
Em casa não se usava falar vulgaridades. Nem palavrões! Quando, então, soltava eu, ainda moleque, algum palavrão a reprimenda vinha na hora e quente: Com quem você aprendeu isso? Me contaram, já adulto, que minha mãe chegou a cogitar com meu pai limitar minhas idas ao estádio, mesmo em sua companhia. Em estádios, como se sabe, o discurso não é nada edificante. Felizmente para mim, a estratégia foi abortada. A vigilância e a educação da casa purificaram naturalmente o meu vocabulário. O aprendizado de casa foi mais eficaz. Recordo este episódio ao refletir sobre o contexto comportamental atual. Questões vitais emergem ao reparar hábitos e condutas contemporâneos: com quem está o cidadão de hoje aprendendo a comportar-se? Com a família? Com anônimos formadores de opinião? Quem pauta a conduta do cidadão? E o que é que se está, na realidade, aprendendo?
Aprender envolve mais que conhecimentos. Somente pelo fato de se ter acesso a receitas culinárias não faz do sujeito um cozinheiro. Cozinhar se aprende cozinhando, pondo em prática o que se conhece. Tudo, na realidade, gira em torno da destinação que se pretende dar ao conhecimento. Contentar-se apenas com a informação não gera aprendizado, apenas acumula conhecimentos. Aprende-se quando se tem interesse em aplicar o que se conhece ao cotidiano da vida. Aprende-se quando se enxerga proveito naquilo que se conhece. Veja-se como a geração jovem aprende e aplica rápido técnicas e códigos de redes sociais. Quando há interesse, rápido se aprende. É o fator a ser analisado ao se querer descobrir e entender o que se está aprendendo hoje e com quem. Num desses programas de debate em torno da Copa da Mundo, acompanhei a participação de um ex-jogado renomado búlgaro, Stoichkov. Ao discursar sobre a situação dos atuais atletas ele apontava como um dos fatores complicadores na carreira profissional o fato de os jogadores hoje andarem muito dispersos. Ponderava que bastava o atleta começar a destacar-se para ele já ter milhares de seguidores no twitter, no face e outras plataformas de relacionamento. O atleta promissor hoje não se preocupa somente em jogar bola, tem que atender compromissos publicitários, dar retorno a patrocinadores, cuidar da imagem. Ao cuidar excessivamente da imagem, o atleta infla a vaidade, alimentando o individualismo. Estrelas hoje são embalados por uma indústria comercialmente lucrativa e patrulhados por patrocinadores vorazes. A dispersão é inevitável. Em síntese, com a cabeça tomada por tantos compromissos e a agenda espremida, o rendimento em campo, admitindo ou não, acaba afetado.
A observação de Stoichkov aplica-se, com as devidas ressalvas, ao comportamento do cidadão atual, em particular ao cidadão jovem. Este, compreensivelmente atraído pelo glamour dos famosos, se deixa condicionar pelas projeções e posturas que a publicidade de uma forma competente e insistente impõe como indispensáveis para alguém ser considerado moderno, conectado, notado. Ao submeter-se a este padrão, o jovem se vê envolvido por um sem número de exigências. A dispersão é inevitável. O ritmo acelerado. São notórias a ausência de concentração e a dificuldade em interessar-se por assuntos culturais e comportamentais que não representam vantagens imediatas. Ao querer ser notado, na verdade e paradoxalmente, se perde na massa. Não é ele que pensa, pensam por ele. Repara-se no difuso uso de tatuagens. Personagens ilustres do mundo artístico e esportivo fazem questão de exibir corpos tatuados, induzindo jovens a imitá-los apesar da evidente volatilidade desses modismos.
A verdade emerge clara e desafiadora. Se se deseja que o jovem de hoje, e o cidadão em geral, aprenda a valorizar e adotar princípios de conduta que o levem à maturidade e a realização como pessoa humana, deve-se empenhar em dar exemplo. Mais valioso que qualquer discurso é o comportamento sereno, fiel e perseverante de quem sabe estar agindo com correção. Este dispensa a retórica, mas confia na força do exemplo. Vive corretamente não para ser notado, mas por interna exigência de coerência. Confiante e modesto, resoluto e paciente persevera no caminho, mesmo quando se vê incompreendido, discriminado ou censurado. Admirando é que se aprende. A admiração é a fonte insubstituível de um aprendizado consistente e convincente.
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