sábado, 7 de março de 2015

MONTANHAS

Fascinante é subir montanhas! A expressão pode ser usada como metáfora para a vida, indicando o sucesso de uma carreira. Alcançar o topo é anseio de muito profissional. A expressão também denuncia vaidade, pretensão ou a obsessão de quem persegue o poder, seja político ou econômico. Existe, igualmente, o sentido místico para a expressão. Subir montanhas, na dimensão espiritual, tem a ver com o desejo de aproximar-se da divindade. Em praticamente todas as culturas antigas, a montanha era considerada moradia dos deuses. Quem quisesse sentir mais de perto a energia divina, subia montanhas. Esta concepção encontra ressonância na Bíblia. Todas as grandes teofanias aconteceram nas montanhas. Foi no topo da montanha que Deus entregou a Moisés as tábuas dos mandamentos. O local era tão sagrado que as pessoas sequer podiam tocar a base da montanha. Foi no topo de uma montanha que os discípulos Pedro, João e Tiago conheceram o verdadeiro perfil de Jesus Messias. Esta mentalidade inspirou também a arquitetura religiosa. Muitos templos católicos e mosteiros encontram-se construídos no alto de colinas, alguns inclusive de difícil acesso, indicativo mais do que claro do esforço necessário para se chegar perto da divindade. O sacrifício exercido na subida purifica a alma, dando lhe condições de achegar-se à divindade. Subir a montanha continua sendo recomendável programa místico. Não no sentido de aproximar-se fisicamente da divindade. Deus é espírito, e Jesus enfatizou que os legítimos adoradores cultuam em espírito e verdade. Por outro lado, ao falar da oração, insistia o Mestre sobre a necessidade de isolar-se, de orar em segredo. Subir montanhas, portanto, em sentido místico, pode ser entendido como orientação para retirar-se e ficar a sós com Deus! Isolada, a pessoa encontra maior facilidade para concentrar-se. Particularmente, em tempos atuais, quando apelos intermitentes invadem silêncios e dispersam atenções. O ruído constante que acompanha a agitada vida moderna desvia atenções e fragmenta interesses. As pessoas, hoje, nem percebem que agem e oram de forma distraída. Enquanto ocupada em uma tarefa, a mente divaga para os próximos compromissos, atrapalhando a concentração e reduzindo o aproveitamento. O avanço tecnológico representado pelos modernos aparelhos de comunicação atribula ainda mais a concentração. A consequência primeira de toda esta agitação é o distanciamento de si próprio. As pessoas são estranhas para si mesmas. A falta de consciência da própria identidade está por detrás tanto da superficialidade com que se executam tarefas como também da formalidade com que se ora.. Um dos traços mais em evidência na cultura atual é o frio cumprimento de obrigações, faz-se apenas o que se pede sem o ideal de querer fazê-las bem feitas! O que gera natural artificialidade e compreensível insatisfação. O Homem moderno se distingue pela evidente falta de interesse naquilo que faz. É tudo muito monótono, previsível, sem entusiasmo e sem alegria! Sinal de maturidade é reconhecer a necessidade de retirar-se periodicamente para estar a só consigo mesmo e, se o sujeito for religioso, para estar a sós com Deus! Sinal de disciplina e discernimento é reservar tempo e encontrar o espaço ideal para realizar este tipo de retiro. Na véspera de seu assassinato, Martin Luther King comentava numa conferência que estava muito tranquilo porque havia compreendido o valor e encontrado tempo para subir montanhas. Explicava como o silêncio e o recolhimento da montanha foram sobremaneira preciosos em sua vida, pois o ajudaram a adquirir noção clara sobre sua identidade e a prepara-lo para encarar o futuro com serena confiança. Aprendeu a não se importar com o que podia lhe acontecer, conquanto fizesse bem o que julgava justo e correto. O tempo da Quaresma é especialmente propício para atender ao convite de subir a montanha. Se for religiosa, a pessoa viverá experiência singela de encontro pessoal com Deus, não porque ele reside fisicamente em montanhas, mas porque habita no silêncio. Se não for religiosa, a pessoa viverá a salutar experiência de encontrar-se consigo mesma, reconhecer quem é de verdade e arrumará coragem para operar os ajustes que entende necessários para viver como pessoa de bem!

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