sábado, 3 de maio de 2014

QUATRO PAPAS

Página memorável! O domingo, 27 de abril, 2014, ficará marcado na crônica católica como o dia dos quatro papas. Naquele domingo, dois papas vivos, Francisco I e Bento XVI, ajoelharam-se em louvor a Deus pela vida e exemplo de dois antecessores a quem acabaram de incluir oficialmente no extenso rol de santos: João XXIII e João Paulo II. Dois papas sobre o altar e dois papas ajoelhados diante do altar, em perfeita sintonia e plena comunhão. Já houve época, quando a Igreja ostentava três papas, em conflito sangrento entre si. Naqueles tristes tempos, a disputa era mesquinhamente política, a léguas de distância do ideal evangélico. Mal disfarçando a simulação evangélica, os papas da época estavam mais preocupados com seu status principesco e sua ascendência político-militar. Os conflitos e disputas, além de escandalosas, eram inevitáveis. Felizmente, hoje o ambiente é outro, dois papas vivos, marcados cada um com o espírito do evangelho, convivem harmoniosamente, sem um mínimo aceno de disputa ou de confronto. Quando Francisco I e Bento XVI se encontram é visível a transparência e a comunhão entre ambos. Belo exemplo de dois homens claramente a serviço de Deus! Na ocasião, ambos estavam reverenciado a memória de dois antecessores de quem certamente herdaram exemplos e inspirações. Nas celebrações de canonização, o destaque é sempre a santidade de Deus. Somente Ele é Santo, três vezes santo! Deus é santo perfeito porque a sua bondade e o seu amor não sofrem oscilações. Ele sempre é bom e justo! Em sua condição de Pai amoroso, convoca seus filhos a imitá-lo. Desde o Antigo Testamento, a proposta é imitar a santidade de Deus! Participar cada vez mais proximamente da plenitude de sua bondade. Ao declarar, então, um de seus membros santo, a Igreja afirma ter a pessoa levado a sério a proposta divina, apesar das inerentes limitações da condição humana. Nesta particular ocasião, a declaração de virtude dos dois papas reveste-se de uma peculiaridade singular. Ambos eram de distintas personalidades. Enquanto João XXIII se destacava pela maneira simples e afável com que tratava as pessoas, João Paulo II marcou presença pela fidelidade a ortodoxia, a defesa rígida e apaixonada do acervo doutrinário. Este enxergava na solidez da doutrina e a coerência de costumes o fundamento principal da unidade da Igreja. O antecessor, movido pela compaixão, não hesitava em fazer concessões pastorais que aliviassem o espírito e confortassem a alma. Ambos enfrentaram regimes políticos totalitários, cada um com suas estratégias peculiares. Credita-se a firmeza ideológica de João Paulo II a derrocada do comunismo, culminando com a queda do muro de Berlim. De João XXIII conta-se como salvou milhares de judeus do extermínio nazista oferecendo-lhes certidões de batismo, mesmo sem nunca terem recebido o sacramento. Ao constatar, enquanto Núncio na Turquia, que a certidão de Batismo, ajudava a livrar judeus da morte, não hesitou em expedir milhares de certificados, garantindo assim a sobrevida de inúmeras famílias. Os diferentes posicionamentos entre as duas ilustres figuras põem em evidência um dos mais belos e urgentes testemunhos evangélicos: comunhão não quer dizer uniformidade. É possível ser e agir diferente e manter-se em comunhão com quem pensa de outro jeito. Especialmente quando se coloca, como valor primeiro da atuação, a fidelidade a Jesus Cristo. Por caminhos diferentes consegue-se chegar a uma mesma meta. Não há um modelo de santidade, nem um padrão rígido de bondade; pelo contrário, quanto maior a diversificação dos caminhos, mais resplandece a glória da perfeição. João XXIII, o papa bom, que estimulou a Igreja a atualizar-se, a aproximar-se mais do povo, sentir-lhe e atender-lhe as necessidades; João Paulo II, o papa carismático, peregrino, zeloso propagador da Palavra de Deus, ferrenho defensor de doutrinas e tradições; Bento XVI, culto, fino pensador, convicto na supremacia da única Verdade, de temperamento reservado, mas humilde e perspicaz o suficiente a ponto de renunciar ao pontificado e manter-se fiel ao silêncio, livre e corajosamente assumido; Francisco I, simples e espontâneo, de sorriso aberto e contagiante, naturalmente acolhedor, arauto de novos tempos; quatro papas, em comunhão plena, no serviço a Deus, no zelo pela Igreja, no amor incondicional pelo genuíno progresso do Homem!

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