
DIVINA DÁDIVA
À semelhança humana costumam ser as divindades! O estudo da mitologia, como também o substrato cultural de várias civilizações, induzem a afirmar que na maioria das religiões as divindades cultuadas refletem sentimentos e projetam anelos da alma humana. Os homens fizeram os deuses segundo seu imaginário. Pensadores há que aplicam essa tese também para a religião cristã. O Todo-Poderoso Deus da Bíblia reflete a sensação de indigência que o ser humano experimenta ao enfrentar os vários desafios do cotidiano. Ele necessita de um ser onipotente a quem recorre e de quem espera socorro. O criador não passa de uma divina ficção a moda humana.
Essa racional censura esbarra, no contexto cristão, em uma das principais verdades bíblicas. O livro sagrado dos cristãos tem como eixo a figura de Jesus Cristo. Antes da sua chegada, os profetas dele falaram. Sua passagem histórica encontra-se registrada nos evangelhos. E após o término da sua peregrinação terrestre, Jesus é a inspiração de toda literatura subsequente. É em torno da figura de Jesus, portanto, que se deve concentrar toda reflexão. Premissa indispensável, nessa análise, é a perspectiva da fé. Desprovida dessa premissa, a inteligência humana enxerga Cristo como ilustre pensador, benemérito cidadão, a semelhança de tantas outras figuras históricas. Sem a configuração da fé, Jesus é tão somente um ser humano distinto. Educado na fé e catequizado pelos evangelhos, contudo, o cidadão enxerga Jesus a partir de outro prisma, com relevantes desdobramentos sobre a transcendência divina.
Concebido pela ação do Espírito Santo, o Filho de Maria não é apenas um homem ilustre. Ele é Deus que se faz humano. Pela fé se reconhece que Jesus é, misteriosamente, Deus e Homem. Sem abrir mão de sua divindade, Jesus assume em plenitude a condição humana. A encarnação de Jesus reverte o esquema da mitologia. Não é a mente humana que fantasia a divindade. Em Jesus, é a divindade que assume a condição humana. Não é mais o homem que precisa escalar montanhas para ver Deus, é a divindade que se despe para assumir a natureza humana. Ao assumir em Jesus o jeito humano de ser, Deus revela seu profundo desejo de estar sempre acessível, próximo ao ser humano. Profundamente envolvido com a história humana, o Criador assegura que suas verdades e instruções têm como destinatário principal o ser humano. Encarnando-se, Jesus facilita sobremaneira o acesso às verdades divinas. Fala a língua dos homens e, acima de tudo, experimenta as mesmas misérias. A encarnação é uma sublime estratégia, sábia e, simultaneamente, simples! Na teológica visão do evangelista Mateus, a encarnação representa um novo gênesis. Da mesma forma que no começo, Deus, do nada cria o ser humano e o coloca no jardim do Eden, em Jesus, por iniciativa própria, propõe devolver à criatura decaída a original dignidade e a primitiva beatitude.
Este formidável projeto, contudo, só se torna realidade quando o homem se dispõe também a encarnar-se. Vive-se em uma cultura que enaltece privilégios e estimula diferenças entre pessoas. Há graus de cidadania em nossas sociedades, geradores de injustiça e causadores de rivalidades. Celebrar a encarnação de Jesus Cristo significa, fundamentalmente, empenhar-se em mudar esta ordem classista para uma civilização de fraternidade, onde as pessoas se reconhecem e se tratam como irmãos. É viver, em suma, e de forma radical, a caridade. O caminho, único e inconteste, para o mundo tomar um novo rumo é aquele indicado pelo exemplo de Jesus Cristo: rebaixar-se e colocar-se incondicionalmente ao lado do próximo. Todo sentido possui o apelido proclamado pelo profeta, e plenamente confirmado em Jesus: o filho de Maria é o EMANUEL, o deus próximo.
Num mundo conturbado e dividido, Jesus permanece o precioso presente de Deus para a humanidade. Sua encarnação reafirma, de forma categórica, que o homem tem salvação! Que os conflitos podem ser solucionados, que o ódio pode ser vencido, que as diferenças podem ser superadas. Que o medo, afinal, pode ser banido. Que paz e felicidade são, em suma, possíveis! Basta que o homem tenha boa vontade e olhe para Jesus. Ele, a dádiva divina, é a nova luz que brilha nas trevas. Quem o enxerga, partilha e difunde a nova luz!
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