sábado, 2 de novembro de 2013

SER AMIGO

Aumenta a solidão. Visivelmente! Comentou comigo um motorista de taxi que as pessoas tentam compensar a solidão com atenção aos bichos. O coração humano não esfria, teima em permanecer tenro. É a razão por que as pessoas buscam preencher a lacuna afetiva provocada pela ausência de companheiros por um carinho, às vezes até exagerado, aos bichos. O boom na indústria de pet shops é confiável indicativo quanto a realidade e a dramaticidade desta transferência de afeto. É verdade que a presença de bichinhos de estimação em residências não é fenômeno recente. O que salta aos olhos atualmente é a exagerada, quase paranóica, atenção que está se destinando a tais criaturas. Sofisticou-se demais o cuidado, exigindo mercados com alimentação específica, serviços de tratamentos de beleza, abrigos refinados e outros atendimentos particulares. Lamentavelmente constata-se que certos bichos são mais bem tratados que gente! Recebem mais atenção que parentes! Cuidar bem do animal é louvável, transferir para ele tratamento e atenção normalmente devidos a seres humanos é preocupante sinal de grave distúrbio no campo afetivo. A crise afetiva é o ponto delicado, tanto é assim que quando não são os bichos, busca-se preencher a lacuna afetiva, com anjos, duendes e outros seres míticos, reais ou imaginários. Fato é que a solidão aumenta e tortura a alma humana! Variadas são as explicações para esta peculiar deficiência do nosso tempo. Todas as análises possuem grau e peso de objetividade. No entanto, alguns fatores sobressaem e merecem especial consideração. Observa-se, no atual estilo de comportamento, a convergência de duas tendências fortes. De um lado, existe a marcante tendência hedonista, que dá grande valor a aparências e sucesso. O imperativo é ser visto e notado. E, do outro, a forte cultura do descartável, contaminando inclusive o relacionamento entre as pessoas. Muitos, jovens principalmente, passam por experiências afetivas amargas. Gente que, ao perceber que está sendo usada, passa a desconfiar da sinceridade e da integridade dos colegas. O outro passa a ser visto com desconfiança, um aproveitador em potencial. Em suma, uma ameaça. As constantes manchetes com histórias de rompimentos de relacionamentos por parte de gente famosa colaboram para enfatizar ainda mais a desconfiança. No entanto, como o coração humano não admite esfriar-se e necessita de um destinatário afetivo, decide transferir o impulso tenro para seres que apresentam menores possibilidades de traição e decepção. Na dificuldade de arrumar novos e confiáveis companheiros, decide-se transferir para os bichos de estimação os inatos sentimentos de ternura. Disfarça-se a frustração, mas não se preenche o vazio! Nem bicho nem anjo consegue suprir por completo a lacuna afetiva. O amor humano exige complemento humano! Somente gente completa gente! Urge, então, enfatizar novamente a importância do relacionamento afetivo entre pessoas, mesmo quando o carinho não é valorizado ou correspondido. Por instinto, costuma-se amar somente a quem se dispõe retribuir afeto. Estratégia esta ambígua, pois torna o sujeito refém de circunstâncias. Vulnerável, portanto, e passivo de ansiedade. O amor é ativo por natureza, soberano e livre! É preciso que se reaprenda amar pelo valor do amor! Quando atrelado demais a correspondências, o amor perde seu vigor de convencimento e sedução. É o grande dilema que deixa ansiosas e inseguras as pessoas, hoje. Atualmente, as pessoas estão ficando com medo de ser generosas no amor, tanto por causa das inevitáveis desapontamentos, quanto pela falta de valorização que o pragmatismo social moderno imprime. Sujeitando o relacionamento afetivo à dinâmica do custo/benefício é evidente que o amor generoso ficará, num primeiro momento, no prejuízo. No entanto, quando se consegue livrar-se da pressão do imediatismo, desponta naturalmente a beleza e o fascínio do amor generoso. É sendo amigo que se faz amigos! Importa mais ser amigo que ter amigos! Companheiros não necessariamente indicam ausência de solidão. Ilusão pensar que a solidão se supera quando se é amado! É justamente o contrário. Amor não se recebe. Se doa!

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