domingo, 26 de abril de 2020

DESPERTAR

DESPERTAR “Deus tem um propósito”. A afirmativa, referente a pandemia do Coronavírus, é de Jerome Adams, católico de formação, responsável atualmente pelo departamento de saúde dos Estados Unidos. O pronunciamento deu-se em uma entrevista com jornalistas, abordando o acelerado e arrasador avanço da doença naquele país. A declaração provocou desconforto, inclusive entre a hierarquia católica, pois insinuava um envolvimento intencional do Criador nesta fatal moléstia. Ao ler a entrevista, lembrei-me de um singelo diálogo reportado pelo conhecido psicanalista Vicktor Frankl. Em conversa com sua filha, que tinha acabado de livrar-se do sarampo, a menina questionou seu pai: por que o senhor fala tanta do Bom Deus? Frankl respondeu: porque ele curou você do sarampo! De pronto, a menina devolveu: não esqueça, primeiro ele mandou a doença! Jesus enfrentou várias vezes o mesmo questionamento. Por ocasião do desabamento de uma torre, o Mestre deixou claro que as vítimas não estavam sendo punidas. Não morreram porque Deus assim quis. Em outra ocasião, questionado se a cegueira de um rapaz podia ser atribuída a algum erro de conduta do próprio deficiente ou de seus familiares, Jesus, enfaticamente, nega qualquer relação consequencial. E ao acrescentar que aquela situação dolorosa serviria para que Deus fosse glorificado, o Mestre apresenta uma chave de leitura para situações de calamidade. Deus nunca está por detrás de tragédias que afligem as pessoas. Incompatível com a bondade divina é a intenção de provocar sofrimento deliberado. Deus não causa sofrimento. Nem a ele consente como recurso terapêutico, corretivo ou punitivo. Doenças, desgraças naturais, revezes acontecem face à contingência da existência. A existência é frágil e limitada, sujeita a periódicos solavancos. O mesmo raciocínio aplica-se também ao sofrimento provocado deliberadamente pela maldade humana. O ser humano é capaz tanto de gestos sublimes e heroicos, como também de atos mesquinhos e monstruosos. É o enigma que acompanha a natureza humana. Não é raro, uma mesma pessoa ser capaz de gestos de elevada bondade e de torpe crueldade! Este mesmo ser humano, indecifrável e inconsistente, é capaz, contudo, de enfrentar e superar qualquer infortúnio. É outra verdade que emerge do posicionamento de Jesus. Quando fala que o sofrimento é ocasião para se glorificar a Deus, Cristo se refere não somente à capacidade humana de enfrentar e vencer todo e qualquer desafio, como também e principalmente, da sua habilidade de, mesmo em situações adversas, extrair algo de substancialmente proveitoso. Resignação e conformismo pessimista são incompatíveis com o genial potencial humano. O mesmo se aplica à indiferença e à negligência. Crises são oportunidades para progressos e superações. A inteligência humana é habitualmente capaz de transformar sofrimento em conquista. E é próprio da fé mudar a dor em bênção! A aparição deste intruso germe não faz parte do plano divino! Integra, sim, o projeto divino o desafio de extrair desta situação dolorosa valiosos aprendizados. Impõe-se repensar a realidade da existência, tanto no campo individual como coletivo e administrativo. Escolhas e posturas precisam ser reavaliadas, em especial diante de uma dura, mas salutar, realidade que o vírus escancara sem a menor cerimônia: todos continuam vulneráveis e precisam uns dos outros! A humanidade andava tranquila e feliz dividida em castas e classes, em privilégios e descasos, em farturas e misérias. Que a vitória, que certamente virá, convença cidadãos e governantes a despirem-se da fútil soberba e a revestirem-se decididamente de genuína humanidade. Não despertar para a lição representa inexcusável negligência, consentida condenação futura! Transformar tragédias em triunfos, este é o propósito divino!

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