sábado, 23 de julho de 2016

COMISERAR-SE

Aflige o drama dos refugiados! E dos migrantes! Sua humilhante situação suscita questões agudas, desperta interpelações de ordem moral e humanitária. Resignar-se diante de tanto sofrimento e humilhação representa atitude cômoda demais. Manter-se indiferente ou simplesmente ignorar tamanha desgraça é indigno. Lavar as mãos e delegar o encaminhamento a autoridades políticas indica crassa falta de solidariedade. A situação é grave e a solução não repousa somente nos governos nem nos organismos internacionais. Esses abordam a questão a partir de premissas políticas, econômicas ou ideológicas. O ser humano fica reduzido a um plano secundário, como se detalhe fosse. Tragédias humanas demandam abordagens solidárias. Em graus diversos, a humanidade inteira é responsável pelos graves desacertos. Só haverá correção de rumos quando houver comprometimento coletivo. Mudanças de mentalidades, em suma. Nada se resolve por decreto. O caminho é sempre de baixo para cima. Nesta perspectiva, o foco passa a ser o ser humano. Somente esta mudança de prioridade é que garantirá soluções genuinamente humanitárias e duradouras. Sem sereno discernimento e corajoso enfrentamento, tanto na esfera administrativa como na esfera cidadã, não há solução justa nem digna. O drama, reconhece-se, não é de fácil solução. Iniciativas paternalistas e populistas, mitigam pontualmente o sofrimento, mas não resolvem o flagelo. Reconhece-se que entre os desabrigados há gente malandra que quer tão somente aproveitar-se da desgraça alheia. Encontram-se, igualmente, elementos desonestos que visam explorar a fragilidade dos infortunados e lucrar em cima dos bons sentimentos. Esses infames dificultam sobremaneira um justo encaminhamento da questão. E ainda oferecem motivos para quem pretende justificar sua indiferença. Ou mesmo seu preconceito. A verdade, inconteste e indigesta, persiste: há muito inocente desabrigado, vitimado por percalços de variadas ordens. São seres humanos caídos e feridos à margem de tantas estradas. O ser humano é intrigante mistério. Sabe agir com rudeza e primitivo egoísmo, mas possui, igualmente, uma química que lhe inspira sentimentos acolhedores e solidários. É na dosagem certa dessa química que se vislumbra o começo da solução para o drama dos migrantes/refugiados e de outros tantos andarilhos. Iniciativas motivadas apenas em impulsos assistencialistas não funcionam. É preciso lucidez e bem calibrada mentalidade compassiva para convencer-se que o ponto de partida é o elementar instinto da acolhida. È verdade, o imenso número de deserdados torna complicada a acolhida. Nenhuma nação, nenhuma entidade, isolada, dá conta. O encaminhamento tem ser global. E para chegar a esse estágio, é preciso que se comece pelo cidadão, pelo varejo da vida. Saber acolher é uma das reservas mais primitivas do ser humano. Ao dispor-se a dar atenção, reaviva-se o vínculo humanitário. Aquecem-se corações. Aproximam-se almas. Essa abertura age como contraponto colorido e enternecido nos relacionamentos humanos, ultimamente tão cinzentos e frios. Essa elementar abertura franqueia propício ambiente para conhecer a real situação do desabrigado e de suas objetivas necessidades. Ajuda sobremaneira a evitar mentiras e desgastados apelos sensacionalistas. Dar atenção é o primeiro e fundamental gesto humanitário, ao alcance de todos os cidadãos. Sentir-se acolhido, por outro lado, é premissa indispensável para a recuperação da fundamental dignidade, condição básica a inspirar o refugiado a querer tornar-se, ele também, agente da solução. O drama de refugiados e migrantes é ingente. É urgente. Por razões humanitárias e morais demanda posição. Se difícil é encaminhar, isoladamente, todas as situações, ficará perfeitamente viável, sim, dar passos concretos na direção de humanizar a abordagem: cultivar os instintivos hábitos de comiserar-se e dar atenção.

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