domingo, 29 de março de 2020

PODEROSA

PODEROSA A Quaresma está sendo pra valer! Por mais que desejasse, nenhum pároco, nenhum Bispo, nem mesmo o Papa, conseguiria criar um clima de recolhimento e de silêncio, como se vê reinar nesta quaresma particularmente singular! O Coronavírus – ou o medo dele - realiza o que nenhum outro líder espiritual, por mais carismático, conseguiria. As ruas andam desertas e silenciosas, o caminhar mais calmo e o ambiente sem a estridente poluição sonora. O que os místicos pregavam como desejável, deixar de lado, por um breve espaço de tempo, a estressante agitação para poder fazer uma revisão de vida, mas os gurus da modernidade sumariamente descartavam como alucinante disparate, o medo do contágio impôs sem piedade e sem diferenciar classes, confissões, gêneros e idades. Aos poucos, mesmo forçado e contrariado, o homem moderno começa a compenetrar-se que diminuir a marcha não é apenas possível, mas também saudável. É verdade que algumas autoridades ainda insistem em minimizar o perigo e querem dispensar o isolamento social. A grande e sensata maioria, consciente da necessidade de recolher-se, anda descobrindo que a pausa não é somente possível, mas também benéfica. Lentamente, redescobre valores que andavam esquecidos e desfruta de prazeres que permaneciam reprimidos. Forçada a um peculiar regime de semiaberto, a população começa a se convencer da sabedoria mística de realizar periódicas pausas para refletir, avaliar e deliberar. Para encontrar-se consigo mesmo, em suma, e reconhecer quem, de fato, se é. É o propósito primário do tempo quaresmal, em vista de uma renovação de vida! Cresce a convicção que, quando a presente ameaça for superada – e será superada –, a vida de muitos cidadãos passará por uma profunda transformação. Viver terá uma perspectiva diferente! Compreende-se, em primeiro lugar, que por mais formidáveis e benéficas, as conquistas tecnológicas não resolvem todos os desafios. Imperioso é avançar em tecnologia, mas sem a pose de intocáveis. O ser humano permanece contingente, vulnerável e, essencialmente, dependente do próximo! Certos ‘intrusos’ não respeitam classes, nem cargos e nem, mira-se, conta bancária. A tão cobiçada prosperidade europeia amarga dias de desolação e pavor. Como bem lembra um ditado italiano: quando acaba o jogo de xadrez, rei, rainha e peão voltam para o mesmo estojo! Cruel ironia! Na condição de cidadãos, todos estão embarcados na mesma nau, navegando para um mesmo destino. Chegar à segurança do porto depende, prioritariamente, da colaboração de todos! Salvação individual não existe! Raras foram as situações na história, sustentados em nossos dias pela recente e valiosa globalização, quando o ser humano se compenetrou tão profundamente da necessidade vital que tem do semelhante. Cuidar-nos uns dos outros é a verdade que emerge forte e inconteste neste momento de apreensão e medo. Totalmente desorientadora é a doutrina que exalta a autossuficiência. Enganadora a filosofia que advoga o individualismo soberano! Dinheiro, tecnologia, ciência, somente geram prosperidade e segurança quando pautados por propósitos genuinamente humanitários. Emerge a triste constatação que as pessoas, mais que distantes, andavam desinteressados umas pelas outras. Empáfia disfarçada! A quarentena, paradoxalmente, está colaborando magnificamente para que se modifiquem conceitos e se ajustem atitudes. Ao insistir em observar a conveniente distância, o agente sanitário educa o cidadão a entender que é responsável pelo irmão. Cuida-se bem de si quando se cuida zelosamente do semelhante! É na linha da caridade para com o próximo que se deve evitar aglomerações. A manifestação mais autêntica da caridade cristã, neste dramático momento, é manter-se prudentemente distante! Que esta preventiva abstinência de contatos presenciais sirva para tornar os cidadãos mais humildes, mais reconhecidos pela cooperação oferecida, mais agradecidos pelo cuidado recebido! A epidemia, em mais este detalhe, convence mais que a mística quaresmal! A quaresma vale quando se aceita o desafio de dar um salto de qualidade na vida! O silêncio das ruas está sendo perturbado pelo ruído envenenado da mídia. A situação exige união de forças e comunhão de objetivos. Disperso, o povo ficará mais vulnerável e, no fim, ninguém lucra com a divisão! Individual salvação não existe! Se é verdade que há um propósito em todo sofrimento, parece que a aflição atual esteja conclamando os cidadãos a deixarem de lado diferenças e antagonismos, arrogâncias e insolências, e caminharem juntos num revitalizado apreço para com a vida e num assumido cuidado para com o outro. A hora é para prudentes decisões e coerentes atitudes! Ressurja a fraternidade mais poderosa que o nefasto vírus!

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