sábado, 31 de outubro de 2015

CIDADÃO DO BEM

Na prática, já se pratica a pena de morte! As correntes manchetes noticiando chacinas confirmam o desprezo pela lei e atestam o pouco valor que a vida possui. Mata-se pelos motivos mais fúteis e de forma covarde. O cidadão anda com medo. O pânico aumenta ao se constatar o fracasso do sistema prisional. A absurda superpopulação carcerária só favorece o recrudescimento da criminalidade. Diante deste quadro, complicado e aterrorizante, ganha ímpeto o debate sobre a reintrodução da pena de morte. Na prática já se pratica esta pena! Tanto facções criminosas como gangues de milícias, alguns integrados por agentes de segurança, recorrem a chacinas para acertar contas. O descrédito nos e/ou a morosidade nos trâmites processuais induzem certos segmentos da sociedade a fazer justiça com as próprias mãos. Esta estratégia, que conta não raras vezes com a aprovação da população, parte do pressuposto que reações enérgicas inibem a ação dos transgressores. O fato de uma parte da população aprovar este recurso, robustece o argumento daqueles que se posicionam a favor da reintrodução da pena de morte. Não seria nada surpreendente, se fosse feito um referendum, que a maioria da população aprovasse a pena capital. Seria a simpatia por essa medida extrema uma solução eficaz contra o crime ou uma reação impulsiva, desesperadora e de defesa, diante da incapacidade do Estado de garantir proteção confiável ao cidadão? Ao analisar os índices de criminalidade em países onde se aplica a pena capital, constata-se que a frequência de graves delitos permanece inalterada. A aplicação da pena de morte não inibe a ação de criminosos. Emerge, então, a indecente verdade transformada em demagoga motivação: bandido bom é bandido morto. Neste contexto, é o sentido de vingança que justifica a ação extrema. Toda agressão gera revolta, é verdade. E agressões extremas geram profundos e justificados impulsos de retaliação. Inconformadas, as vítimas reagem impulsivamente. Contudo, a história das civilizações, como também a história pessoal de muitos, atestam quanto ao real perigo da retaliação ser excessiva quando descontrolada e motivada por instintos. Claro, a introdução da pena capital não tolhe ao réu o direito a ampla defesa e ao uso de todos os recursos para a obtenção de clemência ou comutação de pena. Permanece, contudo, o real perigo de condenações equivocadas e uma vez aplicada a pena de morte, suas consequências são irreversíveis. Nenhum pedido de desculpa compensa a perda de uma vida inocente! Compreensivelmente, é este o argumento de forte apelo emocional apresentado ao defender a pena de morte para homicidas. Afinal, vidas inocentes são ceifadas por motivos fúteis ou torpes. Emerge na história das civilizações o saudável debate sobre o sentido da justiça e sua aplicação. Existe a justiça de retribuição, a justiça matemática que aplica a pena de acordo com a gravidade do crime. Nesta escola de justiça, resumida na clássica jurisprudência - olho por olho, dente por dente - o objetivo é punir o transgressor e obrigá-lo a ressarcir equitativamente os danos causados. Matou, merece morrer. É uma justiça protocolar que aparentemente protege a vítima e pune o transgressor. O rigor da punição satisfaz o instinto de retaliação, deixando satisfeita a vítima em ver o agressor pagar pelo mal que fez. É uma justiça que para no passado, sem se incomodar com o futuro. Outra escola propõe a justiça restauradora. Nesta abordagem, mesmo não dispensando penas rigorosas, o foco maior é com a correção e a recuperação do criminoso. Analisada desapaixonadamente, percebe-se que, na realidade, a população anseia por uma diminuição no contingente de delinquentes. Não são presídios que garantem segurança ao cidadão. Nem a pena capital. Morte não se paga com outra morte. Esta matemática é inconsequente. Punição e repressão são necessárias, mas sempre com finalidades terapêuticas. Criminosos considerados irrecuperáveis, que permaneçam vigiados com o devido rigor. Gente apressada e impaciente reclama tratar-se de utopia. Parentes de vítimas, por sua vez, clamam por justiça. Querem, na verdade, retaliação! O atual estágio da evolução racional confirma que institucionalizar a pena de morte é decretar a falência da civilização e proclamar a supremacia da retaliação. Bandido bom é bandido regenerado em cidadão do bem!

Um comentário:

  1. Pe. Charles - acompanho seus artigos na Folha da Região - o seu estilo sempre me agradou - concordo plenamente com: "bandido bom é bandido recuperado" - a sociedade paga pela internação dos delinquentes (e de todos os tipos de doentes) e por isso merece o benefício de tê-los recuperados.
    Pensando em recuperação dos desprovidos, Pe. Charles, fui surpreendido com uma figura política na escadaria da igreja matriz - no governo federal anterior, foi feita a propsta de passar toda a arrecadação da CPMF à saúde; não foi aprovado e a extinguiram. A bancada da saúde privada tem o maior interesse em acabar com o SUS. Infelizmente o cidadão humilde vota contra a contribuição e acaba favorecendo organizações oportunistas que acaba sempre aumentando sua renda sobre o suor dos mais pobres. Será que o Bispo de Araçatuba concorda com essa proposta econômica do no jardim da catedral?
    Grande abraço,
    picasso.v@uol.com.br

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