
Iniciativas algumas são providenciais! Sua ressonância ultrapassa a mais generosa expectativa. É o que se pode deduzir de um encontro peculiar ocorrido entre um oficial romano e Jesus Cristo. Deve-se ao evangelista Lucas a inspiradora narrativa. Ensinam os estudiosos que os relatos evangélicos são, em essência, catequéticos. O objetivo dos evangelistas não era legar uma biografia de Jesus, mas, sim, a partir de fatos e ensinamentos seus, provocar mudança de hábitos, propor jeito diferente de viver. Na realidade, os encontros envolvendo a pessoa do mestre Jesus revestem-se de especial significado. Mas este, registrado pelo evangelista, reveste-se de dimensão especial, porque o encontro entre o oficial romano e Jesus não se deu pessoalmente, mas aconteceu a distância.
O episódio em pauta deu-se em Cafarnaum. O oficial fica sabendo da passagem de Jesus pela região e solicita sua intervenção em favor de um serviçal doente. O contato, porém, não acontece pessoalmente, mas através de mensageiros, no caso, judeus devotos da cidade. Quem conhece a tensão que existia entre judeus e os invasores romanos, certamente estranha essa intermediação. Afinal, os judeus não toleravam os romanos por considera-los invasores e, em particular, por os repudiar como pagãos. Relacionar-se com pagãos implicava contaminação ritual. Esse romano, pelo jeito, havia caído na graça daquele povo. O considerava bom sujeito, inclusive por ter ele ajudado na construção da sinagoga. Os judeus insistem com Jesus para atender a solicitação do oficial. O quadro é carregado de contrastes: judeus intercedendo por um pagão junto de Jesus!
O Mestre reage segundo seu costume. Decide dirigir-se à residência do oficial, iniciativa impensável numa cultura religiosa demasiadamente obcecada por purezas rituais. Esperava-se uma, pois, uma postura contrária por parte dos judeus. Surpresa: quem põe objeção é o próprio oficial romano. Não por motivos rituais, todavia, mas por reverência. Julga-se indigno de tamanha consideração por parte de alguém revestido por manifestos predicados divinos. Apressa-se o centurião a solicitar que amigos fossem ao encontro de Jesus expressando seu constrangimento diante do incômodo que estava causando ao Mestre. Reconhece o romano, que não havia nenhuma necessidade de o Mestre se incomodar tanto. Afinal, na condição de oficial, sabe que subalternos têm por obrigação executar ordens, mesmo dadas a distância. Bastava Jesus dizer uma palavra, manifestar sua vontade e pronto, seu desejo ficava cumprido. A atitude do oficial mexe profundamente com Jesus. Sem se encontrarem pessoalmente, estabelece-se entre eles uma comunhão transcendental. Com admirável despretensão, o oficial pagão expressa sua total confiança na compaixão de Jesus. Este, reconhece a autenticidade da confiança e a abnegação na postura do romano. Atende-lhe o pedido, sem pronunciar nenhuma palavra! Com sutil pedagogia, não hesita Jesus em manifestar sua admiração pelo oficial pagão, elevando-o à condição de modelo de fé: em todo Israel não encontrei fé tão verdadeira! Finíssima ironia, clássica tapa de pelúcia! Fé e humildade andam juntas.
A comunidade cristã assimilou logo a primorosa catequese proposta pelo evangelista. Introduziu a confissão do romano na liturgia eucarística como providencial alerta antes da comunhão sacramental. Ao induzir o fiel a um expressivo gesto de modéstia, a liturgia pretende destacar a gratuidade da comunhão sacramental. Partilha-se do Corpo e do Sangue do Senhor não por habilitação, mas essencialmente por graça, por benevolência divina. Reverência profunda e sincera gratidão são pressupostos indispensáveis para uma frutuosa comunhão sacramental. Urge compenetrar-se: comungar é privilégio, alcançado não por mérito, mas unicamente por bondade e consideração do Primeiro Sacerdote. Exercitar-se na humildade representa nos dias atuais, adicional e benéfico contraponto social: as arrogâncias e pretensões que marcam a cultura moderna andam provocando excessivos prejuízos em todos os campos de convívio social.
Fé e humildade andam juntas. Sem reverência e gratidão, a Comunhão Eucarística não passa de ritual, rotineiro e estéril!
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