sábado, 25 de novembro de 2017

SELFIE

Parece que foi combinado! Justamente na semana escolhida pelo Papa Francisco para motivar uma séria reflexão sobre a trágica e humilhante condição de pobreza vivida por milhões de pessoas ao redor do mundo, uma criança desmaiou de fome numa escola a 11 km de Brasília. Todos os detalhes elevam este triste episódio à condição de tipo, ou seja, uma singular referência para pessoas de boa vontade. Não se imagina, em tese, que uma criança passasse fome estando tão próxima à sede de poder. Supõe-se que executivos e parlamentares tivessem olhos para enxergar tão gritantes necessidades. Os fatos mostram outra realidade! A situação miserável de tanta gente permanece fora do alcance do radar de nossos eleitos representantes. Fazem emocionantes discursos e comovidas promessas, enquanto permanecem inoperantes diante do cruel e constante pesadelo de milhões de eleitores! Este episódio é genuinamente típico, pois impõe uma oportuna referência. A mesma censura que emerge a partir da infame indiferença de nossos executivos e parlamentares, aplica-se também à maioria dos cidadãos. Com um agravante nada desprezível: a esmagadora maioria identifica-se como cristã, marcada indelevelmente com o selo do amor fraterno! Não é somente nas periferias de Brasília que crianças desmaiam de fome: na maioria das outras cidades também! O clamor desses pequenos permanece, curiosamente, fora do alcance dos radares dos cidadãos. Seus rostos permanecem invisíveis, por comodismo ou indiferença. Prefere-se fingir que tal situação desumana acontece somente em Brasília, longe suficiente para continuar curtindo, sem remorsos, confortos e extravagâncias! Ao convocar os cristãos a alargar seu campo de visão, e nele incluir os milhões de pobres, em especial os que moram próximos, o Papa Francisco quer despertar o cidadão do sossegado sono e reavivar nele a chama da solidariedade que deve ser distintivo de toda gente de boa vontade, em especial do batizado. Pobreza tem cura, se o cristão se reveste da armadura da fé e do amor, como também do capacete da esperança da salvação, como recomenda o apóstolo Paulo. Ao propor este novo modelito, o apóstolo insiste que o cristão não pode ficar indiferente diante de condições de vida tão degradantes. Ao mudar corajosamente hábitos, opera-se significativo salto de qualidade, tanto na esfera pessoal como coletiva. Resignar-se diante de tão humilhantes desigualdades representa, por óbvio, compactuar com a miséria. Não somente do ponto de vista cristão, mas também da condição cidadã, não se pode considerar o sofrimento de milhões como inevitável fatalidade. Lembra o Papa que o cristão em especial, mas também o cidadão consciente, não deve amar apenas com palavras, mas com gestos e de verdade. É sempre possível fazer mais quando se ama! Ajudas pontuais e caridades sazonais não resolvem o problema, apenas o mitigam provisoriamente. Ao revestir-se da armadura da fé e do amor, insere-se no processo de afastar-se da mentalidade egocêntrica que impera na atual cultura e rege os valores e as motivações dos cidadãos. Nações e indivíduos andam marcados por uma exacerbada cultura selfie! O EU e o MEU são referências absolutas. As motivações, tanto no campo individual como coletivo, giram em torno de vantagens. Abraça-se tudo e somente o que promete lucro. Repudia-se o que gera incômodos. Ao permitir prevalecer essa mentalidade demasiadamente narcisista, tanto as sociedades como os indivíduos vão se isolando, dúbia estratégia de proteger ou garantir o próprio conforto. Entende-se porque está ficando cada vez mais raro encontrar voluntários dispostos a abraçar iniciativas humanitárias. Ou mesmo aceitar tarefas pastorais. Ao selecionar a frequência do radar, reduz-se consideravelmente o volume vindo de apelos por atenção, acomoda-se melhor no próprio conforto. Esta cultura subjetiva está contaminando igualmente os espaços religiosos: são mais populares as celebrações e cultos que oferecem bênçãos e curas que as liturgias que insistem no comprometimento e instigam sair do comodismo. Enganadora permanece esta cultura do ‘selfie’. Impõe-se liberar-se dela com urgência e decisão. Urge ultrapassar as fronteiras do egoísmo e do comodismo, caso se queira, de verdade, que nenhuma outra criança desmaie de fome em sala de aula!

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