
Por que há tanta briga entre as torcidas? Certamente, é a indagação que muita gente, horrorizada, fez ao acompanhar o noticiário sobre a recente e feroz batalha urbana entre torcidas rivais no Rio de Janeiro. Evidente, esses confrontos não são exclusivos ao Brasil. Em outros países também se briga por causa do futebol! Essa triste realidade justifica a difusa inquietação e impõe sérias ponderações. Demanda, sobretudo, urgentes providências. Evidente, o futebol não é a causa dessas absurdas agressões. Pois se fosse, aconteceriam confrontos sempre que houver partidas de futebol. Comento habitualmente a experiência que vivi na Irlanda num domingo de jogo importante entre dois times tradicionalmente rivais em Dublin. Desde cedo, as torcidas desfilavam com seus uniformes nos ônibus, nas ruas e até na missa! Participei da missa junto com torcedores uniformizados que rezavam, cantavam, trocaram abraço da paz! Terminada a missa, o convívio pacífico continuou nas avenidas e restaurantes, sem nenhum aparato policial ostensivo. Terminado o jogo, o mesmo desfile de torcedores rivais retornando para casa na mais serena ordem. É possível torcer sem brigar!
Emergencialmente, urge elaborar uma eficaz logística preventiva e repressiva, visando cercear e punir descontrolados e contumazes arruaceiros. Urge agir com rigor para evitar essas batalhas urbanas, como também para preservar vidas inocentes, tanto de torcedores como de cidadãos alheios às rivalidades futebolísticas. Garantindo, ademais, a beleza do esporte. Essa logística, embora urgente e indispensável, apresenta-se como pontual encaminhamento. Intui-se a necessidade de buscar uma solução que ataque a raiz e controle os instintos que fomentam os confrontos. Neste nível, a análise leva em conta vários fatores potencialmente propícios a abrigar sentimentos agressivos e alimentar impulsos intolerantes.
Emerge o drama maior a acometer a atual civilização: as pessoas estão perdendo a individualidade. Estão deixando de ser ‘persona’! Paulatinamente, as várias engrenagens da civilização moderna estão fazendo com que o ser humano perca suas feições de gente e adquirindo contornos de criatura sem nome. Essas brigas entre torcidas oferecem providencial referência. Ao investir contra a torcida rival, enxerga-se apenas a cor da camisa e se ignora por completo o rosto de quem a veste. A cor da camisa se impõe e o sujeito que a veste não passa de manequim! Este trágico fenômeno da paulatina desvalorização do ser humano se verifica não somente na área esportiva, estende-se e envolve questões étnicas, confessionais e sociais. Patrulhado e condicionado por esta tal economia de mercado, enfeitiçado e dominado pelas redes sociais, o cidadão perde seus traços humanos e vira número, anônimo, sombra. O time do coração, a conectividade, o consumo enfim, estão impedindo de enxergar que o vizinho é um ser humano que respira e que tem nome! Com história, com potencialidades, com sentimentos! Saltam a irracionalidade e o absurdo das brigas entre torcidas – e entre todas as demais formas de xenofobia: ignora-se por completo o rosto humano. É a tragédia maior: a humanidade está ficando cruelmente desumana! Cidadãos são ridicularizados ou agredidos somente porque optam torcer por time diferente, por seguir uma religião diferente, por pertencer a uma raça diferente. É a este estágio de total insensibilidade que caminha a atual civilização: para a economia do mercado, o cidadão é consumidor; no hospital, é paciente sem sentimentos; no mercado de trabalho, é funcionário sem nome! Incompreensivelmente, a sociedade se conforma com a difusa e camuflada tendência de ignorar o semelhante!
Humanizar a civilização é impostergável tarefa! Impõe-se reaprender a diminuir o ritmo, a habituar-se a olhar nos olhos, a escutar com atenção. São atitudes simples com reais potencialidades de resgatar a dignidade do irmão, de reconhecer-lhe o rosto, de chama-lo pelo nome. Premissas fundamentais na busca de sustar e reverter todas as formas de agressão!
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