sábado, 19 de novembro de 2016

ARTIGO: OUTRA RAÇA

Duas vezes Jesus chorou! Comoveu-se e chorou em Betânia, por ocasião da morte de seu amigo Lázaro. Comoveu-se e chorou, no monte das Oliveiras ao avistar Jerusalém e prenunciar seu iminente colapso. Em ambas as situações, profundamente comovido, Jesus não se contém e deixa transparecer sua sensível e real humanidade. Jesus é tão gente que chora! Chora ao lado de quem chora! Por ocasião da morte do amigo, tocado pela tristeza das irmãs, igualmente amigas, Jesus manifesta seu tenro carinho. Ao chorar sobre Jerusalém, Jesus escancara a alma de pastor bom, empenhado em não perder nenhuma ovelha. E ambas as situações, o choro de Jesus evangeliza. Em Betânia, ao perceberem o choro de Jesus, os vizinhos de Lázaro reagem com inconformados comentários. Se o amava tanto, conversavam, não podia ter ele livrado o amigo da morte. Afinal, as benemerências de Jesus eram amplamente conhecidas. De fato, quando soube da gravidade da doença do amigo, o Mestre se deteve onde se encontrava e fez com seus companheiros o seguinte comentário: essa doença não levará a morte, mas será ocasião para a manifestação da glória de Deus. Quatro dias depois, dirige-se a Betânia, partilha a dor das irmãs, anuncia a dimensão eterna da vida humana e, por fim, ressuscita Lázaro. Neste contexto dramático, como desolada costuma ser toda situação fúnebre, apesar do desfecho luminoso, Jesus não hesita chorar. Impressiona e comove sua solidariedade com o sentimento humano. Sabia Jesus que ia ressuscitar Lázaro, contudo não fez pouco do sofrimento humano. Chorou junto! Diante de tragédias que frequentemente arrasam a humanidade, ouve-se a pergunta: o que faz Deus nessas horas? O relato do óbito em Betânia insinua a resposta: Jesus chora com os que choram. O sofrimento humano o comove profundamente e a sua reação em Betânia sugere que quem, como ele, se envolve genuinamente com o sofrimento alheio, não se contenta apenas em chorar, mas busca encontrar meios para aliviar a dor. É sempre possível fazer mais e melhor. Ao aproximar-se de Jerusalém, pelo monte das Oliveiras, o peregrino consegue uma vista emocionante da cidade santa. Tenta-se imaginar o que representava para um judeu fiel, avistar a grandiosidade do Templo e a pujança da cidade real. Ao aproximar-se da cidade, naquele dia, Jesus, bom judeu, deve ter experimentado sentimentos de grande ternura, de brio patriótico, até. Diante dos olhos estava o resumo da história de um povo amado apaixonadamente por um Deus protetor. Era a cidade santa do povo eleito! Era a cidade protegida pelo Onipotente! Mas também representava a cidade rebelde, de gente de cabeça dura, que na sua arrogância matava profetas e estava prestes a rejeitar o enviado de Deus. O Templo, a religião e os costumes já não andavam mais em sintonia com as orientações divinas. Havia se desenvolvido uma religião caricata, institucionalizada, dissimulada. E como acontece com todas as religiões que tentam manipular Deus, sua derrocada estava decidida. Pressente Jesus o iminente colapso e chora. Não pelas pedras e construções, mas pelo povo, perdido e desnorteado como ovelhas sem pastor! Chora e deixa escapar comovente lamento: quantas vezes quis reunir seus filhos como a galinha reúne seus pintainhos, mas você não quis! Como dói um amor não compreendido e rejeitado. Como dói um amor abandonado! Doeu profundamente na alma do Mestre, a obstinação do seu povo rejeitando a mão redentora do Messias! Emerge, então, o grande drama que acompanha a história da humanidade, associado à crucial questão da liberdade humana. Deus quer salvar o Homem, mas não sem o seu livre e consciente consentimento. O que distingue o Homem é a liberdade, e Deus a respeita profundamente! Sem a liberdade, a humanidade seria outra raça, totalmente diferente desta que conhecemos. Livre Deus fez o Homem e chora quando a criatura faz péssimo uso da liberdade, porque sabe que ao usar mal esse precioso dom, cava sua própria destruição. O choro de Jesus interpela!

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