domingo, 9 de junho de 2019

SOSSEGO

O cotidiano assemelha-se a uma viagem. Convenhamos, não existe nada mais angustiante e fatigante que uma viagem sem rumo definido. Por causa dos previsíveis transtornos e das torturantes incertezas, corre-se sério risco de incluir na bagagem itens supérfluos, deixando de lado outros indispensáveis. Verdadeira calamidade. Não é de se admirar, pois, o agudo grau de ansiedade próprio ao atual ritmo de vida. O cotidiano assemelha-se cada vez mais a uma viagem sem destinação definida. Observa-se como se passa freneticamente de uma tarefa para outra, tanto no micro varejo diário – levar filhos para escola, passar no mercado, estar no horário no serviço – como no macro atacado – forma-se, casa-se, criam-se filhos... Quando consegue cumprir todas as tarefas, tanto no cosmo micro como no macro, o sujeito se vê exausto, mas, inexplicavelmente, insatisfeito. Sempre parece estar faltando algo! Anda-se, realmente, demasiadamente atarefado, mas percebe-se faltar definir, nesta correria maluca que singulariza os tempos modernos, uma destinação final que transcende o cotidiano. Emerge a indigesta indagação existencial: afinal, que sentido tem tudo isso? De fato, se não se encontrar um propósito racional e compreensivo para a existência, tanto para a humanidade como, e principalmente, para o indivíduo, a vida facilmente se transforma em insuportável rotina. Falta propósito! Sem definida destinação, a viagem se transforma em desilusão. Por não conseguir determinar esse racional objetivo para a existência, o cotidiano começa a perder a graça. Tarefas se sucedem, metas são cumpridas, mas fica faltando aquele tempero, que dá sabor e prazer ao conjunto. Sem essa articulação básica, o cotidiano esgota. A vida se transforma em tensão enfadonha. Duro é viver sem alegria! O instinto e a razão humana demandam harmonia. Analisando bem, não são as tarefas que cansam. É a ausência de uma articulação coordenada, dando harmoniosa direção às diversas responsabilidades, que esgota. Sério é o risco, na ausência dessa meta transcendente, de se dar igual importância á tarefas variadas, desperdiçando energias e dissipando precioso tempo. Quando, ao contrário, se tem definida a destinação final, torna-se menos estafante a execução de tarefas. Discerne-se que nem tudo na vida possui a mesma importância. Dentro de uma perspectiva definida, há obrigações inadiáveis e, outras, perfeitamente descartáveis. Reconhece-se, inclusive, que nem tudo é possível. Aceita-se, com naturalidade, abrir mão, e sem remorso, do cumprimento de algumas tarefas para favorecer outras mais em sintonia com o escopo perseguido. Nem é raro descobrir que, nesta esquematização racional, a serenidade conseguida potencializa a realização de várias adicionais tarefas avaliadas como secundárias. A razão é simples: ao se concentrar melhor cresce a produção, tanto na qualidade quanto na quantidade. Aumenta-se a eficiência sem esgotar as reservas de energia. Preserva-se, acima de tudo, o humor! A experiência humana não pode ficar reduzida a uma sucessão de tarefas fragmentadas e deveres desconexos. O ser humano não pode ser reduzido a um robô, mero executor de tarefas. O instinto e a razão humanos exigem propósito. Emerge o precioso auxílio que advém da religião. A fé introduz na vida a dimensão transcendental. Ensina que a vida não é apenas uma experiência temporal. Possui uma dimensão eterna. Aceita essa perspectiva, o cotidiano da vida se articula, define-se uma escala de prioridades e as responsabilidades encontram, naturalmente, seu devido lugar. Sem diminuir o sentido do compromisso, a tensão cede lugar à confiança, a fadiga ao sossego. Recupera-se a graça na lida. Reencontram-se, enfim, propósito e alegria na viagem do cotidiano!

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