sábado, 14 de julho de 2018

ESTRANHO

Grande é a ambiguidade religiosa. Não é difícil imaginar a disparidade de respostas, e a consequente perplexidade, caso um curioso decidisse fazer um levantamento entre fiéis, saindo de uma missa ou de um culto, indagando sobre o que consideram realmente fundamental na religião cristã. Arrisca-se supor que, para um bom número de frequentadores, o que se considera prioritário não passa, na realidade, de acessório. Por outro lado, desconfia-se que o elemento identificador do cristianismo, a fraternidade alimentada por uma sincera caridade, fique, na prática, relegado a um plano secundário. Repara-se como a maioria se importa mais com formais celebrações e devoções tradicionais que com um sincero empenho de renovar a humanidade. A desobriga prevalece sobre o envio! Considerando que a probabilidade dessas observações esteja correta, é-se induzido a concluir que embora persista o cultivo da fé, ela se encontra mal focada. Reconhece-se a existência de um substrato cristão com, todavia, pouca ressonância no cotidiano da vida. Esta incoerência religiosa não é fenômeno recente. Jesus já a encontrou no seu tempo. Ela é resultado de uma excessiva institucionalização da religião. No afã de organizar e disciplinar a expressão do sentimento religioso, desenvolvem-se, habitualmente, esquemas religiosos protocolares focados em normas e rituais. Com o passar do tempo, esses regulamentos ficam supervalorizados a tal ponto que absorvam a totalidade da atividade religiosa. Prescrições litúrgicas e cultuais deixam de ser meios para um maior amadurecimento espiritual e passam a ser fins em si mesmos. Nesta visão ritualista, a tendência de transformar o culto em uma imprescindível exigência cresce enormemente. Migra-se imperceptivelmente para uma religiosidade vistosa, protocolar e conservadora, desprovida, no entanto, dos inerentes vetores transformadores. Neste contexto, mesmo valorizado, o rito deixa de cumprir sua fundamental função, a de expressar e alimentar uma fé viva e vivificante. Ao perceber esta ambígua religiosidade, o Mestre Jesus, em sintonia com as anteriores profetas, não hesitou em chamar a atenção para os alienantes equívocos. Não são rituais que Deus quer, mas misericórdia! Pouco adianta encher os templos de incensos e cantorias, se não se parte para realizar efetivas mudanças na forma de tratar o semelhante. Louva-se a Deus com os lábios, enquanto o coração permanece distante dele! O zelo em ver a religião colocada em sua correta perspectiva, fez com que Jesus se tornasse um estranho entre seus companheiros e, principalmente, entre as autoridades religiosas. Afligia-o constatar quão pouco se aproveitava de uma rica liturgia. Deus sempre tem tanto a oferecer, mas as pessoas aproveitam tão pouco. E tão mal! Enquanto operava milagres Cristo era aclamado e adulado. Quando, no entanto, começou a exigir coerência e continuidade entre culto e vida, entre oração e ação, a sua admirada sabedoria começou a incomodar. E a ser censurada! Receia-se que em algumas celebrações e cultos modernos, Jesus também seria considerado um estranho caso censurasse os tantos ruídos e solicitasse que se escutasse melhor a Palavra e se desse mais atenção aos tantos clamores que vem da rua, pedindo vida, atenção e esperança. Misericórdia, enfim! Está entre os seus, mas os seus não o reconhecem, porque curtem prioridades diferentes das dele! Exaltam com responsos e cânticos sua presença, mas apenas de forma ritual, repetitiva, protocolar. Urge recuperar a essência da religião! A comunhão viva e vivificante com o Senhor ressuscitado. Uma comunhão santificadora e motivadora, impelindo naturalmente a sair pelas ruas partilhando, graciosamente, as ricas bênçãos recebidas. A religião, e consequentemente a liturgia, alcançam seu primeiro objetivo quando conduzem a viver plenamente e, como natural corolário, a servir e promover o próximo com alegria.

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