunidade de inserir sua união num contexto genuinamente sublime e humano. A indústria os induz a pensar mais nos periféricos que na essência do matrimônio. O propósito pode até existir, mas fica obviamente diluído diante de tantas exigências triviais. Festa tem que haver, mas sem perder o foco, sem inverter valores. Celebrar é privilegiar a dimensão interior da ocasião. O foco está na essência do evento e é o que deve dar forma e ritmo ao ritual! Toda celebração verdadeira começa no íntimo, na clara consciência do que a pessoa pretende realizar. No caso do matrimônio, em especial o cristão, a celebração começa naquele íntimo instante quando os noivos, em sua condição de adultos batizados, decidem por amor unir suas vidas para formar uma família. Casar na igreja é muito mais que realizar um evento num templo religioso. É formalizar um vínculo, um propósito de fundar uma família e encaminhá-la segundo os ensinamentos de Jesus Cristo. Repara-se que o vínculo já existe e é o que torna nobre o ritual. Tão serio é o compromisso que o casal chama como testemunhas e apoio tanto a comunidade como os amigos e, em especial, o próprio Jesus Cristo. São estes os sentimentos a destacar na celebração do matrimônio. Indicativo claro da intenção do casal de empenhar-se em tornar mais sólida e perene a união conjugal. Censura-se a doutrina cristã por querer impor um modelo de casamento considerado ultrapassado pelos padrões modernos. No ritmo atual de vida não existem mais vínculos perpétuos. Tudo é contingente e relativo. O amor é eterno enquanto dura! A ambiguidade, na realidade, se dá quando o casal pede o casamento religioso sem estar intimamente convicto e comprometido com o ensinamento da Igreja. Fica claro, neste caso, que para os noivos é a cerimônia que importa. Perdido o foco, é natural o avolumar-se de valores secundários, motivos de frequentes desgastes entre párocos e noivos. Presentes carinhosos são revestidos de mimosas embalagens. Capricha-se na embalagem para destacar a preciosidade do presente! Ao celebrar o casamento os noivos revestem seu vínculo numa embalagem que destaca e fortalece o que consideram essencial e sagrado no matrimônio. Ao submeter-se à industria casamenteira, os noivos escolhem uma embalagem que, por ser sofisticada e cara, rouba-lhes o protagonismo! BAÚ Ouvir é o grande predicado! Confidências de genitores atestam que pai/mãe largam tudo para atender o clamor do filho! O simples grito pelo pai/mãe desencadeia um impulso irreprimível em direção ao filho. Busca-se estar ao lado para socorrer, satisfazer, fazer companhia. Como os apelos costumam ser constantes e variados a pressão sobre os genitores é sempre grande. Fica dramática e angustiante quando os pais se veem incapazes de atender gostos ou necessidades dos filhos. Percebe-se que esta cobrança tem ficado mais intensa nos últimos anos, face ao inesgotável apelo consumista que caracteriza a sociedade moderna. Com o avanço fantástico da tecnologia e a multiplicação de equipamentos cada vez mais sofisticados, embora nem sempre tão indispensáveis, a demanda sobre os pais tem crescido sobremaneira. Complicam o quadro os sugestivos e insistentes apelos mercadológicos que enchem a imaginação e excitam o apetite dos pequenos. Emerge um terrível dilema para os pais: como atender a tantos apelos. Além da delicada situação financeira sempre a inspirar prudência e moderação, apresenta-se outro desafio crucial: discernir o que é realmente importante para a felicidade e realização dos filhos. O materialismo moderno insiste em associar a felicidade ao acumulo de vantagens materiais. Embora não se minimize o conforto que as vantagens tecnológicas nos vários campos da vida proporcionem, reconhece-se que só bens materiais não esgotam por completo os anseios humanos. Tanto é verdade que em uma mesma sociedade que se gaba de fantásticos progressos o Homem parece estar sempre insatisfeito. Inquieto. É o triste paradoxo dos tempos modernos: muito conforto, mas também muitas perguntas e perplexidades na alma. Muito ruído, mas também muita solidão. Muitos contatos externos em flagrante contraste com o evidente e angustiante anonimato. Os relacionamentos, a semelhança das múltiplas mercadorias, passaram a ser descartáveis. Contatos empolgantes esbarram com a previsível fragmentação de vínculos. Diante deste quadro de graves contrastes volta-se ao dilema crucial a atormentar pais conscientes: a que apelos dos filhos atender? Aos comerciais e superficiais tão ruidosamente anunciados e tão manhosamente exigidos? Ou aos reais, embora nem sempre reconhecidas, exigências de valores e princípios capazes de dar rumo, consistência e, no fim, sentido e prazer à existência? Enorme desafio ser pai/mãe no presente contexto. Encontrar o equilíbrio entre consumo e educação consistente não é tarefa fácil. Educar é uma contínua travessia da sombra para a luz! Este processo exige dos genitores, e dos demais orientadores, como evidente fundamento, clareza na definição de metas. O ponto de partida é sempre a meta, fator supremo e inegociável! Conflitos e angústias surgem quando se busca encontrar os meios e os encaminhamentos adequados para se chegar à luz. Confia-se, frequentemente, em sistemas passados por terem dado certo em determinadas épocas. Ao aplicar unilateralmente esses métodos não é raro perceber a falta de sintonia com a geração nova e o subsequente e aflitivo distanciamento entre as partes. A verdade é que nem tudo o que tradicional é permanentemente válido. Nem aprioristicamente descartável. Urge encontrar o equilíbrio entre o tradicional e o novo! Em muitos casos é a maneira como se conduz o processo orientador é que está equivocado. O educador, pai/mãe, perspicaz e dedicado reconhece que ele é quem precisa se reciclar periodicamente. A clareza do ideal e a validade do propósito, aliados ao amor pelos seus educandos, demandam que ele esteja sempre disposto a avaliar e pronto para ajustar-se. O maior interesse é dele, embora os benefícios sejam para os filhos. Claro, este processo não está imune a falhas. É comum errar ao querer acertar! Embora cause previsíveis constrangimentos, esta situação não deve desanimar nem prostrar o educador. Relevam-se as falhas. Só não existe tolerância com teimosias e presunções arrogantes. Pai/mãe consciente, assim como o bom educador, está sempre recomeçando. A vida é um processo dinâmico que exige revisões e adaptações naquilo que é contingente. Não se transige com o impulso de ouvir e atender o clamor pela vida que forte sai da alma jovem. Um exímio pedagogo, criado em Nazaré da Palestina, comparou o bom educador ao sagaz pai de família que tira do baú da casa preciosidades novas e velhas! FELIZ DIA DOS PAIS! ARENAS A imagem assombra! Estampada em um dos principais diários do Estado de São Paulo, a foto registra a torcida de um time de futebol a caminho para o estádio com máscaras no rosto e escoltada por pelotão de policiais fortemente armados! O impacto que a imagem provoca é deprimente e suscita inevitáveis indagações. Futebol é diversão ou é guerra? Entretenimento ou enfrentamento? Nos dias anteriores ao jogo - um dos maiores clássicos do Estado - o que mais se comentava nos programas esportivos era a questão segurança. O confronto futebolístico perdeu o destaque para a real apreensão com a segurança dos torcedores. Muitos, inclusive, desistiram ir ao estádio, temerosos com o que podia acontecer. Esta absurda situação me fez lembrar uma experiência vivida na Irlanda alguns anos atrás. Era domingo e a caminho da igreja via pessoas, de todas as idades e gênero, com uniformes que deduzi tratarem-se de times diferentes. Chamou-me particular atenção o fato de as pessoas estarem na missa com os uniformes, na maior naturalidade. Não resisti à curiosidade e perguntei a um senhor o que representava aquele desfile. Disse-me sorrindo que naquela tarde aconteceria o grande derby da cidade - big match enfatizou. Fora da igreja, a avenida principal de Dublin estava tomada por torcedores dos dois times que tranquilamente passeavam, tomavam seus lanches, acompanhados a distância por um discretíssimo aparato policial. Quando o jogo terminou estava ainda na cidade e vi as torcidas, uniformizadas naturalmente, deixando o estádio na maior ordem. Eram torcidas rivais, mas sem conflitos. Afinal, era apenas um jogo de futebol. Civilizadamente, cada cidadão desfilava suas preferências com alegria, sem receio de ser molestado! A abissal distância cultural ficou ainda mais patente quando se divulgou o estrago que a torcida visitante provocou no estádio. Desafogou a tristeza pela derrota, depredando patrimônio alheio! Aberrante e irracional reação, pois os prejuízos ficarão, com justiça, por conta do time que apóiam! Que torcedor míope este, que dá prejuízos a seu próprio clube! E olha, pelo que se apurou, trata-se, entre outros, de gente que cursa faculdade! Instintivamente, veio-me à memória a repetida cena vista na recente Copa do Mundo. Ao terminar o jogo da sua seleção, torcedores japoneses cuidavam de recolher o lixo e deixar o local arrumado! A diferença cultural é realmente abissal. Uma realidade que deve nos envergonhar muito mais que a doída derrota para a Alemanha! Não é sem razão que na classificação no Índice de Desenvolvimento Humano a Irlanda ocupa o 11º lugar e o Japão o 17º! Evidente é que a questão não é somente escolar. Envolve outros vários fatores. Nem é responsabilidade somente dos governos! Sendo cultural, esta situação de indigência envolve e compromete todos os segmentos da sociedade, em especial aqueles reconhecidos como educadores e formadores de opinião. Todos devem fazer um elementar questionamento: se outros países conseguem, por que no Brasil não se consegue? Ouso apontar respostas apenas no intuito de provocar reflexões e reações. A primeira a aparecer é a esfarrapada desculpa de que brasileiro é assim mesmo. Uma justificativa que comprova a complacente e difusa admissão de omissão e de preguiça! De generalizada acomodação! Mudar a situação exige em primeiro lugar idealismo. Autêntico brio que não se conforma com atraso cultural. Agregam-se ao ideal a determinação, o empenho, a disposição para investir, em horas e em recursos, no cidadão como primeiro valor. Se se conseguiu reduzir a fome, conseguir-se-á também reduzir a pobreza cultural. É preciso, para tanto, que todos os segmentos da sociedade se convençam que é possível, sim, formar um brasileiro educado, civilizado, respeitoso. Ideal ambicioso, sem dúvida, e que demanda, persistência, paciência, renúncia! Razão porque é preciso entregar-se á tarefa com visão, discernimento e com a clara consciência que os resultados aparecerão somente a longo prazo. Mas é preciso começar com determinação, sem se deixar abater com os previsíveis fracassos nem desanimar com os igualmente previsíveis parcos estímulos. Na Roma antiga, construíam-se arenas com o objetivo específico de realizar ali espetáculos de lutas sangrentas. No moderno conceito, estádios projetados para servirem-se de arenas visam oferecer espaços para entretenimentos variados, locais de lazer em civilizado congraçamento. Se não se investir com determinação e idealismo em educação e em civismo, rapidamente as novas e majestosas arenas retrocederão ao modelo da Roma antiga! A MORTE DA CAETANA Morreram recentemente grandes escritores! Justamente na semana quando se festeja o dia do escritor! João Ubaldo Ribeiro, Ariano Suassuna e Rubem Alves farão falta. No Brasil e no mundo. Cada um, seguindo o próprio estilo e as pessoais convicções, contribuiu para enriquecer a literatura e induzir milhares de leitores a refletir sobre relevantes questões existenciais. Seus admiradores e os amantes da literatura experimentam aquela sensação de irrecuperável perda, tamanha a envergadura desses mestres. Emerge, neste fúnebre contexto, a recorrente inquietação sobre a realidade da morte. Alimentada ainda por mais algumas tragédias que regularmente sacodem o cotidiano. Noticia-se o absurdo ataque contra um avião de carreira, vitimando centenas de passageiros inocentes, que absolutamente nada tinham a ver com o conflito étnico da região que sobrevoavam. Comove-se com um bebê que consegue sobreviver ao desabamento de um prédio em Aracaju, mas falece logo após ser retirado dos escombros. A morte debocha da potencialidade humana. Por mais bem sucedido que se imagina ser, topa-se impiedosamente com a morte. A última palavra parece dela. A vitória parece dela. A mente humana, contudo, não se resigna. Embora reconheça a inevitabilidade da morte, a mente vive buscando uma luz confiável a iluminar esta desafiadora sombra. Há uma intuição íntima e profunda na alma humana que a vida não pode simplesmente terminar no túmulo. A vida não pode ser somente isto. O ser humano reconhece em si uma potencialidade que recusa dobrar-se diante da morte. As progressivas conquistas tecnológicas expressam esta ânsia instintiva de viver. Consegue-se hoje viver mais e de uma forma saudável e produtiva. Mesmo assim incomoda o pensamento de que se está na fila do cemitério. Desconhece-se se se está mais á frente ou mais atrás, mas sabe-se que se está na fila! E a possibilidade do desfecho gera desassossego. Muitas são as doutrinas e teorias sobre o assunto. Do ponto de vista racional, nenhuma convence. Na falta de convincentes argumentos, pensadores mais recentes preferem defender o fim da existência. Ao cessar a cerebral atividade, o ser humano acaba. Duríssimo é conformar-se com a realidade de que o que era simplesmente deixará de existir! Nem serve o consolo do legado que o sujeito deixa para a posteridade. A dura conclusão deste pensamento filosófico é que o futuro não existe. O fim é o nada. Em termos crus, a vitória é da morte. Esta mentalidade que propaga a inexistência do futuro está por detrás da banalidade a que está sendo reduzida a vida. Mata-se e morre-se estupidamente. Dramático é o paradoxo: enquanto a ciência investe pesado para prolongar a vida e garantir um futuro saudável, a juventude desperdiça oportunidades e brinca com a morte. O absurdo deste contexto induz a concluir que a razão sozinha não possui recursos nem respostas convincentes para o enigma do fim da vida. A urgência da aspiração acompanha a gravidade das frustrações. A fé no Deus da vida socorre a fragilidade da mente humana. A fé em Deus não desqualifica, ao contrário, revigora a intuição da alma humana. Ao crer no Deus da Vida, Princípio e Fim da história, a mente compreende que o ser humano existe em função de um destino. E o fim da jornada da vida é o encontro com o Deus Eterno. Há futuro! E a certeza é psicologicamente benéfica e tranquilizadora. Ao contrário do que se insinua, a certeza do futuro não somente não entorpece o Homem, como o estimula a valorizar tanto a própria como a vida alheia. Ao reconhecer sua dimensão imortal, a alma humana passa a amar mais viver, a sentir prazer em progredir e produzir, animada por uma subjacente certeza: se já neste mundo, viver é maravilhoso, imagina-se, então, na eterna companhia de Deus-Amor! Por uma lógica inferência, quanto mais Deus está presente na vida do sujeito, mais plena se torna sua existência, mais ele quer viver. Mais ele se torna fonte de vida para os outros. Entristece a partida de gente amiga. Sua ausência abre um buraco que demora a fechar. Ao entender, no entanto, que os amigos foram ao encontro do Sublime Amor a dor é suavizada. Alegra-se, apesar da dor, pela plenitude alcançada. Suassuna costumava chamar a morte de Caetana. A fé no Deus Vivo assegura que a Caetana não tem a última palavra. Caetana é que está ferida de morte! CAMPEÃO Perder é indigesto. Ninguém gosta de perder. Pesares à parte, a inconformidade que se experimenta diante do acontecimento negativo é aceno positivo. O ser humano detesta perder porque deseja muito progredir. O revés, seja de qual natureza for, representa um freio ao impulso do avanço progressivo, inerente à dinâmica da existência. Esta é a razão fundamental porque se resiste tanto à morte. Perder a vida é justamente o oposto radical ao querer viver. Não sentir-se bem, então, diante das derrotas é, em si, positivo. Nada se tolera que possa vir a obstruir o desejo de melhorar. No entanto, quando se reflete com objetividade e serenidade compreende-se que a realidade da vida, por ser intrinsecamente contingente, carrega embutidos imprevistos que interferem no e afetam o impulso progressista. Nem tudo acontece do jeito que se deseja. A inconformidade com o revés é, portanto, compreensível. E salutar, se mantida no limite do racional e bem encaminhada. As complicações surgem quando o impulso de sobrevivência sai do controle. E sabido que nas culturas latinas, as emoções estão sempre em evidência. Por serem mais passionais, os latinos costumam ficar mais desolados diante dos insucessos. As reações negativas nas derrotas costumam ser mais descontroladas. O império da emoção embaça o racional. Faz enxergar na derrota somente ameaças, provocando reações impulsivas. Extravasa-se de forma violenta, agredindo o suposto adversário ou o que com ele de alguma forma se relaciona. As estúpidas e bárbaras brigas entre torcidas organizadas ilustram bem esta tese. Outra reação impulsiva diante de insucessos é a desolação, que, quando extrapola o limite, leva à depressão. Não agride nenhum suposto adversário, mas agride a si próprio. Analisando o contexto, há de se reparar que a emoção descontrolada induz o sujeito a enxergar somente ameaças na adversidade. Bate, então, o desespero e o pânico. É fundamental entender que as derrotas integram o cotidiano da existência. Urge preparar-se para elas. Incluir o insucesso nas probabilidades. Importa igualmente aprender a reagir racional e dignamente diante dos revezes. Não domar e deixar de canalizar o instinto de sobrevivência pode, paradoxalmente, levar a novos e mais doídos fracassos. Falando em termos gerais, os revezes podem ser classificados sob duas categorias. Há aqueles provocados por interferência externa. São os desastres naturais, imprevisíveis e incontroláveis. Nesta categoria, incluem-se também as adversidades provocadas por terceiros. Entender que numa sociedade está-se sujeito a este tipo de intromissão indesejada ajuda psicologicamente a suportar o golpe e a administrar mais serenamente o prejuízo. Ceder ao impulso de avançar contra essas pessoas não representa objetivamente nenhuma solução. Vinganças, na maioria esmagadora dos casos, aumentam a confusão, com a real probabilidade de alargar o sofrimento ao envolver pessoas outras inocentes. Mas há também derrotas causadas por falhas ou incompetência próprias. Um dado curioso emerge em situação semelhante, reflexo sutil do instinto de sobrevivência. Diante dos próprios erros, é comum querer atribuir a culpa a fatores ou pessoas externas. Falhou-se porque aconteceu isso ou porque fulano agiu daquele jeito. Jogar a culpa no juiz pela derrota do time pode até aliviar a cara e atenuar a decepção, mas não muda a essência da realidade nem acena para melhoras futuras. Quando, ao contrário, se aprende a reconhecer e assumir o próprio erro, alem de enfrentar a situação com coragem e dignidade, livra-se daquelas constrangedoras e infundadas justificativas. Ao admitir o erro, dispõe-se implicitamente a corrigir o que deu errado e evitar, consequentemente, futuros vexames. Não é nada prazeroso, evidente, reconhecer falhas. É, no entanto, a mais digna e salutar postura. No imaginário humano, no infantil especialmente, campeão é o sujeito/time sempre vencedor. Este conceito é irreal e perigosamente alienante. Precisa urgentemente ser ajustado. Campeão é o sujeito/time que sabe reconhecer derrotas e diante das falhas sabe, igualmente, assumir com coragem e humildade os erros. Aplica-se a aprender com as feridas para, com paciência e decisão, retomar o caminho da vitória. ADMIRAÇÃO Em casa não se usava falar vulgaridades. Nem palavrões! Quando, então, soltava eu, ainda moleque, algum palavrão a reprimenda vinha na hora e quente: Com quem você aprendeu isso? Me contaram, já adulto, que minha mãe chegou a cogitar com meu pai limitar minhas idas ao estádio, mesmo em sua companhia. Em estádios, como se sabe, o discurso não é nada edificante. Felizmente para mim, a estratégia foi abortada. A vigilância e a educação da casa purificaram naturalmente o meu vocabulário. O aprendizado de casa foi mais eficaz. Recordo este episódio ao refletir sobre o contexto comportamental atual. Questões vitais emergem ao reparar hábitos e condutas contemporâneos: com quem está o cidadão de hoje aprendendo a comportar-se? Com a família? Com anônimos formadores de opinião? Quem pauta a conduta do cidadão? E o que é que se está, na realidade, aprendendo? Aprender envolve mais que conhecimentos. Somente pelo fato de se ter acesso a receitas culinárias não faz do sujeito um cozinheiro. Cozinhar se aprende cozinhando, pondo em prática o que se conhece. Tudo, na realidade, gira em torno da destinação que se pretende dar ao conhecimento. Contentar-se apenas com a informação não gera aprendizado, apenas acumula conhecimentos. Aprende-se quando se tem interesse em aplicar o que se conhece ao cotidiano da vida. Aprende-se quando se enxerga proveito naquilo que se conhece. Veja-se como a geração jovem aprende e aplica rápido técnicas e códigos de redes sociais. Quando há interesse, rápido se aprende. É o fator a ser analisado ao se querer descobrir e entender o que se está aprendendo hoje e com quem. Num desses programas de debate em torno da Copa da Mundo, acompanhei a participação de um ex-jogado renomado búlgaro, Stoichkov. Ao discursar sobre a situação dos atuais atletas ele apontava como um dos fatores complicadores na carreira profissional o fato de os jogadores hoje andarem muito dispersos. Ponderava que bastava o atleta começar a destacar-se para ele já ter milhares de seguidores no twitter, no face e outras plataformas de relacionamento. O atleta promissor hoje não se preocupa somente em jogar bola, tem que atender compromissos publicitários, dar retorno a patrocinadores, cuidar da imagem. Ao cuidar excessivamente da imagem, o atleta infla a vaidade, alimentando o individualismo. Estrelas hoje são embalados por uma indústria comercialmente lucrativa e patrulhados por patrocinadores vorazes. A dispersão é inevitável. Em síntese, com a cabeça tomada por tantos compromissos e a agenda espremida, o rendimento em campo, admitindo ou não, acaba afetado. A observação de Stoichkov aplica-se, com as devidas ressalvas, ao comportamento do cidadão atual, em particular ao cidadão jovem. Este, compreensivelmente atraído pelo glamour dos famosos, se deixa condicionar pelas projeções e posturas que a publicidade de uma forma competente e insistente impõe como indispensáveis para alguém ser considerado moderno, conectado, notado. Ao submeter-se a este padrão, o jovem se vê envolvido por um sem número de exigências. A dispersão é inevitável. O ritmo acelerado. São notórias a ausência de concentração e a dificuldade em interessar-se por assuntos culturais e comportamentais que não representam vantagens imediatas. Ao querer ser notado, na verdade e paradoxalmente, se perde na massa. Não é ele que pensa, pensam por ele. Repara-se no difuso uso de tatuagens. Personagens ilustres do mundo artístico e esportivo fazem questão de exibir corpos tatuados, induzindo jovens a imitá-los apesar da evidente volatilidade desses modismos. A verdade emerge clara e desafiadora. Se se deseja que o jovem de hoje, e o cidadão em geral, aprenda a valorizar e adotar princípios de conduta que o levem à maturidade e a realização como pessoa humana, deve-se empenhar em dar exemplo. Mais valioso que qualquer discurso é o comportamento sereno, fiel e perseverante de quem sabe estar agindo com correção. Este dispensa a retórica, mas confia na força do exemplo. Vive corretamente não para ser notado, mas por interna exigência de coerência. Confiante e modesto, resoluto e paciente persevera no caminho, mesmo quando se vê incompreendido, discriminado ou censurado. Admirando é que se aprende. A admiração é a fonte insubstituível de um aprendizado consistente e convincente. ALICERCES Educar é edificar! Na arquitetura estilos e fachadas chamam atenção e geram admiração. Todo arquiteto é, contudo, considerado competente quando dedica particular atenção às fundações. O bom profissional sabe que fachadas podem ser majestosas, mas se não estiverem alicerçadas em sólidas fundações facilmente desabam. Ruem-se prédio e reputação. As fundações costumam consumir volume considerável de recursos e de tempo sem apresentar sensíveis progressos. Não é raro neste estágio, o dono do imóvel pressionar o arquiteto ou o mestre de obras para apressar os trabalhos ou economizar no material. A ânsia de ver o prédio pronto e funcionando pode induzir a cometer leviandades, a trabalhar com misturas inadequadas. As paredes podem até subir rápido, mas com sérias probabilidades de apresentar falhas e rachaduras. Pressa e economia nos alicerces podem até passar desapercebidas, mas a gestão irresponsável infalivelmente aparecerá. É a história recorrente em tantas obras, públicas e particulares. Temerários são os arquitetos e mestres de obras quando fazem concessões em assunto de segurança. A semelhança do honesto arquiteto, o educador, mais particularmente os pais, ao planejarem a formação de seus filhos, devem dedicar prioritário cuidado ao alicerce. Na formação de uma criança o ensino, a saúde, a alimentação podem ser comparados à fachada e à distribuição de uma construção. Importantes, sem dúvida, e indispensáveis. Mas não suficientes. Necessitam de sólidas fundações para manterem-se firmes, suportando os solavancos da vida. Apesar da evidência do argumento, a experiência do cotidiano induz a reconhecer que nem todos os pais dedicam a devida atenção aos alicerces na proposta da educação dos filhos. A prevalecente cultura imediatista e hedonista desvia com habilidade e insistência a atenção dos pais e os induz a se focarem em conquistas vistosas, como conhecimentos, esporte, apresentação. A ânsia de encaminhar o filho para sair do anonimato pode induzir os pais a negligenciarem o cuidado com as colunas de sustentação. Sem esses alicerces a criança rapidamente se destaca, competente e hábil em vários atividades, mas carente daquele elemento interior que dá harmonia e consistência à personalidade. Conhecem-se crianças versáteis em variadas áreas, mas desencontradas, quando não em conflito consigo mesmas. Seguem uma rotina cheia de atividades e compromissos, mas vivem de uma maneira superficial e desarticulada. Dispersas e ocupadas com tantas tarefas, muitas crianças perdem a capacidade de se concentrar. Apesar da pouca idade, encontram-se esgotadas. Estressadas, necessitadas de terapia. Cuidar das fundações na educação de uma criança é uma urgência prioritária tanto em matéria de tempo como de conteúdo. Compreensivelmente, debate-se a natureza desses alicerces, dada a pluralidade cultural vigente. Compreende-se também, no entanto, que os princípios somente serão sólidos e consistentes quando livres de vieses ideológicos e sectários. Ao preparar as fundações, os pais devem se pautar por valores genuinamente humanos e universais, profundos e simples a ponto de dispensarem justificativas. Exemplo de um desses fundamentos é o respeito pelo outro. Aprender a respeitar a dignidade do semelhante como regra básica e inegociável, seja qual for a circunstância, é uma coluna de sustentação inestimável na formação da personalidade de uma criança. Em lares onde a vivência religiosa é abraçada com convicção os princípios religiosos oferecem outros sólidos alicerces na formação do caráter. Vale reparar que os valores genuinamente cristãos combinam perfeitamente com os princípios humanos universalmente aceitos. Isto quer dizer que a religião, quando vivida em sua pureza e com convicção, é precioso alicerce na formação da personalidade. A religião dá, sim, consistência e harmonia. Resistência para, com bravura e coragem, suportar os solavancos e enfrentar as turbulências da vida. Urge alertar, todavia, para uma sutil ambiguidade: o uso da religião como fonte discriminatória. Quando se torna sectária, a religião trai seus originais ideais e perde a dimensão genuinamente humana. As fundações numa construção e na formação do caráter representam a única repartição que não admite economias nem material de inferior qualidade. O alicerce ou é bem feito ou terá, com o tempo, que ser refeito! ZONA DE CONFORTO Sucessões são sempre complicadas. E arriscadas. Quando chega a hora de substituir uma liderança carismática, querendo preservar um ideal em sua original inspiração, a situação sempre fica delicada. E o desfecho incógnito! O líder carismático é dotado de predicados que lhe são peculiares, inerentes à sua pessoa. É ele que possui aquela química que atrai e convence. Que induz a adesão. Embora não seja recomendável, compreende-se porque certas lideranças se perpetuam no poder. Percebem o magnetismo interior que lhes é próprio e que é difícil de ser reproduzido, mesmo pelos mais fiéis escudeiros. Por sua vez, este fenômeno explica a decadência de impérios, quando se dá o afastamento do carismático líder! Algo diferente acontece com o cristianismo! Imaginava-se, com a morte do Senhor Jesus Cristo, que o projeto do Reino por Ele anunciado logo se deturparia e sumiria. Afinal, mesmo em termos puramente humanos, não era nada fácil suceder o Mestre Jesus. Neste contexto, imagina-se o espanto dos discípulos, um grupo humanamente tosco e heterogêneo, ao ouvir da boca do próprio Mestre que caberia a eles dar continuidade à missão de varrer do mundo o pecado e a maldade. Que capacitação possuíam para tamanha missão? Jesus, na condição de líder carismático que de fato foi, conhecia a fundo a limitação do grupo por Ele escolhido. Assim, tão logo lhes anunciasse a missão, Ele emenda: recebam o Espírito Santo! No contexto do Evangelho e de toda a peregrinação de Jesus, fica claro que Ele agia sempre movido e inspirado pelo Espírito divino. Na linguagem teológica, em Jesus agia a Trindade Santa. Naquele memorável dia da ressurreição, Jesus não somente conclama seu grupo para dar continuidade a sua missão, mas o capacita para tal tarefa. Recorrendo a uma linguagem figurada de profundo significado, ao transmitir o Espírito Santo, Jesus sopra sobre os discípulos. Este gesto evoca a ação divina na criação do ser humano, quando o Criador sopra nas narinas da figura feita de barro e a transforma em ser vivente. O sopro representa a comunicação de algo íntimo, presente no doador. Assim, ao soprar sobre os discípulos, Jesus partilha com o grupo o mesmo Espírito que conduzia sua própria vida. Os continuadores passam, então, a ser habilitados não por causa de seus dotes humanos, mas por partilharem do mesmo Espírito divino que inspirava e conduzia o ungido Jesus! O leitor mais perspicaz levanta uma questão intrigante e oportuna: se os discípulos de fato agem movidos pelo Espírito de Jesus Cristo, como se explicam tantas infidelidades e desvios? Os textos sagrados oferecem pedagógico socorro para que se possa entender esta descontinuidade. Embora, Jesus transmitisse seu Espírito no dia da ressurreição, deu-se um hiato de cinquenta dias até a presença do Espírito se manifestasse na vida da primitiva comunidade. É interessante observar que no domingo da ressurreição os discípulos se encontravam reunidos, com medo e de portas fechadas. A situação de encolhimento persiste, cinquenta dias depois. Fica-se com a impressão que os discípulos não se deram conta da força neles abrigada. Receberam o dom divino, mas o mantinham guardado. Abafavam o presente. Fazia-se necessário uma forte sacudidela para eles se despertarem e reconhecerem que, amparados no vigor divino, tinham, sim, condições de levar avante a missão a eles confiada. Foi o que aconteceu no primeiro Pentecostes cristão. Sacudidos por forte ventania, reconheceram os discípulos que neles havia uma energia, simbolizada pelo fogo, habilitando-os a levar avante e com eficácia a missão recebida. Depuseram o medo e as demais hesitações e saíram da zona do conforto em que haviam se refugiado. A lição é clara. Não basta Jesus doar o dom do Espírito Santo. É preciso acolhê-lo. E acolhê-lo significa deixar-se tomar por Ele. Repara, a presença do Espírito é sempre acompanhada pelo qualificativo pleno. O Espírito enche. E tomando conta, transforma. Enquanto não se permitir que Ele se aposse, seu vigor permanece reprimido. O que explica os tantos e dolorosos desvios verificados na história do cristianismo. Por outro lado, quando generosa é a acolhida, verifica-se um natural afastamento das zonas de conforto e de hesitação, acompanhado por uma igualmente natural sucessão de iniciativas transformadoras! Recebam o Espírito Santo! A REDESCOBERTA DA FÉ Cresce o número de candidatos ao batismo! A notícia adquire dimensão surpreendente e alvissareira quando se fica sabendo em que parte do mundo o fenômeno está acontecendo. Na França! Segundo informações repassadas pelo episcopado francês registra-se uma procura regular pelo sacramento do batismo por parte de adultos, tanto homens como mulheres. Na Páscoa deste ano, mais de três mil (3000) adultos foram batizados. Isolado, o comunicado já é motivo de alegria e de reflexão. Como o fenômeno vem se repetindo nos últimos anos, os bispos sentiram-se impelidos a conhecer os motivos que estão levando os cidadãos à fé. O resultado é intrigantemente provocador. Constata-se que a maioria dos que buscam o batismo, homens e mulheres, estão na faixa de 20 a 30 anos. Adultos da era tecnológica, portanto. As justificativas apresentadas oferecem, assim, uma avaliação interessante sobre a realidade da vida moderna e seus desdobramentos existenciais. Alguns candidatos confessam a indigência mental e espiritual que experimentam diante de perguntas e questionamentos levantados pelos filhos. Candidamente admitem sentir-se desprovidos de respostas convincentes para indagações básicas sobre o sentido da vida. Reconhecem ter encontrado na fé a direção e a segurança desejadas. Outros admitem um vazio e uma perplexidade angustiante quando passam por situações extremas como, por exemplo, o falecimento de um ente querido. Admitem ter encontrado na fé consolo e entendimento nestes momentos aflitivos. Afirmar simplesmente que a vida termina no túmulo insulta a dignidade humana e questiona as euforias diante das conquistas tecnológicas. Racionalmente não é admissível que a vida simplesmente acabe em nada. É apoiada na fé no sobrenatural que a alma humana compreende a dimensão do mistério da vida e consegue administrar com serenidade e esperança tanto os sucessos como os solavancos da contingência. Sem a fé a vida é fútil, uma viagem sem destino e as conquistas um cruel cinismo. Outros convertidos apontam o testemunho do convívio fraterno e solidário, associado ao exemplo de vida dado por genuínos praticantes, como fator decisivo para buscarem ingresso na Igreja. O ser humano não consegue viver isolado. E o ritmo moderno, sofisticado e tecnológico, induz sistematicamente o cidadão ao isolamento. Isolado o ser humano é vulnerável, candidato em potencial à depressão. Confirmam esses convertidos a real e salutar mística do Evangelho, que é o fascínio do encontro. Quem leva a sério o Evangelho aprende a reverenciar o semelhante, a elevar o nível de relacionamento, em qualquer departamento da vida. Todas essas motivações atestam que as tensões existenciais que atualmente tanto atormentam o cidadão encontram na fé coerente encaminhamento. Ao procurar a luz da fé e a direção da Igreja, esses adultos não estão em busca de rituais ou doutrinas, nem refugiando-se numa mística alienante. Entendem, ao contrário, que somente na adesão a Jesus Cristo e sua Igreja conseguem encontrar respostas concretas, capazes de ajudá-los a administrar os conflitos rotineiros e a dar à existência um rumo seguro. Emerge espontaneamente importante consideração: a fé não é um adereço irrelevante. Muito menos empecilho para o progresso. O batismo, quando procurado como resposta a questionamentos existenciais, impõe uma mudança radical na maneira de viver. E na maneira de pensar. A fé opera uma efetiva conversão, com benéficos reflexos não somente na vida individual, mas também coletiva! Na linguagem teológica esta mudança para um novo 'modus vivendi' é definida e com precisão como renascimento. O batizado, ao mesmo tempo que preserva todas as atividades cidadãs, imprime nelas uma configuração nova. Motiva-o não somente vantagens imediatas, que na atualidade limitam e condicionam toda atividade do ser humano, mas a fascinante descoberta de um jeito de levar a vida baseado na justiça, na fraternidade e na promoção humana. O principal na existência deixa de ser a ascensão individual e passa a ser a promoção coletiva e humanitária. A certeza na dimensão eterna da vida colabora decisivamente na perseverança em projetos que, mesmo sem lucro, efetivamente constroem. Homens e mulheres na próspera e moderna sociedade francesa estão redescobrindo o fascínio da fé e a importância de pertencer à Igreja. Alvissareira notícia. Impactante fenômeno. VENCER "Só tenho Copa na mente ... a Seleção na minha frente ...". É a música popular brasileira que, em sintonia com a história, retrata com precisão o sentimento nacional. De fato, a partir do ponta pé inicial tudo no Brasil passou a girar com mais intensidade em torno do desempenho da Seleção na Copa. Mesmo as pessoas que normalmente não se empolgam tanto com o futebol deixam-se contagiar pelo entusiasmo e pelo espírito festivo e cívico. E isto é bonito de se ver e de se viver. Ocasiões como estas oferecem privilegiada oportunidade para o cristão testemunhar sua identidade, renovando e elevando ambientes. A realização da Copa é um belíssimo acontecimento para fazer brilhar a luz do Evangelho. A começar pela maneira de receber e tratar o estrangeiro que visita o país. A afamada cordialidade brasileira alcança picos de excelência quando temperada pela fraternidade cristã. A caridade ensina enxergar o torcedor da outra seleção não como rival, mas apenas como adversário. Consciente, inclusive,que se não houvesse adversário nem jogo teria. Realiza-se o torneio da Copa porque existem seleções em busca da sua conquista. Desponta aí um delicado e intrigante desafio. Como lidar, de forma cristã, com a vitória! O êxito costuma alimentar a soberba! E a soberba abastece a arrogância. Considerar e celebrar a vitória com a mentalidade de quem aniquila o inimigo revela mesquinhos sentimentos, incompatíveis com o espírito fraterno. Deve-se torcer, evidente, pela vitória da Seleção, e que seja vitória convincente. Não é correto, no entanto, cair na insolência, passando a ser inconveniente. Que se saiba filtrar o que se vê, o que se lê e o que se ouve nos exaltados comentários após os jogos. Arroubos de paixão são compreensíveis, mas não se pode deixar-se dominar por impulsos. Conhecem-se de sobra as trágicas consequências de torcidas dominadas por primários instintos. Em rodas de amigos, saberá o cristão testemunhar que é possível festejar e alegrar-se sem grosserias e desaforos. Inclui-se aí a moderação no consumo de bebidas alcoólicas, cujo excesso tantos danos causa, para o próprio indivíduo, para a sua família como também para o próximo inocente. Que se vibre com as vitórias sem perder a dignidade. Preserva-se a dignidade também na derrota. Perder o jogo faz parte do certame. Convenhamos, nem todos sabem digerir derrotas. A compreensível frustração se transforma muitas vezes em ira, descarregada não raramente em quem nada tem a ver com o jogo em si. Sabe-se de rompantes estúpidos e injustificáveis com familiares, funcionários, colegas de trabalho resultantes da decepção com o resultado negativo do jogo. É sinal de maturidade saber aceitar revezes. É sinal de bom senso reconhecer a superioridade e o mérito do adversário. Acima de tudo reconhecer que uma derrota nem sempre significa o fim, pode representar a oportunidade para um novo aprendizado. Sem esconder a decepção e a frustração, o cristão ensina manter a dignidade e a humildade também nas derrotas. De inestimável valor educativo, em especial com relação a crianças e jovens, é o comportamento genuinamente evangélico nos revezes e nos insucessos. Na realização desta Copa, outras considerações são oportunamente levantadas. Muito se questionou, corretamente, quanto a temeridade de realizar o certame no Brasil. Os bilionários gastos impostos, com as constantes suspeitas de superfaturamentos e desvios, causam justificadas revoltas. A população desabafa protestando. O cristão também tem papel preponderante neste campo político-social. Dele se espera posicionamentos claros e coerentes. Protagonismo, em suma. Que se alie aos que pedem apurações criteriosas e junte-se aos que denunciam abusos comprovados. Que apóie punições exemplares aos aproveitadores e exija ressarcimentos. Que marque presença no repúdio a ambições megalomaníacas, que usam a nação e seu patrimônio para inflar vaidades e alimentar cultos de personalidade. Que proteste, enfim, com firmeza e objetivos. Exigir melhorias decentes, que atendam as reais urgências da população é ato cívico de cristão engajado. Perspicaz e coerente, o cristão mantém distancia de quem usa o protesto com fins demagógicos e ideológicos. Fixa posição contra todo vandalismo. Não é com quebra-quebra que se prove que se tem razão. Nem torcendo contra a Seleção. A realização da Copa do mundo é ocasião privilegiada para anunciar a supremacia do amor fraterno. A Copa se ganha no campo! A fraternidade se impõe pelo testemunho! O mote é vencer! SOLO SAGRADO "Rezaremos pela paz"! Foi o apelo que o Papa Francisco dirigiu aos chefes dos Estados de Israel e da Autoridade Palestina em sua marcante visita ao Oriente Médio. Pronta e diplomaticamente ambos os presidentes aceitaram atender ao apelo do Papa. Ao oferecer sua residência para o encontro, o Papa parece visar um encontro íntimo, de oração mesmo, distante de discursos e posturas protocolares que costumam render fotos e manchetes, mas ralos resultados práticos. A aceitação imediata das lideranças não deixa de ser positivo agouro. Acena para sinceros sentimentos de superação de conflitos. Emerge a angustiante indagação: por que é tão difícil haver paz, justamente em Jerusalém, a cidade da Paz? Supremo paradoxo, a cidade reconhecida sagrada por judeus e muçulmanos vive em constante tensão! É difícil entender o conflito sem inteirar-se da complexidade da realidade, com reflexos na consciência dos dois povos. Judeus e palestinos consideram sua a região por direito. Os judeus inspiram-se e apóiam-se nos livros sagrados. Registrado está solenemente na Bíblia que Deus não somente lhes deu aquela terra como herança, como também participou ativamente para ali instalá-los. Inúmeros são os textos sagrados que confirmam esta doutrina. Não se pode esquecer que para os judeus religião e nacionalismo se confundem. Assim, o símbolo maior da soberania judaica é o Templo, construído primeiro por Salomão e reconstruído após o exílio babilônico. É perceptível o sentimento patriótico quando o judeu refere-se ao Templo, e não precisa ser judeu praticante! O Templo representa a morada de Deus, não somente em sentido espiritual, mas igualmente em sentido cívico e nacional. Deus é o único soberano da nação judaica! Ora, com a destruição do segundo Templo pelos romanos os judeus foram obrigados a fugir e se dispersar pelo mundo. Sem, porém, nunca superar a saudade da terra, daquele pedaço de chão que, por direito divino, consideram próprio. Enquanto estiveram os judeus dispersos pelo mundo, o local não ficou desabitado. Nativos o ocuparam e ali residem há séculos. Como desalojá-los por decreto? A história registra, primeiro, a invasão bizantina, cristãos ortodoxos, que impulsionados por sentimentos piedosos, ocuparam a região e construíram igrejas e mosteiros nos supostos lugares frequentados por Jesus. O local, obviamente, transformou-se rapidamente em destino para peregrinações. Surge, então, no séc. VII, Maomé, apresentando-se como o mais autêntico profeta divino. Aproveitando-se do ambiente místico da cidade de Jerusalém, Maomé a escolhe como a sua derradeira morada. Os muçulmanos acreditam que foi de lá que Maomé foi arrebatado vivo ao céu. Assim, ao lado da igreja bizantina, que foi erguida onde antes havia o Templo, os muçulmanos ergueram uma mesquita para marcar o chão sagrado de seu profeta! A expansão do império Otomano, marcadamente muçulmano, busca impor sua hegemonia e conquista a região considerada sagrada por judeus e cristãos. Ao avançarem pela palestina, os otomanos destroem igrejas e as substituem por mesquitas, inclusive e principalmente no território onde ficava o Templo. Impõe-se ali, soberana, a mesquita da cúpula dourada, símbolo maior da pujança muçulmana. Simultânea e compreensivelmente, afronta maior ao brio judeu! O cidadão judeu não digere de forma alguma o que considera apropriação indébita e nem cogita desistir de lutar para reconquistar o espaço sagrado, local por Deus escolhido como sua habitação, centro de preces e peregrinações! Suaviza a amargura, com o acesso ao muro das lamentações, o alicerce que sobrou do segundo Templo. A questão política se insere neste fervente caldo patriótico-religioso. Obviamente, outros fatores agravam e tornam ainda mais complexa a situação. É de se reconhecer, todavia, que ambas as partes defendem válidos argumentos. Reconhecer a legitimidade desses direitos parece constituir-se num fundamental passo na direção para um convívio civilizado. Dispõem-se, o Papa Francisco, o Presidente Shimon Peres e o Presidente Mahmoud Abbas, ao se prostrarem em oração, a ouvir, a atender e a colaborar com o mais profundo desejo do Deus-Amor, reverenciado por ambos os povos, fazendo a paz acontecer, naquele solo sagrado. Uma paz não apoiada em armas e bombas, mas alicerçada no respeito e na fraternidade entre os cidadãos. Paz para Jerusalém! NACIONALISMO RELIGIOSO No estado de Israel, religião e cidadania se confundem. O país judeu é declarada e ostensivamente religioso. Apoiada no patrocínio total do Estado, a religião judaica impõe preceitos e costumes bíblicos sobre quem se encontra no país, residente ou turista. Digno de registrar é o fato de que nem todos os judeus residentes são praticantes. No entanto, costumes e observâncias religiosas judaicas são impostos sobre quem se encontra no país. Esta condição fica patente, e de uma maneira particularmente notável, ao aproximar-se o SHABAT, o sábado, dia santo semanal judaico. Vale lembrar que, para os judeus, o dia começa ao pôr do sol, conforme orientação bíblica. Dessa forma, já a partir das 15hs de sexta feira, acólitos da sinagoga se postam em lugares movimentados, sinaleiros por exemplo, e com os badalos de suas sinetas, anunciam a chegada do SÁBADO. Gradualmente, o trânsito vai se rareando e as pessoas vão se recolhendo em suas residências. Comércio fecha as portas: até para encontrar restaurante fica difícil. As compras domésticas se concentram nas quintas feiras, reservando assim o SÁBADO para o retiro recomendado. Turista desavisado que chega a Israel em dia de sábado passa apuros. Ao pôr do sol, observa-se uma movimentação interessante. Os homens, trajando o tradicional terno escuro, com seus chapéus peculiares - os homens rezam somente se tiverem a cabeça coberta - vão se dirigindo até a sinagoga do local, enquanto as mulheres, acompanhadas de suas crianças, todas arrumados, vão se reunindo em casas de vizinhos para a reza que anuncia e louva a Deus pela chegada do dia santo. Inclui a reza o rito de acender velas, agradecendo a Deus pela luz, e o ritual de beber vinho, bendizendo o Criador pela vida e pela prosperidade. Em hotéis, mesmo os mais movimentados, os elevadores funcionam, 'modo sabático', ou seja, sobem ou descem apenas um andar por vez, para o evidente desespero dos hospedes. Quando, então, chega o pôr do sol do sábado para domingo, retoma-se o frenético movimento do cotidiano. Nos aparadores do café da manhã, fartos e diversificados, nem sinal de presunto, qualquer que seja o dia da semana. O visitante e o judeu indiferente que se conformem e se submetam à abstinência imposta. Celebração outra festiva atrelada ao caráter religioso do país é a BAR MITZAH. Este evento festeja a chegada à idade adulta dos rapazes. Segundo a tradição bíblica, um jovem chega à idade adulta, ao completar 13 anos, segundo o calendário judaico. Atingindo esta idade, o rapaz é considerado adulto, isto é, em condições de discernir o que é certo e o que é errado, legalmente apto para casar-se. É um cidadão, em suma! No entanto, é a dimensão religiosa que se destaca na celebração. Pois ao chegar à idade adulta, o rapaz assume as observâncias religiosas principais, como a reza do SHEMÁ nas horas marcadas. Esta oração motiva o judeu e o lembra a reconhecer o Criador como o único Deus e somente a Ele amar e servir. Passa a ter acesso ao livro sagrado do TORAH, os cinco primeiros livros bíblicos, que nas sinagogas é representado por um canudo que pesa aproximadamente 15kls. Este rolo, guardado com reverência e destaque na sinagoga, é entregue simbolicamente ao rapaz, que o carrega em público, acompanhado de familiares e amigos, que cantam e dançam, animados por músicos. Na sinagoga, o rapaz recebe o TEFELIN, duas pequenas caixas que contêm a oração do SHEMA e outras obrigações religiosas. Uma dessas caixas é amarrada na fronte e a outra no braço esquerdo, a altura do coração, lembrando o rapaz a guardar a palavra de Deus na mente e no coração. O trajeto festivo se dá nas ruas, sem nenhuma preocupação com os evidentes transtornos para veículos ou pedestres. Turistas curiosos param, admiram e até participam. Os inconformados, simplesmente esperam a banda passar. Religião e cidadania se confundem em Israel. Aprovando ou não, o turista e o cidadão ficam inapelavelmente sujeitos a preceitos e costumes religiosos de judeus devotos, apoiados e patrocinados pelo Estado! MÃE ESPIRITUAL O emotivo segue o biológico! No sistema biológico, tão logo acontece a fecundação do óvulo materno, todo organismo feminino passa trabalhar em função da nova vida que nasce. Tudo muda com a maternidade! O processo acontece sem mesmo que a mãe tenha ainda a certeza da fecundação. Por uma química, natural e espontânea, a mãe se liga visceralmente à sua prole. Ligação esta tão forte e vital que transcende o período de gestação. Este vínculo espontâneo explica o natural desconforto que envolve a discussão jurídica e existencial em torno do aborto. Se o processo abortivo fosse tão opcional como, digamos, uma cirurgia plástica, certamente não provocaria debates tão acalorados. Nem desconfortos tão evidentes. A ligação e a responsabilidade materna com relação à prole não são impostas nem opcionais. São naturais e viscerais. Ultrapassam o período de gestação. Conversações com mamães atestam e confirmam este íntimo envolvimento com a história do filho, independentemente da idade e da maturidade tanto da mãe como da criança. Mães sentem-se responsáveis, e se cobram com rigor, pelo destino de seus filhos. Por instinto natural, a mãe se empenha para assegurar ao filho uma história de êxito. A maior glória materna é o sucesso do filho. Neste sentido, não mede esforços nem cansaços. Intui, contudo, a mãe a real diferença entre sucesso profissional e realização na vida. São muitos os filhos que alcançam êxito profissional, acadêmico e financeiro. No entanto, não causa estranheza que mesmo atingindo sucesso profissional, nem todo filho se considera realizado. Aplauso humano nem sempre é garantia de satisfação, daquela sensação de descanso, própria de uma pessoa realizada. Indicativo claro que o ser humano necessita mais que sucesso material para poder considerar-se realizado. Numa sentença precisa, nosso Senhor Jesus Cristo, confirmou esta verdade quando aconselhou a lutar por um alimento que dura para a vida eterna e não por um que perece! A felicidade humana não depende somente de êxito material, encontra-se atrelada igualmente à dimensão espiritual. Este é um campo que as pessoas estão felizmente redescobrindo! O grande paradoxo do atual ritmo de vida confirma a necessidade que o Homem tem de cultivar seu lado espiritual, mesmo com o formidável avanço tecnológico. É no lar, evidente, que este cuidado começa a forjar-se. Assim como instintivamente a mãe sente-se responsável para alimentar e educar o filho, deve igualmente reconhecer-se responsável pela sua formação espiritual. A formação religiosa, quando consciente e apropriada, é como o alicerce a dar consistência a todos os projetos e realizações. A religião garante coerência e unidade na vida. Por outro lado, quando ausente, percebe-se que todas as conquistas, por mais admiráveis, não garantem aquele descanso almejado. Parecem desconexas, fragmentadas. Maravilhas acontecem na vida de um filho quando é educado na fé. Pode-se, a esta altura da reflexão, cometer um equívoco, ao pensar que esta é uma tarefa a mais para a mãe realizar. Já são tantas as obrigações! Já é tão estafante a jornada. Na realidade, a educação na fé complementa aquelas outras tarefas básicas e indispensáveis que a mãe reconhece naturalmente serem suas obrigações para com seus filhos. Sem religião falta à existência aquele substrato que dá direção e garante harmonia. No fim, sobra a sensação que faltou aquele elemento vital a garantir à existência aquela dose de alegria interior, complementar! Educar na fé é muito mais que ensinar a rezar ou a freqüentar uma igreja. Fundamentalmente, educar na fé é conduzir o filho a ter o seu encontro pessoal com Deus! Aprender com a mãe desde a tenra idade que é uma pessoa amada incondicionalmente por Deus cria no subconsciente do filho uma inquebrantável segurança afetiva. Naturalmente, passa a confiar e a relacionar-se com um Deus que é amor, a quem pode recorrer qualquer que seja a circunstância da vida! O grau de autoestima e de valorização pessoal que o sujeito adquire ao estabelecer uma consciente e constante comunhão com Deus é um precioso legado, a garantir emocional estabilidade diante dos inevitáveis contratempos do cotidiano. Confiante e amparado, segue, sempre e serenamente, em frente. FELIZ DIA DAS MÃES! BENEFÍCIO Segurança é comum anseio! Entre as necessidades mais prementes para uma vida digna, destaca-se a urgência da segurança. As constantes e reais ameaças contra a integridade física e patrimonial levam os cidadãos a viver em permanente estado de sobressalto. Qualquer ruído estranho, como qualquer postura ou olhar considerados suspeitos já são motivo para a desconfiança. Não raramente, com intenção de proteger-se, o cidadão age agressivamente, piorando ainda mais a situação de paranóia. Consequência previsível deste estado de pânico é o florescimento da indústria de segurança. Ressalva-se, lamentavelmente, que mesmo com tanta tecnologia a serviço da segurança, o cidadão não vive tranquilo. Ao contrário, anda sob a constante sombra do medo, sinal claro que é preciso mais que tecnologia para o cidadão gozar a tão almejada paz! As narrativas da ressurreição de Jesus, conforme registradas nos evangelhos, apresentam um dado interessante, que reúne reais condições para assegurar o sonhado sossego. Ao ler com atenção essas narrativas percebe-se que a presença viva do Ressuscitado está intimamente atrelada ao convívio fraterno entre os discípulos. Na versão dos evangelhos sinóticos, o anúncio da ressurreição do Senhor é acompanhado pela ordem de reunir os discípulos novamente na Galiléia. Ali, congregados, poderão encontrar-se com o Senhor! Na versão do evangelista João, o encontro de Jesus ressuscitado com os discípulos se dá no mesmo dia da ressurreição enquanto estão reunidos, a portas fechadas. O evangelista insiste no medo que tomava conta do grupo, medo que dá lugar a alegria com a presença de Jesus. Para reforçar a dimensão comunitária da nova realidade, João acrescenta o episódio de Tomé, que, na hora, se encontrava ausente. Os amigos contam a visita de Jesus, mas ele recusa crer. Exige provas. E a prova lhe é oferecida, oito dias depois, novamente quando o grupo está reunido e desta vez Tomé está junto. A mensagem é por demais clara: viver em comunidade, além de ser uma das consequências primeiras da fé na ressurreição do Senhor ajuda a vencer o medo. A mesma mensagem é repassada pelo evangelista Lucas, no episódio dos discípulos de Emmaús. Dois discípulos decidem afastar-se de Jerusalém, presumivelmente para retomar seus originais trabalhos. A morte de Jesus, provocou, certamente, a dispersão do grupo. É comum, quando um líder falece, o grupo de seguidores se disperse e se fragmente. No caminho, Jesus se aproxima dos dois e caminha com eles ao longo do dia. Ao chegar ao destino, aceita o convite para com eles sentar-se á mesa e ao repartir o pão é reconhecido. A reação dos dois é inspiradora: voltam imediatamente para o grupo e partilham a novidade! Entendem que o lugar deles é junto com a comunidade dos discípulos! A vitória de Jesus sobre a morte, sua real presença junto aos seus após a ressurreição fez o grupo compreender que o testemunho maior que devem ao mundo é seu convívio comunitário. O ser humano é naturalmente sociável. Este convívio, contudo, fica muitas vezes conturbado por causa das inúmeras limitações humanas. Valores conflitantes e defeitos de personalidade tumultuam a convivência, tornando-a frequentemente difícil, excludente e, até, repulsiva! São necessários radicais ajustes de personalidade para que se possa viver bem em comunidade! É a proposta e a aposta de Jesus ao insistir no único mandamento do amor fraterno, possível somente para quem se dispõe a esquecer-se de si e renunciar a suas preferências. Compreende-se o empenho do evangelista Lucas, no livro dos Atos dos Apóstolos, em exaltar o convívio fraterno da primitiva comunidade. Admira-se o grau de fraternidade daquele primeiro grupo de seguidores. E entende-se perfeitamente que a pregação mais eloquente que apresentava, e que acabava atraindo numerosos admiradores e seguidores, era o exemplo de convívio fraterno. Como se amam, costumava-se comentar. Ora, a base do convívio fraterno é o respeito mútuo. Antes de investir em tecnologia para garantir segurança, deve-se aprender a investir no respeito mútuo. Quanto mais sólido o respeito pelo semelhante, menor fica a possibilidade de agressão. É mais um benefício, enorme, que a fé na ressurreição de Jesus proporciona à vida civil. É o peculiar contributo dos cristãos para um convívio pacífico e tranquilo! SEDE Jesus pediu água! Em duas ocasiões distintas, o Mestre revelou estar com sede. E sem nenhum constrangimento, ao externar seu estado, quis que ficasse registrado. A primeira vez que pediu água foi em Samaria, e para uma mulher, enquanto sentava a beira do poço de Jaco. A segunda, foi na hora dramática da crucifixão. Com forte grito, Jesus revelou estar com muita sede. Ao analisar detidamente os acontecimentos é se induzido, todavia, a concluir que a sede de Jesus era de natureza diferente da necessidade natural de hidratar-se. Pois em ambas as circunstâncias não há registro que o Mestre tenha consumido alguma bebida. No envolvente diálogo a beira do poço, Jesus usou a sede como estratégia para abrir a conversação com a mulher de Samaria. Nota-se que o evangelista não registra o nome da samaritana, detalhe que segundo os estudiosos, acena tratar-se não tanto de uma pessoa em particular, mas de uma categoria de gente. No caso, presume-se tratar de samaritanos, e por extensão, de todas aquelas outras categorias de pessoas cujo dogma ou ritual religioso encontra-se fora da ortodoxia oficial. Sabe-se que os judeus consideravam hereges e idólatras os samaritanos, povo a ser evitado. Jesus não somente não evita, como puxa conversa com a pagã. A maneira simples e direta de pedir água desconcerta a mulher e a induz a afrouxar a previsível resistência. Ela provoca-o e o ironiza, mas Jesus não perde o comando. Ao contrário, sutilmente vai expondo as fraquezas da mulher, não para humilhá-la, mas para ajudá-la a reconhecer os equívocos que a mantinham sedenta. Ao final, não sobra à mulher alternativa, ela reconhece Jesus como o Cristo que a humanidade aguarda. Registra-se, então, um detalhe significativo. Ao reconhecer a identidade de Jesus, a samaritana larga, espontaneamente, o cântaro e corre para anunciar a novidade a seus conterrâneos. O texto não explicita, mas insinua: a samaritana e Jesus tiveram sua sede satisfeita! Sem forçar situações, Jesus convence a mulher que a maior sede da vida dela não era de água material, mas de encontrar o verdadeiro sentido para sua existência. As bicas que ela procurava não satisfaziam seus anseios. Somente quando reconheceu a identidade de Jesus e nele depositou sua fé, sua sede ficou saciada, conforme a ousada afirmação do Mestre. A água que Ele tinha a dar não somente matava definitivamente a sede, como fazia brotar no coração do crente uma fonte a saciar a sede dos outros. Ao vê-la liberta, Jesus também satisfez sua sede. A segunda ocasião quando Jesus revelou estar com muita sede, foi enquanto crucificado. Presume-se tratar-se de sede natural, afinal, Jesus devia estar seriamente desidratado após perder tanto sangue. Os soldados ofereceram-lhe vinagre, que Ele recusou. Ao rejeitar a bebida, Jesus, novamente, deixa transparecer que sua sede era de outra natureza. O grito na cruz escancara o enorme desejo em Jesus de ver o mundo compreender a singularidade de seu gesto e, ao compenetrar-se do imenso amor que Deus tem para com a humanidade, deixar-se cativar e para Ele voltar. A ânsia de Jesus de ver as pessoas libertas e vivas é tão urgente quanto o desespero do sedento em busca de alguma bica capaz de refrescar-lhe os lábios. Na cruz, Jesus expõe até onde chega o amor de Deus pela humanidade. Ama até o fim, literalmente! Importava, naquela hora, não tanto os atrozes sofrimentos, mas, sim, o resgate, a libertação de todas as pessoas! Somente o apóstolo João registra a sede de Jesus, justamente o evangelista que recheia seu evangelho de alegorias. Fica claro, a sede de Jesus não é de água. É de gente! E esta sede aponta para a grande e fundamental verdade: somente em Jesus as pessoas encontram a resposta para os mais profundos anseios de vida. Enfaticamente, Jesus afirma: quem beber da água que tenho a dar, nunca mais passará sede! Ousada promessa. Feita, contudo, com a convicção e o carinho de quem conhece os mais urgentes anseios da alma humana e sabe possuir plenas, e únicas, condições de a satisfazer! Por outro lado, enquanto uma única criatura houver com sede de realizar-se como gente, o Mestre continua acusando sede. O sinal de que seu grito sensibiliza e comove é o empenho em colaborar com Ele na redenção da humanidade! RACISMO Emerge, novamente, a questão racista! Em espaço de poucos dias, por ocasião de vários eventos esportivos, sucederam-se agressões de caráter discriminatório. Necessário se faz destacar detalhes com o objetivo de tornar mais serena a reflexão. Primeiro aspecto importante a destacar é diferença entre racismo e injúria racial. Racismo constitui crime inafiançável porque nega a um cidadão, e por motivos de cor da pele, o exercício de um direito garantido pela Constituição. Impedir um cidadão de locomover-se ou trabalhar por ser negro constitui crime de racismo, inafiançável e imprescritível. Por outro lado, quando o cidadão negro é ofendido com nomes ou gestos que mancham sua honra, o crime é de injúria e permite fiança. O que aconteceu recentemente nos eventos esportivos deve ser classificado como crime de injúria e não de racismo. O segundo dado importante a destacar são as circunstâncias que deram origem às injúrias, as ofensas aconteceram em eventos esportivos. Nessas competições, a paixão costuma sobrepor-se à razão e o sujeito que, no dia-a-dia, tende a ser controlado e ponderado, deixa-se dominar pelo impulso. Facilita este extravasamento impulsivo o fato de o sujeito se encontrar em meio a grupos que partilham sentimentos semelhantes de frustração pelo fato de o time ou estar em desvantagem ou por achar que está sendo prejudicado. Em situações semelhantes a civilidade e a educação somem e dão lugar a impulsos primitivos de agressão, como lamentavelmente confirmam as freqüentes e trágicas brigas entre torcidas. O esporte que deve ser uma atividade lúdica e agregadora se transforma em contenda, ocasião de iras e injúrias intoleráveis. O fato de o esporte se apresentar como palco frequente para o extravasamento de emoções, e nesses recentes episódios, para externar sentimentos de cunho racista, escancara uma realidade indigesta e desconfortável. Ilusão imaginar e propagar que, entre nós, a questão racial é assunto superado! Ela existe e talvez segue alimentada no inconsciente da sociedade, a ponto de manifestar-se de uma maneira agressiva e grosseira quando se perde o domínio do consciente. Esses palcos que liberam fortes emoções acenam para a persistência de resíduos racistas na cultura de povo. Denunciam, a moda de caixas de ressonância, raízes profundas de mentalidade discriminatória e sectária. É preciso reconhecer que a cultura racista ainda persiste! Aceitar a verdade, por mais desconfortável, que a tal de democracia racial dissimula a realidade representa importante passo para a superação da infeliz mentalidade, e consequentemente de agressões e injúrias de cunho racial. Tem se discutido amplamente a cerca das punições a serem aplicadas aos cidadãos ou às agremiações que abrigam infratores. Logicamente, a impunidade no esporte servirá de estímulo para semelhantes manifestações em outros segmentos da sociedade. Há de ter punições, sim, e exemplares. O castigo induz a pessoa a vigiar-se melhor. O foco das energias, contudo, deve centrar-se na superação efetiva desses resíduos racistas camuflados na cultura do povo. É pela educação que se elimina o racismo. Tarefa ingente e envolvente que exige profundas mudanças de mentalidades e posturas. A começar pelas famílias. Pois é ali que o sujeito ouve comentários e aprende anedotas de cunho sectário. Infelizmente, o legado histórico continua a exercer considerável influência na maneira de julgar pessoas e classificar etnias. É preciso, pois, um trabalho articulado e incessante para desfazer essas categorias seculares e arbitrárias. Mentalidades não se mudam por decreto. Nem por slogans de impacto, mas a partir da consciência da injustiça nelas incrustada. É preciso colocar-se no lugar do ofendido! É preciso sentir a dor que a humilhação provoca. Educar na cidadania é despertar a consciência para a dignidade intrínseca do outro, sem se deixar influenciar por qualquer outro critério exterior. A religião cristã é uma das instâncias que melhores condições reúne para promover uma justa e digna fraternidade. A essência do cristianismo é promover a fraternidade universal! Às comunidades cristãs cabe especial responsabilidade na educação contra o racismo! Paradoxalmente, ao empenhar-se em promover a dignidade de todas as raças, o cristianismo repararia pela cumplicidade junto ao colonizador escravagista e faria a correta penitência pelas graves omissões diante de séculos de injustiças, abusos e humilhações! A ESCOLA DE JUDAS Liberdade e dignidade se complementam. O ser humano alcança a verdadeira dimensão da sua identidade quando vive e age com liberdade. Agir com liberdade representa possuir totais condições para a prática do bem. Manifesta estima para com o ser humano quem lhe preserva a liberdade e promove sua dignidade. No dogma cristão, Deus é o maior defensor da condição humana, pois encarnou-se com o específico objetivo de oferecer sua vida para restaurar e assegurar a independência da família humana. Custou caro a Deus a liberdade humana. Se o custo foi tão elevado é sinal que a causa merece. Pela lógica dogmática, todas as tentativas para cercear ou mesmo para sufocar a liberdade humana ferem diretamente a ternura que o Criador guarda por sua criatura predileta. E o clamor do ser humano reduzido à condição de objeto e de escravo sempre atravessa os céus. E, assim como outrora Deus sensibilizou Moisés e o enviou para libertar seus conterrâneos, explorados pela ganância de Faraó, quer, nesses tempos, despertar seus filhos para sensibilizarem-se diante de uma forma aviltante de escravidão que explora milhões de seres humanos. Segundo estatísticas oficiais mais de dois milhões de pessoas são traficadas anualmente gerando um lucro infame de mais de 32bilhões de dólares. Este vergonhoso faturamento explica, sem justificar evidente, porque existe e persiste este vil comércio. Simultaneamente, deve fazer despertar um profundo sentimento de repúdio na consciência de todas as pessoas de boa vontade, em especial no coração daqueles que professam e chamam Deus de Pai. Afinal, que filhos são se, ao verem explorados e humilhados seus irmãos, filhas e filhos amados do mesmo Pai, redimidos pelo mesmo divino sangue do Redentor, permanecem calados ou omissos. Em boa hora, a Igreja Católica coloca este doloroso assunto em foco ao escolhê-lo como tema da Campanha da Fraternidade do corrente ano. E o faz na justa perspectiva da Quaresma, tempo litúrgico dedicado à revisão e renovação da identidade cristã. Aplicado nas tradicionais exercícios do jejum, da oração e da esmola, o cristão busca limpar a poeira acumulada na sua consciência e na sua conduta com a intenção de recuperar o brilho original do candelabro colocado sobre a mesa para iluminar a todos que estão em volta. Ao focar o tráfico humano como referência principal nesta jornada renovadora, a Igreja propõe como objetivo geral de sua campanha fraterna a identificação e a consequente denúncia de todas as formas de mercantilização do ser humano. Alicerçada na profunda convicção da dignidade inerente a cada ser humano, criado a imagem e semelhança de Deus, reconhece como infame este comércio e quer sensibilizar e motivar não somente seus fiéis, mas toda a sociedade para combatê-lo e erradicá-lo. Sob pretexto nenhum o ser humano pode ser reduzido à condição de mercadoria, ter o nome substituído por um código de barras, com vistas à exploração e com a aviltante finalidade de lucro. Para alcançar o objetivo de assegurar a dignidade e a liberdade a todo ser humano, a Igreja propõe, sempre na perspectiva de fraternidade, vários meios operacionais. É preciso identificar e denunciar causas e estruturas que favorecem o tráfico como também alertar para as falsas promessas usadas para confundir, iludir e, no fim, aliciar as vítimas. Se a dimensão é estrutural, é evidente que o poder público, em todas as suas esferas, precisa intervir não somente para coibir, mas principalmente para prevenir que inocentes criaturas caiam vítimas de agentes gananciosos e inescrupulosos. Enfim, inspirada no exemplo de Jesus Cristo que com ternura olhava, se aproximava e tocava o rosto dos aflitos que clamavam por Ele, pedindo piedade e misericórdia, a Igreja urge seus fiéis a olharem de frente e com coragem ao cruel desafio que anda desfigurando tantos rostos humanos. A escola de Judas Iscariotes continua atraindo alunos. O tilintar das moedas os cega e os torna insensíveis, a ponto de os transformar em traidores de sua própria raça. Vendem por dinheiro gente iguais a eles! Sensibilizados por mais esta vergonha humana, que tanto sofrimento provoca, os cristãos, em sua peregrinação rumo à Páscoa, abraçam a causa de tantos irmãos e irmãs e comprometem-se na superação desta flagelo, assegurando a todos uma digna vida de liberdade e de paz! É para a liberdade que Cristo nos libertou! VOCAÇÃO FEMININA O silêncio se presta admiravelmente para realçar a identidade feminina. Ousada expressão para o dia de hoje, passível de várias leituras. As adeptas do movimento feminista desconfiam tratar-se de uma guinada conservadora, que pretende relegar a mulher à submissão que durante séculos subjugou-a e sugou-a indevida e injustamente. Inconformadas com o machismo dominador, as feministas querem que a mulher levante a cabeça, se imponha, reclame seu espaço. Há, contudo, outra leitura, menos agressiva, mais feminina. As adeptas do estilo feminino enxergam no silêncio, no recato, ferramenta poderosa, de características tipicamente femininas. Fazem do silêncio uma leitura dinâmica, nada a ver com passividade. Nesta leitura, o silêncio é estratégico, corolário da conhecida intuição feminina, típica postura da pessoa ponderada, que escuta e assimila em vista de uma profunda transformação, a semelhança da terra úmida que acolhe a semente e na ativa quietude de suas entranhas a transforma em pujante vida. A comparação com a fecundidade da terra tem muito a ver com o ser feminino. A constituição biológica da mulher naturalmente a associa com a dinâmica da reprodução, uma dinâmica que envolve formidável engrenagem entre vários membros e que acontece naturalmente no mais profundo das entranhas femininas, elevando a mulher à condição de mãe. Sem nenhum ruído, mas de uma maneira bastante significativa, a maternidade realiza o ser feminino. Curiosamente, a maternidade, e os subsequentes desdobramentos domésticos, contrapõem as feministas às femininas. À grosso modo, aquelas acham que, ao dedicar-se preferencialmente às tarefas maternas e domésticas, a mulher se priva de inúmeras outras possibilidades de realização. Afirmam possuir a mulher consideráveis capacitações profissionais que ficam, previsivelmente, abafadas pelas exaustivas tarefas maternas e domésticas. Motivam, então, a mulher a postergar esta inclinação, incentivando-a a realizar-se, primeiro, como pessoa e como profissional. Ela precisa encontrar seu espaço e afirmar-se na sociedade, adestrando-se para isso a competir com o homem, o agente que tradicional e culturalmente ocupa tais espaços. Em tese, não há o que contestar. Considera-se legítimo a mulher almejar realizar-se profissionalmente. Quem, todavia, se detém a analisar as consequências práticas que esta opção provoca é induzido a refletir. Autoras de destaque, entre outros pensadores, e vindas de várias culturas, não hesitam manifestar suas restrições e preocupações quanto a esta postura 'agressiva' da mulher moderna. Apontam uma sutil frustração interna na mulher que, mesmo voluntariamente, posterga a maternidade. A forçada repressão parece violentar a natural química feminina, interferindo, inclusive, em outra peculiar inclinação para o afeto. Reconhecendo-se emotivamente vulnerável, proíbe a si mesma envolvimentos sentimentais. Mirando sucesso na carreira, aceita as regras do jogo, que exigem das lideranças dureza e decisão. Esta postura agressiva que ajuda a mulher a afirmar-se profissionalmente, paradoxalmente a enfraquece como pessoa, em especial no campo de relacionamento. Quando julga estar na hora de constituir família, a sua formação competitiva e independente a tornam exigente e decidida, frequentemente no comando das ações com reduzida disposição para tolerância. Esta aparente ascensão causa, na verdade, sérias dificuldades no relacionamento, afastando ou mesmo assustando possíveis pretendentes. Observa-se que os homens sentem-se hoje sufocados, incertos quanto à conduta que deles se espera. As consequências óbvias desta intricada situação são ou um estado inupto forçado ou uma maternidade solitária. Ambas igualmente frustrantes. Sociólogos modernos insinuam ser este novo papel assumido pela mulher uma das causas para o descomunal aumento em divórcios e, pasme-se, para o fenômeno do crescente homossexualismo. A realidade impõe reflexão. Imprescindível para a sociedade a mulher encontrar sua identidade e realização! Escritoras mais centradas não enxergam antagonismos insuperáveis entre as correntes feministas e femininas. Ambas prestam a conquistas e manipulações. O bom senso sugere equilíbrio. Silêncio. Intuição madura. Curiosamente, atributos todos femininos! O conjunto da sociedade avança admiravelmente quando a mulher encontra e abraça sua genuína vocação feminina. FAMA OU FRUTOS Carnaval combina com descontração! Acontece que, ocasionalmente, a descontração é confundida com exposição. Por conta de alguns segundinhos de notoriedade, cidadãos disputam espaço e atenção. Dá prazer aparecer! Alguns, na verdade, extrapolam na ânsia de conseguir glória. Os tais 'reality shows' comprovam as concessões que as pessoas se permitem para chamar atenção. Nem hesitam apelar para a vulgaridade, conquanto se destaquem. Faz sucesso quem cai no agrado popular. E para cair na aprovação popular basta oferecer o que alegra o povo. Esta é a razão porque o sucesso, geralmente, é tão passageiro. Falta-lhe consistência. Depende muito do gosto. E gosto é volúvel! E frequentemente de duvidoso valor, porque atrelado a satisfações momentâneas ou impulsivas. Francamente, cada sucesso oco! Por esta razão, quem busca fama abdica, em geral, da ética, de princípios e até de bom gosto. Explora ao máximo seus atributos e suas habilidades que garantem a tão almejada exposição. Em instantes, imagens, músicas e outras façanhas correm o mundo, assegurando a ambicionada popularidade. Fazer sucesso é diferente de produzir frutos. A aclamação popular não é garantia que determinado produto ou artista apresenta algo objetivamente novo, capaz de enriquecer a cultura da humanidade. Por outro lado, quando um artista produz uma obra com intrínseca consistência reconhece-se nela valor transcendente. A obra tem ressonância. Se impõe por seu próprio e perene valor. Sua vitalidade é inspiradora. Produz frutos, em suma. É arte. Para fazer arte não basta possuir técnica. Para fazer arte é imprescindível ter conteúdo e uma apurada habilidade de comunicação. Obras de arte são resultado de um impulso forte presente no sujeito que quer comunicar com habilidade convicções que alimentam o mais íntimo do seu ser. Por esta razão, a primeira preocupação do legitimo artista não é com o reconhecimento popular, mas sim com a competente transmissão da mensagem que pulsa dentro dele. Na raiz, o artista quer dividir uma inspiração e uma intuição. Normalmente, é um sujeito que consegue ler nas entrelinhas da vida e dos acontecimentos. Enxerga o que outros não vêem. Sua percepção é singular e subjetiva, mas que o marca com tal veemência que ele não consegue segurá-la para si. Luta bravamente para encontrar a linguagem adequada para passar seu recado. E somente sossega quando a ferramenta utilizada consegue expressar satisfatoriamente seu pensamento. Bons artistas costumam demorar em suas produções e facilmente se irritam com interrupções e imposições. Não é fácil para o escritor encontrar a palavra certa, formular a expressão precisa. Como não é fácil para o pintor encontrar a composição certa para o seu quadro e a tonalidade exata das cores. Habilidade e conteúdo produzem obras capazes de transcender fronteiras tanto de tempo como de espaço. São produções perenemente fecundas! Fato curioso, raros são os artistas que fazem sucesso imediato. Explica-se este fenômeno por um sutil detalhe, o artista genuíno produz não necessariamente para agradar, mas para externar intuições que julga iluminadoras. Suas obras normalmente resultam de prolongadas reflexões e análises. Entende-se porque obras de arte representam algo novo para o acervo cultural humano, novo no conteúdo e novo também na linguagem. Ao fugir do convencional, o artista induz o destinatário a assimilar com percepção suas ideais e sobre elas refletir. Demora-se normalmente para reconhecer e apreciar obras de valor. Embora a ausência de reconhecimento costume ter reflexos negativos em sua vida, o artista prefere não se vulgarizar nem fazer concessões. Obstinado, permanece fiel às suas convicções, desejoso apenas que um dia, alguém entenda e expanda suas intuições. Criar normalmente resulta de esforços solitários e arriscados! Quem produz algo de genuinamente valioso sempre se arrisca: arrisca-se a reputação, a competência, a compreensão. Está explicado porque são raros os artistas! Atiça a imaginação ser destaque. Infla o ego a fama. O ser humano se realiza, contudo, quando produz frutos, e frutos duradouros. Fama é passageira. Frutos são perenes. LEVANTAR A CABEÇA "Vivemos dias difíceis"! A afirmação é do apóstolo Paulo em sua carta aos Efésios, escrita por volta do ano 60. As circunstâncias são diversas, evidente, mas a sensação é idêntica! A atualidade da frase, espantosa! Vivemos dias turbulentos e incertos. Na ocasião, o apóstolo sugere que os cristãos mantenham viva sua vida de oração e assídua sua participação na liturgia. Exorta, igualmente, com fervor para que vigiem sobre a própria conduta. Que tenham posturas sábias. Conselhos que permanecem pertinentes, particularmente para os cristãos. Na turbulência pela qual passa a sociedade atualmente, os cristãos têm a obrigação de testemunhar sua fé mediante conduta iluminada, geradora de esperança. Vive-se o teste do testemunho! Muitos dos problemas e contratempos que perturbam a vida da sociedade moderna são endêmicos. Quem observa a natureza aprende que quando um problema reaparece insistentemente é porque foi mal resolvido. Toma-se, a título de exemplo, as tristes e trágicas ocorrências de enchentes. É fácil e cômodo culpar excessos pluviométricos, quando, na realidade, as causas verdadeiras por enxurradas e erosões são outras. Enquanto as reais causas não forem satisfatoriamente resolvidas as consequências trágicas das enchentes continuarão a acontecer. O mesmo fenômeno se verifica com a questão da violência, que amedronta e acua a sociedade. O bom senso exige que se identifiquem as verdadeiras causas dessas absurdas ondas de brutalidades. Desperdiça-se oratória, energia e dinheiro em repressão. Como o problema persiste, fica claro que a solução não está na repressão. Entupir cadeias de delinquentes, construir novos presídios não passam de estratégias paliativas e de emergência. É preciso ir mais a fundo. E com celeridade! Mesmo uma superficial análise da realidade já basta para apontar, como uma das causas da presente convulsão social, fatores estruturais. São evidentes e múltiplas as desigualdades na sociedade. Esta situação gera outra natural e nefasta consequência, a falta de oportunidades para um bom número de cidadãos. Presume-se que nas classes sociais mais carentes encontram-se pessoas de talento, mas, como faltam oportunidades, alguns desses talentos se desperdiçam enquanto outros podem estar sendo aproveitados na direção contrária. É verdade, que de vez em quando algum desses talentos vence a barreira da marginalização e 'estoura' no campo esportivo e artístico. É a exceção que confirma a infeliz situação. Por ser acontecimento tão raro, não pode ser usado como parâmetro nem como justificativa da teoria do mérito. Pensadores oportunistas preferem argumentar que a indigência deve-se à indolência dos cidadãos. As pessoas, dizem, preferem a acomodação ao esforço. Generalização francamente cínica e inconsistente. Enquanto não acontecer uma reforma radical nas estruturas sociais a violência continuará a reincidir. No entanto, a sensatez recomendada pelo apóstolo Paulo aos efésios, aponta também para uma igual urgência de mudança de mentalidade na vida do cidadão. Não somente o Estado precisa ajustar-se. O cidadão também! As trágicas e reincidentes ocorrências de violência estão afetando o sentimento das pessoas. Tanto por motivo instintivo de proteção como por causa dos difusos e descontrolados impulsos de vingança e de agressão, o cidadão, em geral, está ficando mais embrutecido e mais insensível! As reações coletivas deixam a impressão que o cidadão está incorporando, sem ressalvas, a violência como caminho normal de conduta. Só se protege e só progride quem agride. Paz as custas de armas! Em tempos difíceis as soluções precisam ser claras e decididas! Jesus veio para salvar a humanidade e enviou seus seguidores a levar esta boa notícia aos confins da terra. Na condição de discípulos de Jesus, os cristãos não podem permanecer neutros. Nem esconder-se. Muito menos conformar-se com as realidades da desigualdade e da violência. A hora é de levantar a cabeça e reafirmar com obstinada convicção a fé nos valores evangélicos. Sem se incomodar com comentários e críticas, os cristãos devem reconhecer-se convocados a testemunhar a justiça evangélica, a praticar aquela peculiar bondade que os faz restauradores de uma ordem social justa. Em tempos difíceis não se pode falhar! Crer nos e viver os valores do evangelho é salvar o mundo da destruição! CONTRAPONTO A sociedade está desorientada! Assustada e confusa! Um dia, cidadãos, sumariamente, dão a si mesmos o direito de prender e imobilizar um ladrão, o despem e o amaram a um poste para execração pública. Dias depois, a trágica morte do cinegrafista Santiago Andrade atingido na cabeça por um rojão acionado por manifestantes, que alegam, para completar o quadro irracional, serem monetariamente subsidiados por agremiações legalmente instituídas. Compreensivelmente, o inconformismo e o pavor tomam conta da sociedade. Se ficar mesmo comprovado que alguns integrantes 'black bloc' agem porque subsidiados por outras agremiações juridicamente constituídas, razão plena tem a população de concluir que essas selvagerias e depredações não são acontecimentos isolados, mas iniciativas articuladas por setores da sociedade seriamente empenhados em perturbar a ordem e semear pânico. Duro é admitir que cidadãos pagam e outros aceitam ser pagos para desestabilizar o próprio país! Neste contexto de confronto, o indiciamento e a detenção dos autores das barbáries, necessários obviamente, não tranquilizam a sociedade. Nem os previsíveis discursos enérgicos das autoridades! A população espera que os governantes, em todas as esferas, acordem e percebam que a sociedade está se desintegrando, perdendo rumos e parâmetros! O ser humano está ficando irracional, embrutecido. É preciso reconhecer que o problema maior esta na falta de formação moral dos cidadãos. Há escolas, mas não há educação. Ensina-se a ler e a escrever, mas não se ensina a tratar respeitosamente o semelhante, inclusive aquele que pensa diferente. Urge rever todo sistema educacional, há tempos lamentavelmente negligenciado e manipulado para servir a interesses ideológicos, eleitoreiros e de faturamento! A organização da Copa e das Olimpíadas comprova que dinheiro não é obstáculo. Recursos financeiros existem. Falta consciência e falta determinação. Se as autoridades se conscientizassem de suas obrigações, e trabalhassem não para serem reeleitos, mas para promoverem o legítimo progresso, certamente muito se avançará, como comprova a história de tantos países. A educação, reconhece-se, não é responsabilidade exclusiva de autoridades políticas. Envolve necessariamente a sociedade, e, em particular, a família. Estas instituições também possuem sua parcela de responsabilidade pela atual desorientação. A sociedade, porque persiste em manter uma abordagem ambígua com a política. Já foi alertado tantas vezes que políticos e governantes são eleitos, não impostos. Se a sociedade, portanto, passasse a valorizar a educação, saberia não somente votar em candidatos que assegurassem empenho nesta área, como também se articulasse para cobrar o seu cumprimento. Emerge, então, o papel da família. Formar caráter e senso cívico é tarefa primordial dos pais. Nos lares é que se formam as pessoas e os cidadãos. Este pressuposto, que deve ser básico e inegociável, passa atualmente por uma sutil e preocupante alteração: os pais estão terceirizando a educação dos filhos. Apontam o ritmo e as exigências da vida moderna para justificar sua limitada presença na jornada educacional dos filhos. É verdade, as demandas da vida moderna são realmente exigentes, absorvem tempo e energias. Contudo, os filhos permanecem a prioridade absoluta e intransferível. Esta premissa envolve clareza de direção e discernimento nas escolhas. O estilo moderno de vida induz os pais a considerar o conforto como meta maior a ser alcançada. Idolatra-se, hoje, o conforto! Perseguir o conforto é louvável, não a ponto, todavia, de distanciar os pais do contato com seus filhos. O correto não é tudo pelo conforto, mas tudo pelos filhos. Desponta neste delicado quesito a importância da educação religiosa na formação integral da família. Setores variados da sociedade contemporânea criticam a religião e minimizam a importância da formação religiosa. É verdade, equívocos foram cometidos. Inegável, contudo, permanece que a educação religiosa, dada com critério e zelo pastoral, contribui substancialmente para a formação do caráter e da personalidade do indivíduo. Na religião, ao aprender a reverenciar Deus, pais e filhos aprendem não somente a identificar ídolos e deles se afastar, como também aprendem a tratar respeitosamente o semelhante. A religião ilumina a mente, disciplina hábitos e eleva e depura o nível de relacionamento com o semelhante, inclusive com o desafeto. A religião humaniza! A formação religiosa é contraponto providencial no processo de desintegração da sociedade contemporânea. LUGAR CERTO "Zagueiro é para zagueirar"! Na opinião do técnico Luis Felipe Scolari, ao zagueiro cabe defender a sua área, mesmo que para isso necessário se faça que se desse um bico na bola. A tese de Scolari reafirma verdade elementar: cada um deve saber com clareza a responsabilidade que tem e agir de acordo. Ao analisar a presente realidade, entretanto, é se induzido a concluir que existe preocupante descumprimento desta fundamental postura. São muitos os cidadãos que desconhecem ou simplesmente ignoram o comportamento que lhes cabe seguir. Aponto, como referência, recente fato de repercussão nacional: a invasão da torcida corintiana no CT do time, inconformada com a aparente apatia dos jogadores em campo. Recorrendo ao terror físico e psicológico, este grupo extrapolou sua paixão pelo time. Legítimo é fazer pressão, sem dúvida, mas dentro da civilidade, respeitando propriedade e privacidade. Torcer é apoiar não intimidar! Fato outro desagradável ocorreu no campo doméstico da minha paróquia. Num sábado desses, ouço barulhos incomuns na frente da igreja. Imaginei tratar-se de pedreiros mexendo com caçambas de entulhos. Como, no entanto, o barulho persistisse além do razoável, decidi conferir. Topo com quatro rapazes praticando skate usando como pista as rampas e o corrimão de acesso à igreja! É de estarrecer esta completa ausência de noção do espaço que estava sendo usado para semelhante diversão e por jovens adultos de quem se espera já possuir um mínimo de noção e responsabilidade! Fatos como estes explicam por que a sociedade anda tão perplexa: as pessoas estão simplesmente perdendo a noção de quem são e do que delas se espera! Estamos nos nivelando por baixo! Aumenta o número de cidadãos, mormente entre crianças e jovens, que está perdendo a noção do que é comportar-se, do respeito devido aos outros e da educação compatível aos diversos espaços. O comportamento é linear, pouco importa se o sujeito está na igreja ou no clube! Leva-se lanche para as crianças, tanto faz se o destino é a igreja ou o jardim da praça! E se alguém ousar orientar ou chamar atenção é logo taxado como intruso, exigente, mandão. Já vi pais sentindo-se ofendidos, considerando-se agredidos e insultados porque lhes foi solicitado corrigir o comportamento inconveniente dos filhos! Imaginando granjear a simpatia dos pequenos e não melindrar sua delicada autoestima, muitos pais e educadores estão simplesmente abrindo mão de passar orientações de conduta e exigir seu cumprimento. Criança não pode ser tolhida, dizem, nem sentir-se cerceada em sua liberdade! E o que se diz valer para as crianças passa-se, igualmente, a valer para todo mundo. Cada cidadão, hoje, define o comportamento a adotar, não importa se isso incomoda os outros ou lhes provoque transtornos. Modos e educação são valores considerados ultrapassados, caretas. O negócio é ser moderninho, isto equivale a desconhecer limites, desprezar a etiqueta, desrespeitar a particularidade dos espaços. O que está se esquecendo, ao defender esta ambígua liberdade, é que o cidadão, ao perder a noção de quem é e a do que dele se espera, se desqualifica. Ao contrário do que se apregoa, o sujeito não se afirma, se descredencia. Age como peça fora do contexto. Deslocado, naturalmente fica desorientado, com consequências negativas para si e para os outros. O caos fica inevitável quando esta mentalidade passa a ser aceita com a complacente anuência da sociedade ou da sua cúmplice omissão. O preceito da caridade cristã e a consciência cívica exigem que a sociedade, através de suas instituições e de seus agentes, reaja e lute para reverter este processo de desintegração. É obrigação inalienável instruir e formar para a cidadania. Quando se ajuda a pessoa a formar correto conceito acerca de quem é, da sua individualidade e de suas intransferíveis responsabilidades na sociedade, presta-se-lhe o bem maior e, à coletividade, um inestimável serviço. Descobrir qual é seu lugar certo e a ele saber corresponder é a realização maior no plano individual e coletivo! Esta reflexão já estava alinhavada quando os jornais publicaram fotos do vice-presidente do Congresso Nacional tratando grosseiramente o presidente do Supremo com gestos e escritos insolentes! Lamentável registro que apenas comprova que quando o sujeito perde a noção da posição e do lugar que ocupa, as consequências, invariavelmente, serão lamentáveis e desastrosas. BATIZADOS Papa Francisco batizou bebê de mãe solteira! Noticiou-se também que, na mesma cerimônia, receberam o batismo bebês de casais não canonicamente casados! Compreensivelmente, o gesto do Papa ganhou manchetes ao confirmar a abordagem mais pastoral e compassiva que ele tão ardentemente deseja ver acontecer na Igreja. Em tese, a condição de mãe solteira, no que diz respeito ao batismo, difere da condição de casais não casados na igreja. Verdade é também, que esta diferença nem sempre foi suficientemente reconhecida. De uns anos para cá, a Igreja reconheceu a ambiguidade de seu posicionamento e tornou mais compreensível e misericordiosa a abordagem em situações semelhantes. Claro, em questões pastorais, é sempre delicado demarcar territórios e aplicar unilateralmente regras e rubricas. Demanda o cuidado pastoral conhecer e avaliar cada caso em seu contexto. Suponho, dado o zelo pastoral do Papa, que os bebês batizados não foram aleatoriamente escolhidos. Creio firmemente que a prática religiosa da mãe, como dos pais não casados canonicamente, foram previamente verificadas e prevaleceram sobre as normas disciplinares. Gesto calculado, certamente, embora passível de vários desdobramentos. O Santo Padre, zeloso pastor que é, não iria cometer uma imprudência cuja consequência imediata seria colocar em saia justa párocos, seus comandados, que diariamente lidam com situações angustiantes. O gesto dele é paradigmático, enfatiza que quando há razões pastorais sólidas, o bem espiritual deve prevalecer sobre normas disciplinares. Assim como não é procedente negar o batismo a uma criança somente pelo fato da mãe ser solteira, seria igualmente imprudente concluir que a partir de agora ficam abolidas quaisquer restrições na administração dos sacramentos. É o ponto central da questão, angustiante tanto para párocos como, evidentemente, para famílias em situações especiais. O cotidiano pastoral revela que é grande o número de pais e padrinhos que pedem o batismo sem avaliar a dimensão espiritual e cidadã dessa decisão. O batismo, entre nós, é visto como exigência e necessidade. Em nosso contexto cultural, o júbilo pelo nascimento de uma criança fica incompleto sem o batismo. Desaconselhar o batismo ou adiar a sua celebração por motivos pastorais justos representa, no sentimento de um bom número de pais, a subtração de uma bênção devida ao bebê. Confunde-se a suposta falha dos pais com os direitos da criança. Desgastante é explicar à família que a criança não está sendo punida pela falha dos pais. Nem excluída. Apenas que o contexto familiar não está ainda suficientemente preparado. O batismo tem desdobramentos. O sacramento não é simples cerimônia, mas a manifestação pública e solene da opção de seguir, na comunidade dos irmãos na fé, os passos e o exemplo de Jesus Cristo. Quando olhamos a história do cristianismo percebemos como esta exigente dimensão era levada a sério. Nos primeiros séculos cristãos, a preparação para o batismo durava três anos, submetendo os candidatos, ao final do catecumenato, a uma avaliação pública de sua conduta. Os que não apresentavam um comportamento condizente ficavam impedidos de receber o batismo! O caráter cristão era valorizado. A ponto de muitos, ao perseverarem no testemunho da fé, chegaram a perder a própria vida! O batismo, na teologia sacramental, é considerado um novo nascimento, uma ruptura com a vida profana para abraçar os valores do evangelho. Ora, para que esta nova experiência de fato aconteça na vida da criança, pressupõe-se que os pais já a estão vivendo. A criança segue naturalmente o ritmo e as convicções dos pais. Certificar-se, então, se os pais vivem a fé que dizem professar não é uma exorbitância, mas óbvio pressuposto. Neste ponto, a lógica do raciocínio bate de frente com o sentimento e a tradição. Muitos pais concordam com o argumento, mas poucos têm a coragem e o discernimento para adiar o batismo, conscientes que cabe a eles, primeiro, vestir a roupa de Cristo. Muitos chegam a prometer, juram até, que passarão, sim, a viver como discípulos fiéis de Cristo, mas depois do batizado ... Este 'depois' raramente acontece. A iniciativa do Papa Francisco é provocadora, pastoralmente questionadora. Que critérios, afinal, devem prevalecer na condução da pastoral do Batismo? A SOMBRA DE HERODES Ana Clara morreu! Vítima de queimaduras por 95% do seu corpo infantil, consequência direta da insana ação de atear fogo em ônibus com passageiros, na cidade de São Luiz (MA). A trágica morte da criança deu-se, coincidentemente, no dia 6 de janeiro, dia dos reis magos, cuja perspicácia os fez afastar-se do rei Herodes. O paranóico governante, sentindo-se ameaçado pelo nascimento do Messias, sem hesitação, mandou eliminar meninos menores de dois anos. No Maranhão, uma organização bandida, percebendo-se ameaçada em seu domínio, decide aterrorizar a cidade e encurralar as autoridades ordenando a queima de ônibus e de inocentes. A hedionda escola de Herodes persiste, perpassando séculos, fronteiras e culturas. Assim como na matança dos inocentes, a ação deplorável dos bandidos do Maranhão horrorizou a sociedade. Aquilo não foi um ato humano. Não é possível admitir que um ser humano normal, com um mínimo de decência e sentimento, cometesse uma brutalidade tamanha. Os executores, certamente, agiam pressionados por fortes fatores exteriores, medo, principalmente. Longe de querer fazer uma apologia do crime, até porque crueldade tamanha não tem justificativa, é, contudo, presumível tratar-se de pessoas que perderam a noção do valor da vida, própria, em primeiro lugar e, como consequência lógica, da dos outros. Encontra-se aí uma das principais explicações para tanta maldade, o sujeito não tem mais noção do que significa viver, menor consciência possui sobre o viver com dignidade. Circunstâncias permanentemente degradantes alteram padrões e referências e introduzem parâmetros novos de valores e de ética. A existência desta cultura paralela e sinistra reforça-se com a confirmação que a ordem para praticar tal horror partiu de um presídio dominado por chefões brutais e prepotentes, que debocham da presença ostensiva da polícia e desafiam atrevidamente as autoridades em exercício. Quem, afinal, impõe respeito? Quem, afinal, manda? Diante desse quadro ameaçador a população, evidente, exige providências. Oferecer segurança é, obviamente, uma das primárias obrigações do Estado! As autoridades, aparentemente, só se comoveram diante do clamor popular. Com a devida cobertura da mídia, prometeram gestões enérgicas de punições exemplares a mandantes e executores. Imaginam aplacar a indignação popular com o espetáculo das punições. Sobejamente se sabe que trancafiar bandido é apenas uma emergencial medida. Que precisa ser executada, claro, e com o rigor necessário. Criminosos há que precisam, sim, ser mantidos isolados da sociedade. No entanto, permanece sabido que marginal na cadeia não é garantia de segurança. Ao contrário, na situação em que se encontra a maioria dos presídios, amontoar bandidos é fomentar a criminalidade. O tratamento indigno e humilhante a que são submetidos os presos, em especial, os menores infratores, aniquila a autoestima, alimenta o ódio pela sociedade rica e perfumada e fomenta sentimentos de raiva e vingança. Conjunto mais que propício para a formação de quadrilhas que, alimentadas pelo rancor e usando o terror como ferramenta principal, lembram a sociedade que existem e exigem atenção. Encontra-se aí outra das razões que explica as insanas barbáries; a sociedade prefere ignorar seus cidadãos delinquentes. Esconde-os atrás de grades e muros! Imagina, levianamente, que trancafiando-os faz justiça e protege a sociedade. Pura ilusão, ignorar cadeias assemelha-se a esquecer panela de pressão no fogo. O estouro é inevitável e trágico. Urge ajustar conceitos e estratégias. Contentar-se com a repressão e a privação da liberdade nada resolve. Fazer que o sistema carcerário seja prioritariamente restaurador é uma urgência, mas ainda não é o principal objetivo. O anseio profundo da sociedade é ver diminuir o número de marginais. O que supõe investimentos não somente ingentes, mas, igualmente criteriosos, em condições básicas para uma vida digna para todos. O processo é longo, evidente, e demanda mudanças radicais de conceitos, de políticas e de valores. Tanto por parte de governantes como de cidadãos. Quanto mais se atrasa o começo desta revolução cultural, mais refém a sociedade permanece da perversa e horrenda sombra de Herodes! ARTESÃOS Fala-se muito em paz! Nas comemorações de passagem de ano, o que mais se ouve e o que mais se vê são pessoas se abraçando e desejando mutuamente a paz. Muita paz! Auspicioso é presenciar esta energia otimista. Pairam, no entanto, algumas dúvidas indigestas. A primeira gira em torno da autenticidade do sentimento. A realidade do cotidiano induz a questionar se os votos de paz são fidedignos ou apenas manifestações protocolares. Externam vagos sentimentos, expressões civilmente corretas, ou revelam um real empenho para construir a paz na companhia do amigo? Emerge, então, a segunda dúvida indigesta: a que paz as pessoas se referem? O Senhor Jesus Cristo fez uma distinção clara entre a paz que Ele trouxe e a paz que o mundo dá. Ao analisar a paz que o mundo oferece, logo se percebe que ela tem mais a ver com a logística de 'cessar-fogo' do que com um programa de convívio verdadeiramente harmonioso. A paz do mundo está mais centrada em 'não provocação' do tipo: não mexe comigo que eu também não mexo com você! A tensão que esta modalidade de relacionamento provoca é evidente, pois ambas as partes permanecem com as armas engatilhadas, prontas para disparar ao menor aceno suspeito. Paz deste tipo se fundamenta na premissa ambígua de que é preciso manter a ordem atual das coisas. No geral, esta ordem atual das coisas envolve a manutenção de privilégios e de situações de dominação. De vantagens e de ganhos, em suma. Pressupõe que não se interfira nos negócios e nos lucros do mais forte. Fundada em prepotências e alimentada pelo medo este tipo de paz é altamente frágil, sujeito constantemente a turbulências e sobressaltos. O noticiário diário comprova a inconsistência dessa paz do mundo! Não é possível haver clima descontraído e seguro em ambientes onde interesses egoístas e vantagens subjetivas predominem. A paz que Jesus Cristo traz tem seu fundamento no profundo respeito pelo semelhante. No idioma de Cristo, paz é Shalom. Ao desejar Shalom, o sujeito manifesta não somente o desejo de que o outro tenha a plenitude das coisas boas, mas se coloca à sua disposição para ajudá-lo a consegui-la. A Paz que Cristo trouxe vai na direção contrária da paz que o mundo ostenta, pois coloca como fundamento o progresso do outro antes e acima do próprio. Pressupõe o esquecimento de si em favor do semelhante. O próprio Jesus deu o exemplo quando, para reconciliar as criaturas entre si e derrubar todos os muros de separação, imolou sua vida na cruz. Com toda razão merece o título de Príncipe da Paz! O apóstolo Paulo vai ainda além quando declara que Cristo é a paz! Com seu gesto generoso, o Mestre ensina a básica lição para uma vida descontraída e um progresso harmonioso: somente haverá situações novas quando houver radicais mudanças de atitudes. Enquanto se aferra a situações caducas emperra-se a possibilidade de mudanças renovadoras. É, de fato, muito apropriado associar votos de paz à virada do ano. Para que esses votos, no entanto, alcancem o efeito desejado, reconhece-se, é preciso abandonar ou corrigir velhos hábitos. É preciso partir para uma virada de preferências. A paz não desce pronta do céu, embora enorme seja o desejo de Deus de ver a humanidade vivendo em plena harmonia. O regime de Shalom acontecerá somente quando cada individuo se conscientize que é chamado a ser construtor da paz. Na condição de artífice, cada um vai descobrindo o que cabe a ele, e somente a ele, realizar para que a paz verdadeiramente aconteça. Cada cidadão tem uma tarefa peculiar, que cabe a ele e somente a ele cumprir. Se ele falhar ou se omitir, todo projeto ficará comprometido. Ao abraçar o parente e o amigo, ao lhes desejar muita paz, faça questão que o outro compreenda que você estará não somente torcendo, mas colaborando efetivamente para que eles e os demais cidadãos cheguem à plenitude dos bens. Esteja convicto e deixe transparecer que você quer ser um artesão da paz, decidido a mudar hábitos e preferências. CRISES Apreensivo andava José. O carpinteiro de Nazaré, noivo de Maria, vivia dias de profunda angústia. Sua noiva confidenciou-lhe que estava grávida! Não bastasse o inesperado susto, Maria, com compreensível embaraço e ciente que lhe devia satisfações, narrou-lhe a origem daquela gravidez. Contou-lhe da visita de um anjo que lhe comunicara que Deus havia lhe escolhido para ser a mãe do futuro Salvador. Jurou que resistiu à solicitação, porque queria primeiro oficializar o seu casamento. Para seu espanto, o anjo lhe afirmou que o filho seria gerado de maneira inusitada. Ela seria fecundada pela ação do Espírito Santo. Reconhecendo o plano sobrenatural, Maria se colocou inteiramente à disposição de Deus. Afinal, como José bem sabia, ela sempre se portou como servidora do Senhor! Estranha história a confundir a cabeça de José! Não estaria Maria delirando! E se ela estivesse inventando todo este enredo para desmanchar o casamento! Estaria, quem sabe, arrependida de casar-se com um humilde carpinteiro! Outro raciocínio começou também a atormentá-lo. E se a história que ela estava contando fosse verdadeira? Comentava-se na sinagoga que o tempo da vinda do Messias estava próximo. Refletia-se sobre a profecia de Isaias, dando conta que o sinal maior da intervenção divina seria um filho nascido de uma jovem! Se Maria fosse essa jovem - e José reconhecia que ela possuía todos os atributos para que fosse - então caberia a ele, meu Deus, ser o provedor do Ungido! Mas, quem era ele para uma missão tão nobre! Por onde olhava, enxergava somente mistério, essa é que era a verdade! Indeciso e hesitante, justo que era, decidiu sair de cena! Comunicou a Maria que queria dar um tempo! Sabe-se como Deus socorreu José nesta primeira grande crise do casal. Confirmou, em primeiro lugar, a origem sobrenatural do Filho de Maria. Confiava ao mesmo tempo a José, na condição de esposo e futuro pai adotivo, o cuidado da criança. A ponto de caber a ele dar a criança o nome de Jesus! De um jeito nada sutil, Deus confirmava e abençoava a união matrimonial entre José e Maria! Em família humana quis Deus que seu Filho nascesse, crescesse, se educasse! A família é o espaço privilegiado para uma criança nascer e crescer saudavelmente. Outra verdade preciosa emerge desta primeira crise na família de Nazaré. A tensão entre o casal foi provocada por assunto religioso. Foi porque Maria escolheu agir como serva fiel, mesmo prevendo o desconforto de José. Por outro lado, o caráter de homem de bem de José impediu que ele agisse com precipitação. Não conseguindo entender, preferiu pedir tempo! É justo supor que tanto Maria como José confiavam que Deus haveria de mostrar-lhes a verdade! Ele nunca abandona seus amados. Mais, o Altíssimo nunca é causa de divisão. Verdade que precisa, hoje, ser assimilada por tantos casais que enfrentam crises por motivos religiosos. Fato recente é o aumento de matrimônios entre esposos que seguem confissões diferentes, em especial entre católicos e evangélicos. Não é raro, por causa dessas diferenças, surgirem discussões e desgostos, tanto entre o casal quanto entre as famílias envolvidas! A descontração do amor fica aleijada por controvérsias dogmáticas ou rituais. Situação insustentável, pois afinal, como é possível que pessoas que servem a um mesmo Deus possam viver divididas entre si? Deus une, nunca separa! Em semelhantes circunstâncias, o que se espera é que o casal e as demais pessoas envolvidas ajam com prudência e discernimento. Afinal, os valores que os unem, a caridade e a fé em Deus, são mais valiosos que doutrinas e ritos. Em essência as partes convergem. O casal de Nazaré ensina outra formidável atitude. Ao reconhecer a vontade de Deus, ambos aceitam mudar seus planos originais. A vida deles mudou radicalmente. Reconhece-se, nem todos os casais que enfrentam crises possuem a maturidade suficiente para avaliar se há necessidade de mudar rumos ou corrigir atitudes. Aferram-se obstinadamente às próprias opiniões. Culpam-se mutuamente pelo desentendimento e, incapazes de rebaixar-se, partem, precipitadamente, para a separação. Esquecem, ou não avaliam suficientemente que, nas crises ou ambos saem ganhando ou ambos saem perdendo! Crises são previsíveis, mesmo nas melhores famílias. Maria e José ensinam que, quando o casal se deixa orientar por Deus, enormes são as probabilidades de as crises se transformarem em preciosas oportunidades de amadurecimento no amor e no companheirismo. AURA Faltou estratégia! Ao escolher o deserto para realizar a missão de preparar a chegada do Messias, João, o Batista, equivocou-se. O bom senso sugeria que o profeta pregasse onde ficasse mais fácil alcançar o maior número de pessoas. Jerusalém, por exemplo. Pregando na cidade santa, destino de peregrinos e centro administrativo e comercial, mais gente certamente ouviria sua mensagem. Atingiria, em tese, gente graúda, influente, alargando a possibilidade de maior número de conterrâneos acolhesse Jesus. Fiel, no entanto, ao que os profetas haviam predito, João preferiu ser a voz a clamar no deserto. Pedagógica e historicamente, tudo o que é fácil perde o valor! Faz-se bom uso de elementos que exigem esforço e empenho. Ao decidir pregar no deserto, João, implicitamente, insinuava a seus conterrâneos que a preparação para a chegada do Messias exigia sacrifícios. Induzia as pessoas a abrir mão do comodismo do seu cotidiano e do conforto de seus lares e enfrentar o acidentado e inclemente caminho até o deserto!Quem aceitou o desafio foi premiado com a manifestação de Jesus Cristo. Foi ali, no estéril solo do deserto, que Jesus foi aclamado pelo Pai como o Filho querido, a ser escutado e seguido. Em compensação, quem preferiu permanecer na sombra, perdeu a singular e salutar oportunidade de conhecer o Messias. Outro detalhe salta aos olhos nas romarias para o deserto. Subentende-se que havia, certamente, gente sincera que queria mesmo purificar-se para merecer conhecer o Ungido de Deus. Mas havia também gente estudada e influente que aproximava-se de João com ceticismo e desconfiança. Era gente que queria provas, julgava imperioso conferir as credenciais do Batista para poder dar crédito à sua pregação. Fariseus e escribas foram ao deserto, presumivelmente viram o Messias, mas não O reconheceram. Estavam por demais condicionados a seus esquemas e padrões. Não bastava ir ao deserto. Era preciso entrar 'no clima'. A estratégia tinha sentido e sua propriedade pedagógica preserva sua eficácia até o dia de hoje. Para conhecer Jesus é preciso desinstalar-se. É próprio ao ser humano acomodar-se a uma rotina de atividades. A repetição de tarefas além de exigir o mínimo do esforço, dá segurança. Engata-se no automático e segue viagem! Compreende-se que muitos relutam mudar de marcha. Satisfeitos com sua rotina, acomodam-se. O que nem sempre conseguem perceber, todavia, é que a pasmaceira leva a estagnação. Águas que não correm ficam turvas e geram lodo. Paradoxalmente, esta é a realidade que se verifica no tal clima de Natal. Sem dar se conta, as pessoas estão ficando acomodadas aos tradicionais esquemas de fim de ano. É ceia. São presentes e confraternizações. Abraços artificiais e risos forçados! Comidas e bebidas em excesso. Tudo, em suma, repetido, rotineiro. A ponto de, para muitos, perdeu-se o encanto nesta tal euforia de fim de ano! Inclusive, do ponto de vista religioso! A missa do Natal, tradicionalmente revestida de especial encanto e significado, celebrada propositalmente em horário inusitado para realçar cronologicamente a hora do nascimento do Menino Jesus, perdeu a poesia para a praticidade. Sob o pretexto dúbio de agradar os fiéis, adianta-se o horário da missa do 'galo' para não atrapalhar as ceias familiares. A principal celebração de Natal ficou próxima do horário usual das missas. Perdeu a singularidade e a especificidade! Quando o mistério cessa, cessa também a reverência. A figura de João, o Batista, no deserto interpela seriamente! Com sutileza, o Batista lembra aos que desejam encontrar o Messias que é preciso abrir mão do conforto, do comodismo e enfrentar o inóspito caminho ate o deserto! Procura-se muito hoje descobrir porque tantas pessoas andam distantes das igrejas, acomodadas em sua fé. Uma das possíveis razões é porque, equivocadamente, está se facilitando demais o acesso às coisas de Deus e da fé. Afrouxam-se exigências e fazem-se indevidas concessões sob o pretexto de não afastar fiéis. Ambígua estratégia! Ora, casamentos são marcados para as 22h e os convidados não somente não reclamam como fazem questão de vestir-se segundo exige o protocolo! Quando tudo fica fácil demais perde o valor! Especialmente na religião! Quando se perde a aura do sagrado, perde-se também a reverência. E o respeito! MAGNIFICAT O exercício da justiça está em evidência. Os recentes desdobramentos do caso do ’mensalão’, as constantes ocorrências de corrupção. Para completar, as chocantes cenas de barbárie nos estádios de futebol colocam em evidência o urgente clamor por justiça. A população quer justiça, mas, que justiça? É comum confundir justiça com punição: fazer o infrator pagar pela transgressão. Nesta mentalidade, fazer justiça equivale ao sádico prazer em aplicar castigo. É primitivo e perverso o prazer alimentado pelo sofrimento alheio, mesmo quando a punição é merecida. Vingar-se é uma tendência anômala, embora bastante comum, de acertar contas ou corrigir desvios. Induz à exageros. Justifica, em tese, a liberação de instintos primitivos de ira e de ódio. A frequente citação da norma, sancionada pela Bíblia, de olho por olho, dente por dente, nada tem a ver com a leitura vingativa e oportunista com que se tenta justificar o exercício arbitrário da punição. Pelo contrário, a sentença bíblica visa coibir excessos na aplicação da pena. Tão nociva quanto à vingança para o restabelecimento da ordem é a impunidade! A sensação de que se possa transgredir tranquilamente porque o sujeito se considera acima da lei ou porque a aplicação da lei é frouxa induz à práticas abomináveis. O exemplo do ‘mensalão’ e a selvageria no estádio de Joinville devem-se, em grande parte, ao difuso clima de impunidade. O ‘mensalão’, porque praticado por gente graúda de um governo em exercício, respaldada indubitavelmente pela infame convicção que a aplicação da lei é costumeiramente benevolente e morosa com gente influente. Quanto às brigas no estádio, as torcidas organizadas estão tão habituadas a aprontar desordens sem que ninguém fique responsabilizado e penalizado, que aproveitam-se de qualquer pretexto para quebrar gente e patrimônio. Ao confrontadas com as iradas reações da população, as autoridades de plantão deitam discursos e juram punições exemplares, que, no entanto, nunca acontecem. O que, evidentemente, escancara a porta para a delinqüência. E favorece a odiosa discriminação entre os cidadãos, causa de justificados protestos e indignações. Ninguém se conforma que, para alguns a lei é generosa, quase complacente, enquanto para outros, normalmente pobres e desprotegidos, a mesma lei é fria e implacável. A inversão deste nefasto esquema em favor de um tratamento imparcial e digno para todas as pessoas vislumbrado na formidável iniciativa da encarnação do filho de Deus, inspirou uma jovem simples e despretensiosa, moradora em Nazaré da Galiléia, a prorromper-se num cântico profético de louvor e esperança. Aplicada leitora da Palavra de Deus, a jovem virgem certamente compenetrou-se que, para Deus, justiça representa tratamento equânime para todas as pessoas. Os profetas e os salmistas reiteradamente denunciavam a manipulação da justiça e a aplicação parcial dos preceitos religiosos em favor das classes privilegiadas. Pela boca de seus mensageiros autorizados, Deus condenava veementemente a liturgia de fachada, os rituais pomposos, mas estéreis, que enchiam o templo de incenso e de cantorias, mas mantinham o povo refém de esquemas políticos distantes do projeto divino. Ao reiterar a promessa da vinda do Messias, os mesmos profetas anunciavam novos tempos quando a prática da justiça autêntica finalmente se estabeleceria. O aguardado descendente de Davi tomará posse de uma cátedra que ficará conhecida como o trono da justiça. Ciente de que a criança que estava sendo gerada nela era o Cristo prometido e aguardado, Maria entendeu que os novos tempos estavam finalmente despontando. Humilde e pobre ela mesma, emprestou sua voz aos desamparados de todos os tempos para anunciar, profeticamente, que Deus age na história, comprometido com os pequenos e pobres. A real situação da sociedade comprova quanto é necessário celebrar anualmente o Natal de nosso Senhor Jesus Cristo. Dois mil anos de cristianismo não foram ainda suficientes para promover uma sociedade justa. Privilégios contaminam o convívio e as desigualdades dificultam a pratica da fraternidade. Ao celebrar o mistério da encarnação do Filho de Deus, os cristãos, compenetrados como Maria da profunda revolução pretendida por Jesus no padrão de relacionamento entre as pessoas, encontram na recitação do Magnificat a mais fiel expressão do seu íntimo comprometimento com o projeto de Jesus, e a inspiração necessária para lutar por uma nova civilização onde reinará a justiça! FORMIDÁVEL CONSELHEIRO Presentear é caro! Em ocasiões corriqueiras, como por exemplo entregar aos amigos lembranças de viagem, não se faz necessário gastar tanto tempo ou mesmo tanto dinheiro. Vale o gesto de ter se lembrado dos amigos. Há, porém, ocasiões quando o ato de presentear assume capital significado. São aquelas situações particulares quando o amigo quer dar demonstração da peculiar estima que guarda pelo outro. O amigo para e tenta descobrir o que mais pode alegrar o outro, para, com alegria, tentar ir ao encontro de seus reais anseios. Quanto maior a intimidade mais fácil fica acertar no presente. Em certo sentido, a satisfação do outro demanda um grau de renúncia no amigo. Renúncia, todavia, que provoca no amigo interior prazer ao perceber que efetivamente colaborou para completar a alegria do outro. Prazer maior não há que alegrar a quem se ama! É nesta dimensão que se reconhece que presentear é caro. Não necessariamente porque se despende volume considerável de dinheiro, mas porque externa a profunda dimensão de carinho e de consideração pelo outro. Presentear é uma das maneiras mais sublimes e prazerosas de participar da vida de quem se ama sem ser inconveniente! A Trindade Santa sempre quis participar da vida do Homem. Afinal, ao criar o ser humano a sua imagem e semelhança, implantou nele a semente da eternidade. No seu plano original, a Santa Trindade preparou tudo para o Homem saborear a plena felicidade. Este, porém, imaginando poder fazer melhor, optou por afastar-se do caminho traçado. Iludido pela ambição, desobedeceu à orientação divina. E com a sua rebeldia introduziu no íntimo de seu ser, e como consequência nos relacionamentos sociais e familiares, a confusão, a desordem e o medo. Da harmonia o ser humano passou para a ambiguidade total! Esta completa confusão, contudo, não apagou do Homem o anseio para uma felicidade plena. Lá no fundo da alma, o ser humano quer ser feliz. Almeja viver sem medos. Como, no entanto, o entendimento ficou opaco e o amor desordenado, o ser humano enveredou por atalhos que mais complicações provocaram em sua vida. Pretensioso, o Homem inverteu radicalmente as ferramentas postas à sua disposição. Transformou a terra em objeto de possessão, a produção de alimentos em fontes de lucro, o convívio em competição e o amor em dominação. Imagina viver em paz fabricando armas de morte! Total equívoco. Com conseqüências previsivelmente desastrosas! Ao contemplar as densas trevas em que estava mergulhada a humanidade e ciente do mais profundo anseio da alma humana, a Trindade Santa, amorosa e intimamente envolvida com o destino do Homem, decidiu intervir para resgatar-lhe e devolver-lhe o sentido da vida. O ser humano necessitava com urgência reencontrar o caminho seguro da vida. Precisava de uma luz verdadeira capaz de dissipar as densas sombras que embaçavam-lhe a visão e o mantinham na ignorância. E decidiu, então, oferecer um caro presente para a humanidade: a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, o Filho Unigênito! Conhecendo bem a natureza do destinatário, obstinadamente altivo e desconfiado, a dádiva precisava ser apresentada de um jeito que a humanidade entendesse e acolhesse. Assume, então, o Filho Unigênito a condição humana. Numa ousada iniciativa, Deus decide ser homem, igual a todos os homens, para falar a linguagem do homem e mostrar-lhe com exemplos que é perfeitamente possível viver em plena paz e amor! A redenção é possível desde que o Homem decidisse abandonar atalhos, eliminasse as travas dos olhos, domasse a impertinente soberba. Aceitasse a Deus submeter-se, em suma! Imaginava-se que o Homem acolhesse agradecido este Conselheiro divino. Reconhecendo o caro presente, se apressasse para recebê-lo com a mesma alegria e excitação de crianças agraciadas. Misteriosamente, grande parcela da humanidade reage desconfiada e cética. Prefere seus próprios raciocínios, quer provas. Reluta crer. Questiona a Verdade. E ao continuar achando que pode fazer melhor, posterga a adesão. Adia desembrulhar o grande presente oferecido com tanto amor! A humanidade já perdeu muito tempo, e vem pagando preço caro pela ignorância, pela rebeldia, pela pretensão. Urge o Homem acordar. Urge aproximar-se, sem medos, do formidável Conselheiro, o caro presente dado como resposta aos anseios mais profundos da alma humana! NUDEZ Pompas fascinam! Reis, rainhas e princesas, aristocracia enfim, continuam exercendo um encanto especial sobre o cidadão comum. Em tempos de escassas e obsoletas monarquias, é curioso como a população faz questão de demonstrar suas preferências pelas monarquias, elegendo seus próprios reis e rainhas. Temos reis em futebol, rainhas em basquete, princesas em festas agrícolas. Regentes na política. Cada celebridade recebe a unção popular graças ao bom desempenho em sua modalidade. Com frequência, a publicidade dada a essas figuras contribui para justificar e ampliar a admiração, enaltecendo feitos e escondendo defeitos. As várias condecorações e loas mantêm em evidência os 'nobres', assegurando a devoção do povo. Quando, por acidente, tem-se acesso ao que esses figurões aprontam na intimidade, não raramente, a aura mística dá lugar a amargos desapontamentos. Quem sabe, não seja exatamente para camuflar as 'sujeiras da cozinha' que esses distintos cidadãos fazem questão de receber condecorações em sempre maior número. Cobertos de mantos e medalhas fica mais fácil desviar a atenção e iludir a população. E para sustentar a ficção, necessário se faz um articulado projeto de propaganda e blindagem. É dado inclemente da história, contudo, que ninguém consegue enganar a todos por todo tempo. Em uma hora de desatenção ou de excessiva confiança, a máscara cai e o 'rei fica nu', exposto e sem camuflagem. Conhece-se, então, o seu verdadeiro perfil! A real fotografia, sem retoques e sem produção! Nessas circunstâncias a decepção costuma ser profunda. A artificial imagem rui e reconhece-se que se exagerou numa exposição inverossímil. Há virtudes, sem dúvida, nesses medalhões, no entanto, seus valores são tão desproporcionalmente inflacionados que acabam criando irreais mitos. É sinal de enorme coragem e rara honestidade querer expor-se, sem máscaras e sem maquiagem, para ser objetivamente conhecido pelos outros! Poucos os 'reis' dispostos a despojar-se de seus mantos! É inegável, consciente das próprias limitações e defeitos, o ser humano prefere sempre esconder-se atrás de protocolos e de títulos. De mantos e de roupas. Hoje, a moda é recorrer para a tatuagem; a realidade, contudo, permanece a mesma, desviar a atenção da própria nudez! Existem dois níveis de exposição. Há o nível exterior. Muitos são os modelos que não se importam em exibir seus corpos atléticos ou suas formosas e atraentes silhuetas. Ironicamente, não são poucos entre esses modelos, que ao se despir, buscam inconscientemente esconder sua real personalidade. Preferem chamar a atenção por predicados exteriores e contingentes uma vez que o interior continua lamentavelmente indigente. Comprometedor, talvez, ou traumático. Optam, então, pela ilusão da vulgaridade. Importa fingir e representar! Mas há também o nível interior! A alma, o caráter, a identidade da pessoa! Apresentar-se como se é na realidade, talvez seja o grande desafio para o homem moderno! A cultura moderna impõe padrões de apresentação e de aceitação. As pessoas são avaliadas e encontram seu espaço à medida que se enquadram à padrões convencionais. Para conseguir apoio, o sujeito renega princípios, negocia valores! Emerge, obviamente, uma sociedade artificial, de fachadas, baseada em mentiras e hipocrisias. Finge-se ser uma coisa quando, na intimidade, se é outra! Por medo ou por conveniência o sujeito esconde sua real identidade. É preciso coragem para apresentar-se como se é na realidade! É falsa a tese que divide a humanidade em anjos e demônios. Somos, todos, santos e pecadores. Somos, todos, uma mistura de virtudes e de desvios! Assim é a humanidade! A diferença está em que alguns admitem suas limitações e as confessam ao passo que outros posam de perfeitos, dão lições de moral e alimentam a ficção! Urge que reis e plebeus se dispam de seus mantos ou de seus trapos e reparem a própria nudez! Muitas das arrogâncias diminuirão, reduzir-se-ão as pretensões, moderar-se-á a vaidade, evitar-se-ão os desapontamentos, limitar-se-ão as cobranças. Sobrará compreensão. Aplicar-se-á preferencialmente em corrigir os próprios defeitos. A sociedade, enfim, progredirá! Com ou sem realezas! O DIAMANTE Encerra-se neste domingo o Ano da Fé! Ao lançar a pastoral campanha, o Papa Bento XVI quis convidar a Igreja a realizar um detido exame sobre a vivência na Fé. Percebendo a urgência da iniciativa, o Papa Francisco vem empenhando-se em provocar os batizados católicos a avaliarem a autenticidade da sua identidade religiosa. Concede-se, nem sempre é agradável submeter-se a exames. Essas avaliações, não raramente, expõem falhas que se gostaria não possuir ou limitações que se preferiria ignorar. Por outro lado, ao convencer-se da realidade de certas debilidades, o sujeito que deseja progredir em suas realizações assume adotar os ajustes necessários. O dom da Fé assemelha-se a um diamante precioso que precisa constantemente de lapidação para chegar a seu verdadeiro brilho! Conservado em seu estado bruto perde muito da valorização, como também da natural exposição. Foi esta a explícita intenção dos Papas ao propor o Ano da Fé: provocar nos batizados católicos uma revisão detalhada da prática da fé, com o intuito de induzi-los a reafirmar sua legítima identidade cristã. Um olhar criterioso sobre a prática católica denuncia o estado ainda bruto em que se encontra o diamante da fé. Para a grande maioria dos católicos a vivência da fé se reduz à prática dos sacramentos. O católico, em sua maioria, reconhece como obrigações batizar-se, fazer a primeira comunhão, ser crismado, casar-se na igreja, participar de missa de sétimo dia. Faz isso, contudo, não com a intenção que a Igreja quer, mas apenas realizando cerimônias, cumprindo rituais, como se vacinas fossem. Comprova-se este formalismo ao reparar nos preparativos considerados relevantes para a realização desses rituais. As preocupações mais evidentes são com fotografias, com o desfile de roupas, com a decoração da igreja! Em sua maioria, o católico fica distante do verdadeiro sentido e do real desdobramento de cada sacramento. Comporta-se como um consumidor religioso. Na cultura tradicional, o crente católico age basicamente como um cliente; paga para ter um produto e julga-se no direito de reclamar se o que é oferecido não corresponde a seus requisitos! Rituais e tradições sem fé não passam de meras representações, cerimônias com pompa, mas sem vida! Concorridas, mas sem contágio! Diante deste desgastante descompasso reconhece-se a urgência de uma séria e minuciosa revisão no conceito e na vivência da fé. Enorme é o trabalho necessário para lapidar este diamante. O ponto de partida, logicamente, é reconhecer a urgência de realizar esta revisão. O fato de um sujeito não sentir dor não é nenhuma garantia de saúde perfeita, da mesma forma, o simples fato de alguém participar regularmente da missa não é nenhuma garantia de vivência autêntica na fé. Basicamente, crer é dispor-se a ouvir a voz de Deus! Ouvir com o intuito de ajustar-se à instrução recebida. Ao falar da autenticidade da fé, o Senhor Jesus, com hábil e prática pedagogia, recorre à figura do servidor que ouve e cumpre as determinações do seu superior. Basicamente, crer é exatamente isto, ouvir e cumprir! Na bonita e provocante imagem bíblica, a pessoa de fé vive em um constante desinstalar-se. Crente é o sujeito que está em constante busca para responder adequadamente a um chamado! Acontece que a voz de Deus é sempre suave, em contraste com os extravagantes ruídos do mundo moderno! Na cultura moderna, quem mais faz barulho mais possibilidade tem de ser ouvido. Real, portanto, é o perigo de a voz de Deus sumir! É, possivelmente, esta uma das razões para o enfraquecimento da fé! O crente está se deixando levar pelos ruídos do mundo, inclusive por uma ambígua propaganda religiosa. Confuso, não consegue distinguir mais a voz de Deus! Consequentemente, não a atende. Razão porque o crente católico é geralmente um sujeito inseguro, hesitante. Com facilidade vacila! A fé não se herda! A fé se cultiva, pessoalmente. Cada um recebe o diamante em estado bruto, com enorme potencialidade. Recebe, igualmente, a convocação para aplicar-se na lapidação. A oficina é a alma. As ferramentas são a escuta diligente da Palavra, a oração e o silêncio. O polimento é a prática. O ano da Fé esta terminando, mas a intenção de provocar no católico uma constante busca de aperfeiçoamento no perfil de sua identidade evangélica persiste urgente! TRAVESSIA Líder consciente não se contenta em delegar tarefas. Consciência plena possui que entusiasmo isolado não é suficiente para garantir êxodo a uma empreita. Tampouco garra baste. O líder perspicaz entende que uma de suas tarefas prioritárias é convencer seus parceiros quanto à real possibilidade de êxito do ideal abraçado, a ponto deles não esmorecerem diante de previsíveis revezes. Nobres missões costumam encontrar sérios obstáculos e enfrentar perigosos riscos. Conceda-se, tarefa mais nobre e salutar não há que anunciar a boa notícia da salvação a todas as pessoas. Neste mundo conturbado e confuso, notícia mais auspiciosa não há que anunciar ser possível uma completa redenção. Inexplicavelmente, a missão encontra oposição e resistência. Jesus, o principal mensageiro desta boa notícia, possuía plena consciência deste desafio. Primeiro, porque Ele mesmo enfrentou oposição e rejeição. Depois, porque ninguém mais que Ele conhece a alma humana. Sedento de vida plena, mas também ferido por uma incurável arrogância, o Homem sempre aspira suprir seus mais profundos anseios recorrendo exclusivamente a suas próprias energias. Imagina poder fazer melhor que Deus! Resiste aceitar o Criador como guia, questiona suas verdades, e frequentemente investe em desqualificar seus enviados. Conhecedor desta complexa realidade, mas igualmente consciente da íntima necessidade que o Homem tem de ouvir a voz de Deus, Jesus cuidou de escolher e designar discípulos a levarem a Boa Notícia da salvação para o mundo. Sagaz líder, o Mestre aplicou-se com diligência a dar a seus humildes enviados treinamento adequado capaz de convencê-los quanto à urgência da tarefa e sua plena possibilidade de êxito. Convictos e confiantes, capacitados estariam para enfrentar com coragem e serenidade as inevitáveis turbulências. Convidou-se Jesus, numa tarde, a atravessar com eles o Lago de Genesaré. A experiência não seria um passeio, mas uma preciosa e prática lição. Disse-lhes que iam levar a Boa Notícia aos povoados no outro lado do lago. Conhece-se o episódio. No meio da travessia, levanta-se uma violenta tempestade que quase leva à pique a frágil embarcação. Tão furiosa é a borrasca que mesmo sendo pescadores experimentados, os discípulos ficam apavorados. Mais desesperados se sentem porque Jesus dorme enquanto eles lutam contra furiosas ondas. Em pânico, sacodem o Mestre e protestam diante da sua estranha indiferença. Sereno e confiante, Jesus se levanta e com uma única palavra acalma a tempestade. Pronto, a lição está dada. E administrada de um jeito tão convincente que aquele humilde grupo fez questão de registra-la para iluminar os posteriores navegantes. Levar a Boa Nova envolve riscos e perigos! É travessia perigosa. Tempestades furiosas ameaçam a frágil embarcação. No entanto, enquanto Jesus estiver presente nenhuma oposição, por mais violenta, conseguirá afundar a embarcação e naufragar a missão. A oposição, mesmo a mais bem aparelhada e articulada, não resistirá a uma única palavra do Mestre. A história, nesses dois mil anos, comprova esta salutar verdade. Recorda-se, apenas à título de referência, uma das mais recentes e aguerridas tempestades enfrentadas pela embarcação de Pedro, o comunismo. Sistema articulado, sustentado por um exercito formidável, amparado por um patrulhamento implacável, frio e cruel, e ainda alimentado por uma propaganda insistente e doutrinação sistemática, o comunismo se gabava de ser a oposição definitiva, capaz de enterrar de vez a religião, e liberar o povo do ópio que o anestesiava. O que sobrou deste terrível monstro que durante anos desfilava prepotente? Que desdenhava os seguidores de Jesus porque possuía divisões mais numerosas e poderosas? Os adversários da religião, à semelhança da tempestade no lago de Genesaré, sempre deixam a impressão que vão prevalecer. Aplicado e previdente líder, Jesus deixou claro que a embarcação de Pedro navegará constantemente ameaçada pelos mares da vida. Que nenhum dos discípulos, no entanto, perca a fé, nem se apequene, impressionado pela violência das ondas! No momento certo, o Mestre se levanta, e com uma única palavra, debela a tempestade. Doma os monstros marinhos! E devolverá à embarcação a confiança necessária para prosseguir na travessia!
MENTES  INTELIGENTES
 Muitos são cultos. Poucos são inteligentes. É verdade, na opinião popular, o conceito de inteligência segue bastante amplo e genérico, abrange desde retórica polida, mesmo oca, até golpes de esperteza!  O sujeito com módicos conhecimentos e boa prosa é apressadamente aclamado como inteligente. Basta causar boas impressões. Na realidade, porém, nem toda pessoa possuidora de variados conhecimentos e boa retórica é objetivamente inteligente. A cultura pode ser superficial. A prosa, apenas cênica, elaborada meramente para causar impacto, em especial quando for mera multiplicação de palavras, estratégia ardilosa para impedir interrupção nem contestação. O sujeito loquaz, com pose de sábio, impõe-se recorrendo a frases de impacto que chamam atenção e impressionam. Seu objetivo é dominar a conversa. Aparecer! A pessoa genuinamente inteligente, por sua vez, se destaca pela ponderação e reflexão. Prefere mais ouvir, não se incomoda com o silêncio nem se aflige quando não é reconhecida. Ao manifestar-se, apresenta-se cuidadosa na escolha das palavras. Sabe dar a cada termo o exato peso que possui. Não receia opiniões diferentes ou teses contrárias. Seu negócio é aprender e ampliar o conhecimento, próprio e dos outros.
Na raiz etimológica, inteligente é a pessoa que enxerga além das aparências! Faz dos acontecimentos e da informação uma leitura que vai além do que é aparente. Faz, sobre todo tópico, uma leitura reflexiva. Assimila o que aprende, diferente de quem somente copia e cola! Desta forma, digerindo os assuntos os incorpora e os amplia, dando-lhes maior densidade e uma pessoal interpretação.  Este tipo de percepção demanda, evidentemente, disciplina, exige tempo, impõe estudo e dedicação. Inteligência não combina com pressa! Aplicado e paciente, o sujeito inteligente vai elaborando conceitos sólidos e consistentes, convicções enraizadas e articuladas, em condições de contribuir efetivamente para o progresso da ciência e do saber. O interlocutor pode discordar-se dele, mas reconhece o embasamento de seus argumentos. Livre da necessidade de reconhecimento e de aprovação popular, apresenta suas conclusões com a tranquila confiança e segura serenidade que, em tempo oportuno, suas opiniões serão devidamente avaliadas e compreendidas. Não receia expor suas convicções à análise de outras mentes, pois seu maior interesse não é granjear fama, mas progredir no saber. A mente inteligente se realiza e se delicia ao poder contribuir para um conhecimento mais abrangente sobre a realidade da vida.
O sujeito inteligente é um aplicado colecionador de conhecimentos. Diferente da pessoa que precisa de informação imediata. Este último só procura informar-se quando sente necessidade e concentra-se somente naquela particular informação. Conhecimento fragmentado e desconexo. Ao contrário, o sujeito inteligente cuida de armazenar o maior número de informações, pois enxerga além da necessidade imediata. Mergulha fundo nas matérias. Todo assunto é relevante e nenhuma informação é desprezível. Aprende e ensina que a sabedoria se adquire ao longo de uma extensa jornada, acumulando e organizando pequenas informações. O atual sistema de vida apresenta-se como sério obstáculo para o desenvolvimento da inteligência. Além da facilidade de copiar e colar, tão nociva para um amadurecimento consistente, prevalece a mentalidade utilitária e imediatista. Procura-se somente o que se vai usar de imediato. O cidadão moderno, envolvido pela atual cultura imediatista, não percebe que está se tornando imprevidente, despreparado para as possíveis emergências e desafios. Ao desdenhar poupanças, tanto culturais quanto materiais, torna-se extremamente vulnerável e perigosamente remedado! São as reservas, afinal, que dão consistência e segurança na vida! Na esfera intelectual, inclusive.
Ao guardar e assimilar diversificadas informações, o sujeito inteligente não somente amplia o depósito de conhecimentos, como também enxerga o sutil nexo entre um e outro tópico. Em sua análise, os assuntos adquirem novos e surpreendentes contornos, presentes, na verdade, mas latentes. Pessoas cultas agradam. Mentes inteligentes edificam!


JUSTIÇA SOCIAL Religião regula relacionamentos! Ao propor a fraternidade como a referência principal para o relacionamento entre as pessoas, o Senhor Jesus lança o alicerce para uma renovada vida social. Diferente e digna. Sempre nova, no sentido de continuadamente interpelar as pessoas, forçando os cidadãos de boa vontade a, regularmente, reavaliar seus objetivos e analisar suas condutas. Nesta dinâmica, o convívio social experimenta constantes ajustes e melhoras, uma vez que a busca pela autêntica fraternidade jamais esgota seu potencial. Formidável notar, neste sentido, a rigorosa coerência dos ensinamentos bíblicos. Já na Primeira Aliança ficou solenemente estabelecido ser impossível amar a Deus sem a correspondente solidariedade com o próximo. Ao ratificar este preceito, o Senhor Jesus Cristo o estabelece como o distintivo da Segunda e Eterna Aliança. Sendo esta a mais importante verdade, conclui-se que toda Sagrada Escritura deve ser lida com a lupa do amor fraterno. Ao convocar as pessoas a aceitarem os ordenamentos do Pai Eterno, Jesus estabelece os critérios para um relacionamento social digno, pacífico e prospero! Sem cair em fanatismos, pode-se afirmar com toda tranquilidade que as Sagradas Escrituras reúnem os fundamentos necessários para uma ordem social fraterna e de qualidade, sem conflitos e exclusões. A análise dos sociólogos aponta o desnível no tratamento entre cidadãos como um dos fatores mais graves a causar distúrbios e mal estar social. Particularmente no Brasil as desigualdades são tão gritantes quanto injustas. Estudiosos ilustres garantem que o Brasil não é tanto um país pobre, mas sim um país injusto! Inúmeros e diários são os exemplos a comprovar o desnível nos serviços básicos oferecidos aos cidadãos. Sem admitir, o país vive em regime de castas, alguns são mais cidadãos que outros. Privilégios e preferências geram, naturalmente, antipatias e ressentimentos! Ao analisar com serenidade o contexto social, conclui-se que o país só gozará de um progresso consistente quando conseguir diminuir os escandalosos abismos de desigualdade. Os sociólogos apresentam propostas variadas na tentativa de superar os fossos criados pelo descompasso nos serviços básicos. Insistem, todavia, em um denominador comum, a indispensável necessidade de proporcionar iguais oportunidades a cada cidadão. Esta exigência fundamental coincide com o preceito da fraternidade universal, distintivo do ensinamento bíblico. Fascina a dimensão humana presente em inúmeras instruções e orientações bíblicas. Recomenda o Livro Sagrado que em época de colheitas, o produtor não deve coletar a safra inteira de sua lavora. Deve deixar sobras para os necessitados! Ao recomendar o descanso sabático, o legislador bíblico exige que o repouso semanal seja extensivo também ao escravo! Repara-se no impacto desta legislação redigida em culturas que legitimavam o trabalho escravo e dele dependiam para prosperar! Ao defender como obrigação moral o direito do escravo ao descanso, o legislador bíblico equiparava em dignidade o servo e seu patrão! Ele também é gente! Rígida, igualmente, é a censura contra a cobrança de juros. Com veemência a Bíblia condena qualquer esquema de ágio que reverta em prejuízo ao devedor. Manda devolver, ao pôr do sol, a coberta pega como garantia, caso contrário sem a proteção de sua manta o devedor passaria frio! Que lição para as tantas formas de cruel agiotagem, permitidas ou não, que destroem tantas famílias e vidas! Impossível conciliar a pratica de agiotagem com a condição de discípulo! O ápice do amor fraterno exigido pelo Livro Sagrado se encontra na celebração da Eucaristia, apropriadamente denominada nos primórdios cristãos de partilha do pão. Ao sentar-se á mesa na companhia do Senhor Jesus, os discípulos são lembrados que são todos irmãos. Recebem tratamento igualitário! E desta forma que se devem tratar-se entre si. À mesa eucarística, Jesus não faz diferença entre rico e pobre, patrão e operário, culto e ignorante, homem e mulher, todos recebem idêntico alimento, tanto da Palavra como do Corpo do Senhor! A ordem que emana da Eucaristia é clara: Amem-se uns aos outros como eu amei vocês! Lento e penoso é o processo de promover a justiça social! Papel inalienável tem o seguidor de Jesus na efetivação desse processo! UNÍSSONO Feliz coincidência! O dia da Criança é celebrado no mesmo dia dedicado a Nossa Senhora Aparecida. Não está claro, historicamente, se a coincidência é intencional! Fato é que as duas comemorações se complementam magistralmente. Ao exaltar a figura de Maria, sob o título de Aparecida, a comunidade Católica reverencia a mãe de Jesus, aclamando-a mãe espiritual do povo brasileiro. Na condição de mãe zelosa, ela não somente olha com particular carinho para as crianças como inspira os adultos de boa vontade a promoverem com desvelo a vida de cada criança. Este é também o objetivo da instituição oficial do Dia da Criança. Quando a UNICEF promulgou, no dia 20 de novembro de 1959 a Declaração dos Direitos da Criança e estabeleceu a data como marco universal, a intenção expressa era chamar a atenção do mundo para a grave responsabilidade de zelar pelas crianças, assegurando lhes totais condições para uma existência digna. Na origem, o estatuto e o dia da criança estabelecem e reconhecem o direito de toda criança para uma subsistência digna, para um tratamento respeitoso, por uma alimentação saudável e por uma educação cidadã, indispensáveis requisitos para um amadurecimento consistente e responsável. Outra feliz coincidência é a proximidade do dia da Criança com o dia do Professor! Num espaço de poucos dias, o calendário social, no Brasil, induz a sociedade a olhar de maneira abrangente pelo bem-estar integral das crianças. Religião, escola e família representam instituições que, integrados, contribuem magnificamente para a formação do caráter individual, cidadão e ético da criança. É do interesse de cada uma dessas instituições desenvolver suas atividades em íntima sintonia com as demais, preservando, evidentemente, as particularidades de cada uma. Isoladamente, nenhuma das instâncias consegue dar conta da ingente e necessária tarefa de educar e formar cidadãos. A experiência, particularmente dos sistemas atuais que destacam a especificidade de cada ambiente, comprova e exige que essas instâncias básicas interajam harmoniosamente, complementando e aperfeiçoando o trabalho realizado em cada uma. Ironicamente, encontra-se aí um dos grandes desafios a ser vencido na proposta de uma formação infantil coesa e consistente. Nem sempre família, escola e religião trabalham em sintonia. Detectam-se, lamentavelmente, fissuras e desencontros. Não é raro saber de pais que minam a autoridade do professor, colocando-se unilateralmente ao lado dos filhos! É preciso enfatizar, professor desautorizado e mestre desmoralizado. Por outro lado, sabe-se de professores que, em sala de aula, doutrinam os alunos de acordo com suas convicções particulares, desconsiderando e desrespeitando tradições familiares e contrariando explícitos regimentos internos. Desencontros dessas naturezas prestam somente para gerar insegurança e causar confusão na mente dos alunos. Criam desnecessários conflitos! Estas disparidades são igualmente detectadas na prática da religião. Nem sempre há comunhão de intenções entre o que os pais procuram e o que a Igreja oferece às crianças. Esta descontinuidade de conceitos fica muito clara no campo do catecismo. Grande é o número de pais que inscrevem filhos para o catecismo, pensando unicamente na obrigação de fazer a Primeira Comunhão e a Crisma. A Igreja, por sua vez, encara o catecismo a partir de uma perspectiva mais envolvente e ampla. A catequese não é curso de habilitação para a recepção dos sacramentos. É, sim, uma instrução que visa criar eco perene na vida do catequizando. Faz-se catequese em vista de uma vivência cristã consciente e comprometida. Busca-se orientação religiosa porque se quer viver a fé com conhecimento, intensidade, convicção e alegria. O que pressupõe que a orientação religiosa já teve início no aconchego familiar. Patente fica o descompasso quando, no catecismo, se acolhem crianças que nem o hábito de rezar conhecem. Muito menos o costume de frequentar com prazer e regularidade as celebrações litúrgicas. Na ausência desta básica sintonia, o prejuízo maior, evidentemente, fica para a criança! Quem te crê te cria, diz o ditado. Importa muito que os adultos e as instituições festejem, junto com os pequenos, o dia da Criança, reafirmando e renovando a consciência que somente um esforço integrado e uníssono será capaz de garantir, já agora, uma existência feliz e promissora! REGRA DE VIDA Nos contratempos se avalia o grau de autoestima! Do próprio valor inerente! E com cirúrgica precisão! O sofrimento torna vulnerável a pessoa. Nessas circunstâncias de turbulência e de fraqueza o sujeito possui a clara consciência que deixou de ser senhor de seus atos e ficou a mercê de influências sobre as quais não possui ascendência. Essas situações ameaçadoras obrigam a pessoa a avaliar o real sentido da existência e a objetiva consistência dos valores em que deposita sua segurança. Não raramente, essas avaliações expõem a artificialidade da existência e provocam apavorante frustração. Trabalha-se tanto para alcançar determinado patamar, seja de que natureza for, mas quando dele se precisa para garantir-se, descobre-se sua total inutilidade. Dedica-se tempo, gastam-se energias para, na realidade, construir fantasmas! Este quadro desolador provoca a terrível sensação de vazio existencial!
Escolas de psiquiatria consideram esse vazio existencial um perigo grave. E a análise da realidade moderna aponta para uma difusão preocupante desta ameaça. Muitos, jovens especialmente, experimentam a triste sensação de uma vida sem sentido. Fatores variados induzem a confirmar a difusa sensação de falta de articulação e de objetivos na vida das pessoas. O exacerbado consumismo, o acentuado narcisismo, o precoce consumo de bebidas alcoólicas, a procura por entorpecentes, o surpreendente número de suicídios, inclusive em sociedades consideradas desenvolvidas e outras tantas fugas denunciam uma profunda crise de identidade e de valorização da vida. Vive-se, mas não se sabe por que e para que! Agrava esta situação de vazio o fato, salutar em si, da inquietação da mente humana que está sempre em busca de explicações e motivações. Ao não encontrar, todavia, um propósito consistente para a existência, ao deparar-se com o vazio existencial, a pessoa experimenta pesada desilusão a desembocar em depressão ou agressão. Os recentes surtos de violência, estúpidos em sua maioria, atestam esta interior angústia que atormenta tanta gente. Registra-se ainda o preocupante aumento de pessoas depressivas, gente que perdeu a graça de viver.  Terapias e remédios, valiosos em si, não têm, todavia, se demonstrado suficientes para devolver aos pacientes a segurança almejada.
É preciso mais que bulas para as pessoas recuperarem a autoestima. A química, valiosa, age no físico, mas não se pode esquecer que o ser humano é também espiritual. Não basta fortalecer o físico, é preciso também alimentar o espiritual. A mente, a alma enfim, palpita e se motiva quando se convence que há uma razão para a existência. Metas claras dão consistência e propósito a cada iniciativa! Metas claras descansam e articulam gestões. O caminho para resolver o enigma não é acadêmico. O desafio é primordialmente existencial. O começo da solução, obrigatoriamente, tem que ser prático, intimamente ligado à identidade da pessoa. Emerge, então, a real dimensão do desafio, particularmente numa cultura, como a atual, que contingencia tanto o valor do cidadão. No presente sistema, o sujeito vale pela sua eficiência. Compreensível a tensão, a insegurança e a rivalidade que este regime provoca, dada a disparidade de oportunidades. Numa sociedade tão altamente exigente, a ameaça do anonimato e do abandono é real e apavora. A consciência humana exige metas que transcendem o material e o produtivo.

Enorme é a importância da religião neste processo de ultrapassar a barreira utilitária! E ajudar cada cidadão a recuperação a inerente autoestima. O dogma cristão afirma enfaticamente que cada ser humano é querido e estimado por Deus! De Deus saiu e para Deus voltará. Há um destino definido e feliz para a existência humana! O Homem começará a enxergar esta verdade e nela crer somente quando percebe uma real e desinteressada consideração para cada ser humano. É neste patamar que a fé religiosa alcança sua autêntica expressão. Quem em Deus acredita enxerga o semelhante! Aí está o fundamento da autoestima, ser reconhecido e tratado, qualquer que seja a condição, como gente! Sublime verdade, a única a dar sentido à existência de todo ser humano. Árdua regra de vida, tão necessária e exigente em tempos modernos, que somente pessoas de fé firme e convicta são capazes de seguir!  

NOVO  NASCIMENTO
Ser cristão é marcar presença! Peculiar presença! Uma presença positiva, inspirada em e moldada por valores evangélicos, que correspondem naturalmente aos mais profundos anseios da alma humana. Uma presença, enfim, notável sem que seja necessariamente sensacionalista e ruidosa. Exposição forçada costuma gerar desconfianças. E desgastes. Muito barulho nem sempre é indicativo de muita substância. Nem de muita coerência. Ensina o ditado popular que os tonéis fazem mais barulho quando vazios. Não é, pois, pelo espalhafato nem pela lógica mercadológica que o cristão deve marcar presença, mas pelo vigor e coerência do testemunho de sua vida. Está no mundo, para o mundo sem ser do mundo! Marcado pelo Espírito de Jesus Cristo, o cristão adota as prioridades peculiares ao Reino.  Consciente e livre, assume fazer o bem por onde passa. Representa esta opção uma das mais fundamentais e inalienáveis conseqüências da condição de cristão e de discípulo de Jesus.
É pelo Batismo que se aceita formalmente o chamado a caminhar com Jesus. Esta afirmação carrega embutida a verdade lapidar, o discípulo é um escolhido de Jesus. Integra a família de Jesus quem por Ele é chamado. Não é por iniciativa pessoal que se é cristão. A iniciativa parte de Deus. Ele é quem chama. Sempre. Ao candidato cabe aceitar responsavelmente o chamado. Esta verdade extraordinária carrega sérios desdobramentos. Atesta, primeiro, a consideração que Deus tem para com suas criaturas. Quem se reconhece chamado deve regozijar-se e admitir humildemente que jamais teria condições de agradecer adequadamente tão excelsa distinção. Compenetrado e coerente, o escolhido sente-se, em seguida, compelido a esmerar-se para corresponder dignamente à escolha. E a celebrá-la com a devida solenidade. Poucos são os candidatos ao batismo que demonstram possuir clara consciência de que são escolhidos por Deus. Mesmo entre os já batizados, poucos compreendem que o batismo é uma graça, uma iniciativa livre e amorosa por parte de Deus. Pelas atitudes e posturas, como também pelas exigências, depara-se que muitos concebem o Batismo como um direito adquirido. Questionam as implicações e discordam das obrigações que decorrem deste sacramento. Para esses, o Batismo não passa de uma cerimônia, um ritual quase obrigatório, que termina quando acaba, sem ulteriores desdobramentos na vida. Uma mentalidade equivocada, que necessita ser urgentemente revista.
Os evangelistas e os apóstolos repetem exaustivamente que os seguidores de Jesus, são divinamente escolhidos e chamados. Ninguém se torna filho de Deus movido apenas por um desejo pessoal. Seria, indubitavelmente, o cúmulo da pretensão! Integra a família divina quem Deus escolhe e chama. Esta escolha, claro, dignifica quem é chamado, mas inclui também uma missão. Fazer parte dos discípulos de Jesus, não é uma condecoração. Os livros sagrados confirmam que sempre quando escolhe, Deus insere no chamado a missão. Na lógica divina, a escolha não representa distanciamento, mas, ao contrário, imersão profunda na realidade com o objetivo de transformá-la. Aos que chama, Ele habilita. Cheios do Espírito Santo, os chamados recebem a bela e fascinante missão de levar ao mundo o Evangelho, a Boa Nova da paz e de fraternidade.

O Batismo não é simples cerimônia, obrigatória como se vacina fosse. O Batismo é uma graça que somente é apreciada quando aceita com humildade e assumida com consciência. O apóstolo Paulo, coerente e preciso, define o Batismo como novo nascimento, um nascimento para uma vida diferente, moldada por valores peculiares e direcionada para objetivos, igualmente, singulares. O Batizado consciente é um ser que chama atenção, não pelo ruído. Nem pelo sensacionalismo.  Marca presença pela opção, simples, mas envolvente de fazer o bem por onde passar. Pelo testemunho de vida, enfim! Tão convincente a ponto de suscitar admiração e inspirar imitação!


DE CASA EM CASA
Mala direta. Telemarketing! Banners de propaganda na internet. É a artilharia midiática moderna para conquistar mercado e vender produto. A estratégia moderna prima pelo contato direto com o potencial consumidor. Atento ao fenômeno cultural moderno que molda o cidadão a relacionar-se com os outros e com o mundo via mídia, o mercado adaptou-se rapidamente ao esquema de comunicação em tempo real. A divulgação de um produto, em toda e qualquer área de atividade, dedica preferência e particular capricho à linguagem midiática. A capacidade de mobilização das redes sociais ficou confirmada nas recentes manifestações que aconteceram em várias partes do mundo. Recorrendo a um clichê moderno, mensagens de impacto são comparadas a pólvora acesa quando transmitidas via redes sociais. Inconteste é o poder de infiltração e de mobilização dessas novas ferramentas de contato.
A energia comunicadora das redes sociais se presta, igualmente, para o trabalho evangelizador. A potencialidade dessa ferramenta capaz de levar, em tempo real, a Boa Notícia ao mundo causa assombro. Em especial quando comparada aos enormes esforços empreendidos por gerações passadas em levar o Evangelho aos confins da terra. Reconhece-se, mesmo com tantas dificuldades e limitações, os missionários, heroicamente, atenderam ao apelo do Mestre, enfrentaram mares, montes e matos e levaram com zelo e paixão o anúncio do Reino. Diante, então, da facilidade que a tecnologia moderna proporciona, a atual comunidade de discípulos deve sentir-se particularmente cobrada nesta tarefa evangelizadora. O mundo avançou muito tecnologicamente, mas permanece escandalosamente deficitário quanto à condições  de vida digna e decente de um sem número de cidadãos. A observação registrada pelos evangelistas dando conta da tristeza de Jesus diante do abandono e da prostração que atormentavam seus contemporâneos permanece valida e mais aguda nos tempos modernos. Agora, como então, a grande maioria das pessoas vaga como um rebanho sem pastor. Perambula perdida, confusa e com medo, ansiosa para encontrar confiáveis caminhos que conduzem até onde se encontram as verdes pastagens que alimentam e dão segurança. Permanece dramaticamente atual o apelo para que se rogue ao Pai que mande mais colaboradores dispostos a pastorear o rebanho.
Fazia-se uma leitura muito estreita deste apelo do Mestre. Concentrava-se em orar por mais padres e pastores. No entanto, o contexto em que foi feito o apelo sugere uma interpretação mais abrangente. Foi à comunidade dos discípulos que Jesus se dirigiu. Consequentemente, é preciso estender e aplicar a convocação a todos os discípulos. Jesus quer despertar em todos os seguidores a urgência missionária que ardia no seu próprio coração. O Mestre não se conformava ao ver tanta gente sofrendo por não ter acesso e desconhecer os legítimos caminhos capazes de resgatar a dignidade humana. Enchia-se de compaixão diante de tanta gente prostrada por sofrimentos arbitrários e explorada por desilusões. Não é para viver na miséria e no sofrimento que Deus criou a humanidade. Ao contrário, o que mais Ele quer é ver o Homem realizado e feliz! Compreensível, a aflição de Jesus em querer contagiar seus discípulos com o mesmo ardor que acendia seu coração e tirá-los da indiferença e do comodismo. Insistiu que fossem de casa em casa levando a mensagem da paz, anunciando a proximidade do Reino. Durante séculos, milhões seguiram a risca este preceito.

As redes sociais, hoje, propiciam uma singular oportunidade de visitar milhares de casas levando a mensagem da paz. Centenas de milhares de pessoas fazem isso. Não se pode contentar, contudo, apenas com mensagens açucaradas. Tão pouco resolvem pregações virtuais! Atente-se, a mobilização virtual induziu as pessoas a sair para a rua, manifestar a cara, pedir mudanças. Quem postou foi o primeiro a sair à rua e seu exemplo foi arrastando outros e outros. Não basta postar mensagens bonitas. É preciso que sejam acompanhadas e confirmadas por atitudes concretas e comprometidas. São as atitudes que sustentam e dão credibilidade ao Evangelho. Imprescindível é a utilização das redes sociais no trabalho evangelizador. Pertinente muito, no entanto, e indispensável, permanece a recomendação de ir de ambiente em ambiente, de casa em casa, fazendo a paz acontecer.        

RETORNO "Retornaram a Jerusalém"! Com esta singela observação o evangelista Lucas acende uma luz providencial no contexto cinzento que envolve a realidade do casamento e da família. Ele relata como o casal Maria e José, ao se deparar com a falta do filho adolescente Jesus, por Ele procuram, primeiramente, entre parentes e amigos companheiros na caravana. Em vão. Tomam, então, a dramática decisão. Retornam a Jerusalém, como última esperança de encontrar o Menino e recuperar, compreensivelmente, a alegria familiar. Pela narrativa lucana sabe-se que tomaram a decisão correta. Encontraram o Menino em Jerusalém. E no Templo. Recuperaram o tesouro mais precioso de suas vidas de pais. Aliviados e felizes retomam sua jornada. Este episódio serve como analogia na reflexão sobre a realidade que afeta a família. Muitos casais, à semelhança de Maria e José, encontram-se incertos na caravana da vida. Iniciaram a viagem do matrimônio cheios de entusiasmo, de planos e de sonhos. Cumprimentados e festejados por amigos e parentes. Numa determinada curva da jornada, contudo, dão-se conta que o tesouro da felicidade e da realização tão curtido durante os primeiros anos de convívio começa a evaporar-se. A alegria e o prazer da mútua companhia paulatinamente esvaem, abrindo espaço para a rotina e o tédio. Procuram ouvir parentes e amigos. Em vão. Ou pior, entre estes há gente que lhes confirma que o desgaste do encanto no matrimônio, após um determinado período, é normal. Alguns amigos chegam a apresentar até argumentos científicos de antropólogos e psicólogos renomados comprovando a natural incapacidade de seres humanos coabitarem apaixonados por muito tempo. O casal procura socorro, mas encontra desilusão. Procura forças para reencontrar o caminho, mas topa com descrédito, quando não é até estimulado a desistir. È comum, consola-se, um casamento não dar certo. Incompatibilidades são previsíveis e ninguém é obrigado a arrastar-se na vida! Ao contrário, importa ser feliz! Ouve ainda que essa conversa de fidelidade no e de indissolubilidade do matrimônio é doutrina ultrapassada, valores impostos por religiosos conservadores. Vale a liberdade individual. O jeito é acompanhar a moda, partir para uma nova experiência! E os sonhos vão se ruindo e instala-se a indigesta situação do fracasso. Muitos são os casais, na atual caravana da vida, que se enxergam perdidos nesta terrível tensão entre sonho e realidade. Torturante dilema! Felizmente, casais outros há que não se conformam com a falta de perspectiva. Não aceitam o fatalismo. Não admitem perder o entusiasmo de viver realizados no casamento nem se conformam em fechar-se no terrível casulo da autopiedade. Decidem, então, imitar Maria e José. Retornam 'a Jerusalém'. Voltam para as raízes da religião e buscam oxigênio e orientação. Convictos, não admitem que o sonho de formar família seja uma mera utopia! Uma fantasia irrealizável. Se é verdade que a atração mútua entre os gêneros e a correspondente vontade de procriar e formar família sejam postulados naturais tem que haver caminhos seguros para que este processo se desenvolva e se concretize. Se, igualmente, é verdade que a natureza tem a sua origem em Deus, então, pela lógica, é somente com Ele que se aprende a receita certa para tornar realidade o sonho. Emerge, então, uma luminosa e elementar constatação: ao propor ao casal que forme uma sólida e indissolúvel união Deus ensina que é nesta estabilidade que o casal, e por acréscimo, a sociedade, encontram sua plena realização. Fidelidade e indissolubilidade são consequências naturais de um amor amadurecido e consciente e não imposições arbitrárias destinadas a tolher liberdades e impor jugos. Não está se dizendo que é fácil amar e conviver. Insinua-se, sim, que o amor não pode se esgotar em instintos impulsivos ou carícias pontuais, mas precisa ser educado para alcançar a generosidade da doação e a maturidade da compreensão. Ao decidir retornar a Jerusalém, Maria e Jose confiavam que encontrariam Jesus, recuperariam o sentido de suas vidas. Inspira esta analogia muitos casais e muitas famílias a retornarem constantemente a Jerusalém, em busca de suas raízes cristãs e humanas. Amparado nesses valores o ideal de uma família feliz e estável, de um lar aconchegante se alcança e se irradia! BOA NOVA Trago Jesus Cristo! Com este compromisso o Papa Francisco resumiu a agenda de atividades em sua visita ao Brasil. Dito de forma diferente, o Papa Francisco se apresentou como portador de boas notícias. Jesus é sinônimo de esperança e de dignidade. De luz e de paz. Na condição de pontifex, Jesus de Nazaré é o fazedor de pontes por excelência. Jesus Cristo aproxima o Homem a Deus e, como consequência natural, fomenta a comunhão dos homens entre si. Religião, fundamentalmente, visa estabelecer e alimentar relacionamentos. Igreja é comunidade de pessoas que se congrega porque em Deus acredita e segue os passos de seu enviado, Jesus Cristo. Ao reafirmar, na condição de líder da comunidade católica, que anuncia Jesus Cristo, o Papa Francisco confirma que o objetivo primário da existência e da ação da Igreja é construir pontes, empenhar-se em aproximar as pessoas a Deus e esforçar-se intensamente para ser instrumento de diálogo e de convívio harmonioso entre as pessoas. Desafios ambos ingentes e urgentes. Oportuníssimo programa para um Brasil marcado por exacerbado laicismo e enfraquecido por graves divisões internas. Estranhamente complicado ficou o acesso do homem moderno a Deus. Com genuíno interesse se procura a razão por esta dificuldade. Predomina a impressão de incompatibilidade entre o ser humano, avançado e progressista, e Deus. As formidáveis conquistas tecnológicas reduziram drasticamente a mitológica dependência do homem de Deus. O que outrora se imaginava privativo da competência divina, hoje as maquinas realizam. Para cientistas e intelectuais, Deus se tornou irrelevante. Para humanistas e livres pensadores, o Criador tolhe a liberdade com proibições e rituais formais. Consideram o Homem suficiente preparado para definir o que é certo e o que não é. Não aceitam tutela moral. Repudiam, igualmente, imposições litúrgicas que estabelecem horários e ritos para comunicar-se com o Criador. O conceito mais difuso, hoje, aponta para um acentuado subjetivismo religioso. O sujeito pode querer seguir uma crença ou uma religião, mas isto, de forma alguma, representa uma necessidade para o ser humano. Ao contrário, perde pontos o cidadão que ainda se deixa envolver por assuntos religiosos e práticas piedosas. Com candura e firmeza, o Papa Francisco, ao afirmar anunciar Jesus Cristo, confirma a necessidade intrínseca que o Homem tem de Deus. Todo avanço tecnológico, formidável e necessário, não somente não dispensa o Homem de reverenciar Deus, mas, ao contrário, o transforma em diligente administrador de todo progresso. Ao submeter-se às verdades divinas, o ser humano nada perde de dignidade. Alcança, sim, nova dimensão de soberania e assume agudo grau de responsabilidade. Crer em Deus é promover a vida. Tal realidade se comprova não com argumentos, embora não os dispense, mas com atitudes concretas de valorização da vida e de reverência a todo ser humano. A comunhão com Deus eleva o Homem a excelência singular, sem lhe tirar a modéstia. Crer em Deus é também acreditar no ser humano. A comunhão com Deus encontra sua mais autêntica expressão na promoção do fraterno convívio entre as pessoas. Jesus Cristo coloca esta verdade como pedra fundamental do novo Reino e distintivo principal de seus seguidores. Com extrema clareza diz identificar-se com os mais insignificantes dos irmãos, orientação obvia para a adoção de uma mentalidade de inclusão. Ao optar seguir Jesus Cristo, o discípulo assume a sublime tarefa de aproximar-se do próximo com a generosidade do bom samaritano. A caridade por Cristo proposta é muito mais envolvente que um assistencialismo diluído e ocasional. Demanda uma radical conversão ao próximo, exigindo um rigoroso combate à indiferença e ao comodismo e uma responsável moderação no consumismo e no desperdício. Não contente com tão abrangente programa, o Senhor Jesus propõe ainda a compaixão e o perdão como pilares indispensáveis na realização do Reino. Acolhida, tolerância e diálogo são naturais manifestações da genuína caridade. “Esta tudo resolvido”!, comentou pessoa conhecida ao acompanhar a chegada do Papa. Não está. Ao comprometer-se anunciar Jesus Cristo, o Papa Francisco propõe novamente ao povo brasileiro um caminho seguro para uma paz consistente e para uma justa prosperidade! Oportuna boa nova! JMJ partes do planeta. Os peregrinos são jovens, cheios de vida, mirando o futuro. No peito levam a cruz, no coração o que disse Jesus, como muito bem sintetiza uma das músicas que promove a Jornada Mundial da Juventude. Em nome de Jesus, e por amor a Ele, centenas de milhares de rapazes e moças deixaram suas casas, suas pátrias, suas férias, e puseram-se a caminho da cidade do Rio de Janeiro em busca de uma experiência peculiar: afirmar e firmar sua presença como Igreja. Imagina-se a festa. Jovens falando vários idiomas, mas com um só ideal na cabeça e um sentimento a prevalecer no coração: declarar, candidamente, que amam e seguem a Jesus. Julgam-se felizes por isso! Nele encontram sentido pleno para a existência e, assim, conclamam outros jovens a acompanhá-los neste seguimento. Impossível não encantar-se e não comover-se diante de tão singular testemunho. A ressonância deste enorme congraçamento ultrapassa fronteiras, a esperança que dele emana naturalmente contagia o planeta. Afinal, são centenas de milhares de jovens caminhando, cantando, rezando, forjados em um projeto de vida que tem como sólido alicerce a fraternidade e como propósito crescer no respeito pelo semelhante. A essência do cristianismo, em suma. Toda peregrinação costuma terminar em santuários. Desta vez o santuário não será um templo feito de pedras, mas o 'campo da fé', o enorme descampado que acolherá os romeiros nas celebrações finais da Jornada. Eloquente é o simbolismo deste 'campo da fé'. Realiza formidavelmente a grande verdade: a Igreja de Jesus Cristo não é feita de pedras nem de trâmites burocráticos, mas, primordialmente, de gente que, por crer em Jesus, se congrega em seu nome. Igreja é comunidade que se encontra. Encontra-se com seu fundador vivo, de quem recebe constantemente a Palavra e o Pão da vida. E encontra-se também entre si num movimento constante de renovação e de conversão. Igreja é isso: comunidade que se encontra e que se renova, num contínuo recomeçar-se. Incomensurável será a energia sobrenatural a emanar da Jornada. Os encontros de formação, as celebrações, as atividades culturais, as oportunidades de confraternização, de intercâmbio e de partilha, produzirão um conjunto de sementeiras que, francamente, fica impossível calcular a repercussão e projetar a dimensão da colheita. Sobre todo evento domina a majestosa e serena figura do Cristo Redentor, símbolo natural deste singular encontro. Com seus braços abertos, o Cristo expressa a alegria da acolhida, traço peculiar, alias, da alma carioca. Todos cabem no abraço do Cristo Redentor. Ele é refúgio e proteção. Somente em Cristo, afinal, a alma humana encontra sentido e repouso. Para Ele milhares de olhares juvenis se voltam em gratidão, em esperança, em inspiração. Em amor! Os braços abertos de Cristo, contudo, lembram também a cruz, não mais como instrumento de tortura, mas como a maior expressão de amor que um ser humano já demonstrou em favor de toda humanidade. Na cruz, Jesus expressa duas grandes e sublimes verdades e as confirma: o inigualável amor maior e a força de atração que todo amor generoso exerce. Mirando Jesus na cruz, os jovens há de se sentir não somente amados, mas igualmente enviados. São tantos os jovens que precisam da Boa Notícia! Afinal, o Senhor morreu para que não haja mais cruzes a atormentar as pessoas. Nada mais incomoda o jovem que o sofrimento injusto. A terna e generosa alma juvenil não suporta ver, entre outros, colegas jovens vergados por cruzes, doídas conseqüências de ilusões, desorientações e explorações, condenados prematuramente à morte estúpida. Intencionalmente, os braços abertos do Cristo Redentor acenam para o valor da vida e conclamam os jovens para que sejam mensageiros e defensores da vida. Autênticos samaritanos para seus pares! Sim, porque a Jornada Mundial da Juventude termina, mas não se encerra. Todo encontro com Jesus Cristo embute um envio! Pela voz do Papa Francisco os jovens serão enviados de volta à seus países, cidades e famílias de origem, para o mundo enfim, com a fascinante missão de renovar a face da terra, reavivar a esperança, semear alegria. Fazer a paz acontecer. É próprio ao homem dar preferência à tarefas que à pessoas. Integra o jeito masculino de ser esta tendência de dedicar maior importância ao trabalho, à produção. Reflexo evidente desta inclinação para o racional é o fato de o homem pouca importância dá a datas, a nomes e a outros detalhes. Esta tendência, possivelmente, remonta a tempos primitivos quando era assumida como tarefa primordial masculina o sustento da família. Responsabilidade masculina era caçar e prover. Das crianças e da cozinha cuidavam as mulheres. A sociedade evoluiu. Os desdobramentos culturais, no entanto, persistiram. Delega-se implicitamente a responsabilidade pela educação e pelo acompanhamento dos filhos à mãe. Teoricamente o pai reconhece sua obrigação de participar na educação dos filhos, no entanto, basta reparar na reduzida presença de homens em reuniões escolares ou do catecismo para concluir que na prática a teoria é diferente. Quando se solicita a presença de genitores, são as mães que, geralmente, atendem. Mesmo ocupadas com as múltiplas tarefas femininas, inclusive profissionais, as mães sempre conseguem arrumar tempo e disposição para acompanhar, em pormenores, o progresso dos filhos. Falando em tese, o homem costuma ocupar-se mais com o global, com o macro, deixando de lado detalhes que, equivocadamente, julga irrelevantes. Razão porque o homem, geralmente, é condenado como egocêntrico. Com veemência o homem, e os pais em particular, protestam contra a exagerada censura. Afinal, trabalham duro para assegurar o emprego e garantir á família um sustento justo e digno. Reconhece-se a terrível pressão que envolve o mundo do trabalho. Não é nada fácil assegurar aos filhos um futuro confortável. A concorrência e as exigências da vida moderna demandam cada vez melhor preparo por parte do trabalhador. É justamente este o ponto onde se deve inserir a curva. Se de um lado é correto dizer que o trabalho absorve grande energia e considerável preocupação do homem, é preciso também que se compreenda que os filhos necessitam da presença afetiva do pai, do cheiro do pai! Reconhece-se em tese que não são somente bens materiais que asseguram vida saudável à família. O pão precisa ser acompanhado pelo afeto. A disciplina doméstica temperada pela descontração das brincadeiras. Em muitos lares, o amor existe, sem dúvida, nem sempre, porém, é demonstrado da maneira convincente. Não basta amar interiormente, é preciso que a pessoa amada saiba que é querida. Não basta o pai trabalhar duro, é preciso criar espaço para a ternura. Neste detalhe, frequentemente, o homem derrapa. Não são poucos os homens que sofrem, e fazem sofrer, porque não aprenderam a demonstrar amor. Foram moldados em uma ambígua cultura, bastante difusa infelizmente, que considera impróprio ao homem externar carinho. Aprenderam desde pequenos que carinho é coisa de menina, demonstrar afeto denuncia frouxidão da masculinidade, perda de autoridade. Muitos são os homens que se afligem por bloqueios comportamentais. Amam, mas reprimem seus sentimentos, porque foram educados a serem duros e inflexíveis. Como se firmeza de caráter fosse incompatível com ternura. Não são poucos os pais que, já idosos, censuram-se duramente por ter perdido preciosas oportunidades de brincar com os filhos, de não ter balanceado exigências de correção com iniciativas de folga e descontração. De lhes demonstrar, em suma, quanto genuíno, de fato, era o amor que os inspirava. Essas inibições acabam distanciando os filhos dos pais. Deixam neles a frustrante impressão que possuem espaço apertado no coração do pai. Ele tem outros assuntos, mais prioritários que eles com que se preocupar! Tremendo equivoco, gerador de sérios distúrbios nos filhos e graves, e não raramente, irreparáveis frustrações nos pais. Afinal, o fator cumplicidade é, certamente, um dos ingredientes mais bonitos e ricos num relacionamento familiar. Dele nascem o companheirismo, a segurança, a confiança. A saúde psicológica e afetiva de uma família, dos filhos principalmente, repousa, fundamentalmente, no grau de transparência e de comunhão entre seus integrantes. Representa ainda herança inestimável. Indelével e saudosa recordação. Infinitamente mais valiosa e duradoura que qualquer outra herança material. Pai consciente investe na transparência, na cumplicidade, sólidos pilares na formação de caráter e de afeto, imunes a desgaste! FELIZ DIA DOS PAIS! URIAS Subalternos eclipsam, vez ou outra, superiores. Previsível é o ator principal atrair toda atenção. Pontualmente, todavia, é o desempenho do coadjuvante que brilha e se destaca. Na biografia de Davi, rei bíblico de Israel, a integridade de um coadjuvante deixa na sombra o brilho do adulado regente. Trata-se do general Urias. Registra a Bíblia que, enquanto o oficial esteve a serviço do rei em guerra, este encantou-se com a mulher dele, Betsabéia, e abusando do seu poder real, mandou chamá-la para satisfazer seus caprichos e ela ficou grávida. Apavorado, trama o rei encobrir seu abuso chamando para casa o general e, fingindo amizade e consideração, concede-lhe dias de descanso. Urias, em atitude exemplar de fidelidade ao rei e de solidariedade aos companheiros em guerra, recusa desfrutar da companhia da esposa. Passa a noite à porta do palácio. Ao tomar conhecimento da conduta de seu general, Davi o convida para um banquete e o embriaga, na certeza que, entorpecido pela bebida, o general procuraria os afagos conjugais. Novamente, Urias dá demonstração de fidelidade ao soberano e de solidariedade aos companheiros e passa a noite à porta do palácio. Vencido, Davi manda de volta o general ao campo da batalha com a explícita recomendação que atuasse na frente onde o combate fosse mais feroz. Claro, Urias acaba morto. A narrativa bíblica destaca o subseqüente arrependimento de Davi. Urias sai de cena, mas não sem deixar uma valiosa lição de ética e de coerência. De integridade. Preciosa reflexão para o momento conturbado pelo qual o Brasil atualmente passa. Impactante é o senso de responsabilidade do general Urias. Em tese, ele não cometeria nenhuma improbidade caso aceitasse a insinuação do seu superior e fosse descansar e relaxar-se em casa. O sentido do dever, todavia, e o sentimento de solidariedade para com seus companheiros falaram mais alto em sua consciência. Dentro da atual conjuntura, a falta de um sentido agudo do dever por parte de vários funcionários públicos graduados é, certamente, uma das causas principais para tanta desordem e para o alto grau de descontentamento por parte da população. Infelizmente, o que salta aos olhos é uma viciada mentalidade de querer beneficiar-se de posições e cargos. Altos cargos em administrações públicas garantem acesso fácil às mais descabidas mordomias. Com a consciência da transitoriedade do poder, as autoridades de plantão, com algumas exceções, buscam tirar o máximo de vantagens no menor prazo possível. O que cria um círculo vicioso de corrupção e de espólio. Altera-se radicalmente a razão de ser do serviço público. Com as exceções de praxe, o que se observa não é o político a serviço da nação, mas homens públicos cobrindo-se de privilégios e mordomias as custas do contribuinte. Não bastasse o abuso, ainda assiste-se á desfaçatez de querer justificar o injustificável! Desfigurado por completo, o exercício de governança locupleta seus ocupantes ao passo que a população permanece em estado de constante indigência. Inconformados, os cidadãos decidiram que havia chegado a hora de dizer um sonoro BASTA, de extravasar ruidosamente o protesto que há muito amargurava suas vidas. Superaram a contumaz indiferença e foram para a rua exigir mudanças. Ao clamar por administrações 'padrão Felipão', o povo quer administrações eficientes, que trabalham coesos na busca do verdadeiro progresso. A começar pela seleção da equipe dirigente. A comissão técnica da seleção de futebol convocou atletas segundo o perfil do esquema de jogo a ser implantado. Não se preocupou com cartolas, nem se deixou impressionar com medalhões. O objetivo era formar um time competitivo, com um esquema de jogo definido, capaz de chegar a vitória. Padrão Felipão é isto, objetivos claros, comando reconhecido e com autoridade e plano de ação definido e assumido por todos os integrantes do grupo, desde os mais graduados oficiais aos mais humildes cooperadores. A livre e consciente adesão a esta mentalidade levou à inconteste vitória uma seleção que pouco prestígio inspirava. A figura bíblica de Urias é motivo de grande inspiração neste momento crítico pelo qual passa o país. Se a hora é de mudança, que se assumam, e de forma livre e consciente, posturas de integridade, de lealdade, de coerência, de abnegação e de ética. COROA Carismático foi Paulo! O qualificativo possui variantes. Popularmente, define-se como carismática a pessoa que irradia especial energia, sujeito cativante. No caso de Paulo, o apóstolo, o vocábulo indica a gama de aptidões que ele coloca a serviço do evangelho e que o transformam em um apaixonado missionário, merecendo ser considerado, com justiça, um dos pilares do cristianismo. De caráter resoluto e destemido, Saulo ou Paulo exerce, no primitivo cristianismo, uma inconteste liderança. Amado e admirado por muitos, mas também contestado por outros tantos, em especial por causa do temperamento forte e exigente. Gente assim costuma impor-se em seus ambientes, fazendo valer a própria opinião, deixando pouco espaço para o diálogo e a divergência. Foi por causa deste temperamento aguerrido que Saulo encontrou-se com Jesus Cristo. Zeloso fariseu, assume a incumbência de liquidar a comunidade cristã nascente. À entrada de Damasco dá-se o imprevisível. Jesus, significativamente em forma de luz ofuscante, se põe no caminho e derruba o convencido do cavalo. Interpelado, Saulo, o combatente, pede orientação. E Jesus o encaminha para a comunidade dos discípulos de Damasco. E Saulo vai. Todo episódio joga uma luz preciosa sobre a personalidade desta singular figura. Poderia, em tese, questionar ele a orientação. Afinal, que poderia ensinar a ele, doutor na Lei, uma insignificante comunidade de convertidos? Não merecia ele atenção especial: ser instruído diretamente pelo próprio Mestre Jesus? Humildemente, o douto fariseu nada questiona, mas submete-se à instrução da nascente igreja! Mais tarde, escreveria que Deus reputa como louca a sabedoria do mundo! E a loucura de Deus é bem mais sábia do que a inteligência dos homens! Convertido, Paulo coloca seu carisma a serviço do Evangelho. Com destemor lança-se a anunciar Jesus Cristo, provocando a ira de seus antigos colaboradores e a desconfiança de seus novos irmãos. Os judeus o consideram traidor. Os cristãos, um agente infiltrado para provocar mais estragos entre eles. Nada disso, porém, o detém. Ao contrário, entendendo que deve satisfação apenas a Jesus Cristo, diverge e enfrenta, inclusive, os apóstolos escolhidos diretamente pelo Mestre. Os força a reconsiderar a leitura que faziam do ensinamento recebido. Inspirado, não somente abre a porta da fé aos que os judeus consideravam como excluídos, mas também os desobriga a submeter-se às tradições judaicas. Na escola de Jesus, este judeu convertido compreendeu como ninguém uma das mais fundamentais e renovadoras verdades do novo reino: a fé em Jesus elimina toda diferença e supera qualquer discriminação, justificáveis por padrões humanos. Não há mais judeu nem grego, não há mais senhor nem escravo, não há mais homem nem mulher, mas todos são um só em Cristo Jesus! Ousadíssima afirmação e revolucionária, feita em um período quando as sociedades se esmeravam em dividir-se em categorias bem definidas. Mesmo na atual sociedade que tanto se gaba em defender direitos e garantir espaços a minorias, a posição de Paulo permanece interpeladora, inclusive para as comunidades cristãs. Gente de enérgico temperamento não costuma manifestar muita paciência com a limitação alheia. Emerge outra surpreendente qualidade neste peculiar homem de Deus! Pelos seus escritos, Paulo se revela um sujeito que aprendeu a tratar com compreensão seus semelhantes. Devemos a ele a mais preciosa lição sobre a caridade. Séculos depois seu hino a caridade permanece sublime e inspirador. Inconteste e provocador! A solicitude com as comunidades por ele fundadas revela um coração pastoralmente voltado para os irmãos. Sem nenhum receio declara seu afeto pelas pessoas. E quando, no fim da vida, preso em Roma, se vê sozinho, sem ninguém para defendê-lo, pede, imitando seu ilustre Mestre, que o descaso não seja debitado na conta de ninguém! Pela compreensão e pelo perdão se distingue o seguidor de Jesus. O discípulo que não é humano contradiz o evangelho. Carismático é Paulo! Contagiante sua figura. Inspiração para quem aspira seguir os passos de Jesus, encarando a vida como uma corrida em busca da coroa da glória a ser concedida pelo justo juiz! VALENTE Perplexo parou Pedro! Em consonância com seus conterrâneos aguardava um Messias guerreiro. Enchia-se de brios a alma nacionalista judaica ao recordar o rei Davi, o mesmo que eliminou dez mil filisteus. Na condição de descendente de Davi e anunciado feitor de maiores proezas, o messias libertador atiçava a imaginação e excitava a alma judaica. A mentalidade humana associa invariavelmente o conceito de primazia à submissão e derrota de adversários. Excelso é quem supera toda oposição. Quanto mais acachapante a derrota mais gloriosa e saborosa fica a vitória. Hegemonia convincente é aquela que destrói e humilha o rival. Reflexos desta mentalidade prepotente são facilmente perceptíveis nas atitudes de grupos que se misturam aos ativistas que, nessas últimas semanas, marcham em protesto pelas ruas do país. Querem prevalecer destruindo e depredando. A doutrina, basicamente, é idêntica: quanto mais se bate no adversário mais convincente e aclamado o triunfo. Entende-se, portanto, a confusão provocada na cabeça de Pedro quando ouviu da própria boca de Jesus, que, na condição de Messias, ao chegar a Jerusalém, seria rejeitado e condenado a morrer na cruz. É bem verdade que Jesus acrescentou importante detalhe, a dar justa dimensão ao desfecho objetivo de toda jornada. Enfatizou Jesus que após o suplicio da cruz ressuscitaria. A morte, de forma alguma, seria o fim. Como, no entanto, Pedro e os demais não entendiam o que viria a ser a tal de ressurreição, estacionaram no fato morte. E morte representa derrota. Inevitável a perplexidade. Na expectativa deles, o descendente de Davi viria para derrotar os adversários convincentemente e devolver ao povo a soberania original. É o que se esperava do mais ilustre herói. Jesus é sem dúvida o Messias anunciado, o descendente de Davi mais esperado e aguardado. Sua proeza maior, todavia, foi afastar-se do esquema humano de alcançar visibilidade. Ao invés de sacrificar adversários, Jesus caminha para a vitória seguindo uma estratégia diferente, fundada no respeito pelo outro. Na verdade, Jesus não queria vencer pessoas. A ninguém considerava como inimigo. Queria, sim, introduzir um novo jeito de viver que fizesse com que as pessoas cultivassem uns pelos outros profundo respeito. É num detalhe que muitas vezes os homens patinam, personificam o mal! Ao identificar o mal com pessoas, imaginam derrotar a adversidade, derrubando oponentes. E quanto mais arrasadora a vitória, maior a razão dos conquistadores. Herói autêntico, ao fugir do padrão do mundo, Jesus, primeiro, questiona sua real eficácia. Afinal, quando se olha a história repara-se, com facilidade, o equívoco das vitórias conseguidas a custa da humilhação do adversário. Grave ilusão pensar que o peso do braço aniquila adversários. Subjuga o físico, impõe culturas; raramente, contudo, vence a alma. Ferido, o oprimido se retrai para, em silêncio, recuperar o original vigor e, na hora oportuna, irromper vingativo. A moral da história bíblica de Sansão se reproduz com triste frequência nas constantes tensões que marcam a história dos povos. É sempre inconcludente a vitória que mira humilhar adversários. Ao fugir do padrão do mundo para alcançar visibilidade, Jesus convoca a humanidade a subir um degrau no quesito de civilização. Mostra que vitorioso é o sujeito que se entrega a convencer seus semelhantes acerca de uma proposta digna de ser perseguida. Alcança legítima visibilidade à medida que cresce o número de pessoas que, voluntariamente, aderem à proposta anunciada. Convicto e coerente vive, ele próprio, e de uma forma radical, os princípios anunciados. Ora, o reino de que Jesus fala não é um reino a moda do mundo. Não é demarcado por fronteiras de nenhuma espécie. Seus cidadãos são identificados não pela cor da pele nem por um idioma, nem por culturas, mas por uma postura de radical respeito pelo semelhante. Exatamente como Jesus viveu e até o fim! Tocado pelo exemplo de Jesus, Pedro decide mudar de parâmetro. Entendeu que Cristo era mesmo um Messias valente. Afinal, somente quem é integro é capaz de perdoar o amigo covarde. É preciso muito caráter para não revidar quando injuriado. Bater e destruir é fácil, mas nada constrói. Pelo contrário, denúncia ausência de propostas consistentes. Valente de verdade é quem supera mediocridades, alarga horizontes e estimula a superação. Vencida a perplexidade, Pedro parte em missão! JOÃO BATISTA "Que devemos fazer"? Foi esta a indagação que os peregrinos dirigiam a João Batista ao buscar o batismo da penitência. Entendiam que a água do rio Jordão não era suficiente para transformar realidades. Apresentar-se para o batismo indicava tão somente o reconhecimento dos próprios erros. Era preciso dar um salto para frente. E João, na condição de profeta, instruía os peregrinos. Aos cidadãos comuns lembrava a necessidade da partilha e o valor da atenção ao semelhante. Aos funcionários públicos - publicanos - recordava a obrigação de pautar-se pelas leis, resistindo a toda forma de fraude e de corrupção. Aos soldados recomendava moderação e respeito! Triste e impressionante semelhança com os dias atuais. O país vive um momento de especial significado. O reajuste na tarifa do transporte público desencadeou uma série de protestos que tomaram conta do país. Redatores e comentaristas políticos têm destacado que essas manifestações, na realidade, refletem a generalizada insatisfação da população com a maneira como o país está sendo governado. A frase do jovem ativista resume com formidável precisão o objetivo maior da mobilização popular: Parem de falar que é pela passagem. É por um Brasil melhor! Gente há que classifica esse movimento de oportunista. Esperaram, dizem, a realização da Copa das Confederações para externarem seu grito de protesto. Querem aparecer! Outros opinam que a deflagração desses protestos não podia acontecer em melhor hora. Os olhos do mundo estão voltados para o Brasil. Urge mostrar o verdadeiro rosto, ou para ser mais preciso, o perfil real, do país. Evidente, há espaço para polemizar, o assunto é complexo. Razão por que se impõe na cabeça do cidadão sereno, mas envolvido, o questionamento: que devo fazer? Reconhece-se, a esta altura dos acontecimentos, não se pode ficar indiferente. Confronta-se, então, com outra questão angustiante: quem vai atender e quem precisa ouvir a voz que brada das ruas? João Batista, tão popular, tão estimado e tão festejado, apresenta-se como um interessante interlocutor. Talvez ele mesmo sugerisse, se procurado, uma pausa nos folguedos juninos para uma reflexão comprometida e serena, capaz de ajustar pensamentos e ajeitar condutas, propiciando uma descontração ainda mais consequente e solta nos tradicionais arraias. O humilde profeta advertiria sobre o iminente julgamento. No seu tempo, ele não cansava de chamar a atenção das lideranças políticas e religiosas para que mudassem suas condutas e cuidassem das verdadeiras necessidades e dos legítimos anseios da população. Avaliando a presente situação, percebe-se uma triste semelhança. Muitos dos dirigentes políticos, nas várias esferas de administração, se preocupam mais com suas carreiras políticas que com o bem-estar consistente da população. A história confirma, ninguém consegue enganar a muitos e por muito tempo. Paciência tem limites. Acomodação também! Mentiras e dissimulação, idem. A hora do julgamento chega, inexorável, e com previsível desfecho dramático. Ecoa, vibrante e atual, a voz do Batista: O machado já está posto à raiz da árvore. Toda árvore que não der fruto bom será cortada! O brado do profeta, todavia, não se dirige apenas aos dirigentes. Sociedade confusa e decadente não é culpa exclusiva de maus governos. É fácil e cômodo culpar os políticos. Hipócrita, inclusive. É preciso reconhecer que os cidadãos em geral e, em particular,os que exercem funções de servidores públicos, empresários e trabalhadores também possuem sua considerável parcela de responsabilidade. Não raramente a cidadania é exercida de uma maneira excessivamente interesseira. Vota-se por conveniência e não por patriotismo. Nem por ideal. Quando surge a ocasião, o cidadão não se acanha em tirar vantagem, extrapolar atribuições, aproveitar-se das amizades e influências. É comum o gosto pela exibição! Ganâncias, ambições e egoísmos corrompem e erodem a sociedade. A brutalizam também! Ecoa, vibrante e atual, a voz do Batista: repartam, não defraudem. Não agridam nem tirem proveitos ilícitos! Respeitem o semelhante, em especial o desamparado! Hora boa para festejar S. João Batista! Hora boa para agradecer sua popularidade. Hora boa para acolher seu apelo, vibrante e apaixonado, conclamando todos à conversão: chegou o tempo da mudança! HÁBITOS Pe. Charles Borg (16.VI.2013) Juro que não sei! Não imagino o que se passa na mente e no coração do jogador de futebol ao fazer o sinal da cruz quando acerta como também quando erra o lance. É, de certo, uma manifestação de fé, inspirada em variados sentimentos religiosos. De agradecimento, quem sabe. De proteção. Ou de ajuda no próximo lance. O gesto é controverso. Gente há que questiona este tipo de manifestação religiosa. Considera-a pura superstição, sem nenhum fundamento ou reflexo concreto na vida. Mesmo concordando em parte com esta tese, consigo enxergar nesses gestos sentimento religioso positivo, mesmo que vago. É bem mais edificante, convenhamos, fazer o sinal da cruz do que soltar um palavrão, ou fazer qualquer outro gesto indecoroso! Fazer o sinal da cruz integra o rol de hábitos piedosos que fazem parte do cotidiano de muita gente. É comum, ao sair de casa ou ao iniciar uma atividade, fazer o sinal da cruz. Desejável seria, evidente, que o rito não fosse apenas um gesto mecânico, mas que explicitasse a vontade de consagrar a Deus o dia ou aquela atividade particular. Agindo conscientemente em nome de Deus e para a sua glória, as atividades se revestirão, certamente, de especial carinho e propósito. Em casa, normalmente, se inicia nessas práticas religiosas. Ao verificar, em nossa vida, o acervo da fé, haveremos de descobrir que a maior parte das nossas convicções e práticas religiosas foram herdadas dos pais. Um dado curioso emerge: mesmo clareando-se os conceitos e balizando mais a formação, a pessoa reluta afastar-se de certas práticas aprendidas na infância. Exemplo clássico é a incapacidade de certos católicos, adultos, de mastigar a hóstia consagrada ao comungar. Aprenderam quando crianças que a hóstia deve ser engolida e, hoje, mesmo sabendo que não tem nada a ver, confessam que não conseguem comungar de outra forma. Assim aprenderam e pronto. Os pais, e a família, são os principais formadores de hábitos e de convicções. Precioso, e não raramente indelével, é o que se aprende em família. Imagina-se o inestimável benefício que se presta a uma criança quando esta recebe instruções balizadas e informações consistentes, inclusive em matéria religiosa. As levará para o resto da vida! Por outro lado, toda instrução equivocada ou imprecisa tende a provocar sérios questionamentos e conflitos no futuro. É grave a responsabilidade dos pais na educação de seus filhos. São eles eticamente obrigados a se aprimorar constantemente em tudo o que é verdadeiramente necessário para assegurar à sua família uma formação sólida. Inclusive no campo religioso. Sabe-se que a piedade popular esta demasiadamente atrelada a rituais e devoções de menor importância. Nada contra essas práticas, desde que fique claro que sua importância é secundária. A ambigüidade surge quando se dá a rituais contingentes valor preferencial, quando não se consegue separar o que é secundário e opcional do essencial. Muitos jovens abandonam a religião porque não enxergam mais sentido em repetir artificialmente devoções e ritos que pouco influem em sua vidas. Outros se contentam apenas com essas práticas devocionais. Os questionamentos que invariavelmente se fazem acerca dessas manifestações religiosas, longe de horrorizar, devem provocar reflexões e avaliações. De que maneira esta sendo transmitida, e vivida, a fé? Como se fosse uma ideologia? Um compêndio de obrigações que devem ser cumpridas, pouco importa com que proveito? Conta-se que uma mãe procurou Gandhi pedindo que aconselhasse seu filho a deixar de consumir açúcar em excesso. O líder hindu pediu que a mãe voltasse daí um mês e ele, então, conversaria com o adolescente. Passados os trinta dias a mãe voltou e, conforme combinado, Gandhi aconselhou o jovem a moderar seus hábitos alimentares. A mãe, ao agradecer, não conteve a curiosidade e perguntou ao mestre porque esperou trinta dias para passar o recado a seu filho. Candidamente Gandhi respondeu: eu também consumia muito açúcar e precisava, primeiro, me corrigir, para depois orientar seu filho! Só se transmite com convicção o que se vive com consciência. Incalculável benefício representa a transmissão da fé, naturalmente geradora de hábitos e convicções perenes! ÚLTIMO LUGAR Para servir encarnou-se o Filho de Deus! Inúmeras vezes, durante sua jornada missionária, Jesus abordou o assunto, na tentativa de ajustar a equivocada mentalidade dos discípulos, obstinados em conceber o Reino a moda do mundo. A cultura triunfalista atrapalhava seriamente a assimilação das verdades sobre o Reino ensinadas pelo Mestre. Pedro considerou inadmissível absurdo Jesus ir a Jerusalém para entregar a vida. Onde se viu, o Messias cair vítima de lideres corruptos e prepotentes? Aguardava-se um Messias vencedor, legítimo guerreiro, a restaurar a hegemonia do povo judeu, o povo escolhido por Deus! Os irmãos João e Tiago, por sua vez, ambicionavam para si os cargos mais vistosos no futuro reino, certamente se achando melhores que os demais companheiros. Pretensão que gerou, obviamente, rivalidades entre o grupo de discípulos. Precisou Jesus recorrer à figura de um garoto, para convencer seus amigos que o estilo de vida a ser inaugurado e seguido nada tinha a ver com os esquemas petulantes do mundo. Pois enquanto no mundo, os poderosos fazem e desfazem e são bajulados, no Reino quem pretende ocupar lugar de destaque deve se fazer servidor de todos, abrindo mão de reconhecimentos e gratificações. Justamente igual à criança, que no tempo de Jesus nem para fazer número era considerada. Mesmo com todas as explicações, Jesus percebia que seus amigos permaneciam condicionados aos esquemas frívolos do mundo. Reservou, então, para o último e solene encontro a lição maior. Reunido com os discípulos para a ceia pascal, uma celebração que exaltava a especial proteção divina sobre o povo judeu e invocava a restauração da esplendorosa dinastia de Davi, Jesus se levanta e começa a lavar os pés de seus comensais, tarefa reservada, na época, ao mais desqualificado servidor, de preferência gentio. Nenhum judeu merecia rebaixar-se tanto. Imagina-se o espanto do grupo. Faz todo sentido a recusa de Pedro, sem dúvida o integrante mais impetuoso do grupo. Onde se viu, um judeu, e ainda mais o Rabi, humilhar-se tanto. Aquele gesto representava uma afronta à dignidade de um cidadão do glorioso povo de Deus! Era, certamente, a reação que Jesus queria provocar para, de forma contundente, fixar na consciência de todo discípulo a mais fundamental das exigências do Reino. E um dos seus mais singulares distintivos: servir, considerar o outro merecedor de atenção! Ficava claro, enfim, que quando discursava sobre serviço, o Mestre não estava usando linguagem figurada. Falava do serviço mesmo. Quando mencionava o último lugar, tampouco fazia demagogia. Referia-se, sim, à despretensão total, a uma rebaixar-se efetivo. Na solene ocasião da ceia, Jesus, ao reconhecer ser o Mestre e o Senhor, este último título evocava sua condição divina, e ao, espontaneamente, rebaixar-se para lavar os pés de seus amigos, pretendeu dissipar toda dúvida acerca da fundamental exigência de servir. A disposição para servir é exigência condicionante para fazer parte do Reino! Emerge outra ilação evidente: Jesus, intencionalmente, associa a celebração da Eucaristia, a celebração maior da nova Aliança, à atitude de serviço. Naquela noite memorável, a ceia pascal cedeu lugar para a Eucaristia, o cordeiro animal perdeu espaço para o Cordeiro de Deus, a celebração libertadora deixou de ser étnica e passou a ser universal. A primeira Aliança foi substituída pela Nova e Eterna Aliança. Ora, se a refeição pascal foi precedida pelo extremo gesto de Jesus de lavar os pés dos discípulos, é legitimo concluir que a refeição eucarística deve ser igualmente precedida por uma sincera disposição a rebaixar-se em favor do próximo. Sem humildade no coração é impossível participar frutuosamente da Eucaristia. Verdade que induz a reavaliar as disposições prévias para uma participação proveitosa da Eucaristia. Comunga verdadeiramente o Corpo de Cristo quem se dispõe a servir sem se preocupar com reconhecimentos e gratificações. Exigente e transformadora premissa, com evidentes reflexos, tanto para o campo individual como também para o convívio coletivo. Na Eucaristia, Jesus realiza, literalmente, o que de si Ele fala: vim para servir e dar a vida em resgate por muitos. Conclusão lógica: somente reúne condições para sentar-se à mesa com Jesus e com Ele partilhar da sagrada refeição quem se dispõe a servir e a ocupar o último lugar! PERFEITA HARMONIA Em discórdia vive boa parte da humanidade. Impressiona e entristece a variedade e a gravidade de litígios que perturbam o cotidiano das pessoas. Ao analisar com detalhes a natureza desses conflitos é-se forçado a deduzir que a maioria deles podia, com pontuais intervenções, ser evitada, tamanha a sua insignificância. À semelhança de um tumor que se deixa de extirpar logo no nascedouro, o desentendimento se agrava e quando, enfim, se decide enfrentá-lo, se repara que o desconforto somente se corrige com um tratamento agressivo. Ao qual pouca gente se dispõe a submeter-se. Omissões e disfarces agravam conflitos que, por óbvio, evoluem para divisões e rivalidades mais profundas. O grau acentuado de desarmonia é, certamente, um dos males maiores que afligem a humanidade e atrasam seu progresso. Deste grave pecado e atraso Jesus veio libertar a humanidade. A redenção da dignidade humana passa necessariamente pelo restabelecimento da harmonia entre raças e indivíduos. A concórdia devolverá ao homem a alegria de viver. Acompanhando com atenção o ministério de Jesus se percebe, até com certa facilidade, o seu empenho em aproximar pessoas, em ajudar a superar barreiras. Em formar comunidade, em suma. Ao chamar gente para segui-lo, Jesus os convida a aprenderem com Ele a desconsiderar preconceitos que, normalmente, causam divisão e antagonismo. Propõe Ele um novo jeito de convívio inspirado e moldado na incondicional e generosa fraternidade, valor supremo por Ele anunciado. Qualquer outro critério, familiar, étnico, religioso e até de gênero, perde significado e importância diante do valor maior de integrar a comunidade de Jesus Cristo. Tal conversão radical exige, logicamente, por parte dos seguidores uma completa revisão de postura e mentalidade. É a conversão exigida pelos postulados evangélicos. É a renúncia tão insistentemente pregada por Jesus. Ciente das dificuldades em assimilar tal proposta, como também das exigências práticas que envolve, Jesus promete a seus discípulos a assistência do Espírito Santo. Na condição de ‘personal’ instrutor, o mesmo Paráclito que animou a missão de Jesus desde o batismo até sua paixão, morte e ressurreição, acompanhará os discípulos e lhes convencerá da verdade anunciada pelo Redentor. Para lhes assegurar a identidade e a continuidade da missão, Jesus insiste que o Espírito será enviado em nome dele. Apropriadamente, o designa como o Espírito da Verdade. Dando ao conceito de verdade uma dimensão que ultrapassa os limites de teses acadêmicas ou de escolas de pensamento filosófico. É da verdade, porque o Espírito Santo ajudará a estimar e a praticar o amor fraterno, valor fundamental que genuinamente colabora para a realização da pessoa humana. O salutar impacto da verdade do evangelho, na realidade, não depende tanto da acuidade mental, mas sim da sua perseverante prática. É graças à aplicação prática do respeito incondicional pelo outro que a pessoa compreende a real profundidade da verdade proposta. É a vivência que garante consistência racional à fé! Jus se faz ao interesse de Jesus de enviar o Espírito Santo. Ciente da particular vulnerabilidade do ser humano diante do tumor da divisão: ciente da sua habilidade em justificar as recorrentes epidemias de conflitos e de rivalidades, ao enviar o Espírito Santo como força que vem do alto, Jesus sacode e introduz no discípulo um inovador sopro de vida. A conversão para a reconciliação, genuína e comprometida, é a maravilha maior que o Espírito Santo provoca no discípulo e, consequentemente, no mundo. Evidente, esta transformação não acontece automaticamente. É preciso que o discípulo queira e se disponha a receber e a moldar-se pelo sopro inovador do Espírito de Deus. Por um raciocínio oposto, reconhece-se que o pecado maior que o discípulo de Jesus comete é tornar-se causa de discórdia e de divisão entre pessoas. Conflitos contínuos denunciam resistência à ação do Espírito Santo de Deus, inadmissível falta e verdadeiro escândalo quando ressentimentos e rivalidades acontecem em ambiente religioso. Ciente da condição de seguidores de Jesus, agraciados pelo dom do Espírito Santo, os discípulos empenham-se em promover a harmonia perfeita entre as pessoas e a restauradora reconciliação. Convencer homens e mulheres a viverem em plena comunhão na diversidade é a grande e inestimável contribuição que a Igreja de Jesus Cristo deve ao mundo. AMOR E VERDADE Amor e verdade se encontram! A freqüência, na Bíblia, desse oráculo insinua a íntima ligação entre essas duas realidades. Sugere fortemente a Palavra de Deus que a alegria do amor apóia-se no conhecimento da verdade. Por sua vez, a verdade alcança seu verdadeiro brilho temperado pelo amor. Quer convencer o oráculo divino que não há amor sem verdade nem verdade sem amor. Necessário se faz, evidente, definir essas realidades para assimilar a lição que a Palavra de Deus propõe. Como natural conseqüência, ajustar a conduta a esses preceitos. Vale, no início da reflexão, destacar que ambos os termos são identificados, nos Evangelhos, com a pessoa de Jesus Cristo. Esta identificação induz a concluir que a Bíblia não considera a verdade e o amor na perspectiva de conceitos acadêmicos, mas como realidades existências, concretos. Em sua condição divina, Jesus é Amor. Encarnado, Ele mesmo se define como a Verdade. Amor e Verdade se identificam, portanto, com a pessoa de Jesus Cristo. Para entender o real significado do amor e da verdade é preciso conhecer a fundo a conduta de Jesus. Contemplando a pessoa do Mestre aprende-se que o amor resulta de uma decisão livre e soberana. Nesta condição observa-se como em Jesus, o amor alcança o mais alto e puro patamar: a doação generosa, universal e total. A soberania da decisão de amar se manifesta, principalmente, na entrega livre da própria vida. Também na inclusão de todas as pessoas, inclusive dos inimigos, como destinatários deste amor. Esta expressão de amor, na pessoa de Jesus, se funde plenamente com a verdade da sua existência, a razão para a qual encarnou-se. Afirma-se Ele que ao mundo veio para salvar a humanidade. Repara-se como, em Jesus, verdade e amor se convergem. Se afirmam e se completam. Por assumir a sua missão, livremente Jesus doa a vida. Da mesma forma, como expressão de amor generoso, Ele se oferece em sacrifício. Admiravelmente, em Jesus o amor e a verdade se encontram. As duas realidade se completam, se sustentam e se aperfeiçoam. A fidelidade no amor é sustentada e configurada pela lealdade à verdade. Todo amor autêntico se apóia na verdade. Por sua vez, a verdade brilha quando vivificada pelo amor. Sem a orientação da verdade o amor facilmente se reduz a transitória paixão ou a inconsequente sentimento. Da mesma forma, a verdade sem o tempero do amor facilmente se transformará em duro e pesado jugo. E o que acontece quando as pessoas 'amam' sem propósito e sem generosidade. Sem consciência e sem espontaneidade. Este enfoque encaixa-se perfeitamente na comemoração da data de hoje, o Dia das Mães. A primeira vista, pode parecer supérfluo ou mesmo abusado querer enquadrar o amor materno, sentimento natural e forte que une mãe e filho. No entanto, se este amor não for regido por claros e definidos objetivos a respeito da natureza do bem que se quer ao filho, facilmente o amor materno se reduz a um excessivo mimo ou a um estéril sentimento. A mãe que se omite em educar, que afrouxa a vigilância e a disciplina por não querer contrariar o filho, não ama, embora cobre seu baixinho de mimos e beijos. Possuir clara noção das implicâncias, riscos e obrigações envolvidas na maternidade é fundamental requisito para que o amor materno seja fecundo e duradouro. Por outro lado, possuir clareza quanto as obrigações maternas sem o devido tempero do sentimento do amor, rapidamente transformará a genitora numa disfarçada tirana. Exigente e ressentida, impõe pessoais conceitos e ambições. Com sutileza e habilidade reduz marido e filhos a súditos que, dominados, satisfazem seus desejos. Sem a flexibilidade e a compreensão do amor, a verdade escraviza e transforma a vida num insuportável jugo. De mãos dadas precisam andar o amor e a verdade! Quanto mais apurada a sintonia entre essas duas realidades, mais luminosa se torna a verdade, mais festivo o amor. Mais bela e encantadora a vida, enfim. FELIZ DIA DAS MÃES! PURA FELICIDADE O espanto gera conhecimento! Atiçada a curiosidade, o impulso inquisitivo da mente humana procura desvendar o desconhecido. Foi justamente esta sensação de espanto que tomou conta dos seguidores de Jesus quando correu a notícia, naquela madrugada singular da história, que o Mestre havia ressuscitado. Os evangelistas fazem questão de registrar tanto a surpresa como a incredulidade dos homens e das mulheres próximos a Jesus diante da realidade da ressurreição. Embora repetidas vezes predisse que, após ser julgado e morto, Ele ressuscitaria, seus amigos não entendiam o que Ele estava querendo dizer e muito menos imaginavam que tal fato pudesse acontecer. Razão seja lhes dada, é mesmo difícil imaginar alguém ressuscitar, e ainda por força própria! Precisou Jesus provar, o que eles estavam vendo não era um fantasma, era Ele mesmo. Não se toca um fantasma. Fantasma não come. O fim trágico da jornada humana de Jesus deixou os discípulos compreensivelmente confusos. Talvez imaginassem que, a qualquer momento durante aquele cruel suplício, Jesus operasse um de seus prodígios, quem sabe desprendendo-se da cruz, fulminando seus adversários. Mostrando, enfim, seu verdadeiro poder! Afinal, já tinha feito obras mirabolantes em outras tantas circunstâncias! Mas, como nada de extraordinário aconteceu e o Mestre acabou mesmo morrendo de uma maneira vexaminosa, a perplexidade e o descrédito apossaram-se do grupo. Deduziram, de certo, que falar de amor é bonito, que fazer o bem é bacana, empolga e extasia, mas, na realidade crua da vida, a caridade não gera vantagens. O que impera sempre são os interesses dos que mandam. O mundo é dos poderosos e de seus bajuladores. Abatidos, decepcionados e desconfiados trataram os discípulos de esconder-se, esperando o momento oportuno para voltar para a Galiléia. E para a dura rotina. Mas eis que chega a notícia da ressurreição de Jesus. Primeiro, o espanto diante do túmulo vazio. Depois, a curiosidade: correm e conferem. Por fim, a alegria do encontro com o Senhor vivo e glorioso! O vêem. O tocam. Com Ele conversam. Com Ele repartem o pão! Ao assimilar paulatinamente o acontecido, seus olhos vão se abrindo e seu entendimento se clareando. Começam a perceber uma dimensão nova em tudo o que Jesus ensinava e fazia. Tudo começava a fazer sentido. Bastava ajustar as lentes e, maravilha, os ensinamentos de Jesus adquirem uma nova profundidade, seus gestos se revestem de um singular e libertador significado. Quando ensinava e explicava as Escrituras, o Mestre não estava propondo teses acadêmicas. Quando perdoava e ensinava a perdoar, o Mestre não estava fazendo demagogia. Quando multiplicava pão, curava doentes e ressuscitava mortos, o Mestre não promovia assistencialismo nem mirava projeção política. Quando falava do Reino e da vida do Reino, Jesus não estava defendendo ideologias. Ele simplesmente enxergava a vida e as pessoas de uma perspectiva diferente, e queria que a humanidade, tocada por sua mensagem também as visse em suas dimensões verdadeiras e eternas, para além do imediato e do passageiro. Eis o grande impacto que a ressurreição de Jesus provoca em quem nela acredita. A vida, as opções, os gestos deixam de ser valorizados pelo seu impacto imediato, e passam a ser avaliados pelo que contribuem efetivamente para a construção de um mundo melhor. Libertos da obsessão e da cobrança de produzir obras que impressionem e que provoquem efeito imediato, os discípulos se aplicariam, serena e confiantemente, em atividades de objetiva e duradoura valia. A meta não é conseguir reconhecimento e popularidade. O objetivo não é realizar obras que agradam ou que impressionam. A regra é fazer o bem, agir com caridade, seja qual for a circunstância. Generosamente. Pelo valor intrínseco da caridade! Ao transcender o imediato, cada atividade, por mais insignificante, adquire uma densidade e um brilho especial. È a felicidade em estado puro, a satisfação de fazer o bem pelo bem! A fé na ressurreição de Jesus reveste a vida e as pessoas de um novo e sublime sentido! Na caridade crendo, compreende-se como é bom viver. Como é bom ajudar o irmão a encontrar o sentido da vida e viver feliz! UMA FELIZ PÁSCOA! ETERNA  ALIANÇA. (23.03.13)
Datas evocam experiências! Trazem o passado para o presente e o reavivam. Por isso, são marcantes. Integra a cultura humana recordar e celebrar fatos, ocasiões e experiências singulares. Ao registrar e destacar esses momentos a consciência humana não somente os conserva vivos na memória como também reaviva seu significado. Cada pessoa, assim como cada etnia, possui efemérides especiais que zela em perpetuar na memória. Na cultura cristã, a data maior que se conserva e se celebra é a Semana Santa. Nesta semana, em especial em seus três últimos dias, conhecidos como Tríduo Pascal, a fé cristã faz questão de lembrar, reviver e celebrar os últimos e mais significativos momentos da vida de Jesus. Em países de cultura e tradição cristãs, os dias da Semana Santa são observados como feriados ou pontos facultativos. Originariamente, tal distinção visava ressaltar o caráter especialmente religioso da época, como também facilitar aos cidadãos, dispensados de obrigações trabalhistas, a participação nas funções religiosas. Com o passar do tempo, e com o arrefecimento do zelo religioso, o Tríduo Pascal, de dias reservados ao culto se transformou num período de folga muito aguardado. Preservou-se a dispensa do trabalho, mas profanou-se o caráter sagrado da semana. A função religiosa perdeu lugar para o passeio. A concentração religiosa foi substituída pela preferência da recreação. A Semana Santa mudou, em suma! O maior prejudicado nesta inversão de valores é o ser humano! Ao ignorar a dimensão espiritual ou dela fazer pouco, o ser humano comete sempre grave equívoco! Ao distanciar-se das litúrgicas celebrações e do seu profundo significado, a consciência humana paulatinamente perde contato com Jesus, fonte única da vida verdadeira. Ao promover a mudança de hábitos e do significado da Semana Santa, a cultura moderna relega a pessoa de Jesus à condição de peça de museu e declara sua obra redentora irrelevante e descartável. Ao se distanciar da Igreja o fiel, naturalmente, se enfraquece na fé. A voz de Jesus fica substituída por outros ruídos, aos quais se fazem concessões cada vez mais freqüentes e generosas. A experiência humana alerta: longe dos olhos, longe do coração. E o ser humano é o maior prejudicado, insiste-se. Em tudo o que realizou, Jesus pensou unicamente no bem do ser humano, de todo o ser humano. Nasceu e assumiu a condição humana ‘por nós e pela nossa salvação’, afirma com precisão o Credo cristão. E a expressão maior da vontade de resgatar a humanidade se deu nos derradeiros momentos da vida de Jesus. Por Ele mesmo classificados como a HORA! Os últimos passos de Jesus representam os principais e mais significativos momentos de sua vida. Os principais e mais significativos acontecimentos da história da humanidade. Diante das infinitas maldades, diante das inúmeras barbaridades, diante das trágicas omissões praticadas pelo Homem surgem recorrentemente as angustiantes perguntas: será que tem salvação a humanidade? Será que tem fim o sofrimento? Será possível viver feliz e em paz? Com a oferta da sua vida na cruz, o Senhor Jesus dá a resposta maior que a humanidade perplexa quer e precisa ouvir. O gênero humano tem salvação porque é amado por Deus! E com um amor eterno! Isto quer dizer com um amor que não conhece oscilações nem retrocessos. A esta relação comprometida entre Deus e a humanidade Jesus dá o nome de Aliança, Eterna Aliança. Nada, absolutamente nada fará Deus desistir desta Aliança. É este o mistério que se celebra na Semana Santa. Ao acompanhar e meditar devotamente os últimos passos de Jesus, culminando na ressurreição, a Igreja celebra e expressa sua fé nesta Aliança e com ela se compromete solenemente. Ao corresponder ao amor de Deus, a humanidade se purifica e se renova. Reencontra para si e para as futuras gerações o verdadeiro caminho da vida, esperança de paz. Certeza de bem-estar. O autor sagrado convoca a humanidade a voltar seu olhar para Jesus Cristo. A folga da Semana Santa garante espaço privilegiado para aprofundar o conhecimento sobre Jesus Cristo. Acompanhar e participar da rica liturgia nesses dias não é imposição. É necessidade íntima para quem deseja viver livre e colaborar para o resgate da humanidade.


MANO  DE  DIOS  (16.03.13)
Habemos Papam! Bem-vindo Papa Francisco! A Igreja orou muito nos dias que antecederam como também durante o conclave e o desfecho está aí. Primeiro Papa Latino-americano, após muitos séculos um sucessor de Pedro fora do contexto europeu! Uma figura ignorada pela grande mídia, mas certamente muito conhecida pelos cardeais. A ponto de a eleição acontecer num espaço relativamente curto. Bastavam, na melhor das hipóteses, 5 escrutínios para o cardeal Bergolio superar os 77 votos necessários para ser indicado o sucessor de Pedro. Tanta rapidez faz crer que os cardeais entraram no conclave já sabendo mais ou menos em quem votariam. Concedida esta premissa, bastante verossímil, é de se concluir que os muitos ‘especialistas’ e vaticanistas que tanto escreveram e opinaram nestes últimos dias não estavam assim tão bem informados. Na Igreja, os encaminhamentos seguem uma lógica própria. A mídia apresentou ao mundo um colégio de cardeais dividido, chegando até a identificar quatro alas de correntes, a moda de partidos políticos disputando poder. Destacavam os ‘entendidos’, inclusive, uma polarização forte entre dois supostos ‘papáveis’ que atrairiam e representariam as correntes mais fortes dentro da Igreja. A rápida eleição do Papa Francisco indica com clareza que toda aquela conversa não passava de pura especulação. Se o cardeal argentino não fosse um nome de consenso já no início do conclave, seriam necessárias, evidente, mais escrutínios para definir a tal de terceira via e ainda para atingir o número de votos exigido. Emerge deste contexto uma importante observação. Ao falar da Igreja, e dos assuntos a ela relacionados, é preciso que o comentarista inclua na sua bagagem o elemento espiritual. Muitos, entre jornalistas e articulistas, abordam os assuntos da Igreja do ponto de vista meramente humano. Analisam a vida da Igreja focando apenas a dimensão humana. Uma abordagem essencialmente superficial que leva a conclusões equivocadas. O elemento humano está presente na Igreja e não pode, certamente, ser subestimado. Além da dimensão humana, contudo, há na Igreja a dimensão espiritual. Deus age na Igreja e sua ação é sempre misteriosamente benéfica, se bem que nem sempre evidente. Se estivessem realmente em sintonia com o real clima do conclave, vaticanistas e especialistas, teriam certamente captado os indícios soltos aqui e acolá. No domingo anterior ao conclave, D. Damasceno, arcebispo de Aparecida, insinuou que a eleição seria rápida. Sem a configuração da fé, a abordagem de assuntos relacionados à vida da Igreja fica essencialmente superficial, incompleta. Em alguns casos, claramente preconceituosa e nitidamente tendenciosa. Outra observação que emerge ao considerar os acontecimentos na Igreja nesses últimos 40 dias, destaca a relativa tranqüilidade com que fluiu a rotina eclesiástica. Em meio a situações turbulentas e graves, o Papa Bento renúncia. Atitude que causa profundo impacto, comoção sincera nos fiéis ao redor do mundo, mas que não consegue, contudo, alterar a rotina da vida eclesiástica. Nada fica suspenso. Pelo contrário, os católicos espalhados pelos cinco continentes, se uniram mais em oração. Testemunharam o genuíno carisma católico. O inesperado gesto do Papa Bento, alvo de tão díspares e levianos comentários, mexeu com a Igreja. No bom sentido. A fez ficar de joelhos e orar. Orou-se devotamente nestes dias! Impossível não concluir, se ficasse reduzida somente ao elemento humano, a Igreja estaria hoje agonizante, fragmentada em inúmeros e distintos núcleos. As imagens da Praça de S. Pedro, reunindo gente de todas as partes do mundo, visivelmente emocionada diante da notícia da eleição do Papa, mesmo desconhecendo a sua origem, são eloqüentes por si só. A Igreja não está mortalmente ferida, como alegam alguns articulistas. Sobreviveu a um teste de enormes proporções! Ela não é somente humana. É, acima de tudo, divina. Deus age na Igreja com insondável benevolência. Apóie-se o Papa Francisco ‘en la mano de Dios’! E siga em frente, sereno e forte.


PEGADAS (10.03.13)
 O conclave já está com data marcada. Enquanto estiver em curso o processo de escolha, a nós católicos, mas também a todas as pessoas de boa vontade, cabe orar para que os eleitores estejam dóceis à inspiração do Espírito Santo. Para um bom número de pessoas, eu sei, esses sentimentos soam de uma pieguice ultrapassada, retórica oca e melosa. Cínico e crítico demais ficou o mundo. Caridade e bons propósitos precisam passar pelo rigoroso crivo da fria razão. Diante da racionalidade radical somente uma fé viva e consequente faz sentido. É o contraponto místico ao crasso pragmatismo. A Igreja, em sua condição de corpo de Cristo, tem consciência da sua relevância para a vida do mundo. Há controvérsias, evidente, mas a Igreja de Jesus Cristo é importante para o mundo! Recebeu ela a venturosa missão de anunciar o Evangelho e testemunhar a vida nova. Foi esta verdade que Jesus pretendeu repassar a Pedro quando o chamou a ser pescador de homens. Entendeu o apóstolo que Jesus contava que ele aplicasse sua vasta experiência de pescador nesta missão. Pedro sabia que pesca indiscriminada e afoita resultaria na extinção de espécies. A missão exigia competência, prudência e discernimento. É em outro diálogo, todavia, que emerge o real requisito que habilitou Pedro a receber de Jesus a distinta missão de conduzir a comunidade dos discípulos. Curiosamente, a conversa aconteceu no contexto de uma pesca abundante. Jesus questionou Pedro, por três vezes, se o amava. Somente após receber, em igual número, resposta afirmativa e pública é que Jesus volta a lhe confiar o cuidado do seu rebanho. Emerge, espontaneamente, o mais fundamental requisito para alguém receber a mais das fascinantes missões, embora, igualmente, a mais árdua: amar Jesus acima de tudo. Do Papa, como aliás de qualquer ministro religioso, espera-se que seja um sólido teólogo, um competente administrador, um hábil comunicador. Acima de tudo, porém, o Papa deve ser alguém que ama apaixonadamente a Jesus Cristo. É esta íntima e profunda comunhão com Jesus que proporcionará ao sucessor de Pedro a coragem, a energia e a inspiração necessárias para conduzir a Igreja, a águas sempre mais profundas, lançando constantemente redes para a pesca. Esta venturosa missão de atrair mais e mais pessoas ao encontro de Jesus Cristo é que torna a Igreja relevante para o mundo. O Filho de Maria precisa ser conhecido! E é na Igreja que Ele é autenticamente conhecido! Embora cheias de falhas e limitações, é nas comunidades reunidas que Jesus se faz presente e é reconhecido. Assim Ele determinou e assim acontece, conforme registram os livros sagrados. Assim aconteceu com os apóstolos no dia da ressurreição! Assim aconteceu com Tomé! Assim aconteceu com os discípulos a caminho de Emaús! Assim aconteceu com Paulo! Dias difíceis vive a Igreja, exposta por hipocrisias e pecados. Surrealista parece afirmar que é nesta decadente comunidade que o Senhor Jesus pode ser encontrado! Paradoxalmente, é a certeza da presença real do Mestre Jesus que purificará a Igreja de seus pecados e a reconduzirá ao esplendor original. Compreende-se esta glória não em termos mundanos de privilégios e bajulações que tantos males causaram no povo de Deus, mas no sentido pastoral de ser a credenciada anunciadora do Evangelho e a testemunha privilegiada da nova vida inspirada no exemplo de Jesus. Ao futuro Papa caberá devolver a Igreja a autoestima, não fundada em estatísticas ou comoções de massa, mas, sim, no fiel seguimento das pegadas de Jesus Cristo. Nisto consiste a riqueza da Igreja e o seu indelével vigor. Neste testemunho consiste o contributo único e vital que a Igreja deve ao mundo e que este dela espera! No mundo de hoje, cínico e crítico, a relevância de uma instituição ou de uma autoridade somente é reconhecida e respeitada a partir do contributo real que oferece. Difíceis são os tempos. Ingentes os desafios. Inspirado e sustentado por um amor incondicional a Jesus Cristo, o futuro Papa reconhecerá como uma das principais tarefas do seu ministério, devolver à comunidade dos discípulos a alegria e a satisfação de pertencer a Igreja, de integrar um povo cujo maior mérito e relevância consiste em conhecer Jesus Cristo e seguir com fidelidade suas pegadas!

SEGREDOS  SENTIMENTOS (03.III.2013)
O papa Bento XVI citou a hipocrisia. Na homilia de 4ª feira de cinzas, dias após divulgar sua decisão de renunciar ao ministério petrino, o Papa abordou o assunto da dissimulação dentro da Igreja. Hipocrisia, como se sabe, equivale à falsidade, fingimento. Assunto oportuno no início do tempo da Quaresma. Afinal, neste período litúrgico, todo batizado é chamado a analisar sua conduta em vista de reafirmar sua identidade cristã na noite da Vigília Pascal. E o Evangelho da 4ª feira de Cinzas reproduz as censuras de Jesus contra a prática da religião de fachada, centrada em aparências. As palavras do Papa representam uma reflexão consequente e coerente com o texto litúrgico. Dentro do grave contexto do momento, todavia, a meditação papal ocasionou as mais largas ilações. Articulistas diversos procuravam nas entrelinhas da reflexão papal mensagem cifrada a denunciar as mazelas que ocorrem no interior do vaticano, atribuindo a essas improbidades um dos motivos principais pela renúncia. Não se nega que na Igreja verificam-se graves simulações. Religiosos e religiosas se apresentam como gente piedosa, cujos princípios e motivações, no entanto, em nada correspondem ao que pregam. Falam, mas não praticam. Reconhece-se aí a censura que o Senhor Jesus Cristo dirigiu contra as lideranças religiosas do seu tempo. Entristecido, o Mestre argumentava vigorosamente contra o que Ele classificava como inversão de valores sancionada pela religião oficial. Era visível a ostentação, a vaidade, a procura por privilégios. A manipulação da religião, em suma. Enquanto isso, o essencial, como a justiça, a misericórdia, a fraternidade andavam relegados a planos inferiores. Reincidentes são os vícios, como se vê. Contumazes as pessoas. Urge, todavia, reparar, antes de precipitar-se em condenar cardeais e monsenhores, que Jesus dirige suas palavras de reprovação aos discípulos. Ensinam os estudiosos que, ao registrar as advertências do Mestre, o evangelista denuncia simulações presentes já na incipiente comunidade cristã. Confirma-se, as infidelidades e simulações não são, e nunca foram, exclusivos à hierarquia. Estão igualmente presentes no comportamento dos discípulos. Cômodo é censurar os outros, imaginando, quem sabe, camuflar a própria a incoerência. Para o bem próprio, como também para o bem da religião e, consequentemente, para o bem da sociedade, urge analisar o próprio comportamento religioso à luz da Palavra de Jesus. É indigesto admitir, mas é a realidade, é fácil e comum cair em simulação religiosa. Pregam-se valores que não correspondem aos princípios que, na realidade, regem a vida. Conhecedor profundo da alma humana, Jesus não se limita apenas em apontar hipocrisias, propõe balizas capazes de tornar o discípulo mais coerente, mais transparente. Insiste com o postulante ao discipulado que considere, primeira e criteriosamente, os valores presentes na alma ou, para usar a linguagem evangélica, o que está no segredo do coração. É neste patamar profundo, íntimo, que a pessoa é o que é. É onde Deus repara! E é onde acontece a verdadeira comunhão com Ele! O que se faz no exterior, liturgia, cultos, cantos, pregações, possui valor genuinamente religioso quando estiver em sintonia com os segredos sentimentos da alma. Se continuidade não houver, a prece é simulada, o ritual artificial! E estéril! É ali, no profundo da alma que a graça se instala para silenciosa e lentamente, a semelhança da semente na terra enterrada, ir crescendo em vigor para, na hora oportuna, irromper na vistosa arvore a produzir frutos abundantes. Entende-se porque Jesus, com incômoda frequência, elogia aquela gente que mesmo distante da religião oficial, se encontra mais próxima de Deus! O Pai Eterno repara e recompensa segundo o que enxerga no segredo do coração. A renúncia do Papa Bento está provocando muita conversa.Ao se envolver com tanta conjectura é provável que se perca o foco pertinente e central. O Papa faz eco ao apelo de Jesus e convoca a Igreja, em todos os seus membros, a, com coragem e honestidade, confrontar os segredos sentimentos do coração com os postulados evangélicos. Somente ao alinhar estes valores, o discípulo passa a ser o bom fermento que o mundo tanto necessita!


VOLTAR PARA DEUS  (26.II.2013)
Persiste a consciência da Quaresma! Noção vaga, é verdade, reduzida principalmente ao aspecto penitencial do tempo litúrgico. O termo Quaresma remete, sim, ao baú da piedade, embora, ao procurar aprofundar a razão pelas práticas da penitência, um bom número de cristãos fique confuso. Persiste a reminiscência penitencial, mas desconhece-se o principal propósito da Quaresma. Esta falta de informação induz a um natural afrouxamento das práticas piedosas típicas deste tempo. O que se observa atualmente é muitos batizados passarem superficialmente por este período precioso de amadurecimento espiritual.
Quaresma é tempo pedagogicamente indicado para quem leva a sério sua vocação de discípulo de Jesus Cristo. Neste tempo litúrgico a Igreja convoca os fiéis a realizarem uma avaliação objetiva do grau de fidelidade à condição de seguidores de Jesus. Em qualquer área de atividade, a análise é um recurso indispensável para quem pretende progredir de forma consistente. A tese vale também para o campo religioso. O cristão é chamado a avaliar o grau de fidelidade em sua condição de discípulo do Senhor Jesus. Muitos são os cristãos que, com a maior complacência, se consideram bons seguidores de Jesus, afinal, dizem, não fazem mal a ninguém. Satisfeitos, estacionam e vivem, religiosamente, acomodados. Ignoram que a fé, a semelhança da semente de mostarda, carrega em si a potencialidade de crescer e evoluir. É de sua natureza que a fé seja viva, dinâmica, configurando a inteira dimensão da vida do discípulo. Uma fé genuinamente viva interfere positivamente no comportamento do batizado.  A consciência da abrangência do Batismo induz o cristão honesto a reconhecer falhas e omissões. Admite-se com sinceridade que a conduta nem sempre é coerente com os postulados evangélicos. Em sua condição de discípulo, o cristão é chamado a imitar o amor de Jesus Cristo. Com toda honestidade, quem se reconhece fiel a esta exigência? A voz de Jesus nem sempre é a mais influente na vida dos cristãos! Frequentemente é ignorada, comodamente substituída por outras vozes, aparentemente mais atraentes. Assumir, pois, a urgência de fazer uma detalhada avaliação da condição cristã já configura uma postura positiva. Peca-se, sim, porque trai-se a original vocação.
Falar de pecado, hoje, soa um conservadorismo anacrônico, um fundamentalismo ultrapassado. Ao reduzir o conceito de pecado á transgressão de um código de preceitos comportamentais, é compreensível a resistência por parte da mentalidade atual, que valoriza sobremaneira a dignidade humana e preza o pluralismo de ideais. Dentro da concepção bíblica, todavia, o pecado representa a rejeição de Deus como fonte única de vida. Ao fazer concessões a outras vozes, ao permitir pautar a conduta por profanos valores, o cristão compromete a soberania divina. Deixa de ser discípulo fiel e passa a servir vários senhores. Interiormente dividido, se coloca como senhor de sua história, dono da verdade e dos acontecimentos. Pecar não é transgredir normas, é dar a outros senhores a reverência devida exclusivamente ao Deus da vida. Na concepção bíblica, o mais grave pecado da humanidade é a idolatria, a substituição de Deus por outras fontes de vida. Evidente, esta substituição nem sempre acontece de uma forma explícita e formal. Na maioria das vezes, dá-se de uma maneira sutil, permitindo concessões aqui e acolá. Se não parar periodicamente para avaliar o grau de fidelidade ao compromisso assumido no Batismo, é sério o risco de o cristão se dividir, imaginando poder servir a vários senhores. A história da humanidade é o mais eloqüente registro de barbaridades e tragédias provocadas por relapsos cristãos.
 Emerge, em todo vigor e com formidável coerência, o apelo principal da liturgia quaresmal: voltar para Deus! Converta-se e acredite no Evangelho! É a convocação, pedagógica e redentora, que marca o início e o compasso da Quaresma. Sem nenhum vestígio de terrorismo espiritual, o cristão é chamado a reconhecer, com evangélica maturidade, suas infidelidades e omissões em vista de reafirmar a identidade de discípulo de Jesus Cristo. Em busca desta salutar meta, assume praticar renúncias, intensificar a vida de oração e progredir na caridade. Quaresma é tempo de renovar a fidelidade à condição de discípulo de Jesus Cristo

BENTO XVI (16.II.2013)
A Quaresma será certamente renovadora! O inesperado comunicado do Papa Bento XVI anunciando sua livre decisão de renunciar ao ministério de Bispo de Roma, consequentemente ao ofício de governar a Igreja Católica, ditará indubitavelmente o compasso da Igreja neste precioso tempo litúrgico. Como era de esperar a decisão do Papa Ratzinger provocou as mais variadas reações e interpretações. Desde as mais compreensivas às mais ressentidas, com também às mais inconsequentes. Vaticanistas falam de intrigas internas na Cúria Romana, acusando o Papa de covarde por abandonar o cargo num momento delicado. Evocam o exemplo do carismático antecessor, João Paulo II, que mesmo vergado pela doença, permaneceu no ofício até o fim. Enfim, aparecem leituras para todos os gostos, as mais romanceadas gozam, ao que parece, maior credibilidade. Longe de afirmar, evidente, que a Igreja seja perfeita, que não se verificam nela disputas por poder e honrarias, que ela esteja imune a vaidades, rivalidades e ciúmes. O elemento humano expõe a dimensão frágil e pecadora do rebanho de Jesus Cristo. Para quem a analisa com a lupa da fé, contudo, a Igreja não é somente pecadora, é também santa. Se nela são perceptíveis as consequencias do pecado original, são igualmente evidentes as marcas da santidade original. Independente do conceito que se faz do Papa Bento XVI, está claro que uma decisão dessa envergadura não se toma 'de supetão', como afirma o cardeal brasileiro D. João Braz de Aviz. Ao se conceder que o Papa, interiormente, "após ter repetidamente examinado minha consciência perante Deus" já havia, há tempo, tomado a decisão de renunciar ao ofício petrino, é-se obrigado a induzir que Bento XVI escolheu com precisão teológica e litúrgica o momento mais apropriado para divulgar o seu posicionamento. Recorrendo ao jargão publicitário, o 'timing' foi perfeito, digno de um erudito teólogo e apurado liturgista. Como se sabe, o tempo litúrgico da Quaresma conclama os batizados a examinarem sua identidade de discípulos de Jesus Cristo, com vistas à renovação do compromisso batismal na Vigília Pascal. Quaresma é um período de reconhecer as próprias falhas e imperfeições diante das exigências do Evangelho de Jesus, com o intuito de renascer nova criatura na Vigília Pascal. Ao querer convidar a Igreja, em especial os cardeias responsáveis para eleger seu sucessor, a fazer uma profunda e detida reflexão sobre a identidade da Igreja, o Papa conclama a todos os batizados a avaliarem sua responsabilidade e imprescindível missão perante o mundo. Ao se declarar incapaz de conduzir a Igreja “nesses tempos novos de rápidas e profundas mudanças que provocam na Igreja questionamentos relevantes para a vida da fé”, o Santo Padre insinua a urgência de se fazer uma análise mais franca e corajosa sobre a presença da Igreja no mundo. Não se trata, evidente, de mexer no conteúdo da fé, mas, quem sabe, de separar, com discernimento e coragem, o que é genuinamente irretocável daquelas práticas e normas que foram sendo agregadas contingente e circunstancialmente. Inclui-se, neste desafio, encontrar uma linguagem mais adequada para apresentar o precioso legado do Evangelho ao homem moderno, que, apesar de todas as manifestações de autosuficiência, necessita urgentemente desta luz. Pelo bem do Homem, a voz da Igreja precisa ser ouvida. Formado no pensamento clássico e acadêmico, o Papa Bento com admirável honestidade assume ser incapaz de conduzir este processo. Reconhece, contudo, a sua urgência. Concedidas essas premissas, o seu gesto de renúncia representa um ato corajoso, humilde, digno de um apurado estudioso. De pastor que ama profundamente o rebanho de Cristo. Emerge, no atual contexto, outra verdade, igualmente preciosa. O destino da Igreja não depende de pessoas. Papa, bispos, padres, agentes de pastoral são ministros, administradores da generosa bondade divina. O verdadeiro Pastor da Igreja é Jesus Cristo. E Ele não está ausente. Nem omisso. Sobre todos os batizados, ordenados ou não, recai o dever de estreitar cada vez mais a comunhão com Ele e permitir que sua luz e verdade a todos guiem. Saiba a Igreja, de modo bem particular os cardeias a quem cabe eleger o sucessor de Pedro, viver na fé e na piedade este precioso tempo da Quaresma. Ressurja ela, na noite de Páscoa, mais vigorosa, mais profética. P.S. Se a intenção foi sacudir a Igreja, Bento XVI acertou em cheio!


DEZ  DE  FEVEREIRO  (02.II.2013)
O Apóstolo pisou em Malta! Registra o livro dos Atos dos Apóstolos que o navio que levava o apóstolo Paulo, prisioneiro em viagem à Roma para ser julgado pelo Imperador, enfrentou uma violenta tempestade. À deriva, os guardas e marinheiros cogitavam executar todos os presos, não fosse a intervenção do apóstolo a assegurar o comandante que todos, tripulantes, soldados e prisioneiros, sairiam com vida daquela tempestade. A embarcação, de fato, ao bater em rochedos, naufragou, mas os viajantes nadaram até as praias próximas, onde foram acolhidos por hospitaleiros nativos. A saga do apóstolo, porém, não estava terminada. Ao ajudar a recolher gravetos para alimentar a fogueira que os nativos tinham preparado para aquecer e secar os náufragos, uma cobra salta e pica o apóstolo. Logo os residentes imaginaram tratar-se de um vil criminoso que não merecia mesmo viver, pois mal acabava de safar-se do naufrágio, eis que é picado pelo venenoso réptil. O apóstolo, contudo, sacode serenamente a serpente que morre assada, sem que nada com ele acontecesse. Rápido mudam de opinião os nativos, e passam a considerá-lo uma divindade. Foi o deixa que o apóstolo precisou para anunciar o verdadeiro Redentor da humanidade, Jesus Cristo. Durante três meses permanece em Malta, onde prega o Evangelho de Jesus Cristo, funda a comunidade cristã que, desde então, preserva com ardor o legado religioso ali semeado. A cada dez de fevereiro, este minúsculo país do mediterrâneo, para e lembra o memorável episódio. E exalta, agradecido, o dom da fé que o dedicado e zeloso apóstolo ali semeou! Impressiona mesmo a garra deste judeu convertido, que se transformou num apaixonado embaixador de Jesus Cristo. Ao acompanhar sua jornada missionária, fica-se tocado pelo zelo e pela dedicação deste homem em anunciar o nome de Jesus Cristo. Nada foi capaz de detê-lo, como ele mesmo atesta. Nem prisões, nem naufrágios, nem açoites, nem ameaças de morte. Nem mesmo a desconfiança dos cristãos de primeira hora. Estes não acreditaram na fulminante conversão do fariseu perseguidor. O julgaram impostor infiltrado, dissimulando com astúcia uma conversão, para poder provocar estragos ainda maiores na nascente comunidade. Aceitou Saulo submeter-se ao crivo dos homens escolhidos pelo próprio Mestre para ganhar o aval das comunidades. Mesmo assim, não sem desconfianças. Chama atenção no processo de conversão a submissão deste valente e letrado judeu. Próximo à cidade de Damasco, topou com Jesus, cegado pela luminosidade da sua presença e derrubado do cavalo que o transportava, ousou perguntar o que era para fazer. Ouviu a surpreendente orientação que devia procurar a comunidade cristã do local. Jesus poderia ter agido com deferência, justamente para dirimir qualquer dúvida a respeito do ilustre neófito. No entanto, o Mestre orientou o perseguidor a procurar a comunidade e ser instruído por um tal de Ananias, responsável pela igreja de Damasco. Humildemente, Saulo aceitou passar pelo seu 'curso de batismo' antes de ser acolhido como cristão! A comunhão com Jesus que cultivou após a sua conversão transformou este inato comunicador num evangelizador itinerante e incansável. Movia-o a urgência de levar um número maior de pessoas a conhecerem e a aderirem a Jesus. Intuiu, com luminosa clareza, que as pessoas precisam de Jesus. Afinal, foi o imenso amor pela humanidade que fez Jesus Cristo encarnar-se e doar sua vida na cruz. Tremendo foi o impacto desta verdade sublime na vida de Paulo. Contagiado por este amor generoso, o apóstolo dedicou-se integralmente a levar o nome de Jesus a um número maior de pessoas. Aproveitava todas as oportunidades para falar de Jesus. Não se importava com as circunstâncias, desde que o nome de Jesus fosse anunciado. Ao converter-se para Jesus, Paulo se converteu também para a humanidade. A paixão por Jesus o transformou num dedicado e generoso servidor da humanidade. Anualmente, no dia dez de fevereiro, a comunidade católica de Malta reverencia este exímio apóstolo de Jesus Cristo. E louva a Deus pelo dom da fé que o náufrago Paulo implantou, certamente, com apaixonado zelo. A dedicação por uma causa é, frequentemente, mais eloquente que qualquer discurso. E mais convincente, igualmente.

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