sábado, 22 de agosto de 2015

CULTO


Prestar culto integra a cultura humana. A grande maioria das civilizações, inclusive as mais primitivas, inclui o culto em sua cultura. É com o campo religioso, contudo, que o culto parece mais se identificar. Todas as religiões conhecidas, como também aqueles segmentos filosóficos que na religião se inspiram, possuem seus rituais e também seus templos. A construção de templos, alguns suntuosos, junto com a elaboração de intricadas liturgias confirmam o alto grau de apreço que o ser humano sempre devotou ao culto. Não é difícil perceber, inclusive, a mistura de intenções e sentimentos, que incluem medos e vaidades, a motivar a edificação de templos e a elaboração de rituais.
Curiosamente, o Deus da Bíblia se posiciona declaradamente contrário à construção de templos e a subsequente imposição de intricadas liturgias. Ao sentir-se ingrato para com Deus por não lhe oferecer uma 'tenda' adequada, o rei Davi consultou o profeta Natã e lhe expôs o projeto de edificar para Deus um templo adequado. Pela boca do profeta, Deus alerta o rei que não precisa de templo. O universo é a sua casa. Antevê o Criador que ao querer construir-lhe uma casa, os homens passariam a monopolizá-lo. E a história do povo judeu confirma a intuição divina. A construção do templo, realizada por Salomão, favoreceu o fortalecimento da classe sacerdotal como também a elaboração de códigos litúrgicos que mais oprimiam e alienavam o povo que glorificavam a Deus. Conhecem-se as duras censuras dirigidas por profetas contra a manipulação do culto divino. Pela boca de Oséias, Deus manifesta o nojo que sentia pelo culto realizado no templo, pois enquanto imaginava-se reverenciar o Altíssimo, sangue de inocentes explorados pelos próprios sacerdotes corria pelas sarjetas. Enquanto os lábios cantavam louvores divinos, o coração permanecia gelado e insensível. Jesus, o porta-voz autorizado, confirma a desconfiança divina a respeito de templos e cultos. No memorável diálogo com a samaritana, ao ser indagado a respeito do lugar mais indicado para cultuar Deus, responde claramente que o santuário que Deus prefere é o coração do ser humano. Os verdadeiros adoradores cultuam em espírito e em verdade. Em outras varias ocasiões insistia Jesus, fazendo eco aos alertas dos profetas, que Deus dava preferência a gestos de misericórdia e não tanto a rituais e sacrifícios.
Precipitado seria deduzir, todavia, que Jesus pretendesse condenar e abolir todo culto. Mais do que ninguém, ele conhece o jeito humano de ser. Entende que participar do culto integra a cultura humana. Ele mesmo participava ativamente dos cultos aos sábados. Ao participar deles, todavia, e ao instituir outros, legou a maneira correta de prestar reverência a Deus. Ao enfatizar que não é o Homem para o Sábado, mas o Sábado para o Homem, Jesus deixa claro que o culto se torna autêntico quando motiva e induz a melhorar a condição do ser humano, em especial do mais sofrido. Ao inserir o culto no grande mistério pascal - façam isto em minha memória - Jesus orienta que toda ação ritual deve conduzir a um empenho real em favor do resgate e da regeneração do ser humano. Este é o sentido sublime da advertência bíblica de nunca aparecer diante de Deus de mãos vazias. Ao se apresentar a Deus, o fiel leva as obras que atestam sua colaboração na obra da redenção, com a intenção de sair ainda mais empenhado em associar seus esforços ao sacrifício de Jesus Cristo. Nenhum culto feito genuinamente em memória de Cristo finda. O ritual se encerra, sim, mas a reverência para com Deus acompanha e inspira o cotidiano da vida. Para o genuíno adorador a vida é um ritual contínuo!

O culto passa a ser autêntico quando vivido como expressão profunda do sentimento de reverência. Naturalmente, então, se transforma em fonte inspiradora de ações e atitudes. Nesta perspectiva, não existe culto enfadonho, repetitivo. Cansativo fica, quando encarado de forma formal, imposta. Liturgias protocolares servem para tranquilizar consciências, cumprir obrigações, dar satisfação. Podem até estar cheias de animação e emoção, mas se faltarem a reverência e o temor ao divino, não passarão de rituais superficiais, pontuais, sem consistência, sem desdobramentos transformadores. Ruídos piedosos. Culto sem alma é ritual oco!   

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