
"Não me conformo"! O lamento saiu da boca de um garotinho ao contemplar a enorme imagem de Jesus na cruz exposta na igreja! Coração terno de criança não entende tamanho suplício. Nós católicos, inclusive, somos regularmente censurados por darmos grande visibilidade à imagem de Jesus Cristo pendurado na cruz. Quem olhar a imagem de Jesus na cruz com lentes meramente humanas, julga procedentes as censuras e fará coro ao lamento do garoto inconformado. Estará em plena sintonia com a perplexidade dos discípulos de Jesus. Eles também não conseguiam compreender como a pessoa a quem Deus declarou solenemente ser seu Filho amado podia terminar sua vida de maneira tão humilhante.
A crucifixão é a tortura mais cruel inventada pelo sadismo humano. A cruz, o mais infame instrumento de tortura, apropriadamente reservado na época romana aos mais abomináveis criminosos. Reverenciar a cruz, humanamente falando, corresponde a gesto tresloucado comentado pelos filósofos helenistas na época do apóstolo Paulo. Para os judeus, um escândalo; uma pedra de tropeço para tantos outros que pretendem explicar racionalmente a vida e a missão do Libertador. Para quem crê, todavia, a cruz é motivo de glória. Em sua liturgia oficial, a Igreja exalta o poder radiante da cruz!
Em sua jornada missionária, Jesus explicava a seus seguidores que atrairia todos a si quando for levantado da terra. Na comovente oração, registrada pelo evangelista João, antes de sair para seu martírio, Jesus abre seu coração diante dos discípulos. Ciente do que está por acontecer, ele se refere a todo episódio como a hora da glória."Glorifica teu Filho, para que teu Filho glorifique a Ti"! É como se Jesus estivesse convidando seus amigos a enxergarem além das aparências. Ao ser abordado pelos soldados, logo em seguida, e assumir sua identidade, os capangas caem no chão, dando a Jesus a oportunidade para evadir-se. No entanto, permanece ali. Deixa-se ser preso e carregado. No interrogatório diante do arrogante Pilatos, assumindo sua condição de rei, Jesus afirma claramente que se quisesse invocaria legiões de anjos que o libertariam. Expõe ao prepotente Pilatos que estava sendo sentenciado não porque seus adversários eram mais ardilosos que ele, mas porque aquele drama fazia parte do projeto divino de redenção. Ninguém me tira a vida, eu a dou por mim mesmo, declara solenemente.
Ao anunciar previamente o desfecho trágico da sua jornada em Jerusalém, Jesus já provocava seus amigos a olharem além dos acontecimentos. O fato de prosseguir decidido em seu caminho, mesmo sabendo o que esperava por ele, insinua que havia ensinamentos por detrás daqueles tristes acontecimentos. Tentar compreendê-los com o frio raciocínio é causa perdida, levanta sérias dúvidas de ordem religiosa. Jesus compreendia a urgência do entendimento e empenhou-se em explicar. Recorreu à analogia do grão de trigo. Se não cair na terra e não morrer, ele fica só. Mas ao morrer gera muitos frutos. Revelador exemplo de vida que nasce da morte! Emerge a sublime verdade: ninguém estava tirando a vida de Jesus, ele é a estava oferecendo para a vida do mundo! Não há amor maior que dar a vida pelos outros! A morte na cruz representa a mais descomunal declaração de amor da Trindade Santa em favor da humanidade. Deus ama com tanta seriedade o Homem a ponto de entregar seu amado Filho! A razão humana, sempre calculista, indaga: precisava tanto? A resposta se encontra na trágica história da humanidade, soma de sucessivos abusos de egoísmos, arrogâncias e dominações injustas. Ao dispor-se obedecer à vontade divina, Jesus indica que o caminho da regeneração, e consequentemente libertação, da raça humana passa necessariamente pela prática da caridade que inspira as pessoas a se tratarem com respeito e dignidade, sem exclusões e sem preconceitos. Amou até o fim para que se acredite na caridade!
Tentaram, e ainda tentam, matar e desqualificar o amor-doação. A caridade interpela! Desaloja! No silêncio da terra, qual semente que cai e morre, o Crucificado passou da páscoa da cruz para a Páscoa da Vida! A exposição do Crucificado é convite constante a contemplar, reverenciar e reagir diante da mais sublime e comprometedora declaração de amor feita em favor da humanidade!
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