sábado, 11 de abril de 2015

DOCES

Amarga Páscoa reduzida à chocolate! Lamentavelmente, a cultura comercial profanou por completo o sentido original e restaurador da festa da Páscoa! Foca-se demais a descontração exterior em prejuízo da alegria mais consistente e mais duradoura. Pois a Páscoa, no seu contexto religioso e litúrgico, é eminentemente uma celebração transformadora e renovadora. O seu foco permanece a restauração da alma humana, corrompida pela ambição e deteriorada pela arrogância. Na páscoa judaica, precursora da Páscoa cristã, a travessia pelo Mar Vermelho representava o repúdio e o abandono definitivo de todas as formas cruéis de escravidão, inspirando uma percepção nova de respeito profundo pelo semelhante. O Livro Sagrado registra, contudo, o drama: a chegada à Terra Prometida de forma alguma representava mudanças de posturas. Livre estava o povo de uma escravidão exterior, mas não emancipado de vícios que corrompiam relacionamentos e favoreciam abusos. Era preciso convencer o Homem que os demônios, na realidade, habitavam sua mente e seu coração. Significativamente, em seu curto ministério Jesus expulsou muitos espíritos maus. Fazer desses exorcismos uma leitura fundamentalista, imaginando tratar-se de seres espirituais a atormentar gente infeliz, é errar o foco do ministério e das subsequentes curas operadas pelo Mestre Jesus. Ao calar demônios que, por sinal, reconheciam sua origem divina e sua obra redentora, Cristo libertava as pessoas dos vícios que desfiguram por completo a alma humana. O mal maior, deformador, não se encontrava no exterior das pessoas, mas no íntimo da alma. Era a alma que precisava ser restaurada. Curiosamente, a origem etimológica do termo 'curar' é 'dar atenção'. Jesus curava porque dava atenção às pessoas. Ao olhar, a partir desta perspectiva, os episódios de cura registrados nos evangelhos, fica fácil perceber que a libertação que Jesus operava era consequência direta da atenção que dava às pessoas. No insuperável momento de lavar os pés dos discípulos, Jesus leva ao extremo este ensinamento. Diante da compreensível resistência de Pedro ao ver o Mestre rebaixar-se tanto, Cristo, ajoelhado e sem manto, adverte seu discípulo que caso persistisse em sua recusa ficaria impedido de fazer parte do Reino! Ao encerrar o ritual, Jesus insiste na necessidade da atenção desinteressada que se deve ao outro, condição indispensável para ingressar no Reino e, consequentemente, para viver realizado! Na realidade, para se tornar um ser humano recuperado e digno! Entende-se a razão porque ao referir-se à sua paixão e morte, Jesus, em várias ocasiões, agrupou esses acontecimentos sob a rubrica de julgamento. A sequência dos fatos, aparentemente, apresenta Jesus sendo vencido e condenado pelas autoridades da época. Na realidade, no processo de Jesus, a humanidade é que estava passando por um julgamento. Ao posicionar-se diante de Jesus, todo ser humano passa por um julgamento sobre sua própria pessoa. E o crente, em particular, confere a autenticidade de sua fé! Pois crer em Jesus significa, basicamente, partilhar sua visão do Homem e da existência. Ora, na visão de Jesus, o ser humano necessita ficar curado, liberto, em particular, da soberba e do excessivo egocentrismo, vícios que corroem toda forma de relacionamento, causas primeiras de dor e desigualdades. Posicionar-se favoravelmente diante de Jesus significa, então, aderir ao projeto de recuperar o ser humano pelo caminho inverso do despojamento e do serviço, da atenção dada desinteressadamente ao semelhante. Ingressar no Reino é iniciar-se neste processo de esvaziamento, nesta transformação que se opera na alma e se estende, por natural impulso, para a sociedade. Está cientificamente comprovado que gestos de carinho e iniciativas de atenção têm o poder de transformar vidas. Quantas vezes, nas circunstâncias desoladoras da vida, quando o mundo parecia desabar sobre a cabeça, quando se imaginava não haver mais esperança, um gesto de carinho inesperado operou milagres em vidas desoladas, restaurou ânimo, reacendeu a fé! Crer na ressurreição de Jesus Cristo é crer, fundamentalmente, na força transformadora de gestos de atenção e de expressões simples, mas genuínas, de carinho, disposições que o cristão, principalmente, deve possuir em grande reserva. São esses os doces que tornam a Páscoa genuinamente saborosa e permanentemente restauradora!

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