
Não entendo! É a frequente queixa apresentada por quem deseja ler com proveito a Bíblia. De fato, a Bíblia não é livro de leitura fácil, pela elementar razão de ser não um, mas uma coleção de obras, redigidas em épocas diferentes, por autores diversos, cada um com seu próprio estilo. Mesmo verdades idênticas são apresentadas em formatos diferentes – veja, como exemplo, a narrativa da criação – que acabam complicando o entendimento. A situação fica, realmente, paradoxal, quando se recorda que o Livro Sagrado foi escrito com o objetivo de revelar o pensamento divino e, dessa forma, facilitar o caminho da salvação. Em tese, deve ser uma leitura de amplo entendimento. Mas não é. Por este motivo, há gente que simplesmente abandona a leitura bíblica, enquanto outros leem, sem compenetrar-se do seu genuíno sentido!
Uma orientação preliminar se torna necessária. Na Bíblia, o que importa não é o livro em si, mas o conteúdo. Repara-se, com frequência, certa preocupação excessiva, quase idolátrica, com o formato impresso! Reverencia-se o livro pelos ensinamentos que transmite! É sempre útil lembrar que somente neste último século ficou possível e prático carregar a Bíblia. As edições primeiras, volumosas e pesadas, tornavam impossível esta prática. Tal realidade confirma outra elementar premissa: os escritos bíblicos, originariamente, eram entendidos para serem lidos em público, nas celebrações e cultos. Nem se cogitava, durante séculos, possuir cópias particulares. Suas orientações não são direcionadas a indivíduos, mas à comunidade reunida. Sendo a comunidade a privilegiada destinatária da Palavra, emerge outra verdade fundamental, confirmada, de resto, por diversos registros bíblicos: sua interpretação legítima acontecia no seio da comunidade. É na assembleia celebrante que se dá a verdadeira e autorizada explicação. Interpretações individuais só possuem valor enquanto em sintonia com o que se ensina na assembleia celebrante. Esta regra preserva o entendimento ortodoxo da Palavra, libertando-a de uma leitura individualista, sujeita a vieses fundamentalistas ou liberais, atrelados demasiadamente à palavras e expressões, frequentemente tiradas do seu contexto literal e cultural. O próprio Mestre Jesus, o mais qualificado interprete da Palavra de Deus, alertava quanto a este perigo quando lembrava que a palavra mata, enquanto é o Espírito que dá vida. Ele próprio desdobrou-se na tentativa de fazer seus opositores enxergarem além das palavras, captarem a verdadeira e libertadora mensagem divina. É um Deus apaixonado pelo ser humano que deve emergir das leituras sagradas. Um Deus que esbanja misericórdia! Sem estas balizas, fica difícil, até incompreensível, entender como certas expressões iradas e orientações intransigentes encontram espaço numa obra destinada primordialmente a exaltar o perdão, a reconciliação, a esperança. A paz, em suma!
Bom mestre, Jesus insiste que o filtro correto para uma leitura libertadora, isenta de manipulações oportunistas e vieses ideológicos, é o que estabelece como balizas fronteiriças o amor a Deus e o amor ao próximo. Rompeu barreiras quando ensinou que o Onipotente ama ser chamado de Pai. Abbá, papai, para ser mais preciso! Sendo essencialmente amor, tudo o que Deus ensina e propõe expressa ternura e inspira comunhão! Configurada por este luminoso filtro, toda e qualquer leitura/pregação impulsiona a aproximação entre as pessoas, promove a compreensão, dissemina a misericórdia, estimula o perdão, amplia a reconciliação, gera união, inspira solidariedade. Faz acontecer a justiça e transbordar a caridade. Faz a paz acontecer, em suma! Até mesmo o culto, quando não precedido e seguido por genuínas atitudes de fraternidade, perde todo valor perante o Criador! É misericórdia que Deus quer!
É Santo o Livro! Santa é a Palavra, capaz de transformar quem nela crer em fonte de água que jorra para a vida eterna.
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