
“Acredite no Evangelho”! Com esta exortação, questionadora e desafiadora, dá-se início ao salutar tempo da Quaresma! Estações e épocas costumam marcar hábitos. Houve tempos quando, de fato, a época da Quaresma mudava sensivelmente a rotina da vida das pessoas. Dada a ascendência e a difusão da cultura laica, todavia, foram se diluindo, inclusive dentro da população cristã, os hábitos penitenciais peculiares à época. Neste contexto mais profano, a Igreja quer oportunamente provocar seus membros a avaliar a quantos anda a fé no evangelho? A que grau de fidelidade ao evangelho se encontra sua vivência cristã?
Evangelho não é livro, nem texto. Evangelho não é tese, nem ideologia. Evangelho é Boa Notícia, semente dinâmica com potencialidades reais de produzir frutos fecundos. E a alvissareira notícia é que o Homem tem salvação. Sua vida tem sentido e está direcionada para um fim glorioso. O Homem não existe para terminar sua existência em pó! Existe para viver feliz e caminhar para a plenitude da existência na eternidade. É a mensagem redentora que o Senhor Jesus trouxe ao mundo com a sua Encarnação. Deus, que criou o Homem à sua imagem e semelhança, se interessa vivamente em vê-lo recuperar a dignidade original perdida por um ato de rebeldia e desobediência. Jesus, o Filho Unigênito de Deus, ao assumir a condição humana não somente explicita esta vontade redentora, como também indica o caminho para a sua plena realização. Afinal, se foi por um ato humano que se perdeu a beatitude original nada mais lógico que seja, igualmente, por um ato humano que se recupere a glória. Eis o sentido do complemento inseparável à exortação que dá início ao tempo da Quaresma: converte-se! Aliás, reproduz a Igreja de forma pedagógica e catequética a primeira frase pronunciada pelo Mestre ao iniciar sua jornada missionária. Assim como Jesus iniciou sua viagem até a Páscoa conclamando as pessoas à conversão e a abraçar confiantes sua proposta do Reino, a Igreja exorta seus fiéis a igualmente mudarem suas preferências e referências rumo à Pascoa pessoal e coletiva!
Crer é agir, fazer acontecer! Crer é presença vital! A fé é energia operante, que não se reduz a conceitos nem se delimita por sentimentos ou emoções. Se expressa por posturas decididas e se fortalece por atos concretos. A vida de Jesus representa o grande exemplo e estímulo neste sentido. Ele demonstrou sua fé no Evangelho que trazia operando o bem por onde andasse. Converter-se para o Evangelho, portanto, só pode se revestir de um sentido: relacionar-se com todas as pessoas com reverência, respeito, consideração, qualquer que seja a circunstância. Ao exortar seus seguidores a agirem como testemunhas do Evangelho, Jesus os conclamava a olhar o rosto das pessoas, conhecer sua identidade, sua história, suas necessidades. Ele parava e dava atenção aos que por ele clamavam. Apelo mais que urgente para os tempos atuais, quando se e induzido a correr, a passar por pessoas sem as notar, a conversar com gente sem sequer perguntar o nome! Perdida no anonimato, muita gente passa pela vida como se invisível fosse, fatalmente ferida em sua dignidade humana. Crer no evangelho representa, na prática, devolver ao ser humano sua dignidade, fazer cada irmão sentir-se valorizado!
Crer no evangelho é munir-se de inesgotável energia, alimentada pela certeza inabalável que este novo mundo – o Reino – acontecerá, independente da vontade dos homens. Sim, chegará, sem falta, o novo amanhã. Crer no evangelho representa caminhar com passos firmes e semblante sereno em sua direção, sem ligar para o lento progresso, sem se incomodar com a inexplicável indiferença e debochado ceticismo de tantos. E sem, igualmente, desanimar-se diante de inevitáveis fracassos e previsíveis perseguições! Crer no evangelho é postura realmente exigente. Compreende-se a oportuna e periódica convocação que a Igreja faz a seus membros para purificarem-se da ferrugem acumulada!
As cinzas complementam a forte simbologia deste tempo litúrgico. Lembram a origem humilde do ser humano. Evocam, igualmente, a pedagógica vitalidade da vida. A natureza transforma ramos secos e caídos em material orgânico, absorvendo-o como adubo consistente na renovação e geração da flora. Ao serem confeccionadas de ramos bentos e colocadas sobre as cabeças, as cinzas lembram os fiéis da sua vocação de marcarem presença na condição de fertilizante adubo na restauração do rosto humano!
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