
A sequência parecia interminável. Peregrinos se sucediam em grupos compactos, alguns bastante numerosos, outros trajando costumes típicos, em alegres procissões, embalados por hinos religiosos, e seguiam pela vasta avenida até alcançar o enorme pátio que dá acesso ao santuário de nossa Senhora de Czestochowa, ou de Jasna Gora. Chama atenção a grande presença de jovens. Ao alcançar o pátio, os peregrinos se prostram em total reverência à imagem. Os de idade avançada apenas ajoelham. Após alguns instantes, os peregrinos se levantam, entoam hinos e se dirigem à pequena igreja que abriga o ícone bizantino de nossa Senhora.
Na realidade, o conjunto arquitetônico, emoldurado por muralhas, compreende dois templos, um maior, a basílica, e outro menor, numa espécie de subsolo, que abriga a imagem milagrosa. Ao alcançar a capela, os peregrinos são acolhidos por voluntários, que abrem caminho entre curiosos e turistas, facilitando aos romeiros acesso ao ícone. Fixo no alto, num fundo escuro, o quadro ostenta a imagem de Maria com o Menino no braço esquerdo. Seu braço direito aponta o Menino, sugerindo claramente que é Ele quem deve ser reverenciado. O gesto reforça o texto bíblico que inspira a devoção: Façam tudo o que ele disser. Por sua vez, o Menino, com a mão direita levantada, abençoa o visitante, enquanto segura cópia dos evangelhos na outra mão. Apesar da constante movimentação, reina respeitoso silêncio na capela, quebrado pelas preces coletivas dos peregrinos e por hinos religiosos. Alguns romeiros cumprem promessas. Seguem ajoelhados por um estreito caminho que circunda o alta mor, passando por detrás da parede onde está alojado o quadro, e saindo pelo outro lado. No lado direito do altar, uma pequena relíquia lembra o Papa João Paulo II, fervoroso devoto de nossa Senhora. A frente do altar mor, os romeiros depositam flores num grande cesto, no que parece ser costume local de reverência e de carinho. Casais de recém-casados, em trajes matrimoniais, recebem tratamento ainda mais privilegiado: são admitidos ao presbitério onde recebem bênçãos especiais dos monges. O clima testemunha a profunda devoção e a satisfação dos romeiros ao sentirem-se acolhidos na casa da Mãe.
O santuário de Czestochova está hoje intimamente ligado à religiosidade popular polonesa, como também expressa sua identidade nacional. Basta recordar a visita que o papa João Paulo II, polonês de origem, fez ao santuário meses após sua eleição para a cátedra de Pedro, em pleno regime comunista. Outro fato que ilustra o forte apelo que o santuário exerce sobre a cultura polonesa é o botão com o ícone de nossa Senhora que Lech Walesa portava em sua lapela quando liderava o movimento sindical SOLIDARIEDADE em oposição à dominação soviética. A história do quadro, previsivelmente, se apresenta misturada com lendas e tradições nem sempre historicamente comprovadas. Uma dessas tradições atribui a autoria do quadro ao evangelista Lucas que, comenta-se, ao pintá-lo teria recebido de Maria detalhes da infância do Menino Jesus. De fato, o pouco que se conhece da infância de Jesus deve-se ao evangelho de Lucas. Estudos mais apurados indicam que o quadro é originário do séc.XIII, embora sua trajetória permaneça incerta. No começa da Idade Média, por volta do ano 1382, o quadro é doado ao mosteiro de Jasna Gora, sob o cuidado de monges paulinos. Jasna Gora quer dizer monte luminoso, o que reforça o forte apelo religioso. A devoção ao ícone aumenta quando se atribui à intercessão da Virgem a defesa e a vitória dos poloneses contra a invasão sueca. O rei Casimir então declara Maria rainha da Polônia. A devoção cresce e se fortalece especialmente nos períodos da dura dominação nazista e na subseqüente opressão comunista. Apesar de todo esforço do aparato soviético, as romarias ao santuário representavam não somente a fé, como também a luta contra o invasor ateu na busca de reconquistar a identidade nacional, fortemente marcada pela religião.
Curiosidade intrigante: por que uma nação de gente de pele clara reverencia uma imagem de Nossa Senhora negra? A explicação é simples: na origem, as feições eram claras. A queima sucessiva de velas fez com que a imagem, aos poucos, foi se escurecendo. È fato, todavia, que a imagem de Jasna Gora representa, hoje, o forte caráter religioso do povo polonês. Os feriados nacionais são praticamente todos de inspiração religiosa e as missas, aos domingos, são muito bem freqüentadas nas inúmeras igrejas espalhadas pelas cidades.
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