domingo, 15 de setembro de 2013

UM MALTÊS NA TURQUIA

Malteses e turcos nem sempre foram bons amigos. A história dos dois povos é marcada por uma feroz batalha acontecida em meados do século XVI. O Império Otomano, na época, expandia-se vigorosamente rumo à África e Europa. Precisava fincar pé na Itália. Para tanto, necessitava conquistar a pequena ilha de Malta. A esta altura, o conflito marcadamente colonialista do impressionante império turco já tinha agregado à sua marcha um tempero sensivelmente picante, tornando particularmente ameaçador o avanço otomano. Não se guerreava somente por motivos colonizadores, mas também pela propagação da fé. Os otomanos pretendiam substituir o cristianismo dos países europeus pelo islamismo. Guerras movidas por ambições expansionistas já são absurdas. Quando, então, travestidas em lutas pela fé se transformam em lutas estúpidas. Especialmente quando se lembra que tanto o cristianismo como o islamismo têm a paz e a fraternidade como pilares fundamentais. Para derrotar o cristianismo europeu o otomano islâmico precisava conquistar Malta, governada e protegida pela Ordem de S. João. Esta confraria de cavalheiros, enfermeiros na origem, havia se transformado em belo exército, recrutado entre nobres famílias europeias. Em Malta instalados, os cavalheiros encontraram nos nativos apurados conhecimentos marítimos e, acima de tudo, um vigoroso sentimento de fé. Para os malteses, os otomanos representavam não apenas a ameaça de um exército usurpador, como, principalmente, inimigo pagão a ser derrotado como prova da supremacia da fé cristã. O caldo literalmente fervia! Em 1556 deu-se um feroz assédio armado pela impressionante frota turca, liderada pelo temível General Dragut. Os malteses e os cavalheiros de S. João, sob o comando de La Vallette, cavalheiro francês, enfrentaram e impuseram grande revés à brava armada turca. A definitiva derrota do Império Otomano virá a acontecer em Lépanto, em 1570, sustando definitivamente o avanço islâmico e salvando a Europa e o cristianismo. Todo cidadão maltês aprende desde a infância a gloriar-se dos feitos heroicos de seus antepassados e, naturalmente, a enxergar os turcos com certo ar de desconfiança. Compreende-se a emoção deste maltês ao pisar o solo turco. É verdade que a primeira impressão nada foi agradável, devida ao desencontro protocolar de informações envolvendo passaportes de cidadãos da comunidade europeia. Superado este primeiro obstáculo, o conceito que se foi formando, ao longo da visita, do caráter do cidadão turco foi o mais positivo possível. É fácil constatar que o turco, de modo geral, é um povo simpático, alegre, prestativo. É previsível que trata o turista com mesuras, afinal, o turismo representa a segunda maior fonte de renda do país. No entanto, meus amigos e eu, constatamos esta solidariedade em outras ocasiões que não envolviam turistas como, por exemplo, quando um senhor enfrentou o caótico e nervoso trânsito para ajudar uma senhora em dificuldade com seu carrinho de bebê. Muito nos impressionaram a hospitalidade e a cordialidade de um muçulmano, zelador de uma pequena capela, cavada na rocha, frequentada pelos cristãos da Capadócia nos primeiros séculos do cristianismo, onde celebrei missa. O senhor deixou para nós a capela arrumada e limpa, com todos os vasos sagrados necessários para a celebração e gentilmente aguardou, no inclemente sol do meio-dia, que terminássemos a nossa oração para, com sorriso, despedir-se da gente. Tal episódio escancara outra salutar verdade, vivida de maneira sincera e simples, nenhuma religião é excludente. O povo turco vive atualmente uma grave tensão, provocada principalmente pela insistência da atual administração, de querer impor a cultura islâmica sobre todos os cidadãos. Impressiona, naturalmente, a profusão de mosqueias, com seus delgados minaretes, que convocam ruidosamente o povo à oração desde às 05h30. Não há oposição ao islamismo, mas, sim, a imposição de uma cultura religiosa. O povo turco, aparentemente, prefere permanecer laico. Na Turquia, um maltês viveu uma experiência agradável, alimentada pelas milenares riquezas e tradições de várias culturas, desde os antigos hititas, passando por gregos, romanos, cristãos, ortodoxos e, finalmente, islâmicos. Todas essas culturas deixaram estupendas marcas, não somente em rochas e cavernas, mas principalmente, no caráter cosmopolita da alma turca!

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