sábado, 2 de março de 2019

JUSTA CARIDADE

Dá um peixe e você alimenta o sujeito por um dia. Ensina-lhe a pescar e você lhe assegura condições de alimentar-se para o resto da vida! Esta verdade, tradicionalmente conhecida e repetida, resume com precisão o pleno sentido da caridade cristã. A verdadeira caridade, ou mesmo o genuíno gesto humanitário, visa, primordialmente, o resgate da dignidade humana. Fome e outras misérias são superadas a partir de um reverente respeito pelo ser humano. Caridade, sem justiça, é caridade dissimulada. Acompanha-se, com aflição e angústia, a situação de milhões de migrantes e refugiados pelo mundo. A dramática situação de nossos vizinhos venezuelanos interpela-nos diariamente. Nossos vizinhos estão deixando seu país não somente porque falta-lhes o essencial para viver, mas porque querem encontrar meios para sobreviver de uma forma digna. A situação é idêntica para tantos outros refugiados pelo mundo. Curioso, as causas por detrás das migrações em massa convergem. A Venezuela – como tantos outros países africanos e asiáticos – não é um país pobre. Possui enormes reservas de petróleo, com plenas condições de tornar confortável a vida de seus cidadãos. No entanto, a ganância, a corrupção e o sequestro do poder estão levando o país a uma situação de ingovernabilidade e os cidadãos à deploráveis carestias. O mesmo enredo se repete em outros tantos países que registram intermináveis filas de fuga. As condições subumanas a que é submetida essa gente, comovem. Os maus tratos, revoltam. Campanhas humanitárias são providencialmente promovidas na tentativa de aliviar momentaneamente o sofrimento. Sabe-se, contudo, que a solução duradoura para tanto sofrimento injusto não se resume à esmola, mas envolve uma radical mudança nas políticas que regem o mundo. Como, também, uma igualmente radical mudança na gestão da solidariedade. Ilusão imaginar resolver os problemas humanitários na base de políticas econômicas. O sistema neoliberal que exalta o livre comércio e o consumo como os preferidos motores para um desenvolvimento globalizado sustentável e uma progressiva prosperidade já demonstrou amplamente suas limitações. A globalização dos mercados causa a globalização da pobreza. De um lado, um naco de nações e cidadãos progride admiravelmente, enquanto, por outro, muitíssimos estão sistematicamente empurrados para a miséria. Os avanços em condições de vida de alguns contrastam, vergonhosamente, com as humilhantes carestias de milhões. Esta situação, dolorosa e afrontosa, demanda abordagens mais radicais. Mais justas. Mais genuinamente humanitárias. Toneladas de alimentos e medicamentes estão paradas nas fronteiras com a Venezuela – pelo menos até este momento quando escrevo – aguardando liberação, com risco, inclusive, de perda de qualidade e subsequente desperdício! Caridade sem justiça é pura imprudência. Degradante exibição. Aquieta consciências, mas não resgata dignidade. Mais que dar peixes, é preciso assegurar condições de pescar. No caso dos venezuelanos – e de tantos outros refugiados pelo mundo – espera-se que a comunidade internacional pressione não tanto para mudar regimes, mas, principalmente, para assegurar que as riquezas naturais dos países estejam a serviço das respectivas populações. É total hipocrisia doar alimentos enquanto se permite perpetuar estruturas injustas. Total cinismo é doar varas, enquanto se patrocina, na surdina, a poluição dos rios!

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