
ARTESÃOS
Fala-se muito em paz! Nas comemorações de passagem de ano, o que mais se ouve e o que mais se vê são pessoas se abraçando e desejando mutuamente a paz. Muita paz! Auspicioso é presenciar esta energia otimista. Pairam, no entanto, algumas dúvidas indigestas. A primeira gira em torno da autenticidade do sentimento. A realidade do cotidiano induz a questionar se os votos de paz são fidedignos ou apenas manifestações protocolares. Externam vagos sentimentos, expressões civilmente corretas, ou revelam um real empenho para construir a paz na companhia do amigo? Emerge, então, a segunda dúvida indigesta: a que paz as pessoas se referem?
O Senhor Jesus Cristo fez uma distinção clara entre a paz que Ele trouxe e a paz que o mundo dá. Ao analisar a paz que o mundo oferece, logo se percebe que ela tem mais a ver com a logística de 'cessar-fogo' do que com um programa de convívio verdadeiramente harmonioso. A paz do mundo está mais centrada em 'não provocação' do tipo: não mexe comigo que eu também não mexo com você! A tensão que esta modalidade de relacionamento provoca é evidente, pois ambas as partes permanecem com as armas engatilhadas, prontas para disparar ao menor aceno suspeito. Paz deste tipo se fundamenta na premissa ambígua de que é preciso manter a ordem atual das coisas. No geral, esta ordem atual das coisas envolve a manutenção de privilégios e de situações de dominação. De vantagens e de ganhos, em suma. Pressupõe que não se interfira nos negócios e nos lucros do mais forte. Fundada em prepotências e alimentada pelo medo este tipo de paz é altamente frágil, sujeito constantemente a turbulências e sobressaltos. O noticiário diário comprova a inconsistência dessa paz do mundo! Não é possível haver clima descontraído e seguro em ambientes onde interesses egoístas e vantagens subjetivas predominem.
A paz que Jesus Cristo traz tem seu fundamento no profundo respeito pelo semelhante. No idioma de Cristo, paz é Shalom. Ao desejar Shalom, o sujeito manifesta não somente o desejo de que o outro tenha a plenitude das coisas boas, mas se coloca à sua disposição para ajudá-lo a consegui-la. A Paz que Cristo trouxe vai na direção contrária da paz que o mundo ostenta, pois coloca como fundamento o progresso do outro antes e acima do próprio. Pressupõe o esquecimento de si em favor do semelhante. O próprio Jesus deu o exemplo quando, para reconciliar as criaturas entre si e derrubar todos os muros de separação, imolou sua vida na cruz. Com toda razão merece o título de Príncipe da Paz! O apóstolo Paulo vai ainda além quando declara que Cristo é a paz! Com seu gesto generoso, o Mestre ensina a básica lição para uma vida descontraída e um progresso harmonioso: somente haverá situações novas quando houver radicais mudanças de atitudes. Enquanto se aferra a situações caducas emperra-se a possibilidade de mudanças renovadoras.
É, de fato, muito apropriado associar votos de paz à virada do ano. Para que esses votos, no entanto, alcancem o efeito desejado, reconhece-se, é preciso abandonar ou corrigir velhos hábitos. É preciso partir para uma virada de preferências. A paz não desce pronta do céu, embora enorme seja o desejo de Deus de ver a humanidade vivendo em plena harmonia. O regime de Shalom acontecerá somente quando cada individuo se conscientize que é chamado a ser construtor da paz. Na condição de artífice, cada um vai descobrindo o que cabe a ele, e somente a ele, realizar para que a paz verdadeiramente aconteça. Cada cidadão tem uma tarefa peculiar, que cabe a ele e somente a ele cumprir. Se ele falhar ou se omitir, todo projeto ficará comprometido.
Ao abraçar o parente e o amigo, ao lhes desejar muita paz, faça questão que o outro compreenda que você estará não somente torcendo, mas colaborando efetivamente para que eles e os demais cidadãos cheguem à plenitude dos bens. Esteja convicto e deixe transparecer que você quer ser um artesão da paz, decidido a mudar hábitos e preferências.
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