
As portas estão abertas. Sempre estariam, pelo menos no conceito de Jesus! Dele, repetidas vezes atestam os evangelhos que veio abrir as portas do céu! Ao entregar a Pedro as chaves, o Mestre insinua que a comunidade dos discípulos as usaria para manter abertas as portas que conduzem à vida. Afinal, chaves são para abrir portas. É verdade que um dos maiores equívocos cometido por hierarquias, cristãs inclusive, foi elaborar tantas normas como preliminares que ficou difícil ate mesmo o acesso às portas. A ênfase dada a essas condições acabou por distanciar significativamente a prática religiosa do ideal querido por Deus e confirmado pelo Senhor Jesus. Explicitamente afirmou Cristo que veio trazer vida plena para todos. Lembrou ainda que, se por ventura houvesse outras ovelhas vagueando pelos desertos campos da vida, a disposição era de ir atrás, mesmo que para isso fosse necessário deixar aos cuidados de terceiros as que já se encontravam no redil. Profundo conhecedor da alma humana, advertia repetidamente a seu grupo de seguidores para não colocarem hábitos humanos a frente dos ordenamentos divinos.
Um dos mais destacados traços da ação divina é a prática da misericórdia. Deus se esmera na compaixão. E Jesus é a face humana dessa prática misericordiosa. Coerentemente, seus discípulos devem igualmente esmerar-se na prática da compaixão! A misericórdia sublima o relacionamento entre pessoas. Como o próprio nome insinua, trata-se de um impulso que mexe com o coração, favorece a aproximação entre pessoas. O sujeito educado na misericórdia pauta a própria conduta pelo tratamento digno e respeitoso devido ao próximo. Acontece que, ao se institucionalizar, a comunidade religiosa estabelece normas direcionadas a garantir um convívio harmonioso e equilibrado entre os membros. Com frequência se apega tanto a essas diretrizes que se olvida da inspiração original. As normas e doutrinas adquirem valor absoluto. Isso se verifica de modo particular quando as lideranças religiosas intencionam manipular a religião e tratar os membros como súditos. Nesta infeliz inversão aparece com toda força o terrível equivoco: dá-se às elaborações humanas valor transcendental. Resoluções pontuais viram dogmas e a face divina adquire traços marcados por manhas e humores humanos. Tornando ‘eternas’ encaminhamentos pontuais, a eminência religiosa passa a ser medida por práticas exteriores, por formalidades. Essa redução do divino ao legalismo humano favorece sobremaneira a impressão que as portas da religião encontram-se mais fechadas que abertas. Emerge outro elemento complicador neste contexto. Sendo preferencialmente exteriores as normas éticas, quem age fora do padrão estabelecido se torna transgressor, impedido de ter acesso à porta da bem-aventurança!
Ao fazer questão de acolher pecadores e tomar refeições com gente de conduta duvidosa, um deles escolhido, inclusive, a fazer parte do grupo mais próximo dele, Jesus desmonta a mentalidade legalista, desqualifica os critérios exteriores de idoneidade e restabelece a misericórdia como a estratégia ideal para tornar mais ágil o acesso ao divino. Sim, este é o projeto de Jesus, cativar pela misericórdia. Ninguém está aprioristicamente excluído. O acesso universal, óbvio, não eliminou comprometimentos, nem afrouxou exigências. Persistem a admonição quanto à necessidade de carregar a própria cruz e a chamada a renúncias. Ao comparar o reino a uma festa de casamento, Jesus indica que os convidados precisam estar trajados com a roupa adequada. Na chamada parábola do filho pródigo, fica subentendido que o filho mais velho ficou fora da festa, não porque o pai o excluiu, mas porque ele não se dispôs a comungar o gesto generoso e misericordioso de acolher o irmão arrependido. Não basta ser filho, é preciso estar em plena e perfeita comunhão com o pai! As portas estão abertas, a festa está posta, mas é preciso estar em sintonia com o pensamento do anfitrião para dela participar.
Ao anunciar as indulgências divinas e determinar santas as portas das catedrais, o Papa Francisco coloca novamente em evidência a característica principal da vida e da ação de Jesus Cristo: a misericórdia, que facilita o acesso aos favores divinos. Lembra, contudo, não basta passar fisicamente pelas portas. É preciso querer amar como Deus ama, testemunhar a mesma compaixão com que se reconhece agraciado por Ele!
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