sábado, 24 de março de 2018

DECIDIR-SE

Cobrem a terra as trevas! Os evangelistas emolduram a morte de Jesus em trevas espessas, justamente para sinalizar a sufocante confusão em que se mete a humanidade toda vez que se afasta do caminho da sensatez. Sempre, quando o ser humano recorre à irracional violência como meio de resolver litígios e disputas, age envolvido em trevas. E diante do recrudescimento das trevas, e do inerente medo que carregam embutido, sobe um lamento do mais fundo da alma: até quando persistirão essas pavorosas sombras? Os evangelhos não apenas registram fatos. Propõem catequese. Ao destacar as espessas sombras a envolver a morte de Jesus, induzem a refletir sobre a gravidade de toda irracional e prepotente agressão. No entanto, a morte de Jesus não representou um fim. Para quem se guia pelos olhos da fé, o fim foi a ressurreição. A suave luz da aurora sobrepõe-se às sinistras trevas. Olhando a partir dessa perspectiva, começa-se a entender a verdadeira história de Jesus. Começa-se, igualmente, a conhecer sua legítima missão. Pode soar como indelicada provocação, mas não são poucos os batizados que guardam, e divulgam, conceitos ambíguos sobre Jesus. Uns preferem um Jesus populista, quebra-galho, pronto solucionador de todos os problemas, financeiros principalmente. Outros o apresentam como exigente moralista, intransigente promotor de bons costumes. Emerge, nesse desencontro de ideias, a lição preciosa administrada pelo próprio nazareno. Ao saber que havia gente querendo conhece-lo, Jesus, como do seu costume, não perde tempo com explanações teóricas, mas recorre a um símbolo eloquente: o grão de trigo. Compara-se ao cereal que ao morrer produz muitos frutos. Com esta sua precisa resposta, Jesus não somente explicita sua verdadeira identidade, como também apresenta a receita para banir definitivamente as trevas que ameaçam a humanidade. O Filho de Deus veio ao mundo com a missão de reconduzir a humanidade ao caminho da sensatez, tirá-la das trevas e a introduzir novamente na luz. Este processo, contudo, não dispensa a consciente participação do ser humano. Respeita a inteligência e conta com a liberdade da própria humanidade. O projeto de resgate envolve a soberana participação do homem. Mesmo uma análise rápida sobre a história, tanto coletiva como individual, aponta como raiz de tanta treva reinante no mundo, o exacerbado egoísmo que deforma o homem e que se manifesta da variadas formas, todas opressoras e oportunistas. A regra mor da cultura egocêntrica ensina que para progredir o sujeito precisa sobressair-se. Concorrentes, portanto, e críticos têm que ser vencidos. Não raramente, este enfrentamento chega ao extremo da eliminação física do oponente, estratégia considerada como rápida e de radical solução. É a arrogante prepotência que motiva toda agressão estúpida, arbitrária, covarde. Mata-se e viva melhor, instiga a cultura da prepotência! Não se gera vida a partir de ódios e ressentimentos, mas, sim, a partir da superação do egoísmo e da prepotência! Vida é sempre fruto do bem! Gera-se prosperidade aprendendo a olhar além do imediato, do fácil, do cômodo! A cultura egoísta propaga uma tranquilidade que é mentirosa, justamente porque concebida e executada nas sombras. Na contramão desta cultura despótica e sanguinária, Jesus, o mais ilustre entre os intolerados, se apresenta como o grão de trigo que morre para gerar vidas! Contra as espessas trevas do prepotente egocentrismo, a suave luz da doação e da abnegação. Do respeito e da tolerância. A crônica jornalística denuncia que as trevas persistem ameaçando. A humanidade, todavia, não abre mão do anseio de viver livre, sem medos e sem sobressaltos. A chave para superar o impasse continua na mão do homem: abrir a porta que o afunda nas trevas da egoísta e sanguinária violência. Ou abrir a porta que o introduz no caminho luminoso de Cristo, pavimentado de generosa doação e respeitosa tolerância. Dramática decisão, inadiável e consequente!

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