sábado, 4 de julho de 2015

CUME

Curiosa coincidência. Ouvi, quase que simultaneamente, dois comentários sobre o ser humano. Comentários convergentes, embora advindos de fontes completamente distintas. Um renomado jornalista esportivo, ao comentar a difusa epidemia de corrupção, sentenciou que o ser humano é um projeto que não deu certo. O outro comentário emergiu de uma conversa informal com um artista plástico que descreveu o ser humano como obra de arte, mas que anda borrada. Consequentemente irreconhecível. Ambas as colocações externam sentimentos de desalento e de frustração. Tem salvação?- perguntou-me o artista. Inquietação que atormenta o sentimento e a consciência de muita gente. A humanidade tem conserto? As circunstâncias parecem conspirar contra qualquer esperança de melhora. Não bastasse a vasta e difusa epidemia de corrupção, esses atentados terroristas estúpidos e a interminável sucessão de violências parecem decretar a condenação definitiva do ser humano à infelicidade. A perda da esperança é evidente. Muita gente já chegou a conclusão que o recomendável é mesmo cuidar da própria vida e deixar a banda passar! Esta postura, embora pareça a mais conveniente deixa, todavia, a mente humana inconformada. É derrota muito indigesta. Talvez seja por isso mesmo que provoca tanta amargura, em especial em mentes mais críticas. A alma humana sente intimamente que não foi feita para a derrota, para o fracasso. Reconhece em si valores transcendentes, nobres, apesar das perversões. O quadro borrado é passível de restauração. O projeto original pode, sim, ser recuperado. É exatamente esta a missão do cristão. Restaurar e manter viva a esperança na redenção do ser humano. Quem em Jesus Cristo acredita, crê, igualmente, no ser humano. Assim como Jesus, o discípulo autêntico é visceralmente esperançoso. Otimista! Esta fé no ser humano é a razão principal da encarnação de Jesus Cristo. O Filho de Deus tornou-se gente para demonstrar com seus atos, em primeiro lugar, e, depois, com seus ensinamentos, o caminho seguro para a redenção do ser humano. Em resumo denso, mas preciso, toda a vida de Jesus pode ser sintetizada nesta verdade: o ser humano recupera sua real estatura quando aprende a esquecer de si em favor do outro. É o que Jesus chama de caridade, o amor-doação. Pressentindo a difusa resistência a este apelo - afinal por que devo pensar nos outros se ninguém pensa em mim? - Jesus proclama a verdade maior a sustentar e motivar esta redentora postura: Deus amou primeiro! Entendendo este ‘primeiro’ não somente no sentido cronológico, mas ontológico, essencial: somos incondicionalmente amados por Deus! O ser humano sai da mediocridade da vida quando acredita que é amado por Deus! Esta é a verdade sublime a fundamentar a crença na restauração do ser humano: é amado por Deus com um amor eterno, isto é, com um amor que não oscila. Que não padece de humores. Nem está atrelado à méritos. A convicção neste amor, produto da fé, opera profunda transformação no Homem. Reconhecendo-se amado, torna-se capaz de amar! Convicto da gratuidade e da universalidade do amor de Deus, o Homem se dispõe com mais facilidade a aproximar-se e a respeitar o semelhante. A esquecer-se de si para ir ao encontro do outro. O comodismo humano, sempre muito presente, desviou-se desta primordial conclusão, propondo o culto como manifestação preferencial de reconhecimento do amor de Deus! O culto é necessário, sem dúvida, desde que precedido e amparado pela consideração ao semelhante. O próprio Mestre, profundo conhecedor da alma humana, confirmou esta verdade ao exigir que antes do culto se pratique a reconciliação. O verdadeiro culto a Deus se dá quando se pratica a justiça e a misericórdia! Ao experimentar a certeza de que se é por Deus graciosamente amado, o Homem sente-se impulsionado a doar-se com mais generosidade. A fazer mais! É próprio ao amor ser generoso. O borrão que estragou o quadro é o egoísmo. O desvio que estragou o projeto original é o exacerbado individualismo. Ao empenhar-se em fazer o Homem acreditar no fiel amor de Deus, Jesus Cristo o convoca a abandonar o vale da mediocridade e entregar-se à escalada rumo ao cume da realização. O Homem anda, de fato, moralmente pervertido, mas permanece passível de consertos e restaurações.

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