sábado, 18 de novembro de 2017

MENTIROSOS

“Convide os pobres”! Recorrendo a esta pragmática orientação, Jesus pretende despertar a consciência de seus seguidores quanto a um dos mais cruéis flagelos que afligem a sociedade. A ocasião era a disputa por lugares importantes num banquete. Observando a avidez com que convidados procuravam fartar-se, Jesus destacou o que viria a ser um gesto verdadeiramente grandioso: convidar os pobres para uma refeição, porque estes não têm como retribuir. Amigos recompensam gentilezas. Ao convidar pobres, o sujeito demonstra que não espera retribuição, mas age, unicamente, movido por genuína caridade. A lista dos pobres é imensa. São mais de 800 milhões de pessoas espalhas pelo mundo. O Papa Francisco, ao encerrar o Ano da Misericórdia, em 2016, conclamou a Igreja a refletir, a cada 19 de novembro – dia Mundial dos Pobres – sobre esta cruel situação e a analisar a seriedade do seu empenho no combate á pobreza. Fez questão, na ocasião, de listar as múltiplas categorias de rostos marcados pelo flagelo da pobreza: os marginalizados, os oprimidos, as vitimas de violência, os torturados, os injustiçados, os presos em desumanas condições, os privados de liberdade e direitos básicos de decência, os analfabetos, os doentes e idosos desassistidos, os desempregados, os viciados, os migrantes, os famintos. A lista é infame e vergonhosa! Particularmente no atual estágio da civilização, quando a humanidade se regozija diante dos formidáveis avanços tecnológicos que supostamente aproximam as pessoas, fomentam a produção, multiplicam riquezas e elevam as condições de vida! Estranha humanidade que desenvolve potentes lentes capazes de enxergar distantes galáxias, mas permanece míope diante da infame miséria que humilha o semelhante. Emerge indigesta constatação: apenas uma minoria da sociedade e um seleto grupo de países ostentam real acesso à dignas condições de vida. A grande maioria permanece esquecida, como se invisível fosse. Talvez mais correto fosse afirmar que para o tal privilegiado segmento, quanto mais invisíveis permaneçam essas categorias de humilhados, menores serão os aborrecimentos, menor o constrangimento em apresentar insustentáveis justificativas. Maior o sossego, enfim. A realidade, todavia, continua incômoda! Não há muro, não há legislação capaz de camuflar a cruel desigualdade. O grito de tantos milhões de injustiçados continua perturbando gabinetes, condomínios, prédios e palácios exigindo atenção. Sobre toda riqueza repousa uma hipoteca social, advertia profeticamente o papa João Paulo II. Ao conclamar os católicos a fazer, no dia Mundial dos Pobres, uma sincera reflexão sobre a dura e triste realidade, o Papa Francisco, na realidade, os convoca a tomar posição. Pobreza tem cura. Depende unicamente de uma participação efetiva e consciente de todas as forças vivas da sociedade. Governos cumprindo suas responsabilidades administrativas. Famílias educando na dimensão ética. Escolas caprichando na formação cidadã e igrejas na moral solidária. A mídia mantendo presentes a trágica realidade da miséria e as infames consequências da desigualdade. Repousa, por fim, sobre cada individuo o peso moral de não ser mais indiferente. A pobreza, em cada uma de suas manifestações, demanda uma tomada de posição. Não se pode permanecer neutro. Nada justifica a passividade. A indiferença acusa, atualmente, intolerável imoralidade. Em se tratando de pessoa religiosa, a indiferença e a negligência representam graves omissões! Afinal, não se pode estar ligado a Deus, e permanecer desligado da realidade do próximo! A Bíblia chama de mentirosos os que dizem amar a Deus, mas ignoram seu próximo! Pobreza tem cura! E o procedimento regenerador passa pela assimilação do sentido evangélico da justiça e pelo criterioso exercício da caridade solidária. Não é mais admissível que uma sociedade tão prodigiosamente inteligente conviva com uma vergonhosa e imoral desigualdade!

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