
Emerge, novamente, a questão racista! Em espaço de poucos dias, por ocasião de vários eventos esportivos, sucederam-se agressões de caráter discriminatório. Necessário se faz destacar detalhes com o objetivo de tornar mais serena a reflexão. Primeiro aspecto importante a destacar é diferença entre racismo e injúria racial. Racismo constitui crime inafiançável porque nega a um cidadão, e por motivos de cor da pele, o exercício de um direito garantido pela Constituição. Impedir um cidadão de locomover-se ou trabalhar por ser negro constitui crime de racismo, inafiançável e imprescritível. Por outro lado, quando o cidadão negro é ofendido com nomes ou gestos que mancham sua honra, o crime é de injúria e permite fiança. O que aconteceu recentemente nos eventos esportivos deve ser classificado como crime de injúria e não de racismo. O segundo dado importante a destacar são as circunstâncias que deram origem às injúrias, as ofensas aconteceram em eventos esportivos. Nessas competições, a paixão costuma sobrepor-se à razão e o sujeito que, no dia-a-dia, tende a ser controlado e ponderado, deixa-se dominar pelo impulso. Facilita este extravasamento impulsivo o fato de o sujeito se encontrar em meio a grupos que partilham sentimentos semelhantes de frustração pelo fato de o time ou estar em desvantagem ou por achar que está sendo prejudicado. Em situações semelhantes a civilidade e a educação somem e dão lugar a impulsos primitivos de agressão, como lamentavelmente confirmam as freqüentes e trágicas brigas entre torcidas. O esporte que deve ser uma atividade lúdica e agregadora se transforma em contenda, ocasião de iras e injúrias intoleráveis.
O fato de o esporte se apresentar como palco frequente para o extravasamento de emoções, e nesses recentes episódios, para externar sentimentos de cunho racista, escancara uma realidade indigesta e desconfortável. Ilusão imaginar e propagar que, entre nós, a questão racial é assunto superado! Ela existe e talvez segue alimentada no inconsciente da sociedade, a ponto de manifestar-se de uma maneira agressiva e grosseira quando se perde o domínio do consciente. Esses palcos que liberam fortes emoções acenam para a persistência de resíduos racistas na cultura de povo. Denunciam, a moda de caixas de ressonância, raízes profundas de mentalidade discriminatória e sectária. É preciso reconhecer que a cultura racista ainda persiste! Aceitar a verdade, por mais desconfortável, que a tal de democracia racial dissimula a realidade representa importante passo para a superação da infeliz mentalidade, e consequentemente de agressões e injúrias de cunho racial. Tem se discutido amplamente a cerca das punições a serem aplicadas aos cidadãos ou às agremiações que abrigam infratores. Logicamente, a impunidade no esporte servirá de estímulo para semelhantes manifestações em outros segmentos da sociedade. Há de ter punições, sim, e exemplares. O castigo induz a pessoa a vigiar-se melhor. O foco das energias, contudo, deve centrar-se na superação efetiva desses resíduos racistas camuflados na cultura do povo.
É pela educação que se elimina o racismo. Tarefa ingente e envolvente que exige profundas mudanças de mentalidades e posturas. A começar pelas famílias. Pois é ali que o sujeito ouve comentários e aprende anedotas de cunho sectário. Infelizmente, o legado histórico continua a exercer considerável influência na maneira de julgar pessoas e classificar etnias. É preciso, pois, um trabalho articulado e incessante para desfazer essas categorias seculares e arbitrárias. Mentalidades não se mudam por decreto. Nem por slogans de impacto, mas a partir da consciência da injustiça nelas incrustada. É preciso colocar-se no lugar do ofendido! É preciso sentir a dor que a humilhação provoca. Educar na cidadania é despertar a consciência para a dignidade intrínseca do outro, sem se deixar influenciar por qualquer outro critério exterior. A religião cristã é uma das instâncias que melhores condições reúne para promover uma justa e digna fraternidade. A essência do cristianismo é promover a fraternidade universal! Às comunidades cristãs cabe especial responsabilidade na educação contra o racismo! Paradoxalmente, ao empenhar-se em promover a dignidade de todas as raças, o cristianismo repararia pela cumplicidade junto ao colonizador escravagista e faria a correta penitência pelas graves omissões diante de séculos de injustiças, abusos e humilhações!
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