sábado, 27 de fevereiro de 2016

ARTIGO: O JEJUM QUE EU QUERO

Tempo de renovação na santidade! A formulação é uma das tantas sínteses programáticas que a liturgia oficial da Igreja usa para definir o tempo da Quaresma e para indicar, simultaneamente, o escopo dos exercícios típicos desse tempo de graça e salvação. Uma das mais educativas tarefas nesse tempo quaresmal é deter-se nos textos litúrgicos oficiais, haurindo deles valiosos elementos de catequese e pontuais sugestões de piedade peculiar. Na oração do primeiro domingo da Quaresma, o domingo que abre a jornada dos 40 dias a encerrar-se na quinta-feira da semana santa, a Igreja suplica para que 'ao longo da Quaresma possamos progredir no conhecimento de Jesus Cristo e corresponder a seu amor por uma vida santa'. Nessa densa prece encontra-se o fundamental programa a orientar a vida do cristão nesse tempo favorável. Ao procurar progredir no conhecimento de Jesus Cristo, o foco não está no conhecimento acadêmico. Conhecer Jesus, na linguagem bíblica e litúrgica, significa crescer em intimidade com ele. Há, de fato, um conhecimento oriundo do estudo, intelectual e cultural. Amealham-se sobre o Cristo conhecimentos antropológicos, sociológicos, biográficos etc. Sem que toda essa bagagem contribua necessariamente para transformar o estudioso em discípulo. Nesse contexto, Jesus é apenas objeto de estudo. Há, porém, outro tipo de conhecimento, o contemplativo, entendido e aplicado como meio para estabelecer comunhão afetiva e efetiva com o Mestre. Esse tipo de conhecimento, que não dispensa o acadêmico, usa todas as informações para aproximar-se da alma do Senhor. É um olhar que vai além do biográfico a procura do invisível, perceptível somente por quem medita com reverência. O olhar contemplativo se alimenta no amor. O objetivo primordial, portanto, do tempo da quaresma é estimular os fiéis a progredirem nesse conhecimento contemplativo de Jesus Cristo. Ao sugerir esse programa, a liturgia oficial explicita o desdobramento lógico dessa atividade: ajustar a própria conduta aos ideais por Jesus abraçados. Estabelece-se comunhão verdadeira quando há convergência em objetivos e propósitos. Busca-se ser, segundo a precisa expressão do apóstolo Paulo, imitador de Jesus Cristo. Imitar Jesus significa aprender 'amar como eu amei vocês'. Ora, ao procurar o vetor que animava a ação de Jesus Cristo chega-se facilmente a seu espírito misericordioso. Jesus agia, em tudo e sempre, com misericórdia - cheio de misericórdia, o definem os evangelistas. Alcançar uma vida santa representa, então, pautar a própria conduta pela compaixão. Os textos oficiais da Igreja apontam como exercícios preferenciais nesta direção: a oração, o jejum e a esmola. Essas práticas adquirem sentido quando motivados e orientados pelo critério da misericórdia, ou seja, pelo critério do genuíno interesse pelo bem estar do semelhante. Emerge indigesta alerta, sinalizada pela recorrente mania do ser humano de alterar o foco até dos mais sagrados exercícios. Em sua condição de profeta, Jesus acompanha a pregação dos profetas do Antigo Testamento e chama a atenção contra o perigo da exteriorização da religião. Já no tempo dos profetas tanto a oração, como o jejum e a esmola, haviam se tornado práticas formais, observâncias culturais. Desprovidas do seu sentido renovador. Orava-se por preceito. Jejuava-se por obrigação. Socorria-se por formalismo. Em sintonia com os profetas, Jesus alerta que esse tipo de prática religiosa não somente não agrada a Deus, como também resulta em esterilidade espiritual. Insiste Jesus, Deus quer misericórdia e não rituais. O jejum que eu quero, diz Deus pela voz do profeta Isaias, endossada posteriormente por Cristo, é não se fechar à sua própria gente. Em linguagem de hoje, o jejum que agrada a Deus é superar a indiferença. Na atual conjuntura, converter-se representa importar-se sinceramente diante de tantos abusos que afligem tanta gente e depreciam o ambiente. A proposta da Igreja para a quaresma está claramente explicitada em um dos Prefácios da época: pela penitência se pretende corrigir os vícios, purificar os sentimentos e progredir no espírito fraterno. Encarnados no atual contexto cultural, os exercícios da quaresma encontram seu pleno sentido ao adestrar o fiel a cultivar a compaixão, elemento inerente à condição de filho autêntico do Deus misericordioso.

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