
Apreensão. Indignação. Decepção. A ordem pode ser diversa, mas esses e outros sentimentos negativos tomam conta da população diante da atual situação social, política e econômica pelo que passa o país. A gravidade do contexto tira a população da proverbial acomodação, inspira e estimula variadas iniciativas de reação. A indiscutível premissa que, em última análise, o poder está realmente nas mãos do povo sugere agir com discernimento e autêntico espírito cívico. Se de um lado a situação exige que o povo se mobilize e se manifeste, do outro essas reuniões precisam ser bem articuladas e genuinamente patrióticas. Em situações semelhantes costumam ganhar destaque aventureiros e aproveitadores. O bom senso e o filtro da população saberão separar as bem intencionadas iniciativas das que buscam apenas tumultuar, as que enxergam o caos como ambiente propício para semear pânico e justificar golpes.
Relevante papel exercem os católicos. Particularmente neste ano, quando a Campanha da Fraternidade, com providencial inspiração, conclama os católicos a marcar presença evangélica na sociedade. Na condição de seguidores de Jesus, inspirados em seu programa redentor de assegurar vida plena a todas as pessoas, os batizados sentem-se conclamados a tomar posição. Esta marcante presença, como bem aponta o objetivo geral da Campanha, deve ser assumida em compasso de diálogo e de serviço. Ao se propor a dialogar, a Igreja se despe de todo viés dogmático e se apoia única e exclusivamente na verdade do evangelho, da qual é, simultaneamente, depositária e transmissora. Mister se faz ressalvar que ao falar em Igreja, não se entende hierarquia, mas, sim, o povo de Deus em seu conjunto, todos e cada um dos batizados. Assim, ao engajar-se nos movimentos populares e patrióticos, o batizado deve ter claro diante de si os postulados evangélicos e os meios, igualmente, evangélicos para consegui-los. Na prática, isto significa que, se de um lado, não pode ficar neutro ou indiferente, recluso no templo, por outro, recusa decididamente protestar como mero integrante de uma massa de manobras tutelada e manipulada. Na condição de cristão protesta, grita, exige mudanças, mas sem compactuar com ideologias oportunistas nem endossar estratégias que justificam abusos e provocam danos. Os protestos de 2013 estão ainda vivos na memória e sabe-se que foi por causa de infiltrações ideológicas que o clamor enfraqueceu e a população encolheu. Ao marcar presença pelo diálogo, o católico alia-se a todas as organizações cívicas, ciente que oferece contribuição peculiar para que, dentro da lei, se proteste contra as mentiras oficiais, se condenem todas as formas vergonhosas de corrupção, se exijam exemplares punições e se clame por reais ajustes na governança do país.
Protestar, porém, representa apenas uma das iniciativas de marcar presença. Análise objetiva da situação e discernimento perspicaz apontam para outra grave omissão ou acomodação por parte dos seguidores de Jesus. Há pouco cristão atuante nas administrações públicas. Explica-se. Há muito funcionário público batizado, como também muito político que se apresenta como religioso, mas que, infelizmente, não pautam sua ação política e administrativa pelos princípios morais e éticas do evangelho. Caso contrário, o país não chegaria a este estágio deplorável de decadência e de corrupção. O apelo à conversão próprio do tempo da Quaresma e alimentado pela Campanha da Fraternidade não poderia chegar em hora mais apropriada. Urge estimular os batizados a marcar presença nas esferas públicas e políticas. A situação atual da política tem gerado justificado nojo em grande parte da sociedade. Gente honesta quer manter-se distante da política. Estratégia equivocada e civicamente desastrosa. Primeiro, pela obvia indução: se os bons se afastam, os aproveitadores tomam conta. Depois, pela secular constatação, as coisas mudam somente de dentro para fora. Não basta alterar o enredo, é preciso trocar os atores. Não basta mexer nos esquemas, é preciso substituir os agentes políticos. Não basta descupinizar ambientes, é preciso erradicar criadouros!
Ao conclamar os católicos a mostrar a cara, a Igreja age como servidora da sociedade. O clamor que estimula não tem cores partidárias nem preferências ideológicas. Carrega, contudo, forte apelo pela decência, pela probidade e pelo respeito aos genuínos e urgentes anseios da população.
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