sábado, 12 de março de 2016

INDULGÊNCIAS

As portas estão abertas. Sempre estariam, pelo menos no conceito de Jesus! Dele, repetidas vezes atestam os evangelhos que veio abrir as portas do céu! Ao entregar a Pedro as chaves, o Mestre insinua que a comunidade dos discípulos as usaria para manter abertas as portas que conduzem à vida. Afinal, chaves são para abrir portas. É verdade que um dos maiores equívocos cometido por hierarquias, cristãs inclusive, foi elaborar tantas normas como preliminares que ficou difícil ate mesmo o acesso às portas. A ênfase dada a essas condições acabou por distanciar significativamente a prática religiosa do ideal querido por Deus e confirmado pelo Senhor Jesus. Explicitamente afirmou Cristo que veio trazer vida plena para todos. Lembrou ainda que, se por ventura houvesse outras ovelhas vagueando pelos desertos campos da vida, a disposição era de ir atrás, mesmo que para isso fosse necessário deixar aos cuidados de terceiros as que já se encontravam no redil. Profundo conhecedor da alma humana, advertia repetidamente a seu grupo de seguidores para não colocarem hábitos humanos a frente dos ordenamentos divinos. Um dos mais destacados traços da ação divina é a prática da misericórdia. Deus se esmera na compaixão. E Jesus é a face humana dessa prática misericordiosa. Coerentemente, seus discípulos devem igualmente esmerar-se na prática da compaixão! A misericórdia sublima o relacionamento entre pessoas. Como o próprio nome insinua, trata-se de um impulso que mexe com o coração, favorece a aproximação entre pessoas. O sujeito educado na misericórdia pauta a própria conduta pelo tratamento digno e respeitoso devido ao próximo. Acontece que, ao se institucionalizar, a comunidade religiosa estabelece normas direcionadas a garantir um convívio harmonioso e equilibrado entre os membros. Com frequência se apega tanto a essas diretrizes que se olvida da inspiração original. As normas e doutrinas adquirem valor absoluto. Isso se verifica de modo particular quando as lideranças religiosas intencionam manipular a religião e tratar os membros como súditos. Nesta infeliz inversão aparece com toda força o terrível equivoco: dá-se às elaborações humanas valor transcendental. Resoluções pontuais viram dogmas e a face divina adquire traços marcados por manhas e humores humanos. Tornando ‘eternas’ encaminhamentos pontuais, a eminência religiosa passa a ser medida por práticas exteriores, por formalidades. Essa redução do divino ao legalismo humano favorece sobremaneira a impressão que as portas da religião encontram-se mais fechadas que abertas. Emerge outro elemento complicador neste contexto. Sendo preferencialmente exteriores as normas éticas, quem age fora do padrão estabelecido se torna transgressor, impedido de ter acesso à porta da bem-aventurança! Ao fazer questão de acolher pecadores e tomar refeições com gente de conduta duvidosa, um deles escolhido, inclusive, a fazer parte do grupo mais próximo dele, Jesus desmonta a mentalidade legalista, desqualifica os critérios exteriores de idoneidade e restabelece a misericórdia como a estratégia ideal para tornar mais ágil o acesso ao divino. Sim, este é o projeto de Jesus, cativar pela misericórdia. Ninguém está aprioristicamente excluído. O acesso universal, óbvio, não eliminou comprometimentos, nem afrouxou exigências. Persistem a admonição quanto à necessidade de carregar a própria cruz e a chamada a renúncias. Ao comparar o reino a uma festa de casamento, Jesus indica que os convidados precisam estar trajados com a roupa adequada. Na chamada parábola do filho pródigo, fica subentendido que o filho mais velho ficou fora da festa, não porque o pai o excluiu, mas porque ele não se dispôs a comungar o gesto generoso e misericordioso de acolher o irmão arrependido. Não basta ser filho, é preciso estar em plena e perfeita comunhão com o pai! As portas estão abertas, a festa está posta, mas é preciso estar em sintonia com o pensamento do anfitrião para dela participar. Ao anunciar as indulgências divinas e determinar santas as portas das catedrais, o Papa Francisco coloca novamente em evidência a característica principal da vida e da ação de Jesus Cristo: a misericórdia, que facilita o acesso aos favores divinos. Lembra, contudo, não basta passar fisicamente pelas portas. É preciso querer amar como Deus ama, testemunhar a mesma compaixão com que se reconhece agraciado por Ele!

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