
REEDUCAR
O Brasil é a segunda nação negra do mundo! Contudo, agressões racistas continuam acontecendo, humilhando os negros e envergonhando civilizados cidadãos. A discriminação contra o negro é um triste componente social, dissimulado muitas vezes, mas real. Agrava-se a situação quando se dê conta que o negro é discriminado inclusive entre seus próprios pares. Séculos de dominação e exploração acabaram por associar a cor da pele à condição de inferioridade social. Este fenômeno de raça, aliado a outras condições de vida igualmente humilhantes, originou na sociologia o conceito de 'classe invisível'. Os 'socialmente invisíveis' são aquelas pessoas que, ou por causa da cor da pele ou por causa da atividade social que exercem, passam desapercebidas. Ao fazer questão de as separar por uniformes - garis, lixeiros, babás - a sociedade justifica o tratamento negligente que a elas dispensa. Vergonhoso, para quem está do lado de cá. Humilhante para quem está do lado de lá!
Esta mentalidade classista é fator preponderante a motivar violências raciais. Óbvio, se o negro não é enxergado como gente, qualquer tipo de tratamento passa a ser tolerado. Inclusive, agressão contra a vida. Por outro lado, reconhecer-se tratado como cidadão de segunda categoria, humilha demais a pessoa. A tensão emerge naturalmente. Ao querer se afirmar como gente, o negro apela ou para a ostentação, usando, por exemplo, colares extravagantes, ou para a delinquencia. É relativamente recente a conscientização entre os próprios negros de reivindicar direitos. Acostumados ao anonimato, resignavam-se diante de humilhações e explorações. Um dos grandes líderes da consciência negra nos Estados Unidos, o abolicionista Harriet Tubman, afirmou que teria libertado muito mais negros, se eles admitissem que fossem escravos. A conscientização da intrínseca dignidade da raça negra contribui muito para tirar os negros da condição invisível e garantir-lhes o merecido lugar na sociedade.
Ofensas e agressões racistas são violências grosseiras que precisam ser combatidas com a mesma determinação com que se enfrentam outras graves ameaças contra a paz e a segurança da sociedade. No campo institucional louvem-se iniciativas que despertam a população para a seriedade do problema. Faixas e luminosos, em arenas esportivas particularmente, consolidam o repúdio coletivo contra a discriminação. A legislação local tornou inafiançável qualquer agressão de cunho racista, com o óbvio intuito de coibir insultos desonrosos. Sabe-se, no entanto, que punições repressoras isoladas não mudam mentalidades. É intrigante a reincidência. Não estaria a linguagem ficando fossilizada? Doutrina bonita, mas incapaz de mudar condutas! Não estaria a sociedade se acomodando, contentando-se apenas com restrições de liberdade? A urgência de atingir a consciência, de mexer com a alma está levando alguns países a introduzir uma experiência diferente ao aplicar punições restritivas de liberdade. Feitas as devidas triagens, promovem encontros diretos entre o agressor e sua vitima. O conceito por detrás da iniciativa ataca uma ambiguidade corrente na sociedade. A população se dá por satisfeita quando vê aplicadas sentenças que punem o agressor. Esquece-se, porém, das vitimas e das consequências negativas causadas em sua vida. Ao introduzir a chamada justiça reparatória, o sistema prisional pretende induzir o agressor a perceber a dimensão da sua ofensa, o sofrimento, a humilhação e outros danos provocados por sua hostil atitude. O contato direto com a vítima provoca esta tomada de consciência, não raramente levando o agressor a escusar-se e a assumir ressarcir os prejuízos causados. Não basta punir, é preciso reeducar.
É premissa educativa e sociológica que a prevenção é estratégia mais eficaz e mais econômica que a repressão. O sentimento de desrespeito está, infelizmente, difusamente misturado com a mentalidade cultural. Pontuais e objetivas iniciativas curriculares são necessárias, mas insuficientes. É preciso reeducar a consciência popular. Famílias principalmente, igrejas e associações devem se articular para derrubar de vez os muros racistas. Urge reeducar também o cidadão para enxergar não a cor da pele, mas a condição humana e digna de cada pessoa.
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