
Ana Clara morreu! Vítima de queimaduras por 95% do seu corpo infantil, consequência direta da insana ação de atear fogo em ônibus com passageiros, na cidade de São Luiz (MA). A trágica morte da criança deu-se, coincidentemente, no dia 6 de janeiro, dia dos reis magos, cuja perspicácia os fez afastar-se do rei Herodes. O paranóico governante, sentindo-se ameaçado pelo nascimento do Messias, sem hesitação, mandou eliminar meninos menores de dois anos. No Maranhão, uma organização bandida, percebendo-se ameaçada em seu domínio, decide aterrorizar a cidade e encurralar as autoridades ordenando a queima de ônibus e de inocentes. A hedionda escola de Herodes persiste, perpassando séculos, fronteiras e culturas.
Assim como na matança dos inocentes, a ação deplorável dos bandidos do Maranhão horrorizou a sociedade. Aquilo não foi um ato humano. Não é possível admitir que um ser humano normal, com um mínimo de decência e sentimento, cometesse uma brutalidade tamanha. Os executores, certamente, agiam pressionados por fortes fatores exteriores, medo, principalmente. Longe de querer fazer uma apologia do crime, até porque crueldade tamanha não tem justificativa, é, contudo, presumível tratar-se de pessoas que perderam a noção do valor da vida, própria, em primeiro lugar e, como consequência lógica, da dos outros. Encontra-se aí uma das principais explicações para tanta maldade, o sujeito não tem mais noção do que significa viver, menor consciência possui sobre o viver com dignidade. Circunstâncias permanentemente degradantes alteram padrões e referências e introduzem parâmetros novos de valores e de ética. A existência desta cultura paralela e sinistra reforça-se com a confirmação que a ordem para praticar tal horror partiu de um presídio dominado por chefões brutais e prepotentes, que debocham da presença ostensiva da polícia e desafiam atrevidamente as autoridades em exercício. Quem, afinal, impõe respeito? Quem, afinal, manda?
Diante desse quadro ameaçador a população, evidente, exige providências. Oferecer segurança é, obviamente, uma das primárias obrigações do Estado! As autoridades, aparentemente, só se comoveram diante do clamor popular. Com a devida cobertura da mídia, prometeram gestões enérgicas de punições exemplares a mandantes e executores. Imaginam aplacar a indignação popular com o espetáculo das punições. Sobejamente se sabe que trancafiar bandido é apenas uma emergencial medida. Que precisa ser executada, claro, e com o rigor necessário. Criminosos há que precisam, sim, ser mantidos isolados da sociedade. No entanto, permanece sabido que marginal na cadeia não é garantia de segurança. Ao contrário, na situação em que se encontra a maioria dos presídios, amontoar bandidos é fomentar a criminalidade. O tratamento indigno e humilhante a que são submetidos os presos, em especial, os menores infratores, aniquila a autoestima, alimenta o ódio pela sociedade rica e perfumada e fomenta sentimentos de raiva e vingança. Conjunto mais que propício para a formação de quadrilhas que, alimentadas pelo rancor e usando o terror como ferramenta principal, lembram a sociedade que existem e exigem atenção. Encontra-se aí outra das razões que explica as insanas barbáries; a sociedade prefere ignorar seus cidadãos delinquentes. Esconde-os atrás de grades e muros! Imagina, levianamente, que trancafiando-os faz justiça e protege a sociedade. Pura ilusão, ignorar cadeias assemelha-se a esquecer panela de pressão no fogo. O estouro é inevitável e trágico. Urge ajustar conceitos e estratégias. Contentar-se com a repressão e a privação da liberdade nada resolve. Fazer que o sistema carcerário seja prioritariamente restaurador é uma urgência, mas ainda não é o principal objetivo. O anseio profundo da sociedade é ver diminuir o número de marginais. O que supõe investimentos não somente ingentes, mas, igualmente criteriosos, em condições básicas para uma vida digna para todos. O processo é longo, evidente, e demanda mudanças radicais de conceitos, de políticas e de valores. Tanto por parte de governantes como de cidadãos.
Quanto mais se atrasa o começo desta revolução cultural, mais refém a sociedade permanece da perversa e horrenda sombra de Herodes!
Nenhum comentário:
Postar um comentário