sábado, 10 de novembro de 2012

FÉ GRANDE

Pe. Charles Borg (11.XI.2012) É uma provação! Com esta apelação costuma-se reagir diante de revezes que regularmente afligem a vida. Tem gente que não se conforma com a provação. Não consegue encontrar uma justificativa para o sofrimento. Afinal, pensa, sou uma pessoa correta, sou gente de bem. Por que razão, então, Deus quer me provar? Ao considerar despropositada a tribulação, injusta mesmo, muita gente se revolta contra Deus. Abandona a religião. Perde a fé. Verifica-se também, outra maneira de reagir diante dos malogros da vida. São pessoas que pacientemente resignam-se diante das tribulações. Esforçam-se por suportá-las, pois as consideram como manifestações da vontade de Deus. Se Deus assim quer, é para o nosso bem, e pronto. Toda pessoa tem uma cruz para carregar, consolam-se. Acomodados, enxergam a tribulação como punição pelos pecados, que aceitam resignadamente pagar. Uma mística equivocada, fundada numa ambígua submissão à vontade de Deus! Ao narrar a jornada de Jesus pelas terras da Palestina, os evangelistas deixaram registrados encontros memoráveis. Pode-se dizer que todos os encontros e diálogos de Jesus são catequéticos, ensinam e induzem a tomar posições. Alguns desses encontros possuem todos os ingredientes para serem incluídos na categoria de provação. Oferecem, consequentemente, preciosa luz sobre o sentido e objetivo das provações que Deus ‘manda’. Destaco o encontro de Jesus com uma mãe cananeia. Para captar o impacto completo do episódio interessa muito acompanhar a construção do evangelista Mateus em seu cap. 15. Precede a narrativa do encontro com a mulher cananeia o pontual debate sobre a pureza da verdadeira fé. A fé, como as demais virtudes, instala-se primeiro no interior do ser humano. Práticas e rituais exteriores não são nenhuma garantia de uma fé verdadeira. Na sequência desta instrução surge o encontra com a cananéia, intencionalmente situado em território pagão, considerado impuro por judeus tradicionalistas. A mãe cananéia, certamente conhecedora da sua fama, aborda Jesus com um pedido abusado. Suplica-lhe pela saúde de sua filha. O abuso se configura pela ousadia de uma pagã considerar-se merecedora das misericórdias divinas. Os benefícios de Deus são exclusividade de seus filhos. No começo do diálogo, Jesus deixa a impressão que adota a doutrina fundamentalista. Ignora simplesmente a presença da mulher. Uma atitude que enche de brios os discípulos, a ponto deles quererem calar e afastar a mulher. Em bom tom, o Mestre explica que a sua missão era cuidar exclusivamente das ovelhas perdidas do rebanho de Deus. Em outras palavras, não enxergava nenhum interesse em querer ajudar ‘pagãos’, gente sem fé! Mesmo repelida, a cananeia, como boa mãe, não se dá por vencida, prostra-se diante de Jesus, impedindo-lhe, estrategicamente, a passagem. Para a satisfação de seus conterrâneos, Jesus carrega na sua intransigência e afirma que não é correto tirar o pão dos filhos para entregá-lo aos cães. Qualquer interlocutor sucumbiria diante do ‘insulto’. Esse Jesus não passa de um radical e arrogante nacionalista. Imagina-se a mulher se afastando ofendida em sua dignidade e irada. Nada disso. Num raciocínio rápido, peculiar a uma sagaz mulher, aceita a censura desairosa, mas emenda: cachorro também se contenta com migalhas que caem da mesa! Como quem diz, migalhas que vêm de suas mãos também são excelentes bênçãos! Não quero tudo para mim, não! Grande é tua fé, elogiou Jesus, atendendo, no fim, à solicitação da mãe pagã. Pela construção do evento, qualquer outra pessoa desistiria e de Jesus se afastaria definitivamente com justificada indignação. A dura provação imposta por Jesus possui, contudo, um claro objetivo: induzir a própria mulher a entender a profundidade da fé que possuía e o quanto de bem poderia fazer com tão qualificada fé. Dificuldades e contratempos, inerentes à contingência humana, as provações, em suma, são ocasiões privilegiadas que Deus nos oferece para avaliarmos a autenticidade da fé que professamos. A mulher cananeia ensina que a fé não é sentimento vago, emoção piegas. É, ao contrário, atitude firme e confiante que mantém o crente no caminho do bem, mesmo quando tudo em volta desencoraja e desestimula!

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