
Guernica inspira esperança! Picasso recebeu uma encomenda do governo da Espanha para criar um mural a ser exposto no pavilhão nacional na Feira Mundial em Paris em 1937. Enquanto estudava um possível tema para sua obra, chegaram às mãos do pintor registros fotográficos do massacre cometido pela milícia fascista do General Franco na pequena cidade de Guernica. O horror causado pelas imagens retratando corpos destroçados e a cidadezinha queimando em chamas inspirou o pintor a criar Guernica. O imponente quadro reproduz com impressionante dramaticidade a insensatez da guerra, a absurda barbárie de corpos mutilados de cidadãos e de animais, rastro infame deixado pelas milícias fascistas. Não é sem razão que Guernica é considerado um dos mais eloquentes ícones modernos contra toda forma de agressão brutal. Contra a estupidez das guerras, enfim! O mural, porém, não representa somente um potente protesto contra a guerra. O atento observador nota, no centro do quadro, perdida em meio a corpos destroçados, uma mão estendida que segura uma lanterna acesa. Quase na mesma linha, no piso do quadro, no chão encharcado de sangue, vê um frágil broto verde. Picasso, por ser o gênio que é, consegue enxergar além dos acontecimentos. Denuncia com veemência a infâmia da crueldade humana, mas intui um feixe de esperança no frágil broto que teima despontar. Um faixo de luz que teima brilhar na densa escuridão causada pela maldade humana!
Os gênios se destacam pelo profundo conhecimento da alma humana. Neste sutil predicado se aproximam dos grandes místicos. Involuntariamente talvez, revelam, cada um a seu modo, uma curiosa comunhão com as básicos princípios da fé cristã. A certeza inabalável, presente na Guernica, de que a humanidade, apesar da sua contumaz perversidade, tem salvação converge com o feliz anúncio cristão da redenção. Picasso se apresentava como ateu, mas foi também gênio. Bastante sintomática, pois, a preferência pela luz e pela frágil planta, escolhidas pelo genial pintor para externar sua esperança de que, no fim, a vida prevalecerá. Ao anunciar a vinda do futuro Messias, o profeta Isaias, séculos antes, recorre aos mesmos símbolos para exaltar sua missão e infundir esperança num povo humilhado. Compara o redentor prometido a uma luz que brilha nas trevas, a um rebento que nascerá do tronco estéril de Jessé.
A história da humanidade é uma sequência de sofrimentos e abusos, mais sentidos evidentemente pelas classes mais desprotegidas. Diante da prepotência de inúmeros tiranos, mergulhados em angústias sem fim, essa gente levanta súplicas de misericórdia e clamores por libertação. Diante da inesgotável maldade humana, persiste a asfixiante dúvida: tem a humanidade salvação? A fé bíblica inspira positiva resposta, em sintonia com o mais recôndito anseio da alma. Sim, a humanidade acredita na salvação! Quer a salvação! E Jesus veio ao mundo satisfazer este profundo anseio da alma. Ao encarnar-se, o Filho de Deus se faz a prova mais convincente que Deus está seriamente empenhado no resgate da dignidade humana. Ao celebrar seu nascimento, os fiéis reavivam esta esperança. Com toda razão, a celebração do Natal é reconhecida como a festa da esperança da humanidade. Mais que uma festa sentimental, a celebração do nascimento do Senhor Jesus é um vigoroso apelo para que a humanidade fique de pé e levante a cabeça. É de se reparar como todos os personagens envolvidos diretamente no mistério da encarnação, exaltam a esperança que acompanha o nascimento do Menino Jesus. Significativamente, esta esperança está ligada a contextos humanamente frágeis, gente simples, sem nenhum destaque social, manjedoura, pastores, astrólogos anônimos, idosos piedosos!
Na dramática tela de Picasso, a frágil planta e a lamparina talvez passem desapercebidas pelo olhar superficial, mais focado nas tristes e sombrias imagens. Ao se captar, todavia, a vigorosa presença desses símbolos, a leitura do quadro muda radicalmente. Apesar da crueldade humana, a confiança persiste. A esperança não está vencida! Ao manifestar tão genialmente sua esperança, Picasso involuntariamente evoca o mistério da encarnação e sutilmente instiga os que nele acreditam a testemunhar com igual vigor a inabalável confiança no resgate da alma humana. Esta auspiciosa convicção constitui ingrediente primordial na celebração do nascimento do Senhor Jesus.
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