sábado, 11 de fevereiro de 2017

DESCALÇOS

Aparências contam! A cultura moderna valoriza demais a produção. Toma-se como referência as celebrações de casamento. Absurdo é o gasto na produção de um casamento. A ponto de muitos noivos deixarem de oficializar sua união por falta de recursos. Ou por não considerar prudente despender tanto em pompas e acessórios! Reconhece-se, por outro lado, o grave perigo a existir por detrás de uma mega produção: ocupa-se tanto com exterioridades, que se descuida do essencial. O impacto é que mais conta! Boa aparência e influentes amizades impressionam. E garantem vantagens! Tanto que não são poucas as pessoas que amam aparecer ao lado de gente importante! Curioso, essa excessiva mania de valorizar as aparências contamina também o campo religioso. Embora se conheça a afirmação divina, tantas vezes repetida na Escritura Sagrada, que Deus não julga influenciado por aparências, lamenta-se persistir a dúbia mentalidade que associa o acesso a templos e a celebrações somente à gente de boa índole. Cidadãos suspeitos de algum deslize moral percebem-se sutilmente censurados ou polidamente tolerados em cultos e liturgias. Esta postura seletiva estende-se também à aparência física. Pessoas pobremente vestidas percebem-se descriminadas, quando não explicitamente isoladas. Embora formalmente se condene essa mentalidade, é fato que tanto entre os primeiros como entre os segundos, muitos há que simplesmente deixaram de participar de atividades religiosas por se sentirem reprovados e recriminados. Participar de liturgias e cultos passou a ser privativo de gente de bem Atento observador de costumes, o Senhor Jesus detectou esta censurável tendência já em sua época. E a condenou, em sintonia com a pregação dos profetas. A classe dos fariseus, em particular, insistia em separar o puro do impuro e determinava quem podia ou não participar das liturgias do Templo. Pedagogo redentor, tratou Jesus de corrigir esse grave equívoco. Ao contar a parábola do fariseu e do publicano que foram ao Templo para orar, Jesus deixa transparecer nas entrelinhas a premissa fundamental de toda atitude orante. O fariseu, consciente e meticuloso observador de normas e preceitos, além de se gabar da distância moral que julgava existir entre si e outros homens, incluindo o publicano, ocupou-se em exaltar suas obras boas. Por sua vez, o publicano, transgressor confesso, apenas suplicava a compaixão divina. Para surpresa geral, Jesus afirmou que foi o pecador quem voltou em paz para casa. A razão é teologicamente simples: quem, ao orar, se coloca na presença de Deus só pode sentir-se pecador. Por mais excelentes que fossem as obras de caridade praticadas, sempre ficam aquém do que se espera de uma pessoa de fé. São ínfimas diante da imensa bondade de Deus e certamente não representam nenhum pretexto para comparações e julgamentos. Emerge a fundamental premissa a preceder e acompanhar todo ato de oração: a humildade. Ao orar, o humilde coloca-se na presença de Deus, sem maquiagens interiores e sem acessórios exteriores. Sem máscaras, em suma! Orar é colocar-se diante de Deus assim como se é, não como gostaria que fosse nem como gostaria que outros vissem. Sim, muitos há que na presença de Deus se escondem atrás de grifes e de perfumes! Ou de piegas posturas! Esquecem que para Deus as aparências pouco contam. Rezam de mentirinha. Rituais piedosos, coração pagão! Habituar-se a se colocar despido diante de quem conhece as sombras da alma humana é, na verdade, uma libertação. E, segundo a história de Jesus, oportunidade para retornar para casa em paz! Apresentar-se humilde, despido, diante de Deus é premissa fundamental para uma oração santificadora e libertadora. Ilação outra, que emerge espontânea a partir dessa iluminadora instrução de Jesus, induz a entender que os templos, as igrejas, não são privativas aos que a comunidade julga bem comportados. Ninguém é santo perante Deus! Ao contrário, existem como espaço privilegiado para pecadores. Assim como ambulatórios existem para tratar de doentes, as igrejas representam espaço ideal para pecadores encontrarem refúgio e refrigério. É com pés descalços que se pisa na igreja e se põe a orar!

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