sábado, 18 de agosto de 2012

TRINTA ANOS

Singular experiência! Emocionante! O casal, de meia-idade, entrou abraçado na igreja para celebrar o sacramento do matrimônio. Convivendo maritalmente há trinta anos, o casal deixou de ‘casar na igreja’, inicialmente, por não reunir condições para oferecer uma festa a seus convidados. Depois, por imaginar que seria censurado. Desfeitas as dúvidas, o casal decidiu oficializar sua união. Faltou enfeite na igreja naquela manhã, faltou pompa, mas sobrou fé e, principalmente, transbordava ternura, perceptível facilmente nos simples gestos de carinho e, especialmente, no brilho sereno de olhares amadurecido pela contemplação de tantos anos. Não há idade para emoções e sentimentos. O clima da celebração indicava claramente que a lacuna de união canônica de maneira nenhuma significava ausência de Deus na vida daquele casal de vida simples. Patente ficou que o casal vivia o sacramento, faltava apenas celebrá-lo. Os sacramentos acontecem primeiro na alma! Tudo era sagrado naquela manha, porque havia reverência a Deus e respeito mútuo. As poucas pessoas presentes à cerimônia partilharam a legitima dimensão do sacramento do matrimônio, anúncio e sinal do amor fiel e tenro de Deus para a humanidade. Impossível não fazer comparações com outras tantas cerimônias de casamento onde excede ostentação, multiplicam-se exigências, mas falta o fundamental sentido do sagrado. Falta o legítimo ‘vinho’ em muitos casamentos! Festas integram o convívio humano feliz, e devem acontecer. O casamento é um acontecimento singular e merece ser celebrado apropriadamente, sem, contudo, confundir perspectivas e inverter prioridades. Por ironia, a indústria em que se transformou a celebração do casamento, não somente assusta e afugenta os noivos de realizarem seu sonho, mas, o que é lamentável, distorce o foco do verdadeiro sentido da celebração. Introduz ambíguas prioridades e distorce valores. Induz os envolvidos a concentrar os preparativos para o casamento em aspectos periféricos que inflam vaidades, impressionam os vizinhos, mas privam os noivos de se ocuparem com a dimensão humano-afetiva e espiritual, verdadeiros alicerces para um convívio harmonioso e duradouro. A mentalidade que prevalece insiste no aparecer, no diferente. Quer causar impacto a partir de exterioridades extravagantes. Ironicamente, neste contexto efêmero, os noivos, meros figurantes, chegam à celebração afadigados, obrigados a seguir desconexos rituais, impostos por uma etiqueta protocolar. A superficialidade constitui uma das mais sérias ameaças para a felicidade do ser humano. Induzido a aceitar o figurino imposto por uma sociedade exigente, o ser humano hipoteca um dos seus mais preciosos atributos, a individualidade. Por ser singular cada ser humano é sagrado. É digno. Merece respeito. Qualquer relacionamento humano que não coloca como fundamento primordial a reverência pela sacralidade e pela individualidade do outro corre sério risco de deturpar-se e de desintegrar-se. Este deve ser o primordial valor a ocupar a mente e o coração dos noivos ao se prepararem proximamente para o matrimônio, destacar a reverencia que o caráter sagrado do outro inspira. Respeito gera reconhecimento. E o reconhecimento alimenta e personaliza o afeto. Personalizado, o amor é elevado a um patamar sagrado, induzindo os parceiros a se tratarem com a devida consideração, sempre e em todas as circunstâncias. Sem reverência não há amor! Sem reverência não há fidelidade. Sem reverência não há entrega generosa, confiante, exclusiva. Reverência gera admiração, que alimenta ainda mais o respeito. São os sentimentos de reverencia e de apreço mútuos entre os noivos que tornam singular e marcante a celebração do casamento. O ritual adquire sentido, as fórmulas ganham vida e personalidade, os gestos se revestem de propósito. É na alma que primeiro acontece o sacramento. Emerge uma indigesta dúvida: excessivos adornos exteriores não denunciariam uma indigência interior dos verdadeiros propósitos do matrimônio? Um casal que, mesmo após trinta anos de casado, consegue manifestar espontânea ternura a ponto de querer ‘casar’ de novo é porque descobriu o valor da preciosa e sublime individualidade do outro. Reverência e admiração não caducam. WWW.pecharles.blogspot.com.br

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