
"Só fazendo de novo!" É a expressão corrente que se ouve ao se comentar a desordem que campeia no mundo, e, no país! Esta mentalidade de tentar começar do zero encontra respaldo na Bíblia. Há uma parábola que joga preciosa luz sobre a inconformidade que a sempre presente maldade impõe. Conta-nos o livro sagrado que no tempo de Noé, a situação não era muito diversa da atual. Corrupção, opressão e libertinagem andavam soltos, e o Onipotente, então, decidiu tomar drástica solução. Preservando Noé e sua família, gente boa e direita, temente a Deus, o Criador mandou uma chuva que tragou todos os transgressores. Renascia, então, a esperança de um mundo melhor, afinal Noé e sua família eram gente boa. Doce ilusão, pouco tempo depois os abusos voltavam a campear! Um detalhe, nesta história, não raramente, permanece sem o devido destaque. Ao ordenar Noé a sair da arca, Deus mostra-lhe o arco-íris, afirmando solenemente que nunca mais destruirá a terra. Diante do contumaz pecador, Deus se compromete a reconduzir o transgressor ao bom caminho, não aniquilá-lo! Quando aparece, o arco-íris reaviva a aliança redentora, portadora de esperança, em especial para todo homem pecador. Para o pecador – e todos somos – a correção, não a punição vingativa! Ao anunciar a chegada do Reino, Jesus ratificou a estratégia ao convocar para a confiança e a conversão.
Ao evocar os 50 anos da realização do Concílio Vaticano II, a Igreja no Brasil se propõe a refletir sobre sua identidade e sobre o real impacto da sua presença no país. Um dos objetivos primordiais da Campanha da Fraternidade deste ano é exatamente este: fazer levantamento objetivo sobre a influência da Igreja na vida do cidadão e da sociedade, com o objetivo de incentivar e motivar seus seguidores a marcarem presença positiva nas diversas áreas de vida. Uma leitura superficial dessa proposta poderá insinuar que, por intermédio da mobilização da Campanha da Fraternidade, a Igreja Católica arquiteta uma cruzada proselitista, impondo sobre a sociedade sua doutrina e sua moral. Com o objetivo de evitar esta ambígua leitura e, simultaneamente, preparar adequadamente seus seguidores para a eficaz realização da Campanha, o documento oficial da CNBB destaca o diálogo e a colaboração com a sociedade como meios preferenciais para buscar a meta desejada. Ciente, inclusive, de sua grave responsabilidade de ser depositária e portadora da mensagem redentora de Jesus Cristo, a Igreja quer colocar-se como servidora da sociedade e do homem, em particular, amparando-o e animando-o a perseguir a tão almejada vida tranquila. Ninguém conhece melhor o ser humano, que seu próprio Criador. Consequentemente, ninguém pode servir melhor ao ser humano que a Igreja de Jesus Cristo, na condição de depositária de seu ideal. Este mesmo raciocínio ajuda sobremaneira a Igreja a fazer seu próprio exame de consciência: caso não aja como servidora, trai sua identidade e a missão recebida do seu fundador. Urge notar: quando se diz Igreja entende-se todos os batizados e não apenas a hierarquia. Não são somente bispos e padres que devem vestir o avental de Cristo servidor, mas todos os batizados. A atual situação político-social chama a atenção por sua gravidade e por seus sombrios desdobramentos. Chegou-se a este estágio, é preciso reconhecer, porque muitos batizados afastaram-se do reto caminho e outros tantos omitiram-se e não marcaram presença evangélica. Diante da atual perdição, a saída que alguns imaginam seria um novo dilúvio, fazer tudo de novo! Marcar presença neste contexto turbulento, colocar-se a serviço da sociedade, significa empenhar-se em reeducar o cidadão, propondo e mostrando os reais benefícios do valores evangélicos da caridade, da justiça, da solidariedade, da moderação. Inspirada no promissor clima testemunhado pelo papa Francisco, a Igreja quer motivar seus integrantes a saírem corajosos e confiantes, insistindo no intrínseco valor do bem e da caridade. Servir, afinal, é colocar-se a disposição do outro, sem cobranças e sem exigir retorno, naquilo que lhe é genuinamente favorável.
Oportuno lembrar e ruminar, a propósito, a resposta dada por Madre Tereza a um interlocutor que lhe perguntava como transmitia os ensinamentos do Evangelho. Com cirúrgica precisão, peculiar à pessoas que intuem a estratégia divina e com ela comungam, ela respondeu: na ponta dos dedos! Onde mais aguda a decadência humana, mais generosa e despojada deve ser a atenção! Não ao dilúvio, sim ao resgate!
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