sábado, 2 de agosto de 2014

ARENAS

A imagem assombra! Estampada em um dos principais diários do Estado de São Paulo, a foto registra a torcida de um time de futebol a caminho para o estádio com máscaras no rosto e escoltada por pelotão de policiais fortemente armados! O impacto que a imagem provoca é deprimente e suscita inevitáveis indagações. Futebol é diversão ou é guerra? Entretenimento ou enfrentamento? Nos dias anteriores ao jogo - um dos maiores clássicos do Estado - o que mais se comentava nos programas esportivos era a questão segurança. O confronto futebolístico perdeu o destaque para a real apreensão com a segurança dos torcedores. Muitos, inclusive, desistiram ir ao estádio, temerosos com o que podia acontecer. Esta absurda situação me fez lembrar uma experiência vivida na Irlanda alguns anos atrás. Era domingo e a caminho da igreja via pessoas, de todas as idades e gênero, com uniformes que deduzi tratarem-se de times diferentes. Chamou-me particular atenção o fato de as pessoas estarem na missa com os uniformes, na maior naturalidade. Não resisti à curiosidade e perguntei a um senhor o que representava aquele desfile. Disse-me sorrindo que naquela tarde aconteceria o grande derby da cidade - big match enfatizou. Fora da igreja, a avenida principal de Dublin estava tomada por torcedores dos dois times que tranquilamente passeavam, tomavam seus lanches, acompanhados a distância por um discretíssimo aparato policial. Quando o jogo terminou estava ainda na cidade e vi as torcidas, uniformizadas naturalmente, deixando o estádio na maior ordem. Eram torcidas rivais, mas sem conflitos. Afinal, era apenas um jogo de futebol. Civilizadamente, cada cidadão desfilava suas preferências com alegria, sem receio de ser molestado! A abissal distância cultural ficou ainda mais patente quando se divulgou o estrago que a torcida visitante provocou no estádio. Desafogou a tristeza pela derrota, depredando patrimônio alheio! Aberrante e irracional reação, pois os prejuízos ficarão, com justiça, por conta do time que apóiam! Que torcedor míope este, que dá prejuízos a seu próprio clube! E olha, pelo que se apurou, trata-se, entre outros, de gente que cursa faculdade! Instintivamente, veio-me à memória a repetida cena vista na recente Copa do Mundo. Ao terminar o jogo da sua seleção, torcedores japoneses cuidavam de recolher o lixo e deixar o local arrumado! A diferença cultural é realmente abissal. Uma realidade que deve nos envergonhar muito mais que a doída derrota para a Alemanha! Não é sem razão que na classificação no Índice de Desenvolvimento Humano a Irlanda ocupa o 11º lugar e o Japão o 17º! Evidente é que a questão não é somente escolar. Envolve outros vários fatores. Nem é responsabilidade somente dos governos! Sendo cultural, esta situação de indigência envolve e compromete todos os segmentos da sociedade, em especial aqueles reconhecidos como educadores e formadores de opinião. Todos devem fazer um elementar questionamento: se outros países conseguem, por que no Brasil não se consegue? Ouso apontar respostas apenas no intuito de provocar reflexões e reações. A primeira a aparecer é a esfarrapada desculpa de que brasileiro é assim mesmo. Uma justificativa que comprova a complacente e difusa admissão de omissão e de preguiça! De generalizada acomodação! Mudar a situação exige em primeiro lugar idealismo. Autêntico brio que não se conforma com atraso cultural. Agregam-se ao ideal a determinação, o empenho, a disposição para investir, em horas e em recursos, no cidadão como primeiro valor. Se se conseguiu reduzir a fome, conseguir-se-á também reduzir a pobreza cultural. É preciso, para tanto, que todos os segmentos da sociedade se convençam que é possível, sim, formar um brasileiro educado, civilizado, respeitoso. Ideal ambicioso, sem dúvida, e que demanda, persistência, paciência, renúncia! Razão porque é preciso entregar-se á tarefa com visão, discernimento e com a clara consciência que os resultados aparecerão somente a longo prazo. Mas é preciso começar com determinação, sem se deixar abater com os previsíveis fracassos nem desanimar com os igualmente previsíveis parcos estímulos. Na Roma antiga, construíam-se arenas com o objetivo específico de realizar ali espetáculos de lutas sangrentas. No moderno conceito, estádios projetados para servirem-se de arenas visam oferecer espaços para entretenimentos variados, locais de lazer em civilizado congraçamento. Se não se investir com determinação e idealismo em educação e em civismo, rapidamente as novas e majestosas arenas retrocederão ao modelo da Roma antiga!

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