
Sucessões são sempre complicadas. E arriscadas. Quando chega a hora de substituir uma liderança carismática, querendo preservar um ideal em sua original inspiração, a situação sempre fica delicada. E o desfecho incógnito! O líder carismático é dotado de predicados que lhe são peculiares, inerentes à sua pessoa. É ele que possui aquela química que atrai e convence. Que induz a adesão. Embora não seja recomendável, compreende-se porque certas lideranças se perpetuam no poder. Percebem o magnetismo interior que lhes é próprio e que é difícil de ser reproduzido, mesmo pelos mais fiéis escudeiros. Por sua vez, este fenômeno explica a decadência de impérios, quando se dá o afastamento do carismático líder!
Algo diferente acontece com o cristianismo! Imaginava-se, com a morte do Senhor Jesus Cristo, que o projeto do Reino por Ele anunciado logo se deturparia e sumiria. Afinal, mesmo em termos puramente humanos, não era nada fácil suceder o Mestre Jesus. Neste contexto, imagina-se o espanto dos discípulos, um grupo humanamente tosco e heterogêneo, ao ouvir da boca do próprio Mestre que caberia a eles dar continuidade à missão de varrer do mundo o pecado e a maldade. Que capacitação possuíam para tamanha missão? Jesus, na condição de líder carismático que de fato foi, conhecia a fundo a limitação do grupo por Ele escolhido. Assim, tão logo lhes anunciasse a missão, Ele emenda: recebam o Espírito Santo! No contexto do Evangelho e de toda a peregrinação de Jesus, fica claro que Ele agia sempre movido e inspirado pelo Espírito divino. Na linguagem teológica, em Jesus agia a Trindade Santa. Naquele memorável dia da ressurreição, Jesus não somente conclama seu grupo para dar continuidade a sua missão, mas o capacita para tal tarefa. Recorrendo a uma linguagem figurada de profundo significado, ao transmitir o Espírito Santo, Jesus sopra sobre os discípulos. Este gesto evoca a ação divina na criação do ser humano, quando o Criador sopra nas narinas da figura feita de barro e a transforma em ser vivente. O sopro representa a comunicação de algo íntimo, presente no doador. Assim, ao soprar sobre os discípulos, Jesus partilha com o grupo o mesmo Espírito que conduzia sua própria vida. Os continuadores passam, então, a ser habilitados não por causa de seus dotes humanos, mas por partilharem do mesmo Espírito divino que inspirava e conduzia o ungido Jesus!
O leitor mais perspicaz levanta uma questão intrigante e oportuna: se os discípulos de fato agem movidos pelo Espírito de Jesus Cristo, como se explicam tantas infidelidades e desvios? Os textos sagrados oferecem pedagógico socorro para que se possa entender esta descontinuidade. Embora, Jesus transmitisse seu Espírito no dia da ressurreição, deu-se um hiato de cinquenta dias até a presença do Espírito se manifestasse na vida da primitiva comunidade. É interessante observar que no domingo da ressurreição os discípulos se encontravam reunidos, com medo e de portas fechadas. A situação de encolhimento persiste, cinquenta dias depois. Fica-se com a impressão que os discípulos não se deram conta da força neles abrigada. Receberam o dom divino, mas o mantinham guardado. Abafavam o presente. Fazia-se necessário uma forte sacudidela para eles se despertarem e reconhecerem que, amparados no vigor divino, tinham, sim, condições de levar avante a missão a eles confiada. Foi o que aconteceu no primeiro Pentecostes cristão. Sacudidos por forte ventania, reconheceram os discípulos que neles havia uma energia, simbolizada pelo fogo, habilitando-os a levar avante e com eficácia a missão recebida. Depuseram o medo e as demais hesitações e saíram da zona do conforto em que haviam se refugiado.
A lição é clara. Não basta Jesus doar o dom do Espírito Santo. É preciso acolhê-lo. E acolhê-lo significa deixar-se tomar por Ele. Repara, a presença do Espírito é sempre acompanhada pelo qualificativo pleno. O Espírito enche. E tomando conta, transforma. Enquanto não se permitir que Ele se aposse, seu vigor permanece reprimido. O que explica os tantos e dolorosos desvios verificados na história do cristianismo. Por outro lado, quando generosa é a acolhida, verifica-se um natural afastamento das zonas de conforto e de hesitação, acompanhado por uma igualmente natural sucessão de iniciativas transformadoras! Recebam o Espírito Santo!
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