sábado, 1 de fevereiro de 2014

BATIZADOS

Papa Francisco batizou bebê de mãe solteira! Noticiou-se também que, na mesma cerimônia, receberam o batismo bebês de casais não canonicamente casados! Compreensivelmente, o gesto do Papa ganhou manchetes ao confirmar a abordagem mais pastoral e compassiva que ele tão ardentemente deseja ver acontecer na Igreja. Em tese, a condição de mãe solteira, no que diz respeito ao batismo, difere da condição de casais não casados na igreja. Verdade é também, que esta diferença nem sempre foi suficientemente reconhecida. De uns anos para cá, a Igreja reconheceu a ambiguidade de seu posicionamento e tornou mais compreensível e misericordiosa a abordagem em situações semelhantes. Claro, em questões pastorais, é sempre delicado demarcar territórios e aplicar unilateralmente regras e rubricas. Demanda o cuidado pastoral conhecer e avaliar cada caso em seu contexto. Suponho, dado o zelo pastoral do Papa, que os bebês batizados não foram aleatoriamente escolhidos. Creio firmemente que a prática religiosa da mãe, como dos pais não casados canonicamente, foram previamente verificadas e prevaleceram sobre as normas disciplinares. Gesto calculado, certamente, embora passível de vários desdobramentos. O Santo Padre, zeloso pastor que é, não iria cometer uma imprudência cuja consequência imediata seria colocar em saia justa párocos, seus comandados, que diariamente lidam com situações angustiantes. O gesto dele é paradigmático, enfatiza que quando há razões pastorais sólidas, o bem espiritual deve prevalecer sobre normas disciplinares. Assim como não é procedente negar o batismo a uma criança somente pelo fato da mãe ser solteira, seria igualmente imprudente concluir que a partir de agora ficam abolidas quaisquer restrições na administração dos sacramentos. É o ponto central da questão, angustiante tanto para párocos como, evidentemente, para famílias em situações especiais. O cotidiano pastoral revela que é grande o número de pais e padrinhos que pedem o batismo sem avaliar a dimensão espiritual e cidadã dessa decisão. O batismo, entre nós, é visto como exigência e necessidade. Em nosso contexto cultural, o júbilo pelo nascimento de uma criança fica incompleto sem o batismo. Desaconselhar o batismo ou adiar a sua celebração por motivos pastorais justos representa, no sentimento de um bom número de pais, a subtração de uma bênção devida ao bebê. Confunde-se a suposta falha dos pais com os direitos da criança. Desgastante é explicar à família que a criança não está sendo punida pela falha dos pais. Nem excluída. Apenas que o contexto familiar não está ainda suficientemente preparado. O batismo tem desdobramentos. O sacramento não é simples cerimônia, mas a manifestação pública e solene da opção de seguir, na comunidade dos irmãos na fé, os passos e o exemplo de Jesus Cristo. Quando olhamos a história do cristianismo percebemos como esta exigente dimensão era levada a sério. Nos primeiros séculos cristãos, a preparação para o batismo durava três anos, submetendo os candidatos, ao final do catecumenato, a uma avaliação pública de sua conduta. Os que não apresentavam um comportamento condizente ficavam impedidos de receber o batismo! O caráter cristão era valorizado. A ponto de muitos, ao perseverarem no testemunho da fé, chegaram a perder a própria vida! O batismo, na teologia sacramental, é considerado um novo nascimento, uma ruptura com a vida profana para abraçar os valores do evangelho. Ora, para que esta nova experiência de fato aconteça na vida da criança, pressupõe-se que os pais já a estão vivendo. A criança segue naturalmente o ritmo e as convicções dos pais. Certificar-se, então, se os pais vivem a fé que dizem professar não é uma exorbitância, mas óbvio pressuposto. Neste ponto, a lógica do raciocínio bate de frente com o sentimento e a tradição. Muitos pais concordam com o argumento, mas poucos têm a coragem e o discernimento para adiar o batismo, conscientes que cabe a eles, primeiro, vestir a roupa de Cristo. Muitos chegam a prometer, juram até, que passarão, sim, a viver como discípulos fiéis de Cristo, mas depois do batizado ... Este 'depois' raramente acontece. A iniciativa do Papa Francisco é provocadora, pastoralmente questionadora. Que critérios, afinal, devem prevalecer na condução da pastoral do Batismo?

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