sábado, 27 de junho de 2020

TRAVESSIA

Agrava-se o desalento! Aumenta o tédio provocado pelo prolongado isolamento. Pensava-se que passado o mês de maio, o confinamento fosse abrandado. Doce ilusão, o perigo de contágio permanece acelerado e os cientistas confessam candidamente que ainda estão aprendendo a lidar com este medonho patógeno. As mudanças de protocolos comportamentais demonstram isto claramente: uma hora falava-se que máscaras não resolvem muito. Hoje, passaram a fazer parte do figurinho cotidiano. Fato é que as incertezas alimentam o desalento e o prolongado retiro começa a interferir seriamente no humor das pessoas. O cidadão se vê perdido e apavorado. Enfadado e irritado. Emerge como insultuosa provocação a necessidade de reaprender a viver e a conviver. Novos hábitos se impõem movidos pela necessidade de satisfazer básicas exigências. E isto em todos os campos da vida. Religioso, inclusive. A velha rotina, pelo que tudo indica, vai demorar a voltar, se é que volte! A ânsia em preencher as lacunas provocadas pelo prolongado isolamento, pode induzir à tomada de inciativas apressadas, de escolhas de proveito duvidoso, que no fim acabam mais prejudicando que auxiliando. O contexto demanda encarar a realidade e debruçar-se, com serena ponderação, em busca de formular esse novo jeito de viver. Equívocos acontecerão, tanto pela ação como pela inação. São necessárias prudência e compreensão ao lidar com orientações e iniciativas aparentemente conflitantes. Humildade, paciência e discernimento, são pressupostos imprescindíveis para manter a calma neste clima turbulento e para, com serenidade, reconhecer erros e corrigir rumos. A pesquisa médica ilustra bem quanto é difícil, e demorado, desenvolver medicações eficazes contra novas moléstias. A experiência médica aplica-se igualmente para a vida social, religiosa e afetiva. Estamos partindo praticamente do zero. Normas e hábitos validos até dezembro de 2019 são revistos e reavaliados. A aviação comercial passou por radicais modificações relativas à segurança após o atentado de setembro 2001. E os passageiros foram se adequando a novos protocolos. O mesmo vai se dar com as rotinas nos outros campos da vida. E nada indica que o que se julga válido hoje não seja revisto daqui a dias, face à novas descobertas ou à novas evoluções. A sociedade estava acomodada a um padronizado ritmo de vida. Pequenos prazeres estavam garantidos. De certa maneira, vivia-se despreocupadamente e dormia-se descontraidamente. Repentina e radicalmente, tudo muda. E esta colossal mudança passa a exigir atenção e vigilância redobradas, particularmente no que diz respeito ao convívio e ao contato com o vizinho, seja ele próximo ou distante. Paradoxalmente, o isolamento ajuda sobremaneira a reforçar a convicção acerca da dependência que se tem do outro, caso se pretenda levar uma existência segura e feliz. No quebra-cabeça que é o cotidiano, reaviva-se a certeza que ninguém possui a totalidade das peças. Para completar o tabuleiro são imprescindíveis a colaboração e a consciente boa vontade do vizinho. Gestões de prevenção e proteção só funcionam eficazmente quando alimentados por uma caridade envolvente. E por um amadurecido sentimento cívico. Somente quem ama, cuida! Somente quem está afetivamente próximo protege e promove! Preveem-se transformações profundas! Inclusive, nos rituais religiosos! A demandar consciente e despojada participação por parte de todos, cidadãos e fiéis, caso se pretenda sobreviver vitorioso à travessia. Valores evangélicos assumidos, como caridade, respeito e solidariedade, apresentam-se como preciosos vetores na delicada tarefa de ajustar compassos e de operar adaptações frente às novas exigências impostas pela pandemia. Andando se faz o caminho!

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