
Sobe outro muro! O governo francês decidiu erguer um muro para controlar o fluxo de migrantes e refugiados. Claro, esse problema dos migrantes é complexo e delicado, com um sem número de desdobramentos e sombras no campo humanitário, em primeiro lugar, resvalando para a dimensão social e para a área de segurança. Erguendo muros, no entanto, não parece ser a estratégia mais indicada para encaminhar o desafio. A história recente comprova a ineficácia dessa insolente medida. Muros não reprimem anelos. Pelo contrário, atiçam brios, aproximam adversários que, diante de um inimigo comum, escolhem esquecer diferenças, provocando, no fim, o efeito contrário ao desejado. Muros dificultam a mobilidade, mas não controlam ideais. Os guetos de Hitler, o Muro de Berlim são as provas mais recentes da ineficácia dessa estratégia confinadora! Surpreende como o ser humano recusa aprender com seus próprios delírios.
Reitera-se, o problema é desafiador! Por isso, demanda encaminhamento fundamentalmente humanitário. O que equivale a respeitar a dignidade de cada ser humano. E, consequentemente, assumir e denunciar o abismo de desigualdades que persiste entre as várias nações. Sociólogos e antropólogos debruçam-se para explicar origens e causas para esse infame abismo. A partir dessas pesquisas emerge um indigesto indicativo, nem sempre assumido pelas classes ou nações dominantes. Patrocinou-se ao longo dos séculos a doutrina do domínio absoluto sobre bens. Nações e indivíduos apropriaram-se das riquezas da terra, passando a administrá-las como se fossem propriedade exclusivamente particular. Essa ideologia favoreceu, claro, o excessivo acúmulo de bens nas mãos de poucos, privando a grande maioria de cidadãos a possibilidade de usufruir-se dos benesses da terra. Forma-se, então, um oásis privativo de poder e regalias enquanto a maioria da população se vê empurrada para desertos periféricos. É o retrato do atual panorama social, tanto no microcosmos de cidades como na macrocosmos do planeta.
Acontece que as multidões, relegadas às periferias, não aceitam essa ordem social, evidentemente injusta e desumana. Buscam sobrevivência digna, invadindo espaços onde se encontra a concentração dos benesses. Instala-se, então, a tensão entre os mais abastados - indivíduos ou sociedades - e a multidão carente. Esses últimos pressionam enquanto os primeiros não se dispõem a perder privilégios. Contentam-se, no máximo, a dar esmola, ajudar pontualmente. Recusam-se reconhecer a ambiguidade das premissas. Enquanto se continue a justificar a política do domínio absoluto, a miséria continuará se espalhando e os miseráveis persistirão perturbando. Ilude-se imaginar que muros, altos e reforçados, confinarão a inconformada multidão. Esconder para não enxergar não elimina a radical injustiça. Não corrige a intrínseca distorção. Torna, ainda, os omissos cúmplices de uma realidade cruel e infame.
Ao se compenetrar que bens e riquezas possuem, primordialmente, destinação social, começa-se a domar a paranóia cumulativa. Juntando muito não protege da carência nem assegura tranquilo usufruto. Ilusão é construir muros. Barreiras de concretos ou de arame farpado denunciam debilidades! E medos! A tranquilidade se reconquista quando se garante a todos decentes oportunidades para uma digna sobrevivência. Está comprovado, a terra produz suficiente riqueza para satisfazer seus bilhões de habitantes. Não é errado ter bens! Errado é tê-los em excesso! Errado é o desperdício! Errada é a insolente ostentação! Errada é a arrogante indiferença!
A ganância cega a alma humana e a prepotência atrofia o raciocínio. Privado de sentido equilibrado de justiça e da reverente consideração pela dignidade do semelhante, a alma humana fica míope, confusa, insensível e, inexplicavelmente, cruel! Cúmplice, em suma, na infame construção de muros!
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