sábado, 22 de agosto de 2020

CRIANCINHAS

O aborto praticado foi ato acertado? Ou foi a saída mais conveniente? A polêmica, compreensivelmente acalorada por injunções de cunho religioso, legal, social e emotivo, envolve a intervenção a que foi submetida uma menina de dez anos após descobrir-se estar grávida, consequência de estupro. Em situações conflitivas como esta, vale a recomendação do sábio Agostinho: qualquer angústia ou tribulação que sofremos deve ser encarada como aviso e como provocação à correção. Algumas premissas se fazem, pois, necessárias para desenvolver uma reflexão serena, madura e proveitosa. Livre de preconceitos gratuitos e moralismos inconsequentes! Abre-se mão, primeiro, de julgar pessoas. Somente Deus pode julgar porque somente ele conhece o íntimo das pessoas. Sua justiça, urge lembrar, é sempre temperada pela misericórdia! A segunda premissa fundamental e orientadora é a predileção que o Criador guarda pelos pequenos. O Filho Unigênito, Jesus Cristo, deixou clara a preferência pelos pequenos ao dizer que somente quem a eles se assemelha é que se pode almejar participar da vida nova. Externou sua indignação diante de quem mancha a inocência infantil ao indicar fosse lhe amarada uma pedra de moinha no pescoço e ser jogado no mar. A análise desse horripilante episódio deve ser pautada por este amor incondicional que, no caso em pauta, envolve duas crianças. Com cinco meses, o feto já é uma criança desenvolvida. Aliás, é sempre bom lembrar a informação que vem do campo científico: desde o momento da concepção já se tem um ser humano. Na fecundação todas as particularidades individuais já estão definidas. O que acontece em seguida é apenas o desenvolvimento natural de um ser vivo. Confirma-se, neste caso, tratar-se de duas crianças igualmente amadas por Deus! Paradoxalmente, no caso do aborto, o ventre materno, supostamente o lugar mais sagrado para a evolução e preservação da vida, transforma-se em espaço de alta vulnerabilidade. Emerge, com cruel dramaticidade, a inicial pergunta: a decisão de abortar, neste caso, foi motivada por um ato de amor ou por conveniência pragmática? Argumenta-se, corretamente, que uma menina, na tenra idade de 10 anos, não reúne condições para levar a gravidez adiante sem sério risco para sua saúde física, psicológica e afetiva. É sempre bom lembrar que mesmo na moral cristã quando se trata de defesa da vida é legitimo apelar para atitudes extremas. Não se é moralmente culpado por atirar em agressor diante de um real perigo de morte, própria ou do semelhante. A legislação civil vigente autoriza o aborto quando se trata de estupro e quando existe real perigo contra a saúde da gestante. Se a legislação vale para uma mulher adulta, que dirá quando se trata de uma criança. Entra-se aqui em terreno delicado. Reserva-se à mulher violentada a decisão de prosseguir ou não com a gravidez. Terrível é o drama da escolha, acarretando sempre impagáveis consequências. Adulto é responsável por seus atos e em caso de extrema humilhação, como é o caso de estupro, é preciso avaliar com compreensão e misericórdia. Desumano é insultar. Transformar o drama em disputa ideológica é crassa insensibilidade, totalmente contrário ao evangelho! Se existe alguém que sabe compreender e compadecer-se dos dramas humanos, este alguém chama-se Deus! E quem é de Deus deve saber agir como ele! Neste caso particular, questiona-se quem tomou a decisão pela menina e motivado por que interesses? O que pesou para se tomar uma decisão desse vulto? Alega-se que ao autorizar o aborto, por motivos de saúde, cuidou-se também de livrar a menina de futuros traumas resultantes dos infames abusos sofridos e da terrível experiência do estupro. Atendimento pastoral e profissional com adultas que passaram pelas humilhantes traumas de abusos e aborto confirmam serem indeléveis as experiências. Que dirá com crianças! Descriminalizar atende a apenas um lado do problema. O Estado preserva a saúde física de meninas gestantes. Cuidará com a mesma presteza e diligência da sua saúde afetiva e psíquica? A decisão de abortar foi motivada por um ato de amor ou por conveniência pragmática? Quando afirmou que o sábado era para o homem e não vice-versa, o Senhor Jesus oferecia preciosa bússola para ajudar a navegar com segurança e discernimento em situações conflitantes. Toda legislação, moral ou civil, encontra seu sentido quando sujeita ao genuíno bem estar do ser humano. Emerge colossal desafio para a sociedade, uma vez que se sabe que ocorrências como esta acontecem semanalmente pelo país! É pelo aborto que se conserta ou se camufla a brutal realidade? Se é por consideração que se justificam intervenções invasivas em crianças, então a sociedade precisa acordar do seu torpor, despir-se de seu cinismo e permitir que este mesmo amor a impele a articular-se para oferecer aos pequenos um digno, seguro, decente e honesto futuro! Das criancinhas é o reino dos céus ...

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