sábado, 28 de março de 2015

SILÊNCIO

As narrativas da paixão e morte do Senhor Jesus representam o ponto central dos evangelhos. Segundo estudiosos, essas narrativas se inspiram em um primitivo documento conhecido das comunidades cristãs, comprovando a centralidade do mistério. Nos quatro evangelhos as últimas horas da vida do Mestre ganham evidente destaque. O evangelista João classifica a paixão e morte do Nazareno sob a rubrica da Hora de Jesus! Deixando a clara impressão que a passagem de Cristo no mundo perderia sentido sem este desfecho singular. As narrativas contêm mais que simples relatos de um processo e condenação motivados por implicâncias e intrigas. Isolar a paixão e a morte de Jesus dos anteriores acontecimentos é cair num grave e sério equívoco. O próprio Mestre, ao prenunciar o desfecho humano da sua história, deixava implícito que tudo fazia parte de um plano salvador divino. Atento, cuidou de preparar a mente e o coração dos discípulos para que não se perturbassem diante da aparente humilhação. Desconfiava Jesus que os discípulos ficariam negativamente impressionados com o aparente êxito de seus adversários. Afinal, imperava neles o conceito de um Messias triunfal, implacável soberano a esmagar os inimigos do povo. Jesus anuncia novo conceito de vitória, fundamentado não na prepotência, mas no esvaziamento! E, segundo seu estilo pedagógico, recorre a exemplos tirados do cotidiano agrícola para ilustrar sua mensagem. Fala do grão de trigo que ao ser enterrado, morre, e produz abundantes frutos! É uma morte geradora de vida! É lição corrente, a natureza não conhece a morte definitiva. É comum na natureza esvaziamentos resultarem em abundantes colheitas. Jesus ensina a seus conterrâneos, e a quem se dispuser a ouvir, que sua vida se assemelha ao grão de trigo que morre para produzir abundantes espigas. Com uma profunda e substancial diferença: sendo gente, Jesus caminha livremente para a entrega, como expressão de amor incondicional para o seu humano. Ao humilhar-se conscientemente Cristo aniquila a humilhação associada à morte de cruz. Ao morrer Jesus não estava sendo derrotado, ao contrário, alcançava a glorificação. Na cruz Jesus seduz! Isto explica porque sempre que falava da sua morte futura Jesus emendava a necessidade da renúncia como essencial condição para segui-lo. Pois segui-lo, significa entender a, e aderir à, redentora logística: vitórias consistentes só se conseguem mediante o esvaziamento de toda arrogância e a renúncia de toda pretensão de altiva superioridade. Há uma escola cristã que não se conforma com tamanha exposição do crucifixo. Considera os católicos, inclusive, discípulos sádicos do Mestre, pois prezam ver e exaltar seu melhor amigo em seu momento mais doloroso. Faria sentido esta crítica se não fosse o próprio Jesus a repetir enfaticamente que quisesse ser conhecido como o grão de trigo que, ao cair na terra e morre, produz muito fruto. A morte de Jesus na cruz não aconteceu porque seus adversários finalmente conseguiram arranjar um meio para dominá-lo. Cristo Jesus passou pela paixão e morte porque esta foi a estratégia escolhida para convencer a humanidade do singular amor que a Trindade Santa tem por ela. Assegurou Jesus a seus amigos próximos que ninguém tirava dele a vida, mas Ele a doava livremente. Porque, afinal, não existe amor maior do que quem dá a vida pelos outros. E Jesus deu a vida por todos. A fé habilita a enxergar o invisível! Ao contemplar Jesus na cruz, iluminado pela fé, o fiel enxerga a inigualável demonstração de consideração pelo ser humano. Ninguém quer tão bem ao Homem quanto Jesus Cristo. Especialmente significativo é um detalhe que os evangelistas registram ao descrever o comportamento de Jesus em todo processo de julgamento, condenação e execução. Ele fica em silêncio. Um silêncio que incomodou sobremaneira acusadores e juízes, pois deixava claro quem, afinal, estava sendo julgado! O silêncio de Jesus é particularmente prenhe! Em todo processo Jesus não é vítima, é dono da situação. Culturalmente, a Sexta Feira da Paixão costuma ser um dia de respeito e de silêncio. Ambiente favorável para deter-se em contemplação sobre um gesto de inigualável esvaziamento. Clima favorável que ajuda a captar a mais apaixonada declaração de amor. Um silêncio, em suma, a gerar na alma respostas e reações. Ninguém fica neutro diante da cruz de nosso Senhor Jesus Cristo!

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