sábado, 19 de julho de 2014

CAMPEÃO

Perder é indigesto. Ninguém gosta de perder. Pesares à parte, a inconformidade que se experimenta diante do acontecimento negativo é aceno positivo. O ser humano detesta perder porque deseja muito progredir. O revés, seja de qual natureza for, representa um freio ao impulso do avanço progressivo, inerente à dinâmica da existência. Esta é a razão fundamental porque se resiste tanto à morte. Perder a vida é justamente o oposto radical ao querer viver. Não sentir-se bem, então, diante das derrotas é, em si, positivo. Nada se tolera que possa vir a obstruir o desejo de melhorar. No entanto, quando se reflete com objetividade e serenidade compreende-se que a realidade da vida, por ser intrinsecamente contingente, carrega embutidos imprevistos que interferem no e afetam o impulso progressista. Nem tudo acontece do jeito que se deseja. A inconformidade com o revés é, portanto, compreensível. E salutar, se mantida no limite do racional e bem encaminhada. As complicações surgem quando o impulso de sobrevivência sai do controle. E sabido que nas culturas latinas, as emoções estão sempre em evidência. Por serem mais passionais, os latinos costumam ficar mais desolados diante dos insucessos. As reações negativas nas derrotas costumam ser mais descontroladas. O império da emoção embaça o racional. Faz enxergar na derrota somente ameaças, provocando reações impulsivas. Extravasa-se de forma violenta, agredindo o suposto adversário ou o que com ele de alguma forma se relaciona. As estúpidas e bárbaras brigas entre torcidas organizadas ilustram bem esta tese. Outra reação impulsiva diante de insucessos é a desolação, que, quando extrapola o limite, leva à depressão. Não agride nenhum suposto adversário, mas agride a si próprio. Analisando o contexto, há de se reparar que a emoção descontrolada induz o sujeito a enxergar somente ameaças na adversidade. Bate, então, o desespero e o pânico. É fundamental entender que as derrotas integram o cotidiano da existência. Urge preparar-se para elas. Incluir o insucesso nas probabilidades. Importa igualmente aprender a reagir racional e dignamente diante dos revezes. Não domar e deixar de canalizar o instinto de sobrevivência pode, paradoxalmente, levar a novos e mais doídos fracassos. Falando em termos gerais, os revezes podem ser classificados sob duas categorias. Há aqueles provocados por interferência externa. São os desastres naturais, imprevisíveis e incontroláveis. Nesta categoria, incluem-se também as adversidades provocadas por terceiros. Entender que numa sociedade está-se sujeito a este tipo de intromissão indesejada ajuda psicologicamente a suportar o golpe e a administrar mais serenamente o prejuízo. Ceder ao impulso de avançar contra essas pessoas não representa objetivamente nenhuma solução. Vinganças, na maioria esmagadora dos casos, aumentam a confusão, com a real probabilidade de alargar o sofrimento ao envolver pessoas outras inocentes. Mas há também derrotas causadas por falhas ou incompetência próprias. Um dado curioso emerge em situação semelhante, reflexo sutil do instinto de sobrevivência. Diante dos próprios erros, é comum querer atribuir a culpa a fatores ou pessoas externas. Falhou-se porque aconteceu isso ou porque fulano agiu daquele jeito. Jogar a culpa no juiz pela derrota do time pode até aliviar a cara e atenuar a decepção, mas não muda a essência da realidade nem acena para melhoras futuras. Quando, ao contrário, se aprende a reconhecer e assumir o próprio erro, alem de enfrentar a situação com coragem e dignidade, livra-se daquelas constrangedoras e infundadas justificativas. Ao admitir o erro, dispõe-se implicitamente a corrigir o que deu errado e evitar, consequentemente, futuros vexames. Não é nada prazeroso, evidente, reconhecer falhas. É, no entanto, a mais digna e salutar postura. No imaginário humano, no infantil especialmente, campeão é o sujeito/time sempre vencedor. Este conceito é irreal e perigosamente alienante. Precisa urgentemente ser ajustado. Campeão é o sujeito/time que sabe reconhecer derrotas e diante das falhas sabe, igualmente, assumir com coragem e humildade os erros. Aplica-se a aprender com as feridas para, com paciência e decisão, retomar o caminho da vitória.

Nenhum comentário:

Postar um comentário