sábado, 14 de dezembro de 2013

MAGNIFICAT

O exercício da justiça está em evidência. Os recentes desdobramentos do caso do ’mensalão’, as constantes ocorrências de corrupção. Para completar, as chocantes cenas de barbárie nos estádios de futebol colocam em evidência o urgente clamor por justiça. A população quer justiça, mas, que justiça? É comum confundir justiça com punição: fazer o infrator pagar pela transgressão. Nesta mentalidade, fazer justiça equivale ao sádico prazer em aplicar castigo. É primitivo e perverso o prazer alimentado pelo sofrimento alheio, mesmo quando a punição é merecida. Vingar-se é uma tendência anômala, embora bastante comum, de acertar contas ou corrigir desvios. Induz à exageros. Justifica, em tese, a liberação de instintos primitivos de ira e de ódio. A frequente citação da norma, sancionada pela Bíblia, de olho por olho, dente por dente, nada tem a ver com a leitura vingativa e oportunista com que se tenta justificar o exercício arbitrário da punição. Pelo contrário, a sentença bíblica visa coibir excessos na aplicação da pena. Tão nociva quanto à vingança para o restabelecimento da ordem é a impunidade! A sensação de que se possa transgredir tranquilamente porque o sujeito se considera acima da lei ou porque a aplicação da lei é frouxa induz à práticas abomináveis. O exemplo do ‘mensalão’ e a selvageria no estádio de Joinville devem-se, em grande parte, ao difuso clima de impunidade. O ‘mensalão’, porque praticado por gente graúda de um governo em exercício, respaldada indubitavelmente pela infame convicção que a aplicação da lei é costumeiramente benevolente e morosa com gente influente. Quanto às brigas no estádio, as torcidas organizadas estão tão habituadas a aprontar desordens sem que ninguém fique responsabilizado e penalizado, que aproveitam-se de qualquer pretexto para quebrar gente e patrimônio. Ao confrontadas com as iradas reações da população, as autoridades de plantão deitam discursos e juram punições exemplares, que, no entanto, nunca acontecem. O que, evidentemente, escancara a porta para a delinqüência. E favorece a odiosa discriminação entre os cidadãos, causa de justificados protestos e indignações. Ninguém se conforma que, para alguns a lei é generosa, quase complacente, enquanto para outros, normalmente pobres e desprotegidos, a mesma lei é fria e implacável. A inversão deste nefasto esquema em favor de um tratamento imparcial e digno para todas as pessoas vislumbrado na formidável iniciativa da encarnação do filho de Deus, inspirou uma jovem simples e despretensiosa, moradora em Nazaré da Galiléia, a prorromper-se num cântico profético de louvor e esperança. Aplicada leitora da Palavra de Deus, a jovem virgem certamente compenetrou-se que, para Deus, justiça representa tratamento equânime para todas as pessoas. Os profetas e os salmistas reiteradamente denunciavam a manipulação da justiça e a aplicação parcial dos preceitos religiosos em favor das classes privilegiadas. Pela boca de seus mensageiros autorizados, Deus condenava veementemente a liturgia de fachada, os rituais pomposos, mas estéreis, que enchiam o templo de incenso e de cantorias, mas mantinham o povo refém de esquemas políticos distantes do projeto divino. Ao reiterar a promessa da vinda do Messias, os mesmos profetas anunciavam novos tempos quando a prática da justiça autêntica finalmente se estabeleceria. O aguardado descendente de Davi tomará posse de uma cátedra que ficará conhecida como o trono da justiça. Ciente de que a criança que estava sendo gerada nela era o Cristo prometido e aguardado, Maria entendeu que os novos tempos estavam finalmente despontando. Humilde e pobre ela mesma, emprestou sua voz aos desamparados de todos os tempos para anunciar, profeticamente, que Deus age na história, comprometido com os pequenos e pobres. A real situação da sociedade comprova quanto é necessário celebrar anualmente o Natal de nosso Senhor Jesus Cristo. Dois mil anos de cristianismo não foram ainda suficientes para promover uma sociedade justa. Privilégios contaminam o convívio e as desigualdades dificultam a pratica da fraternidade. Ao celebrar o mistério da encarnação do Filho de Deus, os cristãos, compenetrados como Maria da profunda revolução pretendida por Jesus no padrão de relacionamento entre as pessoas, encontram na recitação do Magnificat a mais fiel expressão do seu íntimo comprometimento com o projeto de Jesus, e a inspiração necessária para lutar por uma nova civilização onde reinará a justiça!

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